PESQUISAS BRASILEIRAS SOBRE O PEDAGOGO DO GÊNERO MASCULINO INICIANTE: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DO IBICT
Resumo: O objetivo deste artigo é identificar e analisar as produções a respeito do Pedagogo do gênero masculino nos anos iniciais e a especificidade de produções sobre sua condição como professor iniciante. Realizamos uma revisão bibliográfica a partir do Banco de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT de 2006 a abril e de 2016. É importante o reconhecimento da ação do professor como ser social, do processo de construção da profissionalidade e sua potencialidade em promover e contribuir em um movimento contra hegemônico. Identificamos que são poucos os trabalhos que tem analisado o pedagogo do gênero masculino na perspectiva de reconhecimento do ser social professor.
Palavras-chave: Professor Iniciante; Docência Masculina; Pedagogos.
INTRODUÇÃO
De modo geral, os professores iniciantes passam por dificuldades de início da carreira ao entrar em contato com a prática devido à passagem de sua condição aluno para a de professor. Se somarmos a essa condição a particularidade de o pedagogo do gênero masculino adentrar um espaço em que historicamente existe a predominância de profissionais formados em Pedagogia serem do gênero feminino vemos que este sujeito pode ter dificuldades potencializadas na sua entrada no magistério. Este tem que enfrentar problemas com sua aceitação no mercado de trabalho em áreas que são consideradas tradicionalmente “femininas”, especialmente, quando buscam exercer a prática docente na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. A sua atuação nessas classes, muitas vezes é vista com certo estranhamento pelos pais, mães e comunidade escolar. Muitos professores ao internalizarem esta visão acabam se sentindo desmotivados, desencorajados e desqualificados a continuar exercendo a docência nesta etapa de escolarização das crianças.
Segundo Cortez (2008) a interpretação do cuidar, como gestos e carinhos implicando um contato corporal, levantam alguns problemas na competência destes profissionais. Aspectos na atividade profissional relacionados ao cuidado continuam sendo associados ao feminino, fazendo com que alguns educadores evitem contatos corporais com as crianças, evitando supostas alegações de assédio e abuso sexual. Logo, quando os pedagogos utilizam gestos, carinhos e até contato corporal, isso pode ser visto como algo não recomendável por parte destes profissionais às crianças no ambiente escolar. Uma vez que a escola ainda é permeada por esses valores, percebe-se a cada dia maior afastamento de profissionais do gênero masculino da profissão.
Para Mello (1982), o processo de feminização do magistério, iniciado após a Revolução Industrial acarretou transformações no plano simbólico da profissão, resultando não só na ampliação da participação da mulher nas atividades educativas, como na própria prática docente assumida pelas professoras. Elas eram vistas como cuidadoras do lar, dos filhos e do marido, não necessitando investir em conhecimento. A ação exercida em sua maioria por professoras nesse ambiente está muito ligada aos aspectos familiares, com a figura do tio e da tia, por exemplo. A razão relacionada ao homem deu lugar à emoção culturalmente associada à mulher.
A compreensão e divulgação das vivências e sentimentos do pedagogo do gênero masculino iniciante em suas dificuldades podem trazer contribuições no que se refere a um novo diálogo ou nova perspectiva sobre as relações de poder, possibilitando a construção de novas formas de atuação neste ambiente de construção humanista. Uma educação de qualidade não é construída pela relação de homens e mulheres, e sim por relações que visam promover o desenvolvimento histórico, social, psicológico e cultural de seres humanos em sua totalidade.
O objetivo deste artigo é identificar e analisar as produções a respeito do Pedagogo do gênero masculino nos anos iniciais e a especificidade de produções sobre sua condição como professor iniciante, para tanto apresentamos uma revisão bibliográfica feira a partir do Banco de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT no período de 2006 a abril e de 2016.
A partir do que refletimos anteriormente e das análises realizadas, percebemos e reiteramos a necessidade de analisar o processo de transição entre a formação inicial (condição de aluno) para a prática pedagógica (condição de docente) e a condição do pedagogo do gênero masculino na educação infantil e no 1º, 2º e 3º ano da alfabetização. Temos a consciência de que o conhecimento da verdade é um processo e que essa verdade é uma verdade histórica, partimos do pressuposto que o óbvio precisa ser descortinado para se chegar ao conhecimento da essência e consequentemente ao conhecimento da verdade, para atingi-la é necessário fazer um desvio (detóur) defendido por Kosik
como as coisas não se mostram ao homem diretamente tal qual são e como o homem não tem a faculdade de ver as coisas diretamente na sua essência, a humanidade faz um detóur para conhecer as coisas e suas estruturas. Justamente porque tal detóur é o único caminho acessível ao homem para chegar à verdade. (KOSIK, 1976, p. 21).
Com base nessa afirmação, escolhemos como caminho e método de pesquisa o materialismo histórico e dialético. Para Sousa (2014) essa perspectiva reconhece a ciência como produto da história, da ação do próprio homem, que está inserido no movimento das formações sociais. Nessa forma de análise o processo de construção do conhecimento vai do todo para as partes e depois das partes para o todo realizando um círculo de síntese conforme o contexto, com necessidade de aproximação e, às vezes, de afastamento do pesquisador em relação ao objeto. Através dessa ótica, tentaremos analisar as produções e desvelar o movimento entre as contradições, mediações e totalidades que formam o objeto ao qual nos propomos fazer o estudo.
O PROFESSOR INICIANTE E GÊNERO: APONTAMENTOS E PERSPECTIVAS
Nos últimos anos, embora ainda insuficientes, percebe-se um aumento nas produções a respeito dos professores iniciantes. Para Huberman (2000) os três primeiros anos de docência, constituem-se como um período de grande significado e relevância na construção da carreira docente. Nesse período afloram-se as descobertas e as dificuldades na materialização da teoria e prática como unidade, práxis. São muitas as discussões a respeito da eficiência dos cursos de formação como facilitador do processo de início de carreira, podemos citar, por exemplo, o PIBID (Programa de Iniciação a Docência) como política pública que vem na perspectiva de dar suporte nesse processo de transição do professor da formação em curso superior para a prática da profissão, assim como o estágio tradicionalmente existente nos cursos de formação.
O processo de transição entre a condição aluno e a condição professor configura-se como uma ruptura que traz inúmeros conflitos na constituição da profissionalidade. O que demonstra a necessidade de desenvolvimento de ações que promovam o bem-estar docente desses professores. SILVA e FERNANDES e LIMONTA e CRUZ (2014) ao analisarem pesquisas a respeito das dificuldades e descobertas dos professores iniciantes, lembram que quando esses professores se deparam com os conflitos presentes na prática, desenvolvem por conta própria meios de solucioná-los, através de soluções de curto prazo, chamadas de “técnicas de sobrevivência”. Além de mudanças de longo prazo, que os fazem repensar suas crenças e até mesmo questionarem sobre a capacidade de exercer a docência.
o estudo de algumas das principais pesquisas sobre o professor no início da carreira evidencia as dificuldades, descobertas e realizações que marcaram a profissionalidade – o ser docente – no desenvolvimento de sua profissionalização. Sendo assim, esta análise das pesquisas nos encoraja a sugerir que a discussão sobre a vivência em sala de aula, e nela se insere crenças e conflitos, seja incorporada aos cursos de formação inicial e continuada de professores e que é preciso pensar em uma proposta de acompanhamento dos professores ingressantes, seja pelo professor tutor ou pela perspectiva da “residência docente” considerando que é necessário conhecer as dificuldades e transpor situações conflituosas que podem ser entraves ao processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, ao ver-se professor. (SILVA; FERNANDES; LIMONTA; CRUZ, 2014, p. 5).
Souza (2015) em levantamento bibliográfico realizado entre 2000 a 2014 sobre professores iniciantes na educação infantil identificou um crescimento nos estudos sobre a temática do professor iniciante, entretanto no que diz respeito a particularidades referentes à educação infantil, percebeu-se uma escassez de pesquisas sobre a inserção de profissionais na área e de políticas de acompanhamento pedagógico desses profissionais observando ainda um quase silenciamento da presença masculina nessa etapa de escolarização.
No tocante aos pedagogos do gênero masculino iniciantes, os conflitos de início da atividade docente tornam-se ainda mais evidentes e concentrados, ocasionando em alguns casos a perda de aspectos importantes da profissionalidade e até mesmo o abandono da carreira. Levando em consideração que o trabalho é o processo de objetivação humana, observa-se que há uma regulação no trabalho de professores e professoras, essa regulação que vem de fora para dentro da escola, é reproduzida e volta para a sociedade. Além de se pensar nas dificuldades inerentes ao início da prática docente, podemos refletir também sobre as determinações presentes dentro da escola, tudo que se pode ou não fazer e como se deve ou não ser. Nessa perspectiva temos novamente o gênero como importante categoria no desenvolvimento dessa construção.
Se as instituições e as práticas sociais são construídas historicamente, essas também reproduzem e fabricam os sujeitos que vão perpetuar as características, papéis e concepções de manutenção das relações de poder. É possível descrever a escola como um espaço e ambiente de formação para meninos e meninas, homens e mulheres e dentro dela perpassam as relações de gênero. Para compreender melhor as características atribuídas histórico/culturalmente como femininas e masculinas é pertinente entender como estes princípios foram constituídos. Grande parte da literatura que focaliza as relações de gênero define o ser humano como sexuado, homem-mulher, mulher-homem. Nestes estudos, as características são atribuídas aos sexos, como por exemplo, o trabalho, agressão e transformação atribuída ao masculino, e o cuidado, existência e comunhão com a realidade atribuída ao feminino. Partindo da concepção de que homens e mulheres são seres sociais e que objetivam sua humanidade diariamente, podemos considerar tanto o masculino, quanto o feminino como parte do processo de construção de identidades. Podemos apreender que as masculinidades e as feminilidades são fenômenos contraditórios, que normatizam características de homens e mulheres. Sendo assim é possível falar e pensar em uma dinâmica de gênero que se tenha feminilidade nos homens e masculinidades nas mulheres.
Essa dinâmica é necessária para se pensar nas relações estabelecidas entre os sexos além de sua condição biológica, permitindo um maior desenvolvimento do ser, o ser social não é pronto e está em constante processo de formação, permitindo a integração do masculino ao feminino ou vice-versa nessa construção. Tanto o masculino quanto o feminino são características sociais, que muitas vezes se diferem de uma sociedade para outra, e até dentro de uma mesma sociedade. Suas particularidades dependem dos grupos ao qual pertencem, sejam eles étnicos, sexuais, de classe, etc. Logo não existe uma forma engessada de ser homem ou de ser mulher.
É preciso compreender que a realidade é processo e a constituição do ser também é.
Finco (2004) reflete que muitas pesquisas apontam o fato da escola possuir mecanismos sutis que constroem e mantêm as diferenças entre os sexos, por exemplo. São as relações de poder que determinam como professores e professoras devem ser e fazer traçam perfis engessados para cada ação a ser desenvolvida na prática docente, bem como o que fará parte do currículo e quais as metodologias serão utilizadas. Os professores e professoras perdem seu papel como intelectuais orgânicos, que na perspectiva de Gramsci (1995) são intelectuais que agem e contribuem na criação e consolidação de uma contra hegemonia, estes encarcerados pelas relações de poder, tornam-se meros reprodutores de ideias e concepções hegemônicas.
Entendemos hegemonia como uma
capacidade de direção cultural e ideológica que é apropriada por uma classe, exercida sobre o conjunto da sociedade civil, articulando seus interesses particulares com os das demais classes de modo que eles venham e se constituir em interesse geral. (CURY, 1989, p. 48).
Pela escola perpassam contradições históricas, como lembra Louro (1997) ao refletir que, embora o espaço escolar seja em sua maioria ocupado por mulheres, ainda funciona em uma ótica social masculina, pois é um espaço de produção do conhecimento, este último que foi historicamente produzido pelos homens. E a escola não lida com qualquer tipo de conhecimento, inclui alguns aspectos culturais, reproduzidos e fiscalizados por ela. Cury contribui a respeito dessa reflexão ao afirmar que
a função educativa, meio de implantação e consolidação da ideologia, pretende tornar coesa a classe que a gera. Pretende formular uma conceituação que reproduza a situação da classe. Mas sob o capitalismo a classe dominante também pretenderá se tornar hegemônica, isto é, mediante a difusão de sua ideologia, tornar coesa toda a sociedade, ocultando as diferenças sociais pela proclamação do discurso igualitário. Contudo, tal adesão não se faz por adição e sim por contradição. O que repõe de modo mais claro a questão da hegemonia. (CURY, 1989, p. 48).
As atividades desenvolvidas na escola estão marcadas por características ligadas intimamente ao feminino, como o cuidado e a vigilância. No entanto, sabe-se da existência de modelos ideológicos que tendem a modelar meninos e meninas em formas especificas de sentir, pensar e se relacionar. Para Hypólito (1997), lamentavelmente o que se percebe é que na dinâmica do cotidiano escolar, as práticas escolares acabam por classificar os sujeitos a partir das noções pré-concebidas que não refletem a dinâmica e a mobilidade da realidade. A escola perde a oportunidade de assumir compromissos éticos e de novas aprendizagens que contribuam com relações baseadas na justiça social e no respeito aos direitos humanos.
Partindo do nosso objetivo de identificar e analisar as produções a respeito do Pedagogo do gênero masculino nos anos iniciais e a especificidade de produções sobre sua condição como professor iniciante, realizamos uma revisão bibliográfica de Teses e Dissertações publicadas por pesquisadores de Universidades Brasileiras, a fim de identificar o que se tem discutido a respeito do Pedagogo iniciante do gênero masculino na Educação Infantil e nos primeiros anos da alfabetização. Determinamos o recorte temporal para produções realizadas de 2006 a 2016 dentro do Banco de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT. O recorte justifica-se pela publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais em 15 de maio de 2016 para os cursos de graduação em Pedagogia, que habilitam pedagogos sem distinção de gênero para o exercício da docência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. A partir daí temos a institucionalização do convite a pedagogos do gênero masculino a exercerem funções da docência, historicamente e culturalmente delegadas exclusivamente ás mulheres. Para o levantamento elencamos como palavras- chave pedagogos do gênero masculino, professores do gênero masculino, professor iniciante do gênero masculino, professor homem na educação infantil, magistério masculino, professor homem na alfabetização, professor homem nos anos iniciais, docência masculina.
PESQUISAS SOBRE PEDAGOGOS DO GÊNERO MASCULINO: QUAIS PERSPECTIVAS?
Após o levantamento com as palavras chave, os dados encontrados foram filtrados de acordo com a pertinência da temática a qual nos propomos discutir – início da carreira do magistério e a docência masculina. Inicialmente observamos os títulos de cada trabalho, fizemos a leitura de cada um e classificamos de acordo com categorias de análise.
Foram encontradas 10 dissertações e uma tese no período de 2006 a 2016 que discutiam sobre a questão do gênero masculino na docência. Os trabalhos falam em sua maioria de concepções de gênero que repercutem e são reafirmadas dentro da escola, além de tensões e contradições a respeito da presença de pedagogos do gênero masculino em um espaço marcado pela maioria de mulheres. Detalharemos no quadro abaixo o título, ano e tipo de produção das pesquisas analisadas:
ANO |
TIPO |
TÍTULO |
---|---|---|
2007 |
Dissertação |
A voz de homem e a voz do homem: as representações sociais masculinas do magistério. |
2008 |
Dissertação |
Professor, uma profissão professada: O homem no exercício do magistério (1975-2005). |
2009 |
Tese |
O perfil profissional e representações de bem-estar docente e gênero em homens que tiveram carreiras bem-sucedidas no magistério. |
2010 |
Dissertação |
Homem como professor de creche: sentidos e significados atribuídos pelos diferentes atores institucionais. |
2011 |
Dissertação |
“Por acaso existem homens professores de educação infantil?”: um estudo de casos múltiplos em representações sociais. |
2012 |
Dissertação |
Professor homem na educação infantil: a construção de uma identidade. |
2012 |
Dissertação |
O dispositivo da sexualidade enquanto enunciador do professor-homem no magistério das séries iniciais e na educação infantil. |
2013 |
Dissertação |
Homens no curso de pedagogia: as razões do improvável. |
2014 |
Dissertação |
Transitando na fronteira: A inserção de homens na docência da Educação Infantil. |
2014 |
Dissertação |
Não sou tio, nem pai, sou professor! A docência masculina na educação infantil. |
2015 |
Dissertação |
Vozes masculinas no cotidiano escolar: desvelando relações de gênero na Educação Infantil sob a perspectiva fenomenológica de Alfred Schutz. |
Considerando a análise da totalidade das 10 dissertações e da tese, foram geradas categorias centrais, como Masculinidade, Docência e Divisão Sexual do Trabalho, modelos hegemônicos, gênero e sua relação com o trabalho pedagógico, pertencimento e docência masculina. Embora tenhamos separado as categorias apenas para fins de organização dos dados, reconhecemos que elas se interligam na compreensão do todo. Inicialmente mostraremos através de um quadro as categorias e a frequência de cada uma. Em seguida detalharemos de acordo com a forma que foram abordadas nos trabalhos:
CATEGORIAS |
QUANTIDADE DE ABORDAGEM |
---|---|
Masculinidade, Docência e Divisão Sexual do Trabalho |
5 |
Modelos Hegemônicos |
4 |
Gênero e Trabalho Pedagógico |
7 |
1. Masculinidade, docência e divisão sexual do trabalho.
Totalizam-se cinco trabalhos que focam nas contradições entre a masculinidade, docência e a divisão sexual do trabalho. Nas pesquisas de CARVALHO e BRUNS (2015), GONÇALVES e MOSQUERA (2009), GOMIDES e LOPES (2014), SALGADO e FÁVERO (2007), SILVA e FARIA (2014) são relatadas questões referentes ao histórico do processo de feminização do magistério, que resultou em um reordenamento das forças de trabalho, permitindo as mulheres ocupar cargos que antes eram restritos a homens, tal processo apesar de se configurar numa conquista, novamente teve como objetivo atender as demandas do capital que precisava de homens como mão de obra para assumir outros postos com a modernização proporcionada pela revolução industrial.
Entretanto, as pesquisam mostram que alguns homens, atuam e não consideram esse um espaço restrito as mulheres, mas também um espaço de construção de novos significados a respeito das feminilidades e masculinidades. Vale lembrar também que com a entrada das mulheres na docência, o campo de trabalho se desvalorizou, pela lógica do capital se elas anteriormente estavam restritas a vida doméstica, a atuação como professoras configura-se apenas como um modo de ocupação. Para Sarmento (2004) a representação social das profissões segue um modelo piramidial, sendo que no topo estão as profissões de maior reconhecimento, e na base as profissões de menor status. No grupo profissional de professores no topo estão os professores universitários, e na base os professores da educação básica, em especial os professores dos anos iniciais. Durante o processo de feminização do magistério, os homens se afastaram da profissão para exercer postos de maior prestígio no mercado de trabalho, perdurando até os dias de hoje. Tal como afirma Costa (1995, p.162) sobre o magistério “quanto menos profissionalizado é um campo, mais facilmente ele vai se feminizando. E mais os homens dele se afastam, pois profissões feminizadas são profissões mal remuneradas”. Para Ferreira (1999, p. 42) “a profissão não teria sido desvalorizada pelo fato de ter se tornado uma atividade feminina, mas também, dialeticamente, pelo seu contrário: ter se tornado feminina por estar desvalorizada”. O que é explicado pelo fato dos homens serem constantemente cobrados pela sociedade capitalista a exercer profissões que os possibilitem maior salário e status. Tal fato os leva a “fugir” de profissões como a de professor da educação infantil por exemplo.
Após o processo feminização, o desinteresse por parte de homens pela profissão se elevou. Estes muitas vezes não enxergam esse espaço como um local adequado para o exercício e preservação de sua imagem culturalmente construída em relação à dominação, autoridade e poder. Entretanto existem atividades que culturalmente proporcionam aos homens maior visibilidade no espaço escolar e uma melhor aceitação de sua presença neste ambiente tão feminizado, como é o caso de gestão ou até mesmo coordenação pedagógica.
2. Modelos Hegemônicos
Os trabalhos de SOUZA e SILVA (2010), GONÇALVES e MOSQUERA (2009), SALGADO e FÁVERO (2007), GOMIDES e LOPES (2014) que totalizam quatro discutiram de forma aprofundada os modelos hegemônicos que são determinados pela sociedade capitalista, modelos que sobrecarregam o ser social de determinações em sua conduta, que fragmentam sua forma de ser no mundo, como por exemplo, a supremacia da sociedade patriarcal que existe constantemente dos homens posturas viris e distanciadas de ações que demonstrem sensibilidade, cuidado e afeto.
Souza (2005) defende a ideia de crise que contrapõe o modelo de masculinidade viril, constituída a partir de significados que associam o masculino ao poder, à virilidade e à agressividade, a novas formas de vivenciar a sexualidade e a experiência do que é ser homem no mundo. As novas abordagens abrangem a masculinidade a partir de experiências e práticas concretas dos homens e da dinâmica das inter-relações.
Deve-se considerar que a cobrança social em torno da auto-suficiência masculina na sociedade capitalista existe e na maioria das vezes não é percebida. O lugar e a condição dos homens e das mulheres no mundo ocidental contemporâneo têm sido muito discutidos. Tradicionalmente a construção do que é ser homem, contraposta ao que é ser mulher, tem sido hegemonicamente associada a um conjunto de ideias e práticas que identificam essa tendência à virilidade, à força e ao poder advindo da própria constituição biológica sexual.
As pesquisas analisadas demonstraram que esses fatores sociais influenciam no bem-estar docente, seja de professoras ou professores, além disso, os trabalhos reforçam a necessidade de se superar as representações do senso comum a respeito dos papeis de gênero impostos pela visão hegemônica de sociedade, a fim de promover o desenvolvimento de pesquisas que ajudem não só na compreensão como na transformação e reconstrução de significados a respeito desses modelos. Que embora tenha já se produzido alguns estudos a respeito dessas representações, tais discussões ainda não se materializaram nas ações desenvolvidas no interior das escolas.
3. Gênero e trabalho pedagógico
Todas as pesquisas analisadas, de alguma forma deram contribuições a respeito da influência do gênero no trabalho pedagógico e no papel normalizador desenvolvido pela escola sobre o que é ser homem e do que é ser mulher na sociedade capitalista, entretanto, sete delas SALGADO e FÁVERO (2007), SILVA e FARIA (2014), GONÇALVES e MOSQUERA (2009), PEREIRA e NOGUEIRA (2013), PEREIRA e CARAN (2012), CARVALHO e BRUNS (2015), SOUZA e SILVA (2010), aprofundam essa a influência das questões de gênero no trabalho pedagógico.
Segundo Giffin (1994), há enormes diferenças atribuídas à sexualidade de homens e mulheres que contribuíram para a manutenção da tradição do pensamento dualista na sociedade ocidental. Homens e mulheres passaram a ser caracterizados pela oposição: cultura/natureza, razão/emoção, sujeito/objeto, ativo/passivo, respectivamente, sendo as contradições decorrentes dessas oposições binárias ocultadas pela ideologia.
Por exemplo, a principal identidade atribuída à mulher é a de mãe. Ao homem é designado um “impulso biológico instintivo”, um papel sexual ativo incontrolável e natural, um ser dominador. A virilidade masculina deve ser expressa no corpo e no comportamento do homem. Este para construir sua identidade masculina deve convencer a si mesmo e aos outros, durante toda a sua vida, de que não é uma mulher (BADINTER, 1993).
Os estudos mostraram ainda que os discursos pedagógicos estão fundamentados na concepção de escola como um espaço que deve se aproximar das relações familiares, sendo suas atividades embasadas no afeto e na confiança.
4. Pertencimento e Docência Masculina
Boa parte das pesquisas evidenciaram conflitos provocados pela presença de professores do gênero masculino quando estes escolhem turmas como educação infantil e alfabetização, por exemplo. Quando profissionais homens se interessam por essas áreas há certo estranhamento por parte de unidades empregadoras e comunidade escolar. Entretanto apenas três, GOMIDES e LOPES (2014), SOUSA e CRUZ (2011), SOUZA e SILVA (2010), problematizaram a respeito das crises de pertencimento de pedagogos do gênero masculino com a profissão.
O constante medo dos homens em serem mal interpretados acaba por submetê-los a fazer escolhas de outras atividades profissionais dentro do curso de Pedagogia, sendo estas atividades ligadas à administração, política e distanciamento de práticas sensíveis, as atividades de poder como vimos anteriormente. Estas visões estereotipadas os fazem acreditar na incompetência ou falta de habilidades para atuarem em profissões que exigir práticas culturalmente associadas ás mulheres.
As pesquisas relataram casos de professores que foram orientados pela gestão da escola e em comum acordo com outras professoras, a não se envolverem em atividades que necessitassem de contatos físicos com crianças pequenas, como por exemplo, a troca de fraldas. Tal decisão foi tomada como uma estratégia de prevenção contra possíveis resistências de familiares devido à presença desses pedagogos do gênero masculino como professores dessas crianças. Podemos perceber em casos como esse uma fragmentação do trabalho docente, o trabalhador perde o controle sobre o seu próprio trabalho, tornando-o mecânico e sem sentido, sendo obrigado a incorporar concepções determinadas pela sociedade capitalista a fim de se manter como empregado. Abrindo mão da totalidade do que aprendeu em seu curso superior de formação o pedagogo se vê furtado de seu papel como intelectual orgânico, reproduzindo concepções ao invés de promover a transformação revolucionária através de sua práxis pedagógica.
Os trabalhos demonstraram que as imposições feitas aos pedagogos do gênero masculino, provocam neles o sentimento de que não são capazes de desenvolver o trabalho ao qual se capacitaram para fazer. Isso causa uma crise de pertencimento em relação à profissão. É importante lembrar como evidência nas pesquisas, que o conhecimento superficial sobre as condições materiais do trabalho do pedagogo contribui negativamente sobre a concepção do trabalho desenvolvido pelo professor. Em comunidades de conhecimento mais amplo, onde foram abertas discussões a respeito dessa temática e que a presença desses pedagogos estava materializada através do trabalho consciente e revolucionário, houve transformações e reconstruções de significados a respeito das concepções hegemônicas. Os autores deixaram a reflexão de que para aceitar é importante conhecer e que para conhecer é necessário que se dê a oportunidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo identificar e analisar as produções a respeito do Pedagogo do gênero masculino nos anos iniciais e a especificidade de produções sobre pedagogos em sua condição como professor iniciante. Entretanto, como foi possível perceber não foram encontradas menções a respeito dessa especificidade em nenhum dos trabalhos.
Se a transição entre a condição aluno e condição professor já se configura como um processo tomado por contradições e dificuldades, em se tratando de professores do gênero masculino, é possível perceber desafios ainda maiores. Logo se faz necessário à promoção de discussões a respeito das implicações do gênero no trabalho pedagógico, na construção da profissionalidade docente, no âmbito da formação inicial e formação continuada, além do desenvolvimento de programas de acolhimento a professores iniciantes.
Os trabalhos analisados identificaram o papel positivo da presença de homens na docência, além disso, evidenciaram a dificuldade de se encontrar estudos a respeito da docência masculina.
Percebemos uma escassez de trabalhos que contribuem em uma perspectiva crítica para a transformação dessas realidades. Recomendamos maiores incentivos a pesquisas que foquem na presença de pedagogos do gênero masculino nos anos iniciais, em especial na educação infantil e turmas de alfabetização em sua condição como professor iniciante, enfatizando os aspectos positivos de tê-los atuando como professores neste nível de ensino.
A negação da incorporação das masculinidades e feminilidades em ambos os sexos dificulta o desenvolvimento integral das pessoas, de suas emoções, anseios e objetivos. Em se tratando de professores, furta deles a capacidade de agentes críticos, autônomos e promotores de uma contra hegemonia a sociedade civil burguesa.
REFERÊNCIAS
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