FORMAÇÃO CONTINUADA E CARREIRA DOCENTE: O MUNICÍPIO DE GUARULHOS EM QUESTÃO
Resumo: Este estudo tem como objetivo compreender ações realizadas na rede municipal de ensino de Guarulhos, voltadas à formação continuada dos professores, com base no plano de carreira. Apresenta-se, inicialmente, o perfil dos professores guarulhenses, seguida de análise de documentos que regulamentam o Plano de Carreira do município e de entrevistas com seis professoras, em três escolas. Com as análises, foi possível compreender como os gestores municipais têm articulado a implantação da jornada de trabalho prevista na Lei do Piso a um processo de formação em serviço. Em relação à formação continuada, o plano não contempla afastamentos para cursos de pós-graduação strito sensu, limitando, portanto, o incentivo à formação continuada dos professores da rede.
Palavras-chave: políticas educacionais; plano de carreira; formação continuada de professores.
INTRODUÇÃO
Tardiamente, o Estado brasileiro, por meio da Lei nº11.738/2008 (BRASIL, 2008) que estabelece o Piso Salarial Profissional Nacional, e do art. 22 da Lei nº 11.494/2007 (BRASIL, 2007), que dispõe sobre a parcela da verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb), definiu condições mínimas básicas para os profissionais da educação, tanto no que se refere à remuneração docente, quanto à sua formação e condições de trabalho.
Também tardiamente o Estado brasileiro instituiu a Política Nacional de Formação de Professores com o Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009 (BRASIL, 2009b), chamando para si, em parceria com estados e municípios, a responsabilidade sobre a área.
Por fim, em junho de 2015, é publicada a Resolução CNE/CP nº 02/2015 (BRASIL, 2015), que estabelece novas diretrizes curriculares para a formação de professores, com um diferencial: essa resolução também passa a regulamentar a formação continuada de professores, questão que não aparecia de forma tão específica nas legislações anteriores.
Percebe-se que a valorização da profissão docente passa a ser compreendida e promovida pelo Estado a partir de dois eixos principais: formação (sobretudo a continuada) e regulamentação da carreira.
Nesse sentido, esta comunicação, como parte de pesquisa mais ampla Pesquisa com financiamento CNPq. (Chamada 43/2013 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas). , tem como objetivo principal compreender como essas ações voltadas à regulamentação e implementação dos planos de carreira e salário dos professores – com foco na formação continuada –, estão sendo concretizadas pelas redes públicas de ensino. Para tanto, optou-se pela rede municipal de ensino de Guarulhos, por considerá-la representativa da nova configuração que se desenha na área, no Brasil.
São apresentados dados relativos às características dos professores da rede municipal de Guarulhos coletados em um banco organizado em pesquisa mais ampla (GEPECSO, 2014) e também por meio de entrevistas realizadas com seis professoras em três escolas, escolhidas por seu porte e localização. Ainda, apresentam-se informações sobre o Plano de Carreira, nos aspectos relacionados à jornada de trabalho e a formação continuada, instituído pelo município de Guarulhos para seus professores.
Mediante esse contexto, esta comunicação foi organizada em três momentos: primeiro, discutem-se as políticas de formação continuada de professores no Brasil. Na sequência, são apresentadas as regulamentações voltadas à garantia da definição de critérios mínimos para a implementação, por estados, municípios e distrito federal, de seus planos de carreira para os profissionais da educação e analisa-se particularmente o Plano de Carreira do município de Guarulhos, o que auxiliará a compreender as opiniões expressas por seus professores, tema abordado no terceiro momento do texto. Por fim, nas considerações finais, apresentam-se as conclusões a respeito da implementação do Plano de Carreira em Guarulhos.
POLÍTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES A PARTIR DOS ANOS 1990
A Declaração Mundial sobre Educação para Todos (WCEFA, 1990) foi um marco para o Brasil no que tange à educação, dadas as mudanças que se seguiram. Em 1993, foi elaborado o Plano Decenal de Educação para Todos 1993-2003 (BRASIL,1993). No que se refere ao magistério, o documento (BRASIL,1993) indica que “embora o nível de titulação dos professores tenha aumentado nos últimos anos, persistem problemas de desempenho” (grifo próprio, p. 32). Para mudar o quadro, é proposta a “reestruturação dos processos de formação inicial e continuada, abrangendo a revisão dos currículos dos cursos médios e superiores do magistério e dos programas de capacitação dos profissionais em exercício, inclusive dirigentes escolares, considerados agentes importantes na melhoria da gestão do ensino” (grifo próprio, p. 45).
Em 1996, com a promulgação da Lei n. 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB/96 (BRASIL, 1996), foram ratificados os princípios, objetivos e orientações constantes em documentos nacionais e internacionais, inclusive dando-se ênfase à valorização do magistério por meio, entre outros, da formação.
Inúmeros documentos e orientações foram produzidos pelo MEC no período subsequente a fim de orientar a área. Merece destaque os Referenciais para Formação de Professores – RFP (BRASIL,1999), uma vez que nesse documento são explicitados, dentre outros, os princípios, objetivos e metas para a formação continuada, um dos focos deste trabalho. Destaca-se o desenvolvimento profissional docente permanente, que inclui formação inicial e continuada, esta última voltada para professores em serviço em programas promovidos dentro e fora da escola, de modo presencial e/ou a distância. O documento relata que essa formação permanente não é algo eventual, nem se destina a suprir deficiências de uma formação inicial, mas deve fazer parte sistemática do exercício profissional do professor e poderá ocorrer no trabalho dentro e fora da escola, mas sempre com repercussões em suas atividades.
Na sequência, tem-se a aprovação do Plano Nacional de Educação – PNE/2001 (Lei n.10.172, de 09/01/2001) que apresentou objetivos e metas a serem alcançados em dez anos. O PNE/2001 (BRASIL, 2001) ratificou as concepções presentes em outros documentos já publicados pelos órgãos públicos e pelas obras elaboradas por profissionais da área que divulgaram essas ideias no Brasil ou a elas se alinharam.
No que se refere ao magistério da educação básica, o PNE/2001 enfatiza a necessidade da organização de programas de formação, uma vez que essa é uma das condições para o sucesso do Plano. A melhoria da qualidade do ensino só poderá ser alcançada com a valorização do magistério, mediante uma política global específica, que implica numa formação profissional inicial, condições de trabalho, salário e carreira e formação continuada.
Em 2009 foi publicado o Decreto nº 6.755 (BRASIL, 2009b), que trata da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. O Decreto traz uma questão inédita desde a publicação da LDB/96, já que nele o Estado passa a assumir um papel central sobre as ações voltadas à formação inicial e continuada dos professores das redes públicas de ensino do país, mediante apoio financeiro e determinação de um “cardápio” de opções a serem oferecidas aos professores pelas instituições de ensino superior (IES) parceiras. Merece destaque no Decreto o papel atribuído à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES nesse processo, uma vez que até então sua função estava voltada à pós-graduação. Segundo o artigo 8º do Decreto,
§ 3º Os cursos de atualização, aperfeiçoamento e especialização serão fomentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, deverão ser homologados por seu Conselho Técnico-Científico da Educação Básica e serão ofertados por instituições públicas de educação superior...(BRASIL, 2009b).
No mesmo artigo, §6º, fica definido que “a CAPES disporá sobre requisitos, condições de participação e critérios de seleção de instituições e de projetos pedagógicos específicos a serem apoiados”. Percebe-se com a nova regulamentação um maior controle do Estado sobre a formação de professores mediante recursos financeiros disponibilizados às IES que, em contrapartida, devem se submeter ao cumprimento das determinações estabelecidas pelo MEC por meio de editais.
Em 2014 é aprovado o Plano Nacional de Educação 2014-2024 – PNE/2014 (BRASIL, 2014). Dentre as metas estabelecidas, o PNE/2014 destaca necessidade de garantir formação continuada aos professores das redes de ensino públicas do país, inclusive no âmbito da pós-graduação:
Meta 16: formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino (BRASIL, 2014).
Segundo o documento do MEC intitulado Planejando a Próxima Década: Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014b), estabelecer uma política de valorização dos profissionais da educação em cada rede ou sistema de ensino é fundamental para que a política educacional se fortaleça.
Por fim, em junho de 2015, é publicada a Resolução CNE/CP nº 02/2015 (BRASIL, 2015), que estabelece novas diretrizes curriculares para a formação de professores. Na Resolução a formação continuada de professores também é destacada e deverá compreender:
Art.16...dimensões coletivas, organizacionais e profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional docente (BRASIL, 2015).
A formação continuada, segundo o Artigo 17 da Resolução, pode se dar
...pela oferta de atividades formativas e cursos de atualização, extensão, aperfeiçoamento, especialização, mestrado e doutorado que agreguem novos saberes e práticas, articulados às políticas e gestão da educação, à área de atuação do profissional e às instituições de educação básica, em suas diferentes etapas e modalidades da educação (BRASIL, 2015).
Assim, a Resolução define o que se compreende por formação continuada e como ela deve ser oferecida.
De acordo com esse breve panorama, percebe-se a relevância atribuída à formação continuada de professores como condição para a melhoria da educação básica do país, sobretudo pública. Contudo, é necessário que se ofereçam condições de trabalho para que os professores participem das formações, tais como afastamento remunerado e reconhecimento do esforço do professor em se aperfeiçoar mediante progressão na carreira. Isso está diretamente relacionado aos Planos de Carreira e Remuneração dos estados, municípios e distrito federal, como previsto na legislação que regulamenta atualmente essa questão. A fim de investigar como essas alterações em relação à carreira do magistério no Brasil estão sendo implementadas, discutem-se, tendo como referência a rede municipal de ensino de Guarulhos, as regulamentações elaboradas e também como os professores compreendem sua situação frente às mudanças em relação ao plano de carreira a que estão submetidos, com foco nas condições oferecidas para que frequentem cursos de formação continuada.
PLANO DE CARREIRA, JORNADA DE TRABALHO E FORMAÇÃO CONTINUADA DO MAGISTÉRIO DE GUARULHOS
A jornada de trabalho é fator fundamental na análise das condições de trabalho do professor, das condições de qualidade de oferta educacional e também da formação continuada. O trabalho docente é constituído pelo tempo que o professor trabalha diretamente com os alunos e por aquele que é dedicado a um conjunto de atividades que dão suporte àquelas realizadas na sala de aula.
No que se refere à composição da jornada de trabalho, a Lei n. 11.738/2008 (Lei do Piso) (BRASIL,2008) significou importante conquista legal que precisa ser colocada em prática. De acordo com o § 4º da referida Lei, a composição da jornada deve observar o limite máximo de 2/3 da carga horária para atividades de interação com os estudantes. Assim, fica especificado um percentual da jornada para as atividades de apoio à docência.
Dessa forma, a Lei do Piso tem sido o marco legal nacional para as modificações nos planos de carreira de estados e municípios de forma a cumprir a legislação no que se refere à composição da jornada de trabalho.
De acordo com o Plano de Carreira do magistério público de Guarulhos, a jornada de trabalho semanal dos professores é constituída por horas de atividades com alunos e horas de trabalho pedagógico, conforme informa o Quadro 1.

Das cinco jornadas previstas no Plano de Carreira somente as duas últimas, incluídas no Plano pela Lei n. 7.274/2014, contemplam a composição estabelecida pela Lei do Piso.
No que se refere à jornada de trabalho, o plano de carreira anterior que era 2005 foi modificado duas vezes, em 2010 e em 2014. Nas mudanças realizadas em 2010, a despeito da Lei do Piso já estar em vigor há dois anos, não houve inclusão de 1/3 da jornada para atividades de apoio à docência, o que ocorreu somente em 2014 com a inclusão da Jornada Pedagógica Parcial (JPP) e da Jornada Pedagógica Integral (JPI), cujas composições atendem ao estabelecido na Lei do Piso.
Com vistas a iniciar um processo de implantação de jornadas, cuja composição atenda ao previsto na Lei do Piso, a Lei n. 7.274/2014 (GUARULHOS, 2014a) determinou que os Professores de Educação Básica I poderiam, no processo de atribuição/escolha de classes de 2014, com exercício no ano de 2015, optar pela Jornada Pedagógica Parcial (JPP) ou pela Jornada Pedagógica Integral (JPI), sendo a opção por uma dessas duas jornadas irrevogável e irretratável, o que impede o retorno à Jornada Básica de Trabalho Docente, à Jornada Completa de Trabalho Docente e à Jornada Integral de Trabalho, conforme Lei n. 6.711/2010 (GUARULHOS, 2010). Os professores da Educação Básica I que não fizeram a opção por ingressar na JPP ou na JPI em 2014 poderão fazê-lo nos anos subsequentes. Aqueles que ingressaram numa destas duas jornadas em 2015, poderão anualmente fazer a opção por uma das duas, não podendo retornar às jornadas anteriores. Os professores de Educação Infantil, por sua vez, poderão fazer a opção pela JPP ou pela JPI no processo de atribuição/escolha de 2015, com exercício a partir de fevereiro de 2016.
Com essa Lei a Secretaria Municipal de Educação inicia o processo de implementação de jornada de trabalho com o máximo de 2/3 de atividades com alunos, assegurando assim um tempo maior para as atividades de apoio à docência, entre elas a formação em serviço.
A fim de regulamentar as jornadas de trabalho previstas na Lei n. 7.274/2014 (GUARULHOS, 2014a), especialmente no que se refere às horas destinadas à formação em serviço, em outubro de 2014 foi publicado o Decreto n. 32.216 (GUARULHOS, 2014b), definindo no art. 3º que a formação em serviço dar-se-á por meio de cursos de educação a distância, oferecidos pela Secretaria de Educação, e cursos de mestrado e doutorado na área de educação.
Assim, os professores que fizerem opção pela JPP deverão cumprir 12 horas mensais e os que fizerem opção pela JPI, 20 horas mensais de cursos de formação, o correspondente às horas da jornada destinadas à formação em serviço, conforme regulamentado no referido Decreto, ou comprovar que estão cursando mestrado ou doutorado na área de educação.
A proposta da prefeitura de oferecer formação continuada em cinco das 13 horas semanais que o professor tem para atividades extraclasses é oportuna tanto em relação ao cumprimento à Lei do Piso, quanto em relação à oferta de formação continuada em serviço. Resta saber quais são as condições para a realização dessa formação e como ela dialogará com as práticas docentes dos professores, tendo em vista a melhoria da educação.
Ainda em relação à formação continuada, o Plano (GUARULHOS, 2010, art. 33) garante licença para as seguintes atividades: afastamento sem prejuízo da remuneração e demais vantagens do emprego público para “participar de simpósios, congressos ou similares, certames desportivos, culturais ou científicos, cursos de aperfeiçoamento ou especialização em instituição credenciada, com autorização expressa da Secretaria Municipal de Educação”. O afastamento para cursar pós-graduação em nível de mestrado ou doutorado será de no máximo 24 meses, com prejuízo da remuneração. Ou seja, a possibilidade de afastamento remunerado para formação continuada é apenas para pós-graduação lato sensu.
O Plano de Carreira do município de Guarulhos está em conformidade com a legislação nacional nos aspectos aqui considerados, quais sejam, jornada de trabalho e formação continuada. Entretanto, no que se refere à jornada de trabalho, é fundamental que seja garantida, com a composição prevista na Lei do Piso, para todos os professores da rede e isso exigirá esforços no que se refere à remuneração, de forma que os professores sejam incentivados a deixarem o acúmulo de cargo e se fixarem numa única escola, podendo dessa forma dedicar-se adequadamente às atividades pedagógicas e contribuir, naquilo que depende de seu desempenho, para melhorar a qualidade do ensino. Também seria importante que o município considerasse a possibilidade de permitir afastamentos remunerados para pós-graduação stricto-sensu, ampliando as possibilidades de formação dos professores da rede.
A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES DE GUARULHOS SOBRE O PLANO DE CARREIRA E A FORMAÇÃO CONTINUADA NA REDE
Atualmente, o município de Guarulhos possui 140 escolas próprias, além de dez Centros de Educação Unificados (CEU) e 54 escolas conveniadas que atendem Fonte: portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br Acesso em 31 de março de 2016. a educação infantil, o ensino fundamental e a educação de jovens e adultos. Dado o recente processo de municipalização, o município ainda divide as demandas do ensino fundamental com a rede estadual de ensino. Contudo, rapidamente o número de alunos do ensino fundamental das escolas municipais vem crescendo e, como consequência, o número de professores vem aumentando, assim como o investimento na sua formação.
Algumas características dos professores da rede pública municipal de Guarulhos são apresentadas para que melhor se conheça esse novo perfil que vem se constituindo com a expansão da rede. Os dados sobre os professores foram extraídos do Banco de Dados gerado por pesquisa institucional (GEPECSO, 2014). Ainda, para investigar a forma como os professores compreendem suas condições de trabalho e oferta de formação continuada pelo município, foram realizadas entrevistas do tipo semiestruturada (LAVILLE; DIONNE, 1999) com seis professoras da rede em três escolas distintas, escolhidas por seu porte (pequena, média ou grande) e sua localização (central ou periférica).
No referido banco, da totalidade de 607 questionários respondidos, 238 (39,2%) tratam de professores da rede municipal, compondo o recorte aqui apresentado, o que representa 5,4% do total dos docentes de Guarulhos De acordo com dados da prefeitura de Guarulhos, o município conta em 2015 com 4.343 professores (Fonte: SMG / DPIE / Sistema Gestão Escolar, Informações de 01/08/2015).. Dentre estes, 63,87% afirmaram lecionar na educação infantil e 37,39% no ensino fundamental I. Dez professores afirmaram atuar no ensino fundamental II e dois não responderam. Um afirmou trabalhar com educação de jovens e adultos. No que se refere à escolarização básica dos professores, 63,45% frequentaram escolas públicas e 26,4% escolas particulares. Do total de professores que responderam o questionário, 60,57% afirmaram ter feito Magistério ou curso Normal. Com relação à formação superior, 66,81% afirmaram ter cursado licenciatura, 5,05% bacharelado, 9,66% bacharelado e licenciatura e 15,55% não informaram.
Em contraposição à escolarização básica, a maioria fez o ensino superior em instituições privadas (79,83%), 5,46% o fizeram em instituições públicas e os demais não responderam. Podem ser levantadas hipóteses sobre fragilidades presentes na formação inicial para a docência, realizada em instituições privadas onde a educação é assumida, na maioria dos casos, como um negócio lucrativo, ocorrendo de forma aligeirada (Freitas, 2002).
Com relação aos cursos frequentados, temos as seguintes repostas: 148 professores (62,18%) afirmaram ter feito Pedagogia. 27 (11,34%) fizeram Letras. Os demais cursos feitos pelos professores sãos: Artes e Educação Física (8), Matemática (5); História (4); Biologia e Direito (3); Ciências Sociais, Geografia, Psicologia, Turismo (2); Administração, Fisioterapia, Serviço Social (1).
Sobre a formação continuada, os professores foram questionados se fizeram algum curso de Pós-Graduação: 47,06% não, 35,71% sim e 13,87% não informaram.
Os professores foram questionados se realizaram cursos de formação continuada para efeitos de progressão na carreira e 86,55% dos professores afirmaram que sim. A valorização dos profissionais da educação, prevista na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e também no PNE/2014 (BRASIL, 2014), estabelece a necessidade de planos de carreira que contemplem carga de trabalho que preveja período reservado a estudos. Nas entrevistas realizadas, as professoras Todos os nomes dos professores entrevistados são fictícios.afirmaram existir na rede a oferta de cursos de formação continuada.
... a prefeitura tem bastante disso, bastante formação, então eu procuro pelo menos em cada semestre estar fazendo alguma coisa, alguma formação por, sei lá, dois meses, alguma coisa assim. PNAIC que são dois anos, eu fiz o ano passado e estou fazendo esse ano todos os sábados praticamente. (Denise).
De acordo com os relatos, é obrigatória a participação em cursos de formação continuada realizados, inclusive, fora do horário de trabalho:
Gosto muito, muito, e não é porque é obrigatório. Eu gosto, e a rede, a prefeitura oferece muitos cursos. Agora dia 04 começa duas semanas de cursos e palestras. [...]. Tem que fazer no contraturno, mas conta pontos para a carreira (Fátima).
Freitas (2002), ao analisar os rumos tomados em relação à formação dos professores, alerta para a responsabilização dos docentes no que se refere à sua formação continuada, que se torna um dever. Nesse sentido, a afirmação de Bourdieu (1998) de que há uma profunda sensação de insegurança e incerteza que afeta os trabalhadores, que devem se submeter a uma reinvenção permanente, auxilia a compreender o paradigma imposto aos professores, em relação à necessidade da formação continuada permanente. Eles são responsabilizados por sua formação, ainda que fora de seu horário de trabalho. Por isso é fundamental a implementação da jornada prevista na Lei do Piso, o que permitiria que os professores realizassem a formação continuada dentro da sua jornada de trabalho.
As professoras valorizavam a realização de cursos para sua formação continuada, embora às vezes se sintam sobrecarregadas:
Gosto. Tanto que eu estou fazendo, de sábado, eu estou fazendo o do PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa., e eu acho que é muito importante. Eu não gosto de me sobrecarregar, então às vezes eu faço um período, no outro período eu paro, dou um tempo, mas eu acho que é muito importante, porque, todas as vezes que a gente faz curso, muitas vezes até o conteúdo do curso não é tão interessante, mas trocas que a gente tem com as pessoas, com as professoras, eu acho que isso enriquece demais. Então eu acho que é muito importante sempre estar em algum curso, em alguma formação. (Denise).
Contudo, a opção por fazer ou não um curso de formação continuada resvala em outras questões: condições de trabalho e remuneração. No momento da pesquisa de campo em 2014, as professoras entrevistadas comentaram sobre a mudança que estava sendo implantada na rede em relação à jornada de trabalho, embora ainda não soubessem exatamente como funcionaria.
... pelo que as pessoas estão falando, financeiramente não vai compensar. Por que, essa escola aqui, a realidade dela é de dois períodos, então são trinta horas. Então vai ampliar para 38 horas. Eu vou ter que fazer 35 horas de curso, online, a princípio é um programa escola digital. Eu posso fazer aqui, mas não tem computador na escola. Eu posso escolher fazer na escola ou fora da escola. A escola... são esses cacarecos aqui que você está vendo, de computador... para você acessar um e-mail aqui você leva uma hora, se você conseguir, não tem para todo mundo. [...] Eu não sei como vai ser, a questão é o projeto piloto, então vamos ver como vai funcionar. A pessoa vai ter essas cinco horas, e uma hora atividade a mais na semana. Então vai aumentar. Se você for essas oito horas a mais, vai tomar um tempão, e o salário não vai [...] vai aumentar uns 700 reais, por exemplo. Em outra rede, se eu dobro, eu vou ganhar mais, muito mais do que isso, entendeu. Então, assim, eu não sei se vai ser tão vantajoso. De repente para alguém que já está em final de carreira, que não queira acumular... (Marília).
A fala revela que, a despeito da reivindicação histórica do magistério e da Resolução n. 2/2009 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE) (BRASIL, 2009a) estabelecer que a jornada do professor dever ser preferencialmente em tempo integral (40 horas) com incentivo à dedicação exclusiva numa única escola, a professora, ao considerar a condição remuneratória dos docentes, conclui que ter acúmulo de cargo é mais vantajoso do que ter uma jornada de tempo integral que, no caso da rede municipal de Guarulhos, corresponde a 38 horas semanais de trabalho. Isso reforça a ideia de que para avançar numa jornada de tempo integral é fundamental que a remuneração seja competitiva em relação àquela que o professor recebe quando tem acúmulo de cargo. Caso contrário, os professores continuarão a acumular cargos para sobreviver.
Além disso, e não menos importante, a fala de Marília indica que nem todos os professores conhecem o plano de carreira a que estão submetidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação continuada de professores ganhou relevância no cenário educacional nacional e internacional nas últimas décadas. Documentos internacionais e nacionais circularam pelas secretarias de educação de estados e municípios a fim de se construir uma nova concepção em relação à profissão docente, atrelando-a à formação continuada. Esse cenário foi induzido pelas inúmeras reformas educacionais ocorridas em escala internacional, o que teve como justificativa o necessário ajuste da educação à nova realidade mundial marcada pelos avanços tecnológicos e pela rápida circulação de informações por meio das novas tecnologias da comunicação e da informação. Para tanto, era necessário alinhar os professores a essa nova realidade.
No Brasil, a formação continuada passou a fazer parte das ações de todas as instâncias governamentais, induzidas que foram pela legislação federal produzida, assim como pelos discursos que circularam por meio de documentos nacionais e internacionais, impactando os planos de carreira dos profissionais da educação. Nesse contexto, fixou-se no Brasil um piso salarial nacional dos professores, o que foi, sem dúvida, um passo importante rumo à valorização docente, mas ainda insuficiente para uma real valorização do magistério público.
A partir da análise dos dados foi possível compreender como os textos legais produzidos para orientar a elaboração de planos de carreira, incluindo a valorização da formação continuada, foram materializados pela ação dos gestores locais.
Mediante as análises, foi possível concluir que avanços foram feitos, mas muito ainda há para se fazer em relação à carreira docente em Guarulhos. As professoras entrevistadas apreciam a formação continuada oferecida pela rede, mas consideram que é mais uma atividade a ser acumulada, já que, em sua maioria, é oferecida fora do horário de trabalho, o que sobrecarrega os profissionais. Outro aspecto que chama a atenção nas falas é o conhecimento superficial que as professoras têm do Plano de Carreira a que estão submetidas. Apesar das informações vagas que possuem sobre o novo plano, consideraram que ter dedicação a uma só escola, com carga horária máxima, não traz vantagens financeiras, o que continuará levando-as a acumular cargos. Assim, essa questão ainda está por ser resolvida em Guarulhos, apesar da legislação federal e de estudos sobre a questão apontarem para a importância de o professor trabalhar em uma só escola, tendo condições de realizar um trabalho mais integrado com a realidade local.
REFERÊNCIAS
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