PLANEJAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: INTENCIONALIDADES EM DISPUTA

Resumo: Abordamos aqui intencionalidades e concepções no campo do planejamento da educação no Brasil, com suas racionalidades e seus conceitos, com a intenção de visualizar e refletir a temática com base em aspectos históricos e sociais, bem como as relações em disputa presentes nos conflitos que perpassam a história do planejamento da educação no Brasil. Ao final, nos arriscamos em uma síntese sendo, uma concepção conservadora, por promover, sobretudo a perpetuação de dominação de uns para com outros e, uma concepção que se volta ao comprometimento social e transformador, no sentido de promover mudanças estruturais.

Palavras-chave: Planejamento da educação no Brasil; Planejamento conservador; Planejamento transformador.


INTRODUÇÃO

Apresentamos aqui resultados de uma pesquisa de cunho teórico-bibliográfico e documental com o objetivo de abordar intencionalidades/concepções no campo do planejamento da educação no Brasil, com suas racionalidades e seus conceitos, percorrendo o processo histórico de organização/institucionalização da educação (LAGARES, 2008).

Por meio de “um conjunto ordenado de procedimentos [atentos] ao objeto de estudo, e [...] por isso, não pode ser aleatório” (LIMA; MIOTO, 2007, p. 38), assim como por meio da apreensão, compreensão e análise de documentos variados, com ênfase nas normas educacionais (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009), apreendemos conceitualmente dois campos de intencionalidades no planejamento que ganham mais força no campo da educação brasileira em sua história, podendo ser descritas como: a) conservadora, por promover, sobretudo a perpetuação de dominação de uns para com outros; e b) também, aquelas que se voltam ao comprometimento social e transformador, no sentido de promover mudanças estruturais e, em especial, voltadas para um objetivo comum. Isto, retratando o período a partir dos anos 1920, em um “esforço suplementar de compreensão da situação atual” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 91), mas com ênfase aos escritos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). E um caminho percorrido com a intenção de visualizar e refletir a temática com base em aspectos históricos e sociais, sendo possível, assim, apreendermos a movimentação histórica de permanência ou conservação, ou breves períodos com transformações repentinas e/ou profundas empregando reflexões críticas bem como as relações em disputa presentes nos conflitos que perpassam a história do planejamento da educação no Brasil, como advoga Ianni (1986, p.159), sendo sob a forte “contradição entre as tendências da sociedade nacional e as tendências da economia dependente”; no histórico debate entre os defensores da educação pública e os promotores da educação privada (SANDER, 2005); entre classes sociais e relações sociais capitalistas (DOURADO, 2010); e, também, entre políticas de governo e demandas da sociedade (FONSECA, 2013).

No texto, iniciamos tecendo considerações introdutórias a respeito de diferentes tipos de racionalidade e tensões que permearam e permeiam o planejamento no campo da educação brasileira. Em seguida, apresentamos mais detidamente elementos e intencionalidades do planejamento educacional no Brasil no processo histórico de organização/institucionalização da educação. E, por fim, como considerações finais, nos arriscamos em uma síntese acerca dos dois diferentes tipos de racionalidade e tensões no planejamento.

PLANEJAMENTO NO CAMPO DA EDUCAÇÃO: DIFERENTES TIPOS DE RACIONALIDADE E TENSÕES – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Vieira e Albuquerque (2002, p.10) advogam quanto à complexidade da ação de planejar, uma vez que esta tarefa “depende dos referenciais simbólicos dos atores sociais envolvidos”. Desse modo, “Dizer que o planejamento é uma prática situada significa negar o caráter tecnocrático deste como um instrumental de organização racional, neutro. Portanto, o planejamento em suas diferentes acepções apresenta, implícita ou explicitamente, um caráter ideológico”.

Frigotto (2014, p. 62) argumenta que “o homem produz de forma consciente, prevendo, organizando e alterando as formas de produção”, o que possibilita perceber o planejamento como sendo sempre processo de reflexão; de tomada de decisões dentre possíveis alternativas; de previsão de necessidades e racionalização de emprego de meios e recursos materiais e humanos disponíveis (e, se necessário, de captação de outros), visando à concretização dos objetivos, de metas, de prazos determinados e de etapas definidas, a partir do conhecimento e avaliação científica da situação original.

Na concepção de Saviani (1999, p. 130), planejamento é ação que expressa racionalidade, portanto, sendo planejadas ações “implementadas segundo planos previamente traçados que, a partir do diagnóstico das necessidades, estabeleçam metas e prevejam os meios, aí incluídos os recursos financeiros através dos quais as metas serão atingidas.” Entretanto, na educação brasileira, historicamente, o planejamento e os planos expressam diferentes tipos de racionalidade:

a) “[...] no período de 1932 a 1962, descontados os diferentes matizes, o plano era entendido, grosso modo, como um instrumento de introdução da racionalidade científica” (SAVIANI, 1999, p. 128). (Grifos nossos):

b) “[...] no período seguinte que se estende até 1985 a ideia de plano se converte num instrumento de racionalidade tecnocrática consoante à concepção tecnicista de educação.” (SAVIANI, 1999, p. 128-9). (Grifos nossos);

c) nos anos 1990, no governo Fernando Henrique Cardoso, o planejamento sustenta-se pela racionalidade financeira da educação : “Deve-se notar que o plano agora apresentado pelo MEC explicitamente se reporta ao Plano Decenal de Educação para Todos, colocando-se, portanto, como sua continuidade. [...] dado o empenho em reorganizar a educação sob a égide da redução de custos traduzida na busca da eficiência sem novos investimentos, essa proposta se revela um instrumento de introdução da racionalidade financeira na educação .” (SAVIANI, 1999, p. 130) (Grifos nossos);

d) no final dos anos 1990, continua a tensão entre a racionalidade financeira e a racionalidade social na educação , estando a última no “empenho em se guiar pelo princípio da “qualidade social” (SAVIANI, 1999, p. 130). (Grifos nossos).

ELEMENTOS E INTENCIONALIDADES NO PROCESSO HISTÓRICO DE ORGANIZAÇÃO/INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, como este elemento do sistema de educação, o planejamento (SAVIANI, 2014), vem sendo discutido, proposto e materializado historicamente? Ou melhor, quais projetos vêm sendo defendidos acerca do planejamento no campo da educação?


Planejamento educacional no Brasil: de um ideário do século XX às disputas entre teses socialistas e teses liberais

O debate em torno da educação, a partir dos anos 1920, ganha espaço social de modo ampliado e torna-se problema que afeta o próprio destino da Nação (AZANHA, 1993). É, então, a origem da ‘possibilidade teórica’ do planejamento em educação no Brasil (ZAINCO, 2000, p. 132).

No período correspondente aos anos 1930, alteram-se as funções e a própria estrutura do Estado brasileiro. Para Ianni (1986, p. 25), “a derrota, ainda que parcial, das oligarquias dominantes até então, pelas novas classes sociais urbanas [...] exprimiu as rupturas estruturais a partir das quais se tornou possível reelaborar as relações entre o estado e a sociedade”. A partir de então, vários acontecimentos e documentos expõem a necessidade do planejamento em educação. Como exemplos, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (AZEVEDO, 1984, p. 1) explicita a ideia de um plano de educação amplo e unitário/universal, para promover a reconstrução da educação no País, em forma de lei.

Segundo Bordignon (2011), em 1932, antecipando o Manifesto, acontece em Niterói – Rio de Janeiro, a V Conferência Nacional de Educação, organizada pela Associação Brasileira de Educação (ABE), que dá origem a um Anteprojeto do capítulo da educação para a nova Constituição brasileira e um esboço de um plano nacional de educação. Em 1934, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (BRASIL, 1934) estrutura um capítulo sobre a educação e mantém a ideia de plano de educação, aprovado por lei. Em 1937, surge um Plano de Educação Nacional (SAVIANI, 2014), com 504 artigos, se autodenominando “Código da Educação Nacional” (BRASIL, 1937, art. 1º) que, segundo Fonseca (2013, p. 87), nasce contraditoriamente à proposta dos Pioneiros, pois, “criou-se uma educação diferenciada para a elite, para a mulher e outra, de base profissional, para aqueles que comporiam o grande exército de trabalhadores para dar suporte ao projeto industrial do governo”. Tal Plano – Código da Educação Nacional – é deixado de lado em razão do “Estado Novo”, ainda em 1937.

Nesta década, segundo Souza e Duarte (2014) é possível afirmar que sobressai a racionalidade científica do planejamento.

Nos anos 1940, são várias as tentativas de coordenar, controlar e planificar a economia brasileira, contudo, sem a noção de planejamento propriamente dito. Segundo Ianni (1986, p. 36), as ações deste período “não foram o resultado de um estudo prévio, de caráter global e sistemático. Elas resultaram das situações críticas ou problemáticas surgidas ao longo do processo político e da evolução econômica”. Isto é, sem uma noção de planejamento como medida universal e científica, ou “justamente, a fragmentação de iniciativas e ações”, como afirma Dourado (2011, p. 7).

Em relação às tentativas de planejamento promovidas pelo governo brasileiro, Fonseca (2013, p. 83) destaca que “mais do que planejar propriamente [o governo] formulou instrumentos técnicos que se limitavam a organizar o processo orçamentário e a fixar as metas para a consecução das prioridades na área econômica”. Em relação a esse aspecto, as preferências do governo estavam voltadas a um compromisso subordinado ao capitalismo mundial, pois “havia empreendimentos reais, além de concepções, que revelaram elevado índice de integração entre interesses de empresários, comerciantes, importadores, políticos brasileiros e interesses de governos e homens de negócio dos países dominantes”. (IANNI, 1986, p. 81).

Com base em Scaf (2007, p. 43), nesse período, tais perspectivas nos permitem apreender duas tendências conceituais frente ao planejamento da educação: “uma pensada por socialistas e outra por liberais”. Na tendência liberal, tendo Hayek como um de seus representantes e na frente socialista, defendendo o controle da força de trabalho e o capital nacional, é possível percebermos, como afirma Ianni (1986, p. 69), o nacionalismo figurando de modo mais frequente em discursos dos governantes.

Contudo, é possível afirmar que das disputas entre os socialistas e os liberais, saem vitoriosas as intencionalidades liberais, pois, conforme o período seguinte, tomam força e avançam rumo a um projeto de Estado voltado e comprometido com o capital internacional, influenciando, sobremaneira, o planejamento da educação no Brasil, que caminha conforme orientações de organismos internacionais como, por exemplo, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal)(SCAF, 2007).


Dos anos 1950 à ditadura militar: o planejamento tecnocrático no Estado liberal

No Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), com o Plano de Metas, a educação é inserida “com o objetivo [de] intensificar a formação de pessoal técnico e orientar a educação para o desenvolvimento, ou seja: a educação, no planejamento, é vinculada ao desenvolvimento” (BORDIGNON, 2011, p. 8).

Neste contexto, reitera-se a defesa do sistema educacional brasileiro, para colocá-lo a serviço do desenvolvimento econômico, enfatizando a “formação de mão de obra” (MACHADO, 1986, p. 17), pois, “a educação é vista como um importante instrumento no planejamento do desenvolvimento na medida em que deve prover o país de conhecimentos técnicos e de um grau de evolução que favoreça o crescimento da produção e a melhoria do nível de vida dos habitantes”. (OLIVEIRA, 2009, p. 79).

Em 1961, na LDB – Lei nº 4.024 (BRASIL, 1961), a ideia de PNE é reduzida a instrumento de distribuição de recursos financeiros (SAVIANI, 1999), sendo, em 1962, elaborado e aprovado um PNE mais como um documento técnico para o MEC, não aprovado por meio de uma Lei.

O planejamento tecnocrático no campo da educação no Brasil passa a ser utilizado, conforme indica Oliveira (2009, p. 85),“como instrumento fundamental para o controle empreendido pelo regime autoritário, para pôr em prática sua política de conter os processos sociais e ajustá-los aos imperativos de ordem econômica”. Para Souza e Duarte (2014, p. 175): “A partir dos idos de 1960 e, sobretudo no período da ditadura [...], a submissão do planejamento educacional às diretrizes do desenvolvimentismo econômico, que se projetava, foi legitimada pela contraposição entre o planejamento dos experts versus a ação assistemática ou interessada dos políticos.”

Com essa intencionalidade, o planejamento, confundido, quase sempre, com a prática autoritária, gera resistência à atividade e uma crise do planejamento.


Abertura política e ao exterior: permanência do planejamento como campo de disputa

Com a transição do regime militar ao democrático, volta ao debate a ideia de um plano amplo e unitário/universal, aprovado em forma de lei.

A partir da Constituinte de 1988, sobressai o conceito de participação no campo das políticas públicas (BORDIGNON, 2011). Com esse sentido, entendendo que a educação apresenta uma realidade específica, é proposto um processo de planejamento com a ideia de tomada de decisões, que abarque os diferentes olhares presentes no cotidiano educacional, por meio da ativa participação de pais, trabalhadores da educação, alunos e especialistas. Neste contexto, “A presença do debate democrático permite a constituição de critérios coletivos na orientação do planejamento que, por seu turno, incorpora significados comuns aos diferentes atores educacionais e favorece a execução de ações por meio daqueles diretamente atingidos pelo planejamento educacional” (FREITAS, 2003, p. 19).

Vieira e Albuquerque (2002, p. 36) argumentam que o planejamento participativo remonta às reflexões empreendidas pela Equipe Latino-Americana de Planejamento (ELAP), no Chile, influenciada pelas ideias disseminadas na Conferência Episcopal Latino Americana, na época do Concílio Vaticano II (1961-1965), “que postulavam um novo horizonte da participação e da mudança estrutural para favorecer a fraternidade, a solidariedade, a justiça social e a liberdade.”

Essas ideias, “são, de certa forma, absorvidas pela política no final do período militar, quando se assiste a uma euforia em torno da vivência de mecanismos de participação.” (VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2002, p. 36-7).

Nessa concepção, o planejamento “deixa de ser uma metodologia de definição dos objetivos, escolha de estratégia e organização de ação, para se transformar numa metodologia de tomada coletiva de decisões e correspondente de ação que será assumida por todos”. (FERREIRA, 1979, p. 7; PADILHA, 2001). O planejamento participativo deve ser compreendido como ‘um modo de pensar’, e não apenas uma forma de definir atividades (GANDIN, 2007).

Trata-se, portanto, genericamente, de “[...] uma estratégia de trabalho, que se caracteriza pela integração de todos os setores da atividade humana social, num processo global, para a solução de problemas comuns. No entendimento do seu verdadeiro sentido está a sua força ou a sua fraqueza” (VIANNA, 2000, p. 39). Esse processo político, contínuo e com propósito coletivo, implica, então, na consciência dos sujeitos que dele participam (CORNELY, 1977).

Como em todas as concepções, o planejamento participativo encerra críticas (ZAINKO, 2000, VIANNA, 2000, p. 46-8), dentre outras, a manipulação política da comunidade e a sua pseudo participação; a adesão acrítica a programas oficiais; a pseudo neutralidade; a supervalorização da técnica.


Neoliberalismo e reforma do Estado no Brasil: disputa entre as ideias do planejamento normativo/tradicional, planejamento estratégico e planejamento participativo/social

Em se tratando das ideias do planejamento participativo no contexto neoliberal (PERRY, 1995) e de defesa da reforma do Estado (SOUZA; MARTINS, 2014), Vieira e Albuquerque (2002, p. 37) esclarecem que “Os governos estabelecidos sob a égide da transição democrática precisaram, assim, responder, em seus planos administrativos, a esta demanda social [o planejamento participativo]”. No entanto, “a transição democrática, ao mesmo tempo em que produz esse cenário, vem marcada, contraditoriamente, pelo questionamento do Estado como agente que assegura os direitos sociais, expressos nos serviços públicos.”

Estrategicamente, no Brasil, segundo Cunha (1995, p. 321), os grupos econômicos aproveitam da situação e defendem, com base no neoliberalismo, um Estado com menos intervenção social. Tal situação, juntamente com outras características marcantes desse contexto, influencia diretamente o planejamento da educação para os anos seguintes. Como exemplo, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em 1990, produz o documento Declaração Mundial sobre Educação para Todos — Marco de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1990), e indica aos países a necessária elaboração de “planos decenais de educação”, tendo em vista a necessidade de uma reforma nos sistemas educativos para atender aos sistemas produtivos, que também estão sendo reestruturados.

No Brasil, no Governo Collor de Melo (1990-1992), prevalece a concepção de planejamento tecnocrático, com ações fragmentadas e focalizadas (BORDIGNON, 2011). E, no Governo Itamar Franco (1992-1994), a lógica financeira, com a elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos (BRASIL, 1993), que deveria vigorar entre 1993 a 2003, mas não é implementado, limitando-se a orientar algumas ações na esfera federal. Sendo, assim, um documento que parece ter sido produzido mais em função do objetivo prático de atender a condições internacionais de obtenção de financiamento para a educação, sobretudo os ligados ao Banco Mundial (SAVIANI, 1998; 1999).

A partir do Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998, 1999-2002), a defesa e ações de reforma do Estado são impulsionadas, prevalecendo o planejamento estratégico como concepção e forma de planejamento em educação (PARENTE, 2003). Uma concepção gerencial, com novas estruturas corporativas, novas formas organizacionais, novas formas de gestão, com críticas a concepção tecnocrática. Mudar, em especial, a escola, passa a ser prioridade dos sistemas educacionais. Dentre as medidas necessárias, é de fundamental importância a que diz respeito à melhoria de sua gestão (GENTILI, 1996).

Com essa perspectiva gerencial, sobressai, também, a concepção de Gerenciamento da Qualidade Total, cujo planejamento limita-se aos meios e planejar sinônimo de solucionar problemas (GENTILI, 1996).

Nesse contexto,a LDB – Lei nº 9.394/1996, segundo Saviani (1997, p. 161), em sintonia “com as linhas da política educacional do governo de Fernando Henrique Cardoso”, estabelece como incumbência da União, em colaboração com os Estados e os Municípios, a elaboração do PNE em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

Antes, ainda, da aprovação da Lei, entidades da sociedade civil já vinham preparando uma proposta de texto para o PNE, discutida em duas edições dos Congressos Nacionais de Educação (CONEDs I e II). E, com o prazo se esgotando, no segundo semestre de 1997, o governo também faz sua proposta de Plano com a justificativa de não ampliação das discussões e, consequentemente, da restrita participação, em decorrência do pouco tempo estabelecido pala LDB (BORDIGNON, 2011). Como desfecho, há a confluência das duas propostas em um projeto substitutivo, que se embasava na proposta do executivo, acrescido de algumas metas da proposta da sociedade, compondo o PNE, aprovado por meio da Lei nº 10.172, em 9 de janeiro de 2001.

Na análise de Bordignon (2011, p. 21) acerca da proposta do executivo, as características do PNE “estiveram mais próximas do planejamento normativo/tradicional do que da nova concepção de planejamento estratégico. Não bastasse a falta de estratégias de ação, as metas características de aporte financeiro foram vetadas, inviabilizando a implementação do Plano.Valente (2001, p. 40) declara que “a apreciação minimamente detida desses vetos comprova que o governo, fiel aos cânones do neoliberalismo, não admite outros planos que não sejam aqueles elaborados pelas grandes corporações e grupos econômicos, tratados como ‘mercado’”.

Segundo críticas, um dos grandes equívocos dessa concepção de planejamento em educação (VASCONCELLOS, 2010; GANDIN, 2007; ZAINCO, 2000; OLIVEIRA, s/d; LAGARES et al, 2015) é quanto a adaptação às especificidades educacionais e, em muitos casos, o planejamento torna-se um mero exercício da análise de cenários, de previsão de tendências, de formulação de missões, sem rever os fins e o papel da educação.

Então, por um lado, o País cumpriu uma demanda histórica, a de aprovação de um PNE por meio de uma Lei. Entretanto, sustentado por uma política pública conservadora para o campo da educação.


Entre permanências e rupturas: tensão Plano de Desenvolvimento da Educação-Plano Nacional de Educação

O Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, lança oficialmente o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), mesmo o País contando com um PNE. Saviani (2009, p. 27), ao confrontar a estrutura do PDE com a do PNE 2001-2010,argumenta que o primeiro “não constitui um plano, em sentido próprio. Ele define-se, antes, como um conjunto de ações que, teoricamente, se constituiriam em estratégias para a realização dos objetivos e metas previstos no PNE”.

E, nesta perspectiva, Dourado (2011), salienta que o PDE, por se tratar de um conjunto de programas traduzindo prioridades da política governamental, não pode ser compreendido como estratégia instrumental para o cumprimento do PNE 2001. E, contrariando a própria definição do PDE, de que em cada localidade o planejamento das ações devesse ser de modo participativo com a comunidade escolar, “não contou, na sua elaboração, com a participação efetiva de setores organizados da sociedade brasileira, de representantes dos sistemas de ensino e de setores do próprio Ministério” (DOURADO, 2007, p. 928).

Scaf (2007, p. 5), ao indicar as orientações do PDE, mostra que se trata de um planejamento estratégico: “a Escola define seus valores, sua visão de futuro, sua missão e seus objetivos e, a partir dessas definições, realiza o Planejamento das atividades a serem desenvolvidas”.

Saviani (2009, p. 1-2) comenta que o principal aspecto de repercussão positiva ao PDE se deu por sua tese em defesa da qualidade, no entanto, ao mesmo tempo, alerta que “o Plano [...] não [traz] garantias de que as medidas propostas surtiriam o efeito pretendido e esperado”, pois “não estavam claros os mecanismos de controle.”

Em 2010, o Ministério da Educação instituiu um processo de debate nacional a partir do Projeto de Lei de PNE nº 8.035/2010 (BRASIL, 2010), encaminhado pelo Executivo Federal, e que durou quase quatro anos.

De uma arena de disputas, em 2014 é aprovado, e dessa vez sem vetos, mais um PNE, por meio da Lei nº 13.005. A partir de então, o planejamento da educação brasileira toma assento no campo das ideias no âmbito dos entes federados, com a disposição do PNE do dever de aprovação de planos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios (BRASIL, 2014, art. 8º).

À luz do exposto, a temática planejamento no campo da educação, no âmbito dos sistemas de ensino e das instituições educacionais, apresenta complexidade, em decorrência das várias concepções, tradições, características, discursos, práticas que perpassam o cenário educacional, de acordo com cada contexto social, político, econômico, cultural e concepção teórico-epistemológica (LAGARES, 2006). E, em meio a essas tensões, ganham mais força algumas intencionalidades (racionalidades/concepções/conceitos).


EM BUSCA DE UMA SÍNTESE – DIFERENTES TIPOS DE INTENCIONALIDADES E TENSÕES NO PLANEJAMENTO NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

Em um exame das diferentes concepções teóricas que têm fundamentado o planejamento no campo da educação, apreendemos, então, dois grandes tipos explícitos de intencionalidades (racionalidades), em tensões, por comportarem possibilidades de conservação ou de transformação social.

No que tange ao planejamento em uma concepção conservadora,Uribe Rivera (1995, p. 15) aponta que “a legitimidade dos planos (apoiada nas normas e valores dos grupos sociais) é mais importante que a possibilidade técnica de realização e que a viabilidade política dos mesmos (esta última concebida no contexto de uma visão funcional do poder).” Isto é, para esta perspectiva, a questões no campo da educação são mais técnicas do que políticas, o que coaduna com a conservação da estrutura societária vigente, incidindo o planejamento em aspectos gerenciais, não político-sociais.

Já o planejamento em uma concepção transformadora e comprometido socialmente, materializado com a participarão engajada das pessoas na ação de planejar, sobretudo a educação, nos possibilita acreditar que, contrário a visão conservadora, o planejamento pode proporcionar um movimento de desalienação. Nesse meandro, Saviani (2014, p. 6-8) destaca a necessária e continua intencionalidade coletiva “para que o sistema [de educação] permaneça vivo e não degenere em simples estrutura burocratizando-se”.Assim sendo, entende ser necessário ter presente que “há diferentes tipos de racionalidade” e, por conseguinte, compreendê-las.

Nesse contexto de distintas intencionalidades, tradições, características, discursos e práticas de planejamento no campo da educação, faz-se necessário estabelecer alguns critérios que permitam distingui-las. Algumas concepções, com objetivos apenas imediatos instituem mudanças periféricas e quantitativas no sistema educacional, sem questioná-lo. Outras colocam em causa e reconfiguram o sistema educacional vigente de acordo com as finalidades, as quais constituem parâmetros para avaliar a relevância da mudança pretendida.


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