DOCÊNCIA E PESQUISA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO PARFOR
Resumo: Promover um melhor desempenho dos graduandos na prática pedagógica desenvolvida no ensino fundamental foi o objetivo geral da pesquisa apresentada nesta comunicação que destaca resultados em relação a quatro objetivos específicos. Verificaram-se mudanças pouco satisfatórias na evolução da linguagem oral e escrita dos graduandos (1º objetivo) e resultados melhores referentes à implantação de uma prática pedagógica com ênfase da aprendizagem dos alunos (três últimos objetivos). Os resultados indicam a necessidade de incluir, nas políticas de formação docente, ações que desenvolvam as habilidades não trabalhadas, na educação básica, com os atuais professores do ensino fundamental.
Palavras-chave: formação de professores; pesquisa-ação; políticas públicas.
1 IDEB, PARFOR E PRÁTICA DOCENTE
Em 2005, com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), o Brasil começa a operacionalizar uma verificação sistemática, a cada dois anos, da aprendizagem de seus estudantes nesse nível de ensino. No início, o IDEB ratifica resultados obtidos, nos anos anteriores, por outros exames nacionais e internacionais, evidenciando, cada vez mais, as diferenças regionais no país.
Nos anos iniciais do ensino fundamental, a média nacional, na rede pública, em nível estadual e municipal, foi de 3,8. Em alguns estados, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, verificaram-se médias ainda menores, como, por exemplo, o Estado da Bahia, com média 2,5. Em 2011, o país alcançou a média 5,0 e, em 2013, chegou à média 5,2, nos anos iniciais do ensino fundamental. Esses resultados contrastam com os resultados obtidos nas escolas particulares e na rede federal. A média nacional alcançada em 2013 (5,2) foi menor que a média obtida nas escolas particulares em 2005, que foi 5,9. Nos anos iniciais do ensino fundamental, verificam-se resultados mais elevados na rede federal que passou da média 6,8, em 2011, para 7,0, em 2013 (IDEB..., 2016).
A falta de formação adequada das habilidades de leitura e de produção de textos, que vem interferindo nos resultados do IDEB, pode ser creditada a um processo de ensino descontextualizado e indiferente à aprendizagem dos estudantes, no qual a avaliação não é tomada como um diagnóstico contínuo nas ações cotidianas da escola. Mais de oitenta anos se passaram desde que o processo de avaliação foi proposto por Tyler, em 1930, e a maioria das escolas ainda não internalizou a característica processual e diagnóstica da avaliação, nem assumiu a prática da avaliação como componente do próprio processo de ensino-aprendizagem (LUCKESI, 2003).
Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, em 1996, está previsto, no Artigo 62, a formação, em nível superior, para os professores que atuam na educação básica (BRASIL, 1996) e, apesar desta lei ter quase vinte anos, o Brasil ainda não conseguiu graduar todos os professores que atuam na educação básica. Convém frisar que essa formação figura na meta 15 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 (BRASIL, 2014). Tendo em vista o cumprimento dessa meta, foi instituída, pelo Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, a Política Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, subsidiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) que vem desenvolvendo programas e ações de fomento, dentre os quais, o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (Parfor), lançado em 28 de maio de 2009.
Desde o final do século passado, a cada ano, a cada nova turma, o perfil dos graduandos tem se tornado cada vez mais precário, tanto nos cursos de licenciatura oferecidos via vestibular, quanto nos cursos de formação em serviço, oferecidos pelo Parfor. Há, em cada turma, cada vez um número maior de estudantes que não aprenderam nem desenvolveram, no ensino fundamental, os conteúdos propostos para cada área de ensino nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), principalmente aqueles previstos para a Língua Portuguesa (BRASIL, 1997). O destaque para essa área é necessário considerando que, por intermédio de habilidades de leitura, o estudante tem acesso aos conhecimentos das demais áreas de estudo. Pela produção de textos autorais, o aluno demonstra a compreensão, análise, síntese e avaliação dos conhecimentos estudados em cada área, em todos os níveis de escolaridade.
Somam-se à ausência dos conteúdos que devem ser ensinados no ensino fundamental, uma prática docente teórica e metodologicamente pouco ou mal fundamentada. Nas turmas de formação em serviço, a maioria não sabe nem tem o hábito de programar, executar e avaliar seus próprios planos de ensino. A maior parte do tempo do aluno em sala de aula, nos anos iniciais do ensino fundamental, tem sido ocupada com atividades de cópia, pelo professor e pelos estudantes.
A precariedade da situação encontrada nas escolas aumenta à medida que se prossegue na análise de outros aspectos da prática educativa: a) o ensino fundamental a que os graduandos tiveram acesso, como estudantes, não foi eficiente no sentido de possibilitar a aquisição de conhecimentos, a formação e o desenvolvimento das habilidades de leitura e de produção de textos que serviriam de base para o prosseguimento dos estudos na escola e na vida profissional; b) sem a formação e o desenvolvimento dessas habilidades, ficaram inviáveis, também, a leitura e a compreensão de textos em todas as outras áreas de conhecimento que permeiam a escolarização na educação básica e no ensino superior; c) a familiaridade com os conteúdos, objetivo do processo ensino-aprendizagem no ensino fundamental, representa uma das condições primordiais para a elaboração, execução e avaliação de planos de ensino que promovam, realmente, a aprendizagem; d) tendo como modelo, quando estudante, uma prática de exames, o professor, ao assumir a docência, repete o modelo conhecido e, por ter dificuldade de leitura e de compreensão de textos, torna-se inviável a assimilação dos conceitos fundamentais para uma prática de avaliação que contribuiria para o aperfeiçoamento do próprio trabalho docente e da aprendizagem dos estudantes; e) tudo isso evidencia a pouca familiaridade do professor em relação aos conteúdos que deveria ensinar e às etapas do processo de ensino, da elaboração dos planos à sua execução, reestruturação e processo de avaliação da aprendizagem.
Iniciar um processo de mudança capaz de conduzir, ainda que num processo lento, à superação de cada um dos pontos abordados, constituiu-se em um desafio enfrentado por uma turma de graduandos do Curso de Pedagogia do Parfor, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Região Nordeste do Brasil. A professora dos quatro semestres da disciplina Estágio e Pesquisa (I a IV) se impôs um desafio duplo: 1) possibilitar a cada graduando o desenvolvimento de uma prática docente que contribuísse para o desenvolvimento de habilidades de leitura e de produção textual em seus estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental; 2) melhorar a performance dos graduandos no que se refere às questões mencionadas no parágrafo anterior.
Cada um dos desafios, por sua vez, desdobrou-se em um subprojeto: o primeiro, voltado para os anos iniciais do ensino fundamental, cujo problema residia no desempenho insuficiente, por parte dos estudantes, em relação ao desenvolvimento da linguagem oral e escrita. Em 2012, na disciplina Estágio e Pesquisa I, iniciou-se a elaboração do projeto coletivo de estágio-pesquisa envolvendo simultaneamente a prática pedagógica, na forma de estágio supervisionado, e o desenvolvimento de uma pesquisa-ação em uma das salas de aula de cada graduando, para prática da pesquisa na docência. No primeiro semestre de 2013, com o projeto coletivo estruturado, os graduandos deram início às atividades específicas do estágio-pesquisa realizando os primeiros diagnósticos do desenvolvimento dos estudantes na leitura e na escrita. Foram realizados diagnósticos quinzenais ao longo de todo o ano letivo, culminando com o último diagnóstico, realizado no final do ano e comparado com os diagnósticos anteriores.
O detalhamento da pesquisa coletiva e os resultados alcançados em cada turma foram publicados em um livro coletivo, financiado pela Capes, ainda não lançado oficialmente (LEITE et al., 2015). Cada um dos catorze docentes-pesquisadores assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando a publicação parcial ou total das informações existentes nos respectivos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). A pesquisa se realizou durante o ano letivo de 2013, com catorze turmas de estudantes do primeiro ao quinto ano do ensino fundamental, em onze escolas, nas sedes e na zona rural, de quatro municípios baianos: Anagé, Cordeiros, Maetinga e Tanhaçu.
O segundo subprojeto voltou-se para o desempenho dos estagiários-pesquisadores, tendo como problema a formação precária dos graduandos, decorrente de uma educação básica que não conseguiu ensinar os conhecimentos nem desenvolver as habilidades de leitura e de produção escrita específicas nesse nível de ensino. Diante disso, foi definida a questão que direcionou a pesquisa: Como promover um melhor desempenho dos graduandos na prática pedagógica desenvolvida nos anos iniciais do ensino fundamental? O objetivo geral foi bem abrangente: promover um melhor desempenho dos graduandos na prática pedagógica desenvolvida nos anos iniciais do ensino fundamental. Embora muito amplo em sua redação, o objetivo ficou circunscrito a um conjunto específico de “erros” ortográficos que a criança comete nos primeiros anos da aprendizagem da escrita, apontados por Cagliari (2000). A definição de objetivos específicos, apresentados ao longo desta comunicação, também serviu para reduzir a abrangência do objetivo geral.
O método da pesquisa-ação foi escolhido por enfatizar a participação de todos os sujeitos envolvidos e por analisar a prática e suas relações com a teoria na produção de novos saberes (THIOLLENT, 2011; BARBIER, 2002). Além disso, num processo de ação-reflexão-ação, assume uma postura política transformadora e uma abordagem qualitativa, sem desprezar os dados quantitativos.
Na América Latina, as pesquisas participantes, inclusive a pesquisa-ação, surgem nas décadas de 60 e 70 do século XX, destacando-se o trabalho de Paulo Freire que, na sua proposta de alfabetização de adultos, realiza a ação-reflexão-ação, empreendendo o processo de conscientização da classe trabalhadora, oprimida pela classe dominante. O autor enfatiza o aspecto político da participação dos sujeitos (FREIRE, 1979; 2005). Desse modo, a pesquisa-ação contém, em seus pressupostos, uma função política, uma vez que contribui para a busca de respostas e de soluções para questões vivenciadas pelos indivíduos em seus respectivos contextos sociais. No Brasil, a pesquisa-ação se intensificou a partir da divulgação das obras de René Barbier e Michel Thiollent, nas décadas de 80 e 90.
Segundo Abdalla (2004), a pesquisa-ação propicia a reflexão, análise e avaliação da prática docente. Além disso, afirma ser esta uma estratégia de conhecimento teórico-prático que possibilita a ampliação da capacidade incessante que tem o indivíduo de apreender a realidade. A proposta de pesquisa-ação proporciona ao professor condições para diagnosticar possíveis dificuldades no aprendizado dos alunos, podendo também compreender a relação entre a teoria e a prática docente.
LINGUAGEM ORAL E PRODUÇÃO ESCRITA DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL
Funcionou como diagnóstico inicial da produção escrita dos graduandos, a primeira versão que cada um deles produziu ao relatar a trajetória individual da infância à docência. Ao longo das aulas, a linguagem oral foi observada e registrada, constatando-se, tanto na linguagem oral quanto na produção escrita, formas dialetais e “erros” ortográficos semelhantes aos que foram encontradas no diagnóstico de alunos do ensino fundamental.
A fim de analisar o desenvolvimento da produção espontânea (oral e escrita) dos graduandos referentes aos aspectos linguísticos e dialetais (primeiro objetivo específico), foram realizados diagnósticos da produção escrita, analisando textos produzidos no primeiro semestre, na disciplina Estágio e Pesquisa I. A análise da linguagem oral foi feita incidentalmente, durante os encontros semanais e, no final, em Estágio e Pesquisa IV, por ocasião da defesa do TCC. Somente a Professora Ilka Nomes fictícios, todos com quatro letras e iniciados com a letra “I”, são usados quando se trata dos graduandos que participaram da pesquisa., que, no início dos trabalhos, nas primeiras disciplinas, apresentava alguns sinais característicos do dialeto rural, fez a apresentação oral de toda a sua pesquisa sem fugir às normas da língua padrão.
Todo o trabalho desenvolvido nos quatro semestres de estudos parece não ter interferido na performance da professora Ilda que manteve, em todos os trabalhos realizados, oralmente e por escrito, as marcas do dialeto da comunidade rural a que pertence. A lealdade ao dialeto da região onde mora e trabalha pode ser resultado dos fortes vínculos mantidos com as pessoas da escola e do meio rural. Para exemplificar o que se define aqui como dialeto rural dessa professora, apresenta-se, no Quadro 1, parte das anotações realizadas durante a apresentação oral do seu TCC. Os demais professores, à exceção da professora Ilka, também apresentaram erros de linguagem, na apresentação oral do TCC, nenhum deles, entretanto, se compara aos resultados apresentados pela professora Ilda.
Quadro 1 - Anotações da fala da Professora Ilda |
“você consegu” (você consegue); “linguage” (linguagem); “tem esses dialéticos” (tem esses dialetos); “as pessoas convivu” (as pessoas convivem); “aprender cumu escrever” (aprender como escrever); “criança que consegu ler” (criança que consegue ler); “concepção de docença” (concepção de docência); “foi possivu” (foi possível); “como nós trabaiar” (como nós trabalharmos); “diagnós final” (diagnóstico final); “nível diferentos” (níveis diferentes); “que a professora enviaro” (que a professora enviou); “foi motivo de destaco” (foi motivo de destaque); “tem letras escrividas” (tem letras escritas); “consegui dectar” (consegui detectar); “Cagliaru” (Cagliari); “saber cumu pronunciar” (saber como pronunciar); “campo de estage” (campo de estágio); “técna” (técnica); “quarta unidado” (quarta unidade); “o destaco foi” (o destaque foi); “eu não fisso assim” (eu não fiz assim). |
Na produção escrita, a professora Ilda apresentou, no diagnóstico inicial, realizado em 2012, na disciplina Estágio e Pesquisa I, treze (86,6%) dos quinze “erros” constantes no quadro utilizado para registro dos resultados. No último diagnóstico, considerando a versão escrita final do TCC, foram registrados doze tipos de erros (80%). Pode-se considerar que, apesar da diferença ser pequena e do resultado final ainda ser um percentual elevado, essa professora conseguiu um pequeno avanço na sua produção escrita. Os maiores percentuais de erro foram registrados nos trabalhos da professora Issa que teve 93,3% de erros no primeiro diagnóstico e reduziu esse percentual para 86,6% no diagnóstico final.
Observaram-se menores percentuais de erros nos resultados das professoras Ieda, Ióle e Ione que tiveram 53,3% no primeiro diagnóstico e, no segundo diagnóstico, baixaram o percentual de erros para 40%. Os resultados dos dois diagnósticos da produção escrita dos graduandos estão no Quadro 2 que apresenta uma lista contendo alguns “erros” ortográficos apontados por Cagliari (2000), complementada com o detalhamento de alguns problemas de redação.
Foi surpreendente observar, na produção escrita de graduandos que têm de três a mais de vinte e cinco anos de magistério, a incidência de “erros” ortográficos que, segundo Cagliari (2000), são apresentados pelas crianças no processo de aprendizagem da escrita. Cabe ao professor alfabetizador acompanhar a produção escrita e realizar as orientações necessárias para direcionar a aprendizagem da ortografia.
Todos os professores (100%) apresentaram, nos dois diagnósticos, erros que, em princípio, não mais deveriam cometer, pelo menos com tanta frequência, já que têm a tarefa de identificá-los a fim de redirecionar a aprendizagem dos seus estudantes no sentido da escrita correta: uso inadequado ou falta de sinais de pontuação; uso inadequado ou falta de acento gráfico; falta de concordâncias verbal e nominal. Durante a apresentação oral e na versão final do TCC, verificou-se que os estudantes do ensino fundamental cometeram alguns desses erros e seus professores não foram capazes de identificá-los nem tampouco de fazer o respectivo registro nos quadros usados para os diagnósticos. Com a realização do diagnóstico da produção escrita dos professores, compreende-se o motivo dessas falhas no diagnóstico dos trabalhos dos estudantes do ensino fundamental. Por cometer os mesmos erros, estes não despontam como erros para o professor ao analisar os trabalhos dos seus estudantes.
Quadro 2 - Diagnósticos da produção escrita dos graduandos em 2012 e 2014
“Erros” | Diagnósticos |
Totais |
Percentuais |
---|---|---|---|
|
2012 |
4 |
28,6 |
2014 |
1 |
7,1 |
|
|
2012 |
2 |
14,2 |
2014 |
1 |
7,1 |
|
|
2012 |
7 |
50,0 |
2014 |
0 |
0,0 |
|
|
2012 |
14 |
100,0 |
2014 |
14 |
100,0 |
|
|
2012 |
8 |
57,1 |
2014 |
8 |
57,1 |
|
|
2012 |
6 |
42,8 |
2014 |
6 |
42,8 |
|
|
2012 |
12 |
85,7 |
2014 |
11 |
78,6 |
|
|
2012 |
7 |
50,0 |
2014 |
4 |
28,6 |
|
|
2012 |
6 |
42,8 |
2014 |
6 |
42,8 |
|
|
2012 |
9 |
64,3 |
2014 |
8 |
57,1 |
|
|
2012 |
14 |
100,0 |
2014 |
14 |
100,0 |
|
|
2012 |
11 |
88,6 |
2014 |
8 |
57,1 |
|
|
2012 |
14 |
100,0 |
2014 |
14 |
100,0 |
|
|
2012 |
14 |
100,0 |
2014 |
14 |
100,0 |
|
|
2012 |
14 |
100,0 |
2014 |
12 |
85,7 |
Observam-se, no restante do Quadro 2, alguns progressos do grupo, embora não devessem acontecer esses tipos de erros. Uma das reduções mais significativas, dada a importância desse item, aconteceu em relação à organização inadequada dos períodos (falta de coerência e de coesão). No primeiro diagnóstico, 88,6% dos graduandos escreveram textos sem coerência e sem coesão. Esse percentual caiu para 57,1% no segundo diagnóstico, número ainda elevado, considerando-se que todos são professores com muitos anos de experiência de ensino.
Apesar de pouco satisfatórios, os resultados referentes ao primeiro objetivo específico apontam para pequenos avanços que podem ser creditados aos momentos de estudo e reflexão realizados durante o estágio-pesquisa. A maioria dos graduandos, ao longo do estágio, começou a identificar “erros” despercebidos no início, quando se realizavam os diagnósticos quinzenais de seus estudantes. Essa percepção resultou em diagnósticos mais completos e, consequentemente, no empreendimento de ações pontuais voltadas para a reorientação da aprendizagem de cada estudante no ensino fundamental. Esse novo olhar para os erros dos estudantes, aliado à formação de hábitos de produção de textos autorais, de revisão e de reescrita dos próprios textos e de textos de outros autores, foi um dos avanços claramente perceptível na prática de cada graduando, registrados nos respectivos Trabalhos de Conclusão de Curso em que, alguns se comprometeram a dar continuidade, no cotidiano da prática docente nos anos iniciais do ensino fundamental, aos trabalhos realizados no estágio-pesquisa.
IMPORTÂNCIA DOS PLANOS DE ENSINO
Ao analisar a prática docente, no que se refere à elaboração, execução e avaliação dos planos de ensino (segundo objetivo específico), verificou-se que os docentes não estão familiarizados com a prática de conduzirem, eles próprios, as atividades em sala de aula, a começar pela elaboração dos planos de ensino. Muitos docentes, em seus relatórios de estágio-pesquisa, colocaram como ponto negativo a dificuldade na elaboração de planos, a qual pode ser resultado de uma falta de orientação técnica específica, direcionada para a elaboração de planos de ensino que atendam às condições de trabalho e às características de cada professor e de cada turma. Pode ser analisada, também, como causa e consequência de outros dois problemas já apontados neste trabalho, isto é, dificuldades em relação à produção escrita e domínio insuficiente dos conteúdos que deviam ter sido trabalhados no ensino fundamental.
Sem ter habilidades e hábitos de produção escrita e sem dominar os conteúdos previstos nos PCN dificilmente o professor conseguirá produzir um plano de ensino que atenda aos requisitos técnicos e pedagógicos. Por outro lado, ao institucionalizar o hábito da elaboração de planos pelos professores, para cada uma de suas turmas, a escola estabelece a necessidade de estudo dos conteúdos e de exercício da redação. Isso, entretanto, não tem sido feito nas escolas públicas. Quando a escola tem uma Coordenação Pedagógica, cabe a esta fazer uma proposta de atividades para cada professor desenvolver em sala de aula. Essa proposta, contendo orientações às vezes detalhadas, visando instrumentalizar melhor a ação do professor, vem substituindo os planos de ensino e sendo confundida com estes.
Em face desse contexto, a realização de um trabalho que exige, de cada professor, a elaboração, execução, avaliação e revisão constantes de seus planos de ensino, passa a constituir uma situação inédita para os que dele participam. O fato de essa situação ser inusitada é um ponto a ser visto e analisado, cuidadosamente, por profissionais responsáveis pelas políticas públicas e pela gestão escolar em seus diferentes níveis. A prática da elaboração dos planos de unidade e de planos semanais, estabelecida no período do estágio-pesquisa, comprovou, para cada estagiário, a importância de um planejamento baseado em resultados de diagnósticos, os quais possibilitaram mudanças e reajustes ao longo do processo. Comprovaram, também, a maior eficácia e eficiência no desenvolvimento da prática pedagógica quando resulta de um plano de ensino elaborado pelo próprio professor que, desse modo, demonstra maior segurança em realizar ações presentes no plano e que foram, por ele mesmo, definidas de acordo com a sua realidade profissional e a de cada um dos seus estudantes.
A experiência da pesquisa-ação durante o estágio-pesquisa fez ver que os professores estão carentes de orientações, mas dispostos a aprender para realizarem uma prática pedagógica de melhor qualidade. Com mais dificuldades, no início, aos poucos, cada um deles assimilou e assumiu uma forma mais adequada de registrar suas propostas de ação em forma de planos de unidade e semanais. O hábito de elaborar semanalmente seus planos de trabalho, vivenciado no ano de 2013, mostrou a cada docente as vantagens do controle de suas ações pedagógicas desde a elaboração dos planos de ensino, passando pelo processo da execução e acompanhamento das ações programadas e dos resultados alcançados.
A PRÁTICA PEDAGÓGICA E PESQUISA-AÇÃO
O terceiro objetivo específico da pesquisa contemplava a prática pedagógica dos graduandos diante do processo metodológico da pesquisa-ação desenvolvido em sala de aula (ação-reflexão-ação). Os relatos apresentados nas reuniões do grupo, nas visitas às escolas e no trabalho final do curso evidenciaram que praticamente todo o processo desenvolvido foi diferente da rotina à qual os graduandos estavam acostumados.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Língua Portuguesa (BRASIL, 1997) deixam clara a necessidade da prática diária da produção escrita nos anos iniciais do ensino fundamental no sentido de possibilitar aos estudantes o desenvolvimento das habilidades específicas que a escrita requer. Apesar disso, as escolas não têm investido nessa aprendizagem dos estudantes. A proposta de fazer redação autoral todos os dias e de envolver todas as outras áreas de ensino nessa produção chegou como uma grande novidade às escolas e às salas de aula envolvidas no estágio-pesquisa.
Os estudantes, a princípio, estranharam a nova metodologia, mas, paulatinamente, tanto eles quanto seus professores, começaram a se envolver nos trabalhos, encantados com os resultados positivos que logo apareceram nas histórias e textos produzidos. Muito contribuíram na operacionalização dessas ações, a inclusão de algumas turmas no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, um compromisso entre os governos das diversas instâncias governamentais no Brasil (federal, estadual e municipal), no sentido de garantir que as crianças sejam alfabetizadas até os oito anos de idade. Com o Pacto, os professores recebem orientação e materiais pedagógicos específicos e cada sala de aula recebe livros para o cantinho da leitura. Os estudantes passaram a ter, todos os dias, atividades de leitura e de produção de textos, incentivados pelo Pacto e pelo projeto de pesquisa-ação.
A prática pedagógica, iniciada com a produção, pelo próprio professor, dos planos de ensino que seriam operacionalizados, contribuiu para aumentar a autoestima e a confiança de cada professor na realização dos trabalhos no cotidiano escolar. Sendo autor de seus planos de ensino, cada professor adquire mais confiança em seu próprio desempenho, pois sabe o que precisa ser feito, o motivo e o momento de realizar cada ação, pois lhe coube defini-la.
A análise da prática desenvolvida nos anos anteriores fez cada professor detectar e evitar ações pouco eficientes e constatar, no dia-a-dia da sala de aula, a importância do processo de ação-reflexão-ação proposto na pesquisa-ação e no processo de avaliação da aprendizagem. Nesse processo, viabilizado pelos diagnósticos frequentes da aprendizagem dos estudantes, cada professor exerceu, pela primeira vez, segundo relatado nos TCC, a prática de acompanhar, de fato, o desenvolvimento da aprendizagem de cada um dos alunos, constatando seus avanços e promovendo ações específicas para obtenção de aprendizagens ainda não consolidadas.
A prática cotidiana de verificar os avanços e recuos de cada estudante significou uma novidade na prática docente, fruto da prática de exames que geralmente se verifica em muitas escolas públicas baianas, refletindo a falta de interesse da escola de promover a aprendizagem efetiva de cada um de seus alunos.
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO
O quarto objetivo específico se volta para a análise das ações empreendidas, no processo de avaliação (verificação, diagnóstico, decisão, ação), tendo em vista a garantia da aprendizagem para cada um dos estudantes da turma. Diagnosticar e acompanhar o desempenho de cada estudante sempre foi uma tarefa pedagógica imprescindível no processo de ensino, abordada com ênfase e defendida pelos educadores desde o Movimento da Escola Nova, em meados do século passado. A avaliação como processo, longe de se esgotar na aplicação de instrumentos de verificação de aprendizagem, apenas começa aí. Exercícios, testes e provas são instrumentos essenciais para que o professor identifique o que cada estudante aprendeu e os pontos em que ainda precisa de reforço, de ajuda do professor e de mais estudos.
O cerne do conceito de avaliação encontra-se na realização de diagnósticos frequentes cujos resultados sirvam para a tomada de decisões, pelo docente, com o intento de assegurar a aprendizagem daquele estudante que demonstrar, nos diagnósticos, não ter aprendido os conteúdos trabalhados. Conteúdos aqui entendidos como o conjunto de habilidades, hábitos, atitudes e conhecimentos que são objetos de ensino na escola.
Fazer avaliação no processo de ensino é realizar, no cotidiano escolar, a ação-reflexão-ação de que trata Paulo Freire (1979; 2005) e que se constitui característica principal do método da pesquisa-ação. Visto dessa maneira, parece demasiado óbvia a realização de uma pesquisa em que os procedimentos metodológicos resultam no que deveria ser o cotidiano de todos os professores, em todos os níveis de ensino. Além disso, em que estaria o ineditismo desse trabalho se tudo o que está proposto no projeto de estágio-pesquisa, tanto em relação às atividades de ensino quanto em relação às atividades de pesquisa, são ações que fazem parte das tarefas que a escola e seus professores deveriam estar vivenciando em sua prática pedagógica?
O termo “avaliação” começou a ser utilizado sem que os professores assimilassem e aprendessem a colocar em prática o processo de avaliação. Principalmente, sem que as escolas oferecessem condições operacionais para que os professores desenvolvessem as ações necessárias à realização de todas as etapas do processo avaliativo. Na prática, apenas passaram a adotar o termo, mas continuaram fazendo apenas exames.
Verificou-se que o acompanhamento sistemático da evolução dos estudantes não fazia parte da rotina pedagógica das escolas e, com isso, os professores não estavam acostumados com a comprovação dos resultados de seu trabalho. O acompanhamento, por meio dos diagnósticos, no início, durante e ao final do estágio-pesquisa, mostrou, no cotidiano escolar, cada pequeno avanço. Os estudantes e os professores puderam constatar os pequenos sucessos e os resultados finais, comparados com o desempenho registrado no começo.
A apreciação qualitativa realizada pelos docentes-pesquisadores, ao longo do estágio-pesquisa e no TCC, mostra que o trabalho realizado surtiu efeitos, em alguns casos, positivamente inesperados, conforme registrados no livro produzido coletivamente (LEITE et al., 2015). Foram mais visíveis os progressos dos estudantes dos anos iniciais, principalmente do primeiro ano, que não sabiam escrever, no início do ano e, no final, já conseguiam inventar e escrever pequenas histórias, algumas delas publicadas em livro coletivo (LEITE, 2013).
Numa análise qualitativa dos trabalhos que os docentes-pesquisadores selecionaram para apresentar no TCC, verificaram-se mudanças significativas na redação de cada estudante quando comparadas a primeira com a última produção escrita. Isso, sem dúvida, resultou da metodologia de ensino, pesquisa e avaliação operacionalizada pelos professores ao longo do estágio-pesquisa.
OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Ensino, diagnóstico, ação-reflexão-ação, pesquisa-ação para solucionar os problemas do cotidiano escolar são ações que precisam ser incorporadas à prática pedagógica cotidiana nas escolas públicas, se os educadores quiserem, realmente, construir uma educação de boa qualidade que forme cidadãos críticos e participativos. Isso só será possível com a formação de bons leitores que sejam também capazes de construir bons textos.
Ao fim dessa pesquisa, os estudantes evoluíram na escrita e cada um dos docentes-pesquisadores concluiu o Curso de Pedagogia mais fortalecido e mais seguro em relação ao que deve ser feito no cotidiano escolar para promover uma educação de melhor qualidade. O estágio-pesquisa, vivenciando uma pesquisa-ação, contribuiu para a formação de um novo olhar de cada graduando tanto a respeito do processo educacional e da tarefa de ensinar e de promover a aprendizagem, quanto da importância da leitura e da escrita para a aprendizagem global de cada estudante. Comprovou-se, desse modo, a hipótese estabelecida para essa pesquisa: com a realização de um projeto de pesquisa-ação (ação-reflexão-ação), associado à prática da elaboração e execução dos planos de ensino pelo próprio professor e à prática do processo de avaliação (diagnóstico e acompanhamento individual da aprendizagem e replanejamento constante baseado nesse diagnóstico) pode-se melhorar o desempenho dos graduandos e promover a aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental.
Isso requer políticas públicas que ofereçam, aos professores que hoje atuam neste nível de ensino, oportunidades para a aquisição de conhecimentos e formação de hábitos, atitudes e habilidades que não tiveram oportunidade de aprender quando alunos.
Como afirmava o filósofo Platão (2005, p. 49), “[..] aquilo que não se possui, ou não se sabe, não se pode dar ou ensinar aos outros”. O professor não pode ensinar o que não sabe. Sem um sério investimento na formação de habilidades e aquisição de conhecimentos que os professores ainda não possuem, eles concluirão o ensino superior, voltarão para a escola com as mesmas carências e desenvolverão a mesma prática insatisfatória que não tem formado os estudantes nem mesmo para a obtenção de bons resultados nos exames do IDEB.
REFERÊNCIAS
ABDALLA, Maria de Fátima Barbosa. A pesquisa-ação como alternativa para análise da Prática docente. REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 27, Caxambu, 21 a 24 de novembro de 2004. Anais eletrônicos. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt04. Acesso em: 6 mar. 2013.
BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília, DF: Plano, 2002.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: 1997, 144p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos. Acesso em: 30 jul. 2013.
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