EDUCAÇÃO DE BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS: UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE
Resumo: Neste trabalho apresentarei uma pesquisa de Doutorado em desenvolvimento, cujo principal objetivo é compreender como acontece a formação dos(as) alunos(as) dos cursos de Pedagogia das Universidades Federais de Minas Gerais para atuarem com a faixa etária de 0 a 3 anos de idade. Utilizaremos como procedimentos metodológicos a análise documental da estrutura curricular do curso de Pedagogia das instituições mineiras (projeto pedagógico, grade curricular com as disciplinas e respectivas ementas) e entrevistas com os sujeitos envolvidos nesses contextos. Espera-se que esse estudo possibilite ampliar o debate sobre a especificidade da formação do(a) professor(a) para atuar junto aos bebês e crianças pequenas.
Palavras-chave: Formação docente; cursos de pedagogia; crianças de 0 a 3 anos.
INTRODUÇÃO
O presente texto discute alguns caminhos delineados para o desenvolvimento da pesquisa intitulada “A formação de professores(as) nos cursos de Pedagogia: um olhar para o trabalho educativo junto aos bebês e crianças pequenas”Essa pesquisa foi inserida no curso de Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, a partir do ano de 2016, sob a orientação da Profª Dra Núbia Schaper Santos.
Esse estudo surge com o intuito de ampliar os debates referentes à Infância, sobretudo a formação inicial dos profissionais que vão lidar diretamente com a criança pequena na educação infantil, área na qual atuo como professora, pesquisadora e militante.
A educação infantil no Brasil compreende o atendimento às crianças de 0 a 5 anos e vem se consolidando como campo de conhecimento, de pesquisas e de políticas públicas, principalmente devido às contribuições de estudos sobre o desenvolvimento da criança produzidos, fundamentalmente, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esse importante marco legal estabeleceu o direito à educação das crianças como dever do Estado, sendo efetivado por meio das políticas de educação dos municípios, em regime de colaboração com os estados e a União. Em seguida, assistimos à promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) que confere avanços à educação infantil ao integrá-la à educação básica, prevendo o atendimento das crianças em creche (0 a 3 anos de idade) e pré-escola (4 e 5 anos).
Já o atual Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014) propõe metas e estratégias que nortearão as políticas da educação para o próximo decênio. Neste documento a educação infantil é contemplada na meta 1 que propõe
universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL, 2014).
Em que pese o fato de as crianças pequenas terem ganhado visibilidade no contexto das políticas públicas, é preciso clareza em relação à educação que se pretende para elas, pois ao tratar da educação infantil, lida-se com pontos muito nevrálgicos, ainda mais arraigados nas creches, tais como: a falta de vagas para milhares de crianças brasileiras; a necessária formação dos profissionais que atuam nas creches; as condições materiais; o arranjo espaço-temporal adequado, a necessidade de discutir as concepções de infância, educação e projeto pedagógico (ou a inexistência dele) que alicerçam o saber/fazer das instituições, dentre outros (SANTOS, 2014).
Uma revisão dos estudos empíricos publicados no Brasil no período de 1996 a 2003 sobre a qualidade Campos (2013, p. 26) anuncia que refletir sobre a qualidade da educação é debater sobre um conceito relativo que “implica situar os diversos discursos sobre a qualidade, identificando quem fala e de onde fala. Implica reconhecer que existem conflitos e disputas na definição do que seja qualidade.” de instituições de educação infantil revelou quais os maiores problemas das instituições de educação infantil. A saber: formação de profissionais; propostas pedagógicas e currículo; condições de funcionamento e práticas educativas no cotidiano; relações com as famílias. As conclusões de Campos; Fullgraf e Wiggers (2006) apontaram que, dos quatro temas destacados, as creches aparecem sempre em situação mais precária, seja em relação à formação do pessoal, infraestrutura material, adoção de rotinas rígidas, voltadas quase que exclusivamente para ações de alimentação, higiene e contenção das crianças.
Em relação à formação de professoras/educadoras (es), as pesquisas examinadas indicam que:
...os desafios encontram-se não só no fato de ainda existirem muitos educadores sem a formação e escolaridade mínimas exigidas pela nova legislação, como também na inadequação dos cursos existentes às necessidades de formação para a educação infantil (CAMPOS; FULLGRAF; WIGGERS, 2006, p. 118).
A LDB/96 demarca a necessidade da formação inicial (art. 62) e da formação continuada (art. 67) para as educadoras. A função de educar e cuidar, de modo integral, exige uma formação específica do profissional que atua nesse segmento. Entretanto, de acordo com Santos (2014), faz-se necessário refletir sobre a maneira como se dá essa formação, para evitar a alienação e a automatização. É preciso (re)significar conceitos e concepções para atender as crianças em seus direitos básicos, bem como refletir sobre quais saberes serão eleitos ou devem ser privilegiados na formação inicial desses profissionais, além de selecionar quais saberes possibilitam a construção de práticas que priorizam a criança e suas experiências. E o que dizer das práticas com os bebês? A questão é como garantir que tais indagações possam, de fato, significar qualidade no atendimento às crianças pequenas na educação infantil. E isso tem a ver com as discussões sobre a reforma curricular dos cursos que formam o(a) professor(a) nas Universidades (GATTI, BARRETO e ANDRE, 2011; GATTI E NUNES, 2009; DOURADO, 2013).
Segundo Gatti, Barreto e Nunes (2011), as perspectivas de políticas para formação de docentes discutidas em vários fóruns, tais como: Associação Nacional pela Formação dos profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Educação (ANPED), Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), assim como os princípios explicitados nos documentos do CNE (BRASIL. MEC. CNE, 2002, 2006), entre outros, não estão encontrando respaldo nas propostas curriculares da maioria dos cursos de formação de professores. A relação teoria-prática, tão ressaltada em documentos e normas, bem como a integração da concepção curricular, não vem se concretizando no contexto das diferentes licenciaturas.
Para Gatti, Barreto e André (2011), faz-se necessário repensar urgentemente as políticas referentes à formação inicial dos docentes brasileiros, no que tange às instituições formadoras e aos currículos. O estudo de Gatti e Nunes (2009) buscou analisar as propostas curriculares de disciplinas formadoras das Instituições de Ensino Superior nas licenciaturas presenciais em Pedagogia, Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas. Em relação à formação de professores que irão atuar nos anos iniciais da educação básica, realizada nas licenciaturas em Pedagogia, constatou-se a fragmentação do currículo, e um conjunto disciplinar bastante disperso. Nas análises das ementas das disciplinas, verificou-se o predomínio dos referenciais teóricos de natureza sociológica, psicológica ou outros nas disciplinas de formação profissional, com pouca associação com as práticas educacionais. Poucos cursos, segundo as referidas autoras, propõem disciplinas que possibilitem um aprofundamento no campo da educação infantil, sem falar que o aspecto metodológico do trabalho com crianças é pouco referido. O que dizer então do saber/fazer dos futuros docentes que irão atuar com crianças de 0 a 3 anos?
A autonomia dos entes federados, na elaboração e na implementação de leis em nível local, e das universidades, na formulação de cursos de formação de professores, impacta diretamente o trabalho cotidiano nas creches e escolas de todo o país.
Assim como o trabalho do(a) professor(a) precisa ser repensado, do mesmo modo temos também que repensar a sua formação, uma vez que precisa abarcar os novos desafios que lhe apresentam, dentre os quais podemos citar: a consideração pelas especificidades dos diferentes níveis e modalidades da educação; o conhecimento das características de desenvolvimento de cada educando, assim como as dinâmicas culturais e sociais mais amplas. Tais questões precisam ser inseridas no escopo das concepções e diretrizes que devem balizar o processo de formação dos profissionais, levando em consideração as questões curriculares e seus desdobramentos didáticos-pedagógicos, aliando-os às relações sociais mais amplas (DOURADO, 2013).
Refletir sobre essas discussões da formação do(a) professor(a) traz implicações para a melhoria do atendimento às crianças e revela-se, assim, como um campo importante de investigação.
As conquistas legais e suas complexidades conferidas à educação infantil e ao processo de formação docente nessa área anunciam um profícuo campo de estudos e pesquisas. Nessa perspectiva, vem aguçando o meu interesse em compreender como estão sendo delineadas as estruturas curriculares dos cursos presenciais de Pedagogia das Universidades Federais de Minas Gerais no que se refere à formação de futuros profissionais que pretenderão atuar com as crianças de 0 a 3 anos de idade.
CONSTRUINDO A QUESTÃO...
A formação de professores é um tema que vem me interessando há algum tempo, seja no campo acadêmico, como na área profissional.
A preocupação com a formação dos profissionais da educação infantil anuncia-se pelo reconhecimento do direito da criança a um atendimento de qualidade, pautado, sobretudo, no respeito às suas necessidades, interesses e características. Nesse sentido, a criança tem direito não somente ao acesso à creche ou à pré-escola, mas a experiências educativas que promovam múltiplas aprendizagens e, que, portanto, contribuam para o seu processo de desenvolvimento integral.
Tendo o(a) professor(a) uma responsabilidade ímpar nessa atribuição, é imprescindível que sua formação inicial e continuada sejam foco de atenção por parte das políticas públicas.
Em relação à formação inicial docente, o Conselho Nacional de Educação institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (CNE/CP nº 1/2002) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (CNE/CP nº 1/2006). As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia retratam conquistas em relação a documentos anteriores, uma vez que define que a formação de professores para exercer funções de magistério na educação infantil é um dos objetivos do curso de Licenciatura em Pedagogia. A mesma legislação afirma que o egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a “compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social” (Art. 5, inciso II). Outra questão merecedora de atenção diz respeito à estrutura do curso de Pedagogia, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, vindo esta última a se constituir de “aplicação, em práticas educativas, de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética, lúdica, artística, ética e biossocial. (Art. 6º)
Reconhecemos que muitos cursos de Pedagogia já promoveram a modificação da sua proposta, orientados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (CNE/CP nº 1/2006), incluindo a formação para a docência para a educação infantil. Tal alteração permite o contato com saberes que certamente contribuirão para uma melhor atuação profissional. Muitos docentes de creche e pré-escola no passado não tiveram essa possibilidade, inclusive eu. Aliás, um dos motivos do meu interesse para esse estudo se reverbera diante das minhas dificuldades recentes em relação ao trabalho educativo com uma turma de crianças de 3 anos de idade.
A partir dessas discussões que buscam um atendimento adequado às possibilidades infantis por meio da formação inicial docente é que decorre a seguinte questão: o que os cursos presenciais de Pedagogia das Universidades Federais de Minas Gerais propõem como disciplinas e conteúdos para os futuros profissionais que pretenderão atuar com crianças de 0 a 3 anos de idade?
Tem como objetivo geral analisar a estrutura curricular dos cursos de Pedagogia das Universidades Federais de Minas Gerais, tomando como foco as especificidades do trabalho docente com crianças de 0 a 3 anos de idade.
A análise documental será um dos procedimentos metodológicos propostos, tomando como referência a estrutura curricular dos cursos: projeto pedagógico, grade curricular com as disciplinas e respectivas ementas, assim como a sua articulação com as legislações vigentes do país. Com o propósito de conhecer a proposta curricular de formação inicial dos cursos de Pedagogia, buscaremos identificar se esta contempla os futuros profissionais que vão atuar com crianças de 0 a 3 anos, levando em consideração as especificidades deste trabalho educativo.
Como as Diretrizes Curriculares Nacionais para esses cursos são amplas e a estruturação do currículo fica a cargo de cada instituição, procura-se obter um panorama do que está sendo proposto como formação, identificando ênfases que lhes estão sendo atribuídas, semelhanças, diferenças, pertinências e adequação às demandas profissionais.
Para complementar a análise documental, buscando aprofundar o conhecimento referente às contribuições do curso de Pedagogia para a prática profissional dos que educam e cuidam de crianças de 0 a 3 anos de idade, realizaremos entrevistas com os sujeitos envolvidos nos contextos dos cursos de Pedagogia, tais como: gestores, professores, alunos, egressos, etc. A entrevista, no âmbito da pesquisa qualitativa de cunho histórico-cultural, também é marcada pela dimensão do social. Segundo Freitas (2002, p. 5):
ela não se reduz a uma troca de perguntas e respostas previamente preparadas, mas é concebida como uma produção de linguagem, portanto, dialógica. Os sentidos são criados na interlocução e dependem da situação experienciada, dos horizontes espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado. As enunciações acontecidas dependem da situação concreta em que se realizam, da relação que se estabelece entre os interlocutores, depende com quem se fala.
Diante dessa perspectiva, buscarei situar as condições de organização da estrutura curricular dos cursos presenciais de Pedagogia e dos discursos, articulando-os com os contextos de produção. Ao buscar a fundamentação na perspectiva histórico-cultural, pretendo ultrapassar a simples descrição dos fatos, caminhando no sentido de estabelecer relações com base na historicidade e nas contradições constitutivas dos sujeitos e contextos.
REFERENCIAL TEÓRICO
Diversas pesquisas ressaltam a importância da educação infantil para as crianças, no que se refere às possibilidades de ganhos para o seu bem estar, aprendizagens e desenvolvimento. Contudo, sabe-se que tais ganhos dependem diretamente da qualidade das experiências vividas nas creches e pré-escolas.
As discussões acerca do que consiste em qualidade na educação infantil tendem a estar abertas a novas concepções e perspectivas, partindo da percepção de qualidade como um conceito subjetivo, valorativo, relativo e dinâmico, contextualizado, que necessita ser definido num processo participativo e democrático (OLIVEIRA FORMOSINHO, 2001; DAHLBERG, MOSS E PENCE, 2004).
Apesar de reconhecermos que a melhoria da educação não depende unicamente da formação dos professores, é consenso entre vários autores que a qualidade do trabalho com a criança vincula-se intrinsecamente com a formação e qualificação do profissional da área, ao considerar a organização das experiências significativas entre os sujeitos no contexto educacional. Portanto, se quisermos melhorar a qualidade da educação oferecida às crianças pequenas temos que, necessariamente, nos comprometer com a qualidade da formação dos seus professores (HOLLANDA E CRUZ, 2004).
As concepções de educação infantil fundamentadas por diversas pesquisas nacionais e internacionais e reconhecidas pela LDB /96 (Seção II, Artigos 29, 30 e 31) afirmam que essa é a primeira etapa da Educação Básica e tem a função de educar e cuidar de modo integral, o que exige uma formação específica do profissional que atua nesse segmento. Faz-se necessário, portanto, que políticas públicas invistam tanto na formação inicial, quanto na formação continuada para se buscar uma melhor qualificação e, consequentemente, um melhor atendimento às crianças de 0 a 5 anos.
A LDB/96 demarca a necessidade da formação inicial e da formação continuada para os(as) professores(as). Legalmente, é estabelecido que o(a) professor(a) tenha concluído pelo menos o ensino médio, na modalidade magistério, sendo considerada mais apropriada a formação em nível superior (Artigo 62 da LDB, ratificado por vários outros documentos).
O Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) anuncia como uma das estratégias da Meta 1, referida anteriormente, a promoção da formação inicial e continuada dos (as) profissionais da educação infantil, garantindo, progressivamente, o atendimento por profissionais com formação superior. A meta 15 também assegura que todos os professores e professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior.
Há, entretanto, uma grande diferença entre titulação e formação. Na maioria das vezes, o diploma, seja de nível médio como de nível superior, não representa, necessariamente, a adoção de conhecimentos e habilidades para atuação com crianças de 0 a 5 anos. Em geral, os cursos são voltados para a educação de crianças de seis a dez/onze anos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse sentido, são deixados de lado temas e dimensões que fazem parte do trabalho educativo com crianças menores, particularmente, as que frequentam as creches (0 a 3 anos) (CRUZ, 2010).
A LDB/96 afirma o horizonte formativo dos docentes, o lócus e a formação mínima:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal (Art.62).
O Curso de Pedagogia se destina à formação de professores para exercer funções de magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, nos cursos de ensino médio, na modalidade normal, de educação profissional, na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. O seu campo de atuação engloba, ainda, a gestão educacional, concebida numa perspectiva democrática.
Conforme anuncia Dourado (2013), a LDB/96 e a lei nº 12.014/09, que altera o art. 61 da LDB/96, destacam alguns fundamentos que a formação dos profissionais da educação deve ter para garantir as especificidades do exercício de suas atividades, assim como atender aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica. São eles: a presença de sólida formação básica, integrando conhecimentos científicos e sociais; a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e formação em serviço e o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades.
No entanto, os estudos de Gatti e Nunes (2009) revelaram que pouquíssimos cursos de Pedagogia propõem disciplinas que possibilitem algum aprofundamento em relação à educação infantil, e, que estas, quando são oferecidas, não se referem muito ao aspecto metodológico para a atuação com as crianças.
Nas análises dos currículos e ementas dos cursos de Pedagogia feitas por Gatti e Nunes (2009), observou-se, dentre vários aspectos, um desequilíbrio na relação teoria-prática, em detrimento dos tratamentos genéricos sobre fundamentos, política e contextualização. Nessa perspectiva, a escola, como instituição social e de ensino, é elemento quase ausente, o que caracteriza uma formação de cunho mais abstrata e pouco integrada ao contexto concreto no qual o profissional-professor vai atuar. No que se refere à atuação com crianças de 0 a 3 anos, a situação fica ainda mais complicada.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores (Resolução CNE/CP nº 1/2002) foram promulgadas em 2002 e somente em 2006, depois de muitos debates, o CNE aprovou a Resolução CNE/CP nº 1/2006, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Essa legislação define:
princípios, condições de ensino e de aprendizagem, procedimentos a serem observados em seu planejamento e avaliação, pelos órgãos dos sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país, nos termos explicitados nos Pareceres CNE/CP nº 5/2005 e3/2006. (artigo 1º)(BRASIL. MEC. CNE. 2006).
As Diretrizes se responsabilizam pela formação de professores para a educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, ensino médio na modalidade Normal, educação de jovens e adultos, além da formação de gestores.
As duas legislações supracitadas são coerentes com o princípio demarcado da LDB/96 (art. 61) de que a formação de profissionais da educação deve atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada etapa do desenvolvimento do educando. Enfatizam, deste modo, que as propostas pedagógicas dos cursos de formação devem contemplar essas especificidades. Nesse momento, podemos questionar: quantos cursos de Pedagogia que supostamente formam professores para atuar em creches e pré-escolas consideram, em seus programas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009b)?
O tema “currículo” é atualmente objeto de fértil discussão no campo educacional, sobretudo no papel fundamental que desempenha no “desenho” de programas que possam conduzir ao sucesso escolar. Esta é a razão pela qual o estudo da área do currículo ganha especial destaque na formação e aprimoramento dos diferentes agentes educacionais (AMARAL, 2013)
Há, de modo geral, uma dificuldade de conceituar “currículo”. Tal fato se explica pela diversidade de definições e explicações. No entanto, ao longo do tempo, a palavra foi se revestindo de diferentes significados ou diferentes ênfases.
Vários autores definem currículo como o conjunto de conhecimentos eleitos para serem apreendidos pelas novas gerações, por intermédio das instituições educativas e necessários à preservação da própria sociedade. Entretanto, a etimologia da palavra curriculum tem a sua origem no latim e significa pista de corrida. Em uma perspectiva processual e escolar, diz respeito à trajetória de formação dos alunos.
No campo teórico, existem concepções diferenciadas, com suas respectivas características, em torno dos quais os educadores se agrupam. Destacam-se essas três vertentes: a “tecnicista”, a “crítica” e a pós-moderna”. Cada uma delas representa uma época, uma tendência, uma determinada proposta pedagógica (SANTOS, 2002). Essas características vão estar presentes obviamente nas questões centrais para elaboração e análise do currículo, quais sejam: que conhecimento? (O quê? Por quê?); o que os alunos devem ser, se tornar? (Que sujeito?); qual o tipo de ser humano para determinado tipo de sociedade? (Que projeto de sociedade?). Para que tipo de indivíduo, sujeito e sociedade.
Essas questões constituem a base dos currículos das instituições educacionais do país e são estabelecidas a partir de leis, diretrizes e parâmetros.
O atual momento histórico que legitima a Educação Infantil como “ação complementar da família e da comunidade”, tendo como finalidade “o desenvolvimento integral da criança de 0 a 5 anos de idade, em seus aspectos físico, afetivo, psicológico, intelectual, linguístico e social” (LDB/96), demarca a necessidade da adoção de conhecimentos nas especificidades do desenvolvimento infantil, impulsionando práticas que reconheçam a infância como um tempo em si. Nessa perspectiva, a indissociabilidade das funções de educar e cuidar, tal como preveem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009b) precisa ser garantida na prática profissional. Esse documento legal define princípios éticos, políticos e estéticos que devem ser respeitados nas propostas pedagógicas das instituições de educação infantil e assume como eixo central a formação de sujeitos que descobrem e exploram o mundo, reinventam o cotidiano, produzem conhecimentos não apenas a partir das interações e vínculos que estabelecem, mas do brincar, do sentir, do expressar-se, do relacionar-se, do organizar-se, do cuidar-se, partilhando afetos e significados da cultura vivida.
Segundo Oliveira (2012), já existem argumentos suficientes para interpretar as legislações educacionais brasileiras e afirmar que todos os profissionais responsáveis pelas turmas de crianças pequenas, sejam em creches, pré-escolas ou entidades equivalentes, precisam ter formação específica em educação infantil, devendo ter consciência da importância do seu papel.
Na formação desse profissional, os cursos de Pedagogia deverão considerar o que dispõe o Parecer CNE/CEB nº 20/09, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009a) e também posteriormente, a Base Nacional Comum Curricular da educação infantil, documento oficial que está em processo de construção.
O primeiro documento citado acima revela que as instituições de educação infantil devem assegurar a educação em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao processo educativo. Ao pensar sobre o trabalho educativo na educação infantil, devemos desafiar os pesquisadores em didática e os formadores de professores em cursos de graduação, especialização e em programas de formação continuada a relerem suas concepções de educação em prol do atendimento às crianças de 0 a 3 anos, especialmente sobre a educação de bebês em ambiente coletivo.
Essas discussões adquirem uma relevância particular, tendo em vista o desafio de compreender quais as experiências significativas com os bebês e as crianças pequenas que, de maneira geral, são considerados na perspectiva da falta: aqueles que ainda não falam, não andam. É necessário que o(a) professor(a) reconheça a potência dessas crianças, suas possibilidades relacionais e de construção de sentido no seu trabalho educacional-pedagógico (GUIMARÃES, GUEDES e BARBOSA, 2013).
Pesquisas de diversos autores, entre eles, Vigotski (2010), têm sugerido outras maneiras de concebermos a relação dos bebês e crianças com o mundo, uma vez que desviam o olhar das leituras que preconizam o desenvolvimento marcado pelo viés puramente biológico, baseado na maturação, nas etapas fixas e universais..
Esses estudos revelam que a relação interpessoal ocorre nos bebês humanos desde os primeiros meses de vida, bem como suas competências sócio-cognitivas, suas diversas linguagens, suas dimensões culturais. Assim, essas discussões se encaminham para a condição social de nossas crianças, concepções muito diferentes até então postuladas em tradicionais discursos e registros do processo de socialização da criança nos projetos pedagógicos das instituições de educação infantil.
A atual concepção de educação infantil exige que o adulto que atua na área seja capaz de implementar uma educação comprometida com princípios éticos, políticos e estéticos, promovendo, dessa forma,“práticas de educação e cuidados, que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/lingüísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível” (BRASIL, 2009b).
Nessa perspectiva, é extremamente importante que processos de formação contribuam não só para a aquisição de conhecimentos específicos sobre a infância e as atividades pedagógicas, como também para possibilitar aos profissionais da educação infantil uma formação ética, estética, política, comprometida com os direitos da infância e com a transformação da realidade educacional e social.
Diante de todas essas perspectivas teóricas, ressalta-se a importância dessa proposta de estudo ao discutir e problematizar o processo de formação inicial dos profissionais que atuam com crianças de 0 a 3 anos. Pretende-se, assim, contribuir para a possibilidade de construção de um novo cenário para as políticas de educação infantil, passando não só no plano legal, mas, sobretudo, no campo real, do caráter assistencial para a perspectiva educacional, que tem como objetivo principal propiciar vivências educativas significativas para as crianças em prol do seu desenvolvimento integral, reconhecendo, assim, os seus direitos fundamentais.
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