AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DOS DOCENTES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: PRINCÍPIOS E CONCEPÇÕES

Resumo: Esse artigo, resultado de pesquisa bibliográfica e documental, objetiva analisar as novas diretrizes curriculares para a formação inicial e continuada dos docentes da educação básica. Situamos as DCNs recém aprovadas no contexto dos marcos legais com destaque para a CF/1988 e a LDB/1996. Analisamos os principais avanços dessas diretrizes e os desafios a serem enfrentados para a efetivação de uma formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica, realmente emancipadora. Concluímos que o estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais para a carreira e a garantia de mais recursos para a educação são imprescindíveis para que DCNs analisadas sejam efetivadas e cumpram seu papel de promover o desenvolvimento profissional dos docentes da educação básica.

Palavras-chave: diretrizes curriculares; formação inicial e continuada; valorização docente


INTRODUÇÃO

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica (DCNFICPM) consubstanciadas no Parecer CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015a) e na Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b) indicam a adoção de uma nova forma de compreender a formação e o desenvolvimento profissional docente, que incorpora, em vários aspectos, as lutas políticas, os debates e o aprofundamento teórico da área de formação de professores que possui uma trajetória consolidada, em nosso país.

É importante compreender que grande parte da fundamentação legal, que orienta as DCNFICPM/2015 foi produzido nos anos 1980 e 1990. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) foi promulgada no contexto da democratização do país, após o fim da Ditadura Militar (1964-1985). Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB/1996 (BRASIL, 1996) foi aprovada na década de 1990, marcada pelo retorno ao pensamento tecnicista das décadas de 1960 e 1970, caracterizado por uma roupagem neoliberal que enfatiza a qualidade dos processos de aprendizagem, sob a orientação da Pedagogia das Competências (RAMOS, 2002). Assistimos, nesse contexto, à substituição da categoria trabalho pelas categorias “prática” e “prática reflexiva”, que confere centralidade à figura do professor e de sua formação como a saída para os problemas educacionais, sem considerá-los na concretude das relações sociais e econômicas (FREITAS, 2002).

Essas diferentes concepções de educação e sociedade orientam os conceitos e princípios que fundamentam as políticas e os documentos legais regulamentadores da formação de professores. Essas concepções, a grosso modo, podem ser resumidas, de acordo com Brzezinski (2008) em dois grandes grupos. De um lado, encontramos o projeto da sociedade política, defendido pelos tecnocratas, que em seus discursos enfatizam a qualidade social da formação do professor, porém colocam em prática os princípios da qualidade total, apoiados em políticas de regulação e controle. Esse grupo pretende reduzir a educação ao status de mercadoria e sua finalidade à formação de produtores e consumidores, que possibilitem a reprodução mais eficaz e eficiente do capital. De outro lado, encontra-se o projeto da sociedade civil organizada em entidades educacionais reunidas no movimento nacional de educadores, cuja luta tem por princípio a qualidade social para formar docentes que atuarão na educação básica, compreendida como direito social. Seu objetivo maior é formação para a emancipação e para a cidadania.

Dentre os movimentos da sociedade civil articulada em defesa da qualidade social da educação destacamos a atuação das seguintes entidades: Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) e o Fórum de Diretores das Faculdades de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUNDIR). Elas têm se organizado sob a forma de uma rede, a fim de desenvolver ações conjuntas em torno de um objetivo comum: o direito à escola pública, laica, gratuita em todos os níveis, com qualidade socialmente referenciada, e a defesa da formação inicial e continuada de qualidade para todos os profissionais da educação, associada à valorização desses profissionais e garantia de condições dignas de trabalho.

Para tanto, atuam no desenvolvimento e divulgação de uma concepção emancipadora de educação e de formação de profissionais, que pretende favorecer o avanço da gestão democrática das instituições e sistemas educativos, sempre em articulação com o movimento dos trabalhadores pela construção de um mundo mais justo, democrático e igualitário (BRZEZINSKI, 2011; FREITAS, 2002).

Essas entidades compreendem a formação docente para atuar na educação básica como “um processo marcado pela complexidade do conhecimento, pela crítica, pela reflexão-ação, pela criatividade, pelo reconhecimento da identidade cultural dos envolvidos nos processos formativos e pelas relações estabelecidas na mediação entre formadores e aprendentes” (BRZEZINSKI, 2008, p. 1141).

Será em consonância com os princípios das entidades supracitadas, que pretendemos, neste texto, analisar algumas das implicações das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério no trabalho docente na Educação Básica. Compreendemos que a trajetória de elaboração e discussão das DCNFICPM/2015 possibilitou diversos debates e embates entre vários segmentos da sociedade civil e política, possibilitando a incorporação de significativos avanços. Apesar disso, foram mantidos vários aspectos muito criticados pelos profissionais da educação e pela comunidade acadêmica que compunham as antigas DCNs para Formação de Professores da Educação Básica, consubstanciadas no Parecer CNE/CP n. 09/2001 (BRASIL, 2001) e nas Resoluções CNE/CP n. 01 e 02/2002 (BRASIL, 2002a; 2002b). Diante disso, permanecem vários desafios que necessitam ser enfrentados com coragem e determinação no sentido de possibilitar a implantação de uma política de formação de professores que articule formação inicial, continuada e valorização profissional.

Neste texto, procuramos analisar alguns destes aspectos, a fim de compreender possíveis implicações das novas DCNs para o trabalho docente na educação básica. Para tanto, discutimos o contexto legal de sua aprovação e homologação, levantamos conceitos e concepções presentes nos documentos emanados do Conselho Nacional de Educação (CNE). Em seguida, a partir do conceito de desenvolvimento profissional, analisamos os avanços e desafios do modelo de articulação entre formação inicial e continuada e a valorização dos profissionais do magistério da Educação Básica das DCNFICPM.

O CONTEXTO LEGAL DAS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

As novas DCNFICPM/2015 devem ser analisadas no contexto legal da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 - CF/1988 (BRASIL, 1988) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 20 de dezembro de 1996 - LDB - Lei 9394/1996 (BRASIL, 1996), em que se consolida a concepção da educação como direito.

A Constituição de 1988 apresenta avanços significativos no campo da educação, resultado de ampla mobilização dos movimentos sociais. A Carta Magna sofreu, porém, no período de 1988 a 2016, várias mudanças no âmbito da educação. Interessa, neste texto, analisarmos algumas das que se referem à formação e à valorização dos profissionais do magistério da educação básica. Destas, destacamos aquelas advindas da EC nº 53, de 19 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2006), que se referem, principalmente, ao campo do financiamento da educação básica, com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

O Fundeb trouxe inovações importantes, como a unificação em um mesmo fundo de toda a Educação Básica e a ampliação das fontes de recursos. Essa Emenda Constitucional promoveu, também, a valorização dos profissionais da educação ao contemplar, além dos professores, os trabalhadores não docentes. Além disso, o inciso VIII, incluído no Art. 206 da CF/1988, pela EC nº 53, de 2006, reafirmou a necessidade de regulamentação e implementação do “piso salarial” para os trabalhadores em educação escolar pública em lei federal. Essa regulamentação efetivou-se, no que diz respeito aos profissionais do magistério, por meio da Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008 (BRASIL, 2008). A regulamentação e a definição de orientações na valorização e formação dos profissionais da educação que atuam no apoio técnico e administrativo ao ensino permanece, porém, como meta a ser alcançada. Esse é o caso dos chamados “funcionários de escola”, bem como dos “auxiliares” ou “educadores” na educação infantil Os professores auxiliares que atuam na educação infantil, geralmente, não são considerados como profissionais do magistério. Eles recebem inúmeras denominações como assistentes educativos, apoio educativo, dentre outros, apesar de atuarem como docentes, pois sua função é promover o desenvolvimento da criança de zero a cinco anos, integrando cuidado e educação, mesmo que não sejam reconhecidos como tal. .

Dentro dos fundamentos das novas DCNs em análise, precisamos compreender, ainda, a LDB/1996 (BRASIL/1996). No que se refere à formação de professores exigida para atuar na educação básica, seu Artigo 62 estabelece que deve realizar-se “em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação”. Admite-se, entretanto, “como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal” (BRASIL, 1996). Desta forma, continua a existir, legalmente, a possibilidade da formação de professores para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, em cursos de nível médio na modalidade Normal.

Vale destacar que as primeiras diretrizes curriculares para a formação de professores regulamentadas pelo governo tratam do nível médio – modalidade normal, por meio da Resolução CNE/CEB n. 02/1999 (BRASIL, 1999). As diretrizes para a formação de professores em nível superior só foram homologadas pelo MEC, em fevereiro de 2002, pela Resolução CNE/CP n. 01/2002 (BRASIL, 2002a) e Resolução CNE/CP n. 02/2002 (BRASIL, 2002b). Essas DCNs foram duramente criticadas por seu espírito pragmatista e sua tendência de aligeiramento da formação docente (FREITAS, 2002). As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, por outro lado, só foram aprovadas, em 2006, por meio do Parecer CNE/CP n. 05/2005 (BRASIL, 2005) e da Resolução CNE/CP n. 01/2006 (BRASIL, 2006). Podemos considerá-las uma conquista para os docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental, na medida em que elas definem esse curso como lócus da sua formação, avançando muito em relação à LDB.

No que se refere à formação e valorização docente, destacamos, ainda, o Artigo 67 da referida LDB/1996, que institui: 1) o dever dos sistemas de ensino de promover a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, o ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público; 2) o aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; 3) o piso salarial profissional; 4) a progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na avaliação do desempenho; 5) período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho e condições adequadas de trabalho (BRASIL, 1996). A regulamentação e implementação dos direitos dos profissionais do magistério assegurados por esse dispositivo legal é fundamental, para possibilitar a implantação de fato e de direito das DCNs que aqui discutimos.

Assim como na Constituição Federal (BRASIL, 1988) foram muitas as alterações na LDB/1996. Destacamos neste texto, aquelas que tratam da formação e valorização dos profissionais da educação: Lei 12.014/2009 (BRASIL, 2009b), Lei 12.056/2009 (BRASIL, 2009c) e Lei nº 12.796, de 2013 (BRASIL, 2013).

A Lei 12.014/2009 (BRASIL, 2009b) alterou o Artigo 61, para regulamentar a nova concepção de profissionais da educação, instituída pela EC 53/2006, que considera profissional da educação escolar básica os que nela estão em efetivo exercício e possuem formação em cursos reconhecidos (BRASIL, 1996). Essa alteração legal representa um avanço com relação ao reconhecimento dos profissionais não docentes, porém, reafirmou a possibilidade de a formação dos professores da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental ser realizada em cursos normais de nível médio.

Os movimentos em defesa da formação dos profissionais da educação advogam que a formação do profissional do magistério da educação básica em qualquer etapa ou modalidade seja feita apenas em curso superior. Gestores municipais e estaduais, porém, defendem a permanência da formação no nível médio, alegando a carência de profissionais de nível superior para suprir a demanda. Esta é uma questão sobre a qual as novas Diretrizes em discussão não elucidam, pois, embora a Resolução CNE/CP n. 02/2015 revogue a Resolução CNE/CP nº 1/ 1999, as novas DCNs tratam da formação docente no nível superior.

Perguntamos, porém: se elas tratam da formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica, em nível superior, serão aprovadas posteriormente outras orientações para os cursos de nível médio, na modalidade normal, assegurados pelo Art. 62 da LDB/1996 (BRASIL, 1996)?

A Lei 12.056/2009 (BRASIL, 2009c) insere no Artigo 62 da LDB/1996, novos parágrafos que regulamentam a obrigação do Estado (nas suas três esferas, União, o Distrito Federal, Estados e Municípios) de promover, em regime de colaboração, a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério, o que é reafirmado nas novas DCNFICPM. O § 3º (acrescentado no Artigo 62 da LDB/1996) estabelece que a formação inicial de profissionais de magistério deve ser realizada de preferência no ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância (BRASIL, 1996). Essa é uma conquista importante no âmbito legal que precisa de muita articulação dos movimentos em defesa da formação dos profissionais da educação, a fim de assegurar sua concretização na realidade educacional visto que as políticas públicas têm priorizado a oferta de cursos de primeira ou segunda licenciatura Cursos atualmente regulamentados pelas DCNs em discussão neste texto à distância, como medida emergencial, para professores em exercício.

A Lei nº 12.796/2013 (BRASIL, 2013) introduz na LDB/1996 dispositivos legais que obrigam a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios a adotar mecanismos facilitadores de acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior para atuar na educação básica pública, dentre eles, cita especificamente a necessidade de manutenção do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) A meta 15 do PNE (2014-2024), na estratégia 15.3 prevê a ampliação do Pibid. Esta pode ser considerada uma importante conquista no que se refere ao incentivo à permanência dos estudantes nos cursos de licenciatura e na melhoria da sua qualidade devido à promoção da relação entre teoria e prática e da aproximação entre as instituições formadoras e os sistemas de ensino, princípios defendidos pelos movimentos em defesa da formação e valorização dos profissionais da educação e adotados pelas DCNFICPM/2015. Entretanto, nos últimos meses o corte de gastos do governo com a educação tem comprometido a permanência e o sucesso deste programa. oferecido a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior (BRASIL, 1996).

É relevante ressaltar que o Parecer CNE/CP n. 02/2015 e na Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015 a e b), que instituem as DCNFICPM/2015, foram aprovados num contexto em que, além desses instrumentos legais que alteraram CF/1988 (BRASIL/1988) e a LDB/1996 (BRASIL, 1996) aqui citados, existe uma série de aparatos legais pertinentes à temática da formação e valorização docente criados nas duas últimas décadas, em processo de implementação, como: a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007 (BRASIL 2007a), que regulamenta o Fundeb; a Lei nº 11.502/2007 (BRASIL, 2007b), que modifica as competências e a estrutura organizacional da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES; a Lei nº 11.738/2008 (BRASIL, 2008), que regulamenta o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica; o Decreto nº 6.755/2009 (BRASIL, 2009c), que institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplina a atuação da Capes no fomento a programas de formação inicial e continuada e a Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), especialmente as metas (15 a 18) e suas estratégias direcionadas aos profissionais do magistério da Educação Básica.

Esse arcabouço legal é resultado das lutas de diversos movimentos sociais e entidades da sociedade civil, que têm conquistado maior valorização dos profissionais da educação e maior organicidade nas políticas de formação inicial e continuada, nas quais se inserem as diretrizes em questão. Entretanto, é imprescindível que esses atores sociais permaneçam articulados e coesos para assegurar o cumprimento dos direitos docentes estabelecidos pela legislação recente, dos quais muitos permanecem como horizonte a ser atingido para grande parte dos docentes do país, contratados sem concurso e/ou em cargos administrativos, que estão fora da carreira docente.

A articulação entre formação inicial e continuada com condições de trabalho, salário e planos de carreira atrativos tem sido enfatizada pelos teóricos da área e pelos movimentos em defesa da formação e valorização docente como um tripé sobre o qual se assenta o desenvolvimento profissional dos professores, requisito para a qualidade social da educação. No próximo item, discutiremos alguns conceitos e concepções que foram construídos no bojo dos movimentos sociais e da produção teórica da área, incorporados no texto das DCNFICPM/2015, que podem ser considerados importantes balizadores para a formação inicial e continuada dos docentes da educação básica.

DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: CONCEITOS E CONCEPÇÕES BALISADORAS

A Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b) inicia-se com uma série de “considerandos”, que evocam os aportes e concepções apontadas no Parecer CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015a) como fundamentais para a melhoria da formação inicial e continuada e suas dinâmicas formativas. Deles destacamos dois:

a) o reconhecimento de que a valorização docente só se efetiva por meio da garantia de formação inicial e continuada, plano de carreira, salário e condições dignas de trabalho, o que tem sido insistentemente defendido pelos movimentos sociais. Consideramos uma conquista importante sua incorporação em um documento que tem a tarefa de orientar todos os cursos e programas de formação inicial e continuada de professores do país.

b) a adoção dos seguintes princípios norteadores da base comum nacional para a formação inicial e continuada: sólida formação teórica e interdisciplinar; unidade teoria-prática; trabalho coletivo e interdisciplinar; compromisso social e valorização do profissional da educação; gestão democrática; avaliação e regulação dos cursos de formação, pelo poder público. Esses princípios estão anunciados em diversos documentos publicados pelos movimentos em defesa da formação e valorização dos profissionais da educação (ANFOPE, 2012) e sua adoção pelas diretrizes em análise deve ser enfatizada.

Nas novas DCNFICPM (BRASIL, 2015a; 2015b), se reconhece, portanto, que para a melhoria da formação docente, é necessário assegurar base comum nacional, sem prejuízo da base diversificada, pautada pela concepção de educação como processo emancipa¬tório e permanente, bem como pelo reconhecimento da especificidade do trabalho docente, que conduz à práxis como expressão da articulação entre teoria e prática e à exigência de que se leve em conta a realidade das instituições edu¬cativas da educação básica e da profissão (ANFOPE, 2012).

Nessa direção, Dourado (2015) afirma que as novas DCNs determinam que a formação inicial e continuada deve possibilitar ao egresso o acesso a informações e o desenvolvimento de habilidades, bem como ao domínio de uma pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, fundamentados em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. Essa formação deve permitir ao egresso o acesso: “ao conhecimento da instituição educativa; a pesquisa; atuação profissional no ensino, na gestão de processos educativos e na organização e gestão de instituições de educação básica” (DOURADO, 2015, p. 307).

Vale registrar que, nessa parte inicial da Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b), são apresentados os conceitos de educação, docência, currículo, formação inicial e continuada. De sua análise, depreende-se que a formação inicial se destina àqueles que almejam atuar na docência da educação básica em suas diferentes etapas e modalidades e/ou em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagó¬gicos. Já a formação continuada visa o desenvolvimento profissional dos docentes, que já atuam nesse nível de ensino. Nos dois momentos formativos, devem ser assegurados, de maneira articulada: estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, bem como o aproveitamento da formação e experiências anteriores em institui¬ções de ensino.

Imbernón (2011) destaca a importância da formação inicial como o início da profissionalização e deve possibilitar uma análise integral das situações educativas. Em função disso, as instituições de formação inicial deveriam assumir a decisão de promoção não apenas do conhecimento profissional, mas de todos os aspectos intrínsecos à profissão docente, comprometendo-se com o contexto e a cultura, na qual se desenvolve.

A formação continuada, por sua vez, compreende dimen¬sões coletivas, organizacionais e profissionais, que visam repensar o processo pedagógico, os saberes e valores, que o orientam. Ela envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica. Sua prin¬cipal finalidade consiste na reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional docente.

Nesse sentido, Nóvoa (1995) defende que ela não se constrói pela somatória de cursos, de conhecimentos ou técnicas, mas sobretudo por meio de um trabalho reflexivo, crítico, sobre as práticas desenvolvidas e de (re) construção contínua de uma identidade pessoal. Para ele, [...] “a formação está indissociavelmente ligada à produção de sentidos sobre as vivências e sobre as experiências de vida” (NÓVOA, 1995, p. 26).

Nas novas DCNFICPM/2015, a formação continuada decorre de uma concepção de desenvolvimento profissional dos docentes, que é um conceito que se contrapõe a justaposição entre formação inicial e continuada e implica em continuidade, integração e interlocução, relacionando-se a outros termos, como: formação contínua, formação permanente, formação em serviço, capacitação e outros (GARCÍA; VAILLANT, 2012).

O desenvolvimento profissional abrange as experiências de aprendizagem informais e aquelas planejadas e sistematizadas, que pretendem contribuir para a melhoria da qualidade da educação nas instituições e redes de ensino. É o processo mediante o qual os docentes, individual ou coletivamente, revisam, renovam e desenvolvem seu compromisso como promotores de mudança, com compromissos éticos, mediante os quais adquirem e desenvolvem conhecimentos, habilidades e valores essenciais para o trabalho como profissionais do magistério, ao longo de cada uma das etapas de sua vida como docentes (GARCÍA; VAILLANT, 2012). Desse modo, o desenvolvimento profissional compreende a práxis docente como dimensão que integra a aprendizagem da profissão enquanto elemento de reflexão, é um percurso que implica em reflexão crítica, fundamentada teoricamente. Desse ponto de vista, entende-se que desenvolvimento profissional, que tem como eixo o trabalho docente e os professores são sujeitos, no processo de mudança de práticas cristalizadas das instituições educacionais.

Como o eixo do desenvolvimento profissional é o trabalho docente, as políticas, programas, cursos e demais ações formativas devem ser desenvolvidas considerando que o lócus privilegiado para a formação continuada é a problematização do espaço escolar, a partir da análise e reflexão da práxis, com a intenção de redimensiona-la, tornando professores e gestores, os pesquisadores da sua profissão.

Nessa perspectiva, a Resolução CNE/CP n. 02/2015 (BRASIL, 2015b) determina que as instituições formadoras devem definir no seu projeto institucional as formas de desenvolvimento da formação continuada dos profissionais do magistério da educação básica, em articulação com o planejamento estratégico do Fórum Estadual Permanente de Apoio à Formação Docente, com os sistemas e redes de ensino e com as instituições de educação básica, e demais instâncias como conselhos nacional, distrital, estaduais e municipais e respectivos fóruns (DOURADO, 2015).

Os projetos formativos devem estar articulado, também, às políticas de valorização a serem efetivadas pelos sistemas de ensino. Ainda nessa direção, as DCNs sinalizam que compete aos sistemas de ensino e às instituições a responsabilidade pela garantia de políticas de valorização dos profissionais do magistério da edu¬cação básica, que devem ter assegurada sua formação, além de plano de carreira, de acordo com a legislação vigente.

Entendemos que esta perspectiva de formação dos profissionais do magistério da educação básica pode contribuir para a supe¬ração da dicotomia entre teoria e prática, bacharelado e licenciatura, bem como, propiciar efetiva articulação entre as políticas e dinâmicas de organização, gestão e financiamento da educação, suas instituições e seus atores. Vale destacar, porém, que ela não pode representar maior responsabilização dos docentes e das instituições de educação básica. Com as novas DCNs, tanto os profissionais como as instituições assumem um importante papel no processo de desenvolvimento profissional dos docentes deste nível de ensino, tanto na formação inicial como continuada, o que com certeza implicará em mais atividades e responsabilidades para os docentes e gestores da Educação Básica. Essas novas atribuições devem ser desempenhadas de forma articulada com as instituições formadoras, preferencialmente públicas e com os sistemas de ensino, que deverão ser os responsáveis pela criação e manutenção das condições institucionais para sua concretização.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A decisão de elaborar um único documento que articula a formação inicial e continuada pode ser considerada uma importante conquista, na direção de políticas mais orgânicas. Nesse sentido, as novas diretrizes curriculares podem contribuir para a melhoria da formação dos profissionais do magistério, ao definir a base comum nacional, demanda histórica de entidades do campo educacional, como referência para o desenvolvimento profissional dos docentes da educação básica. Isso é fundamental para possibilitar a instituição de um subsistema de formação e valorização dos profissionais da educação envolvendo, de modo articulado, questões e políticas atinentes a formação inicial e continuada, carreira, salários e condições de trabalho.

Outro aspecto relevante que deve ser destacado, nas diretrizes aprovadas em 2015, é a ênfase à articulação entre educação básica e superior, bem como na necessidade de institucionalização de projeto pró¬prio de formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação básica, por parte das instituições formadoras. O eixo orientador dessa articulação deve ser o conceito de desenvolvimento profissional e institucional que redimensiona a formação dos professores da educação básica, a partir de concepção de docência que inclui o exercício articulado dos processos ensino e aprendizagem e a organização e gestão de instituições e sistemas educativos.

Vale ressaltar que essa perspectiva de formação e valorização docente implica em novos desafios para o campo das políticas educacionais, envolvendo os entes federados, os sistemas e as instituições de ensino, os fóruns permanentes de apoio a formação dos profissionais da educação, as entidades cientifico-acadêmicas e sindicais e, em especial, as instituições formadoras, na construção de propostas e projetos mais orgânicos para a formação inicial e continuada como delineado nas novas DCNs, objeto de discussão neste artigo.

Para sua materialização na realidade educacional, é fundamental a instituição do Sistema Nacional de Educação, como previsto no Plano Nacional de Educa¬ção, a fim de consolidar uma Política Nacional para a formação dos profissionais do magistério, que rompa com as ações fragmentadas e focadas em políticas de governo emergenciais e viabilize a existência de processos articulados com maior organicidade para as políticas e gestão da educação nacional. Além disso, é imprescindível o estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais para a carreira e a garantia de novos recursos para a educação, em cumprimento da meta de aplicação de 10% do PIB para a educação, sem os quais as belas propostas não sairão do papel por falta de condições objetivas de concretização.

REFERÊNCIAS

ANFOPE. Documento Final do XVI Encontro Nacional da Anfope – Brasília, 25 a 27 de novembro de 2012.

BRASIL. Parecer CNE/CP n. 02/2015. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica. Brasília: Diário Oficial da União, 2015a.

______. Resolução CNE/CP n. 02/2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Brasília: Diário Oficial da União, 2015b.

______. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2014.

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______. Lei n. 12.014 de 06 de agosto de 2009. Altera o art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com a finalidade de discriminar as categorias de trabalhadores que se devem considerar profissionais da educação. Brasília: Diário Oficial da União, 2009b.

______. Lei 12.056 de 13 de outubro de 2009. Altera o art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Diário Oficial da União, 2009c.

______. Decreto n. 6.755, de 29 de janeiro de 2009 Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2009d.

______. Lei n. 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Brasília: Diário Oficial da União, 2008.

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