OLHAR DA EQUIPE EXECUTORA DO PROJETO Tertúlias PEDAGÓGICAS DO PAMPA NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES(AS)

Resumo: Este relato apresenta análises e reflexões sobre a implementação da política de formação continuada de professores(as), com base nas três dimensões da abordagem do ciclo de políticas de Ball: o contexto de influência, o contexto de produção de texto da política e o contexto da prática. O contexto da prática dessa formação docente ocorreu a partir do projeto de extensão Tertúlias Pedagógicas do Pampa, que promoveu a continuidade da formação proposta pelo Programa Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (2014 e 2015). A partir de questionamentos propostos por Mainardes, analisa-se a implementação dessa política, com considerações dos membros da equipe executora do projeto, buscando promover reflexões sobre a política de formação de professores(as) no Brasil.

Palavras-chave: política educacional; formação de professores; contexto da prática.


PALAVRAS INTRODUTÓRIAS

Confluem neste texto reflexões de um esforço teórico-prático de trabalho interdisciplinar desenvolvido em espaço de formação profissional de uma instituição federal de Educação Superior, construído a partir da oportunidade de integrar o coletivo que mediou práticas educativas de formação permanente de professores(as), desde o projeto de extensão denominado Tertúlias Pedagógicas do Pampa. Esse caracterizou-se como formação continuada de professores(as) do Ensino Médio, que possibilitou a continuidade da oferta de formação desenvolvido no Programa Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio (PNEM), no ano de 2014 e 2015.

Os encontros tiveram o intuito de possibilitar "[...] a retomada das vozes das escolas, dos professores e dos alunos, bem como, novos protagonismos, novas esperanças e a crença de que o ‘inédito viável’ (FREIRE, 2011b) é possível Fragmento retirado do projeto "Tertúlias pedagógicas: curso de formação continuada de professores na perspectiva dialógica”, registrado no Sistema de Informação de Projetos de Pesquisa, Ensino e Extensão) da UNIPAMPA, sob o número 20150929112152. , pela promoção de espaços dialógicos. Com o referido Projeto, buscamos reconhecer e valorizar saberes e fazeres docente, além de oportunizar a inserção de licenciandos(as) no contexto da formação, pela realização de "[...] reunião e formação de amigos-professores, de amigos-pensadores, de amigos-poetas, de amigos-artistas, de amigos-sonhadores, favorecendo a retomada das velhas Tertúlias poéticas nos pagos do pampa, que por assim dizer, serão chamadas de Tertúlias Pedagógicas do Pampa”1.

O Tertúlias teve por referência algumas das diretrizes do PNEM de modo que a UNIPAMPA, juntamente com as demais universidades federais do RS, em interlocução com a Secretaria do Estado da Educação (SEDUC) do RS, em reuniões do Comitê Estadual do PNEM, construiu diretrizes gerais dessa formação e organizou um curso com professores(as) de quatro Coordenadorias Regionais de Educação (10ª, 13ª, 19ª e 35ª CREs). A carga horária do curso foi de 40 horas, sendo 16h. realizadas em encontros presenciais e 24h para estudos individuais. O desenvolvimento do Tertúlias nas escolas foi coordenado pelos(as) orientadores(as) de estudos das escolas, abordando temáticas aprofundadas na formação oferecida pela UNIPAMPA, contando com o apoio e a mediação dos(as) formadores(as) regionais. Deste modo, formadores(as) regionais realizaram Tertúlias com seus(suas) orientadores(as) de estudos em suas CREs e assessoraram o registro das ações realizadas; esses efetuaram inscrições dos participantes dos encontros, acompanharam o registro da frequência e encaminharam atividades de estudos individuais, com produção de registro de discussões realizadas, com o objetivo de compartilhá-los nos encontros presenciais oferecidos pela UNIPAMPA. Os(As) representantes das equipes diretivas das escolas participaram de encontros das Tertúlias realizados pela UNIPAMPA, além de colaborar e participar das atividades e dos encontros desenvolvidos pelos(as) orientadores(as) de estudos da escola onde trabalham.

A coordenação, formadores(as) e/ou colaboradores(as) da UNIPAMPA participaram de três encontros de formação, nos quais foram promovidos diálogos sobre interdisciplinaridade, metodologia de projetos, seminário integrado, politécnica e avaliação. Também foram discutidas questões sobre o curso, realizados encaminhamentos e oferecidos subsídios teórico-práticos para a formação nas CRE’s e escolas. Na última Tertúlia, da qual participaram formadores(as) regionais, o curso foi avaliado junto à coordenação do projeto. A SEDUC/RS (gestão 2015-2018), apesar de incumbida em garantir o deslocamento e o pagamento de diárias dos(as) formadores(as) regionais, orientadores(as) de estudos e diretores(as) de escolas, desempenhou parcialmente - e com atrasos - essa responsabilidade, pois não conseguiu pagar o pró-labore.

Dito isso, colocamos que este texto foi organizado metodologicamente com base na abordagem do ciclo de políticas formulada pelo sociólogo Stephen Ball e colaboradores (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994) e discutido por Mainardes (2006), sendo dividido em cinco partes, considerando esta apresentação. Isso porque, em acordo com esses autores, analisamos a política pública como um ciclo contínuo constituído por contextos específicos e inter-relacionados entre si (BATISTA, 2009, p. 23).

Na segunda e terceira partes desse texto, orientamo-nos por três contextos principais constituintes da abordagem do ciclo de políticas. Apresentaremos o contexto de influência do exercício de práticas pedagógicas, com abordagens interdisciplinares, seguido do contexto da produção dos textos da política, nos quais nos fundamentamos para planejar e teorizar o trabalho interdisciplinar, realizado no Projeto de Extensão da UNIPAMPA Tertúlias Pedagógicas do Pampa. Por seguinte, detalharemos a atividade pedagógica que desenvolvemos em dois encontros do Projeto, com intenção de promover reflexões sobre interdisciplinaridade e metodologia de projetos.

Na quarta parte do texto, relataremos as atividades promovidas no contexto da prática, faceta política na qual os(as) professores(as) exercem um papel ativo durante o processo de implementação dos textos da política, durante dois encontros do Tertúlias e, na última parte do texto, teceremos reflexões sobre a política de formação de professores(as) no Brasil.

CONTEXTOS DE INFLUÊNCIA DA POLÍTICA E DE PRODUÇÃO DO TEXTO DA POLÍTICA

Ball (1994) propôs, inicialmente, o ciclo da política constituído por três contextos Ball, posteriormente, acrescentou mais dois contextos, que não utilizaremos neste texto: o contexto dos resultados e/ou efeitos e o contexto de estratégia política. : o contexto de influência, o contexto de produção de texto e o contexto da prática da política. Mainardes (2006), a partir de Ball (1994), compreende que o contexto de influência da política é o contexto no qual as políticas públicas são iniciadas e redes de pessoas, dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo, com diferentes interesses, disputam para influenciar o significado e definir finalidades sociais da educação. Considera, ainda que os textos da política são "textos legais oficiais e textos políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais, pronunciamentos oficiais, vídeos etc." (MAINARDES, 2006, p.52). Deste modo, nesta parte do texto, no tocante à influência da política, trataremos sobre abordagens curriculares interdisciplinares na formação de professores(as) e nos textos da política que orientam as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Educação Básica e para formação de professores(as).

Conforme colocado por Mainardes (2006), a partir de Ball (1994), o contexto de influência se desenvolve quando as políticas públicas são iniciadas e os discursos políticos são construídos. É nesse contexto que os grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação. Sobre isso, acrescentamos ainda a necessidade de não perder o horizonte do que se quer transformar socialmente com a implementação da(s) política(s) ordenadas nos normativos institucionais. Ainda nos dizeres das referidas autoras (SHIROMA, CAMPOS, GARCIA, 2005, p. 433), “(...) os textos de políticas não são simplesmente recebidos e implementados, mas, ao contrário, dentro da arena da prática estão sujeitos à interpretação e recriação”.

A abordagem interdisciplinar está ordenada nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Básica (BRASIL, 2013) e nas Metas 3 e 4 do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), que orientam para o incentivo de "práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em diferentes dimensões" (Idem. Grifo nosso). Também a formação continuada de professores e demais profissionais da educação integra as Metas 4, 5, 7, 12 e 16 do referido Plano (Ibidem), com incentivo à articulação universidade-escola.

A vivência do trabalho coletivo interdisciplinar e o desenvolvimento de sólida formação teórico-prática e interdisciplinar, igualmente integra as recém-aprovadas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, por meio do Parecer CNE/CP nº 2, de 9 de junho de 2015 (BRASIL, 2015) e da Resolução CP/CNE nº 2, de 01 de julho de 2015 (IDEM, 2015b). No Parecer mencionado, destacamos a importância da “vivência da gestão democrática, o compromisso social, político e ético com projeto emancipador e transformador das relações sociais”, assim como a “vivência do trabalho coletivo e interdisciplinar, de forma problematizadora. Tais concepções articulam as diretrizes, definições, metas e estratégias do PNE e, desse modo, devem ser basilares para as diretrizes nacionais para a valorização dos profissionais da educação” (BRASIL, 2015b, p.7-8. Grifo nosso).

Nesse contexto, o curso de formação continuada de professores(as) do Ensino Médio proporcionado pelo Tertúlias foi uma ação de extensão vinculada ao Comitê Gestor de Formação Continuada da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), em reivindicação dos(as) professores(as), orientadores(as) de estudos e formadores(as) regionais, para cultivar o vínculo dos(as) profissionais da educação que participaram dos encontros de formação continuada do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (PNEM), realizados na primeira e segunda etapas, nos anos de 2014 e 2015. Na proposta inicial do PNEM havia perspectiva de realização de uma terceira etapa, contudo, essa não foi viabilizada pelo Ministério da Educação e até o presente momento encontra-se sem definições.

Em resposta à exigência mencionada e para garantir a continuidade da formação continuada dos professores de Ensino Médio, foi proposto e desenvolvido o referido Projeto de extensão Tertúlias, onde realizamos atividades de formação acadêmico-profissional, com foco na Interdisciplinaridade e a Metodologia de Projetos, com professores(as) das CREs. Participaram da formação 111 professores(as) denominados(as) orientadores(as) de estudos, e quatro representantes das referidas CREs, denominados formadores(as) regionais, que mediaram e multiplicaram essa formação em suas coordenadorias ou escolas, totalizando aproximadamente 2.649 pessoas envolvidas na formação. As condições que propiciaram nossa participação neste Projeto e seus desdobramentos é o que explicitaremos na próxima parte deste texto.

CONTEXTO DA PRÁTICA DA POLÍTICA

Ao analisarmos o contexto da prática da política, recorremos a Mainardes (2006, p. 50) ao expressar que “O contexto da prática pode ser considerado um microprocesso político. Neste contexto, pode-se identificar a existência de um contexto de influência, de um contexto de produção de texto (escrito ou não) e de um contexto da prática”.

O contexto da prática da política faz parte do processo de construção de políticas públicas, que para Mainardes (2006, p. 53) - com base em Ball e Bowe (1992) - é “onde a política está sujeita à interpretação e recriação” e onde (...) “produz efeitos e conseqüências que podem representar mudanças e transformações significativas na política original”, pois podem ser recriadas e interpretadas diferentemente, uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos.

Neste sentido, a análise do contexto da prática da política - materializada pelo Tertúlias – será aprofundada posteriormente tendo referência as questões apresentadas por Mainardes (2006, p.67-68), que compreendem a percepção, análise e reflexão sobre:

1 - Como a política foi recebida? Como está sendo implementada?

2 - Como os professores, diretores, pedagogos e demais envolvidos interpretam os textos? Há mudanças, alterações e adaptações do texto da política para a concretização da política? Há variações no modo pelo qual o texto é interpretado, nos diferentes espaços observados na pesquisa?

3 - Há evidências de resistência individual ou coletiva?

4 - Os profissionais envolvidos na implementação têm autonomia e oportunidades de discutir e expressar dificuldades, opiniões, insatisfações, dúvidas? Recebem algum tipo de pressão? E suporte?

5 - Há contradições, conflitos e tensões entre as interpretações expressas pelos profissionais que atuam na prática e as expressas pelos formuladores da política e autores dos textos da política?

6 - Quais são as principais dificuldades identificadas no contexto da prática? Como os professores e demais profissionais lidam com elas? Há a reprodução ou criação de desigualdades?

7 - Como são as relações de poder dentro do contexto da prática (escola, por exemplo) e no relacionamento dos profissionais que atuam na escola com os órgãos educacionais oficiais e dirigentes educacionais? Há formas de opressão, mecanismos de pressão, silenciamentos? Há espaços de vivências democráticas e emancipatórias?

8 - O contexto da prática tem influenciado o contexto da produção do texto?

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Assim, quanto à forma com que a política do Tertúlias foi recebida e implementada, podemos afirmar que esta foi acolhida, pela Universidade Federal executora do Projeto, como um grande desafio e oportunidade. Desafio no sentido de administrar questões financeiras para garantir a realização da formação, sem contar com os recursos do PNEM que eram disponibilizados pelo Governo Federal e, oportunidade por possibilitar que a Universidade reafirmasse seu compromisso com a formação continuada de professores(as) e com o desenvolvimento regional, considerando que está expresso em seu Projeto de Desenvolvimento Institucional (UNIPAMPA, 2014, p.14), que a Instituição tem a missão de “promover a educação superior de qualidade, com vistas à formação de sujeitos comprometidos e capacitados a atuarem em prol do desenvolvimento regional, nacional e internacional”.

Noutra perspectiva, os(as) professores(as) participantes da formação e as CREs receberam o projeto do Tertúlias com expectativas e curiosidade, pois embora desejassem e tivessem solicitado a continuidade da formação do PNEM, eles tinham dúvidas sobre como seria realizado o Projeto, principalmente em relação à metodologia e ao financiamento da formação, haja vista que no PNEM os(as) professores(as) participantes da formação recebiam bolsas de incentivo pagas pelo Governo Federal e que no Tertúlias não haveria aporte financeiro para manutenção do pagamento destas bolsas.

Portanto, para implementação da política, as diretrizes propostas pelo Governo Federal e pelo Comitê Estadual do PNEM foram seguidas, mas algumas tiveram que ser alteradas e adaptadas para garantir que pudessem se efetivar no contexto da prática, como por exemplo, a participação dos(as) professores(as) sem o pagamento de bolsas, o que provocou inicialmente, certa resistência por parte dos(as) professores(as) e diretores(as) de escolas. Outra questão problemática enfrentada pelas escolas para efetivar a política, refere-se à utilização da hora-atividade do(a) docente para a realização da formação, pois, as escolas têm dificuldade em garantir, efetivamente, o cumprimento da hora-atividade do(a) professor(a) na escola.

No entanto, essas resistências e dificuldades iniciais foram superadas pela inserção dos(as) professores(as) na política proposta e pelo reconhecimento do potencial de (re)interpretação e atuação no contexto da prática que a política possibilita, pois um dos objetivos do Tertúlias é justamente possibilitar a retomada das vozes das escolas, dos(as) docentes e discentes, como novos protagonismos. Assim, ao longo da formação foram oportunizados espaços dialógicos tanto para a discussão temática, quanto para reflexão coletiva sobre as dificuldades, opiniões, insatisfações, dúvidas e problemas enfrentados. Nestes espaços dialógicos, as decisões, suportes e ações definidas levaram em consideração tanto as diretrizes do Comitê Estadual do PNEM, da SEDUC/RS, quanto às necessidades dos(as) professores(as) e escolas participantes.

No que se refere às contradições, conflitos, dificuldades e tensões, em nossa percepção, cremos que uma das principais problemáticas do Tertúlias, concentra-se na orientação para que a formação docente ocorra durante a hora-atividade dos(as) professores(as) no próprio local de trabalho, sendo assim a escola assumiria seu espaço de estudo também pelos(as) docentes. Entretanto, na prática foi de difícil implementação, pois há sobrecarga no trabalho docente e as escolas têm dificuldade de reuni-los em um mesmo horário para participarem da formação, sem que isso implique em prejuízo para o cumprimento da carga-horária e dias letivos. Assim, isso se constituiu em um grande desafio/problema, fazendo com que, em algumas escolas, a formação ocorresse aos sábados ou em outros horários alternativos. Contudo, essa foi uma deliberação do Comitê Estadual do PNEM que precisou ser seguida, mesmo que no contexto da prática seja (re)interpretada e adaptada. Neste contexto, reconhecemos assim como Freitas (2004, p.90) que:

A luta pela definição de uma política global de formação dos profissionais da educação, visando à sua profissionalização e valorização, é condição indispensável para a definição de políticas educacionais que buscam construir, de forma prioritária, novas relações educacionais no campo da escola, da formação e da educação. Essa política global deve contemplar em condições de igualdade a sólida formação inicial no campo da educação, condições de trabalho, salário e carreira digna e a formação continuada como um direito dos professores e obrigação do Estado e das instituições contratantes.

Sendo assim, a formação de professores(as), assim como a educação “é concebida como uma prática social e um processo lógico de emancipação” (VEIGA, 2002, p. 82), em que a resistência e a luta são necessárias, pois as relações de poder, embora existentes, não devem ser definidoras ou balizadoras da formação.

Em contraposição aos silenciamentos, o Tertúlias propõe o diálogo, o descortinamento e transformação da realidade pelos e com os sujeitos.

Uma das expressões que frequentemente foi utilizada pelos(as) professores(as), principalmente quando estavam socializando suas práticas ou avaliando a formação era “empoderamento” na perspectiva de transformação (FREIRE & SHOR, 1986). O empoderamento dos(as) docentes e escolas ao longo da formação foi exaltado por eles(as), como uma das principais contribuições da implementação prática da política, pois possibilitou a eles(as) a vivência de espaços democráticos, dialógicos e emancipatórios, onde tiverem seus saberes e fazeres valorizados; seu protagonismo incentivado e suas esperanças revigoradas, reconhecendo-se não como meros reprodutores e implementadores da política, mas como autores(as) dessa.

Nesse sentido, temos a esperança de que o contexto da prática influencie o contexto da produção do texto e que esse possa traduzir a realidade para transformá-la, viabilizando a produção de políticas de formação de professores(as) que construam novas significações e que possam (talvez), serem mais potentes para os(as) docentes que estão nas escolas e os(as) que nela irão atuar.

O TRABALHO INTERDISCIPLINAR NO TERTÚLIAS

Especificando sobre o trabalho interdisciplinar desenvolvido no Tertúlias, contextualizamos que, de agosto de 2010 a abril de 2013, trabalhamos desenvolvendo práticas educativas integradas e interdisciplinares em curso de formação de professores(as) organizado por área do conhecimento.

Desafiamo-nos ao exercício de proporcionar espaços de construção de conhecimento onde se articularam professores(as) diplomados em diferentes licenciaturas e a problematizar e construir conhecimentos e saberes, tendo a interdisciplinaridade como princípio de organização e desenvolvimento curricular.

Além disso - enquanto gestoras na Universidade Federal do Pampa (2012-2015), uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES), constituída por 10 unidades acadêmicas - o estudo de documentos oficiais, realizado em coletivos constituídos por comissões de cursos de licenciaturas e bacharelado, organizados por área do conhecimento e, as discussões e dialogadas com outros(as) professores(as) representantes de diversas IFES, proporcionou-nos experiências prático-teóricas, como a participação no Grupo de Trabalho das Licenciaturas Interdisciplinares (BRASIL, MEC, 2014b), com o objetivo de elaborar referenciais nacionais orientadores de licenciaturas organizadas por grandes áreas de conhecimento. Experiências essas que nos apoiaram para mediar os trabalhos formativos nos encontros do Tertúlias.

Em atividades desenvolvidas no Tertúlias, organizamos nossa intervenção em momentos pedagógicos que envolveram o contexto da prática de formação docente, em que realizamos atividades com foco na Interdisciplinaridade e a Metodologia de Projetos. Em uma perspectiva interdisciplinar, buscamos oportunizar a produção e a socialização de relatos de experiência e/ou propostas de estratégias de ensinagem (ANASTASIOU, ALVES, 2012) para o exercício da interdisciplinaridade, a fim de colaborar com a qualificação da gestão e do saber-fazer educacional.

Pautadas na compreensão de que conhecimento é (re)construído pelas pessoas na sua relação com as outras e com o mundo (FREIRE, 1979, VASCONCELLOS, 1992), planejamos práticas educativas considerando os momentos pedagógicos, da metodologia dialética proposta por Vasconcellos (1992): a mobilização, a construção e elaboração da síntese do conhecimento. Inter-relacionados, na circularidade ação-reflexão-ação, esses momentos pedagógicos são importantes, pois, possibilitam um esforço comum de consciência da realidade e de autoconsciência que, em nossa compreensão, inscreve-a como ponto de partida do processo educativo de caráter libertador, como nos dizeres de Freire (2011).

Situações que são percebidas no reconhecimento das contradições que envolvem as pessoas, aproximando-as dos fatos ao mesmo tempo em que busca levá-las a perceber as injustiças fatalizadas naquilo que lhes acontece. Para isso, planejamos os seguintes acontecimentos, realizados na sequência dos Momentos:

1°) Mobilização para o conhecimento (síncrese): provocamos a mobilização dos(as) participantes a partir do vídeo "Birds on the wires" : a história e a música por trás de uma foto (Jarbas Agnelli - TEDxSP, 2009). Com isso, no início da atividade, tivemos a intenção de tornar conhecidas as concepções que os(as) participantes manifestavam sobre a interdisciplinaridade. Neste momento, buscamos instigar provocações e contextualizar a temática, também a partir de relatos dos(as) participantes acerca de trabalhos interdisciplinares que consideravam terem realizado.

2°) (Re)Construção do conhecimento (análise): buscamos viabilizar o confronto de conhecimentos, iniciando pelas possibilidades didático-pedagógicas para iniciar um trabalho interdisciplinar na escola, como, por exemplo, a realização de uma pesquisa socioantropológica ou a organização de um projeto por investigação temática (FREIRE, 2011). A pesquisa socioantropológica é uma proposta pedagógica interdisciplinar que estabelece uma associação entre conhecimento escolar e cidadania, com diálogos entre saberes populares e científicos. Um projeto realizado pela investigação temática, como proposto por Freire (2011), é ponto de partida para perceber situações da realidade, num processo educativo que é dialógico e conscientizador na sua metodologia investigativa. Metodologia que, para Freire (IBIDEM), ao mesmo tempo que permite apreender temas geradores proporciona, na tomada de consciência da razão de ser das situações, a inserção crítica dos homens e das mulheres no mundo. A partir dessas propostas de apreensão de temas situacionais para o trabalho interdisciplinar, dialogamos sobre a possibilidade de lançar mãos de outros procedimentos como: diálogos com pessoas da comunidade escolar (funcionários(as), estudantes, comerciantes locais, familiares, professores(as), vizinhos, etc.); expedições de estudos para observação e registros; encontros com envolvidos(as), para explosões de ideias; elaboração de mapas conceituais; organização de unidades de aprendizagem; realização de situações-problema; trabalho por projetos seminários, com ou sem uso de ferramentas da Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC).

3°) Elaboração da síntese do conhecimento (síntese): proposição, orientação e assessoramento aos(às) participantes para produção e socialização de relatos de experiência e/ou propostas de estratégias de ensinagem (ANASTASIOU e ALVES, 2012) para o exercício de trabalhos interdisciplinares nas escolas de Educação Básica dos(as) participantes. Neste momento, frisamos que o registro escrito, sonoro e/ou imagético, produzido no processo de desenvolvimento do trabalho interdisciplinar, juntamente com reflexões provocadas pelos textos teóricos referenciados nas diferentes atividades das Tertúlias, subsidiam a produção escrita de resumos expandidos, formato de organização orientado para a teorização dos trabalhos realizados.

A análise dos textos produzidos pelos(as) participantes do Tertúlias favoreceu reflexões sobre perspectivas e desafios para o trabalho interdisciplinar na formação de professores(as). A seguir, apresentamos as reflexões finais deste relato de experiência.

REFLEXÕES FINAIS

Análises, reflexões e questões emergiram da análise da implementação da política de formação continuada de professores(as), tendo por referência os três contextos do ciclo de políticas de Ball (1994), sendo que o contexto da prática foi analisado a partir do Projeto Tertúlias Pedagógicas do Pampa, por compreendemos que ele oferece elementos para a compreensão crítica dos processos de formulação e implementação de políticas de formação de professores(as) no Brasil. Assim, concebemos a formação como um direito público dos professores(as) e dever do Estado em ofertá-la conforme a realidade e necessidades dos professores(as), estudantes e escolas.

O Tertúlias, como política, propôs a formação e valorização dos professores(as), a ocupação dos espaços formativos institucionalizados e a reivindicação de políticas públicas que garantam a formação continuada aos professores(as) na perspectiva dialógica, interdisciplinar e reflexiva.

Assim, a formação continuada, enquanto práxis incorpora a realidade educativa; portanto, requer análise, reflexão e a perspectiva de pensar e agir de maneira individual e coletiva em prol de um projeto educativo crítico democrático e dialógico que busque valorizar os saberes e fazeres docentes, tendo como finalidade a melhoria da qualidade social da educação.

Portanto, acreditamos que as políticas de formação de professores(as) são modificadas por meio de processos de ressignificação, que as recriam a partir de valores, sentidos e experiências, propósitos e interesses dos sujeitos e grupos envolvidos na formação, o que revela a impossibilidade de controle e determinação da direção, efeitos e significados dos textos políticos, bem como dos ideários que influenciam sua produção, implementação e efetivação na prática.

Esta reflexão sobre o trabalho interdisciplinar, a partir do referido Projeto, propiciou-nos vivenciar o verdadeiro sentido do verbo esperançar pela educação e pelo trabalho didático-pedagógico realizado pelos(as) docentes da/na Educação Básica ao abordar problemas complexos do cotidiano contemporâneo, com diferentes aportes que induziu diálogos interdisciplinares e trabalhos multidisciplinares. “Esperançar é ir atrás, unir-se, não desistir” (BETTO e CORTELLA, 2007, p. 27). Esperançar de que o trabalho na perspectiva interdisciplinar oportunize outras vivências de inovação pedagógica e colabore para promover a cultura da participação democrática nas instituições de Educação Básica e Educação Superior, no Rio Grande do Sul.

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