FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES SOBRE A ATUAL POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de discutir a formação de professores da Educação Básica no Brasil, destacando as principais ações e desafios que se apresentam acerca da docência na atual política educacional. Trata-se de uma revisão de literatura que apresenta considerações sobre a evolução dessa política no Brasil, sobre os embates em torno dos modelos de formação e os seus desdobramentos em termos de garantia da qualidade da educação. Houve um crescimento dos cursos de formação docente a partir da LDB de 1996, todavia, observa-se um cenário com diversos desafios, sobretudo, no que tange a baixa qualidade dos cursos ofertados. A diminuição dos alunos matriculados e a baixa procura por cursos são postos também como um desses desafios a serem superados na atual política educacional.

Palavras-chave: Formação de professor. Educação básica. Política educacional.


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, os estudos e pesquisas sobre políticas públicas vêm se intensificando tanto no contexto internacional quanto no nacional. Para Azevedo (2004), no início dos anos 1980, esses estudos passaram a ganhar centralidade no Brasil, concorrendo para a afirmação de um campo investigativo sobre esta temática, campo este ligado à Ciência Política e à Sociologia, além de outros campos do conhecimento, como a administração pública. Dentre os fatores que impulsionaram o crescimento dos estudos sobre políticas públicas, podemos citar as cobranças da sociedade e das instituições para que os objetivos propostos nas políticas fossem atendidos, e, ainda, a convergência dos pesquisadores para ampliar a análise das políticas públicas para além da avaliação dos seus resultados.

No campo da educação, também houve um crescimento das políticas públicas educacionais, assim como das análises dessas políticas. Santos e Azevedo (2009, p. 534) justificam esse crescimento pelas mudanças ocorridas na sociedade, que trouxeram para o centro da cena das discussões sociopolíticas temas como a negação dos direitos sociais e a necessidade de seu resgate e usufruto pela maioria da população.

Dentre as novas políticas no campo da educação no Brasil, ressaltam-se as de formação do profissional da educação, nas últimas décadas. Verificam-se evidências de que existe uma prioridade na agenda dos governos federal, estaduais e municipais, com a implantação de programas específicos, seja por força de compromissos com os organismos internacionais firmados pelo governo brasileiro, seja pelo fato de estas políticas serem consideradas estratégias importantes para atender à demanda de qualificação educacional da população (AZEVEDO e AGUIAR, 1999).

Vale destacar que a história da formação de professores no Brasil passa a ter mais ênfase, a partir do processo de expansão da escolarização da Educação Básica no país, mais precisamente, nas últimas décadas do século XX. Em 1970 e início dos anos 1980 começa o crescimento real em termos de rede pública de ensino, considerando o número de alunos matriculados no ensino fundamental proporcionalmente ao contingente de crianças e adolescentes na faixa etária correspondente ou próxima. (GATTI e BARRETO, 2009)

Com essa expansão, há a necessidade de intensificar as discussões sobre a formação de professor, assim como de normatizar esse processo a partir da legislação. Nas leis de educação que se sucederam a partir de 1961, já eram estabelecidos artigos que tratavam da formação docente para esse nível de ensino. Com este mesmo intuito, a LDB n° 9394 de 1996 estabelece a preferência do nível superior para a formação de professores da Educação Básica.

São justificadas, assim, a partir desse período, as políticas implementadas pelo governo federal, que colocam como fundamental para os professores da Educação Básica, a formação em nível superior. Todavia, ainda que respaldada legalmente a formação de nível superior para os professores, os dados das funções docentes no ensino fundamental e médio não seguem esse caminho, como vamos observar ao longo do texto.

A partir desse contexto, o presente artigo tem o objetivo de discutir as ações de formação de professores da Educação Básica no Brasil, destacando as principais questões que se apresentam em torno dos desafios da docência e dos embates em torno dos modelos de formação para esse nível de ensino, tendo em vista a melhoria da qualidade da educação. Trata-se de uma revisão de literatura que apresenta algumas considerações sobre a evolução dessa política no Brasil, considerando aspectos históricos. Apresenta reflexões sobre as principais ações, os desafios e seus desdobramentos na atual política educacional.

FORMAÇÃO DE PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA: UM BREVE RELATO DO CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO

Ao fazer uma peque retrospectiva sobre as ações de formação de professores da Educação Básica, no Brasil, a preocupação com a formação de professores para o ensino primário no país inicia somente no final do século XIX, com a criação das Escolas Normais. No entanto, em 1827, ainda no período imperial, é criado um dispositivo legal que corresponde à Lei das Escolas de Primeiras Letras, que determinava que os professores deveriam se instruir no método do ensino mútuo às próprias expensas. É através desta Lei, promulgada em 15 de outubro de 1827, que se registra pela primeira vez a preocupação com a formação docente no Brasil. A Lei determinada que fossem criadas escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos do Império e que fossem feitos exames de admissão de mestres e mestras para o ensino nas escolas.

Após o Ato Adicional de 1834, que altera a Constituição de 1824, as províncias passam a se responsabilizar pela instrução primária e com isto começam a adotar para a formação de professores o modelo seguido pelos países europeus – Escolas Normais. A primeira a ser instalada no Brasil foi a de Niterói, em 1835, seguida das de São Paulo, Bahia, Mato Grosso. (TANURI, 2000). No entanto, estas escolas tinham existência intermitente, pois fechavam após um período de funcionamento, sendo em seguida reabertas, mas sem continuidade. Essas escolas preconizavam uma formação específica, guiadas pelas coordenadas pedagógicas. Porém, nelas predominava a preocupação com o domínio dos conhecimentos a serem transmitidos. Seus currículos eram semelhantes ao das escolas das primeiras letras (SAVIANI, 2009). Segundo este autor, esta situação se dava não só pelas precárias instalações das escolas, mas devido à falta de interesse pela profissão que apresentava remuneração baixa.

Podemos perceber que os problemas que afetam a categoria do magistério desse nível de ensino nos dias atuais têm raízes na nossa própria história. Entre o final do século XIX e início do período republicano, ocorre o estabelecimento e expansão dessas Escolas Normais no país. Para Saviani (2009), o padrão de organização e funcionamento dessas escolas seguia a reforma da instrução pública, instituída pelo Estado de São Paulo, em 1890.

Segundo Gatti (2011), ocorre, no início do Século XX, o aparecimento manifesto da preocupação com a formação de professores para o “secundário”, que corresponde aos atuais anos finais do Ensino Fundamental e ao ensino médio, em cursos regulares e específicos. Até então, este trabalho era exercido por profissionais liberais, embora o número de escolas e de alunos fosse restrito na época. Esta formação passa a significar o acréscimo de mais um ano nos cursos de bacharel, com disciplinas na área da educação, caracterizando a formação na licenciatura.

No que se refere à formação de professores para o ensino primário, Saviani (2009) aponta uma nova fase, no início do Século XX, especificamente, depois da Primeira República, com a criação dos institutos de educação, como espaço de cultivo da educação, encarados não só como lugar de ensino, mas, também da pesquisa. Corresponde este período ao da realização de duas experiências: a do Distrito Federal (Rio de Janeiro), concebido por Anísio Teixeira, em 1932, e dirigido por Lourenço Filho; e o de São Paulo, implantado em 1933, por Fernando de Azevedo, experiências estas inspiradas nos princípios da Escola Nova. Os institutos caminhavam para a consolidação de um modelo pedagógico-didático de formação docente que permitia a correção das insuficiências e distorções das Escolas Normais.

Percebe-se a influência, nesse período, do movimento de renovação pedagógica, principalmente com a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Antes de chegar esse ano, em São Paulo, já ocorria a defesa do plano de estudos das Escolas Normais, a qual era baseada no enriquecimento dos conteúdos curriculares anteriores a esse período de estudos e a ênfase nos exercícios práticos de ensino. (SAVIANI, 2009)

Mas é só a partir de 1939, com o Decreto nº 1190 deste ano, que começa a organização e implantação dos cursos de Pedagogia e de Licenciatura e, ao mesmo tempo, de consolidação das Escolas Normais. É sob essa base que se organizam os cursos de formação de professores para as escolas secundárias, generalizados para todo o país, dando organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, que serviu de referência para os estados brasileiros. Este é o modelo tão propalado do esquema 3 + 1, organização adotada para os cursos de licenciatura, para formar professores das disciplinas do ensino secundário e para os cursos de Pedagogia, para formar professores para exercerem a docência nas Escolas Normais. (SAVIANI, 2009)

O Curso Normal também sofreu mudanças com o Decreto-lei nº 8.530 de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal) que deu-lhe uma simetria com os demais cursos de nível secundário, ficando dividido em dois ciclos, o que correspondia ao ginasial e o que correspondia ao colegial. Segundo este autor, a situação criada por este decreto e que depois se consolidou, ao serem implantados esses cursos, levou a que as licenciaturas passassem a serem fortemente marcadas pelos conteúdos cultural-cognitivos, relegando o aspecto pedagógico-didático a um apêndice de menor importância, sendo que o de Pedagogia marcava uma tensão entre esses dois modelos, embora com conteúdo didático-pedagógico, tendeu a ser interpretado com um conteúdo a ser transferido aos alunos, ao invés de ser assimilado teórica e praticamente para a formação dos professores.Podemos perceber que as questões que são colocadas pelos autores com relação aos cursos de formação de professores da Educação Básica persistem no contexto atual, conforme veremos adiante a partir das posições de alguns.

Outro destaque que merece atenção nesse percurso da história da formação de professor da Educação Básica é a nº Lei 4.024 de 1961, que corresponde a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na qual o Brasil padroniza a educação brasileira e estabelece, na forma da lei, a formação de professores para o Ensino Primário por meio do Curso Normal. Essa Lei não fazia referência ao nível superior para a formação do professor, mas fixava a formação dos inspetores, orientadores educacionais, supervisores educacionais a ser feita pelas Faculdades de Filosofia, em cursos especiais. Em 1962, o Parecer nº251, do conselheiro Valnir Chagas, aprovado pelo então Conselho Federal da Educação, oferecia as bases para o funcionamento dos cursos de Pedagogia, fixando um currículo mínimo com a previsão de egressos em licenciatura e em bacharelado. Mais adiante, em 1969, outro parecer desse conselheiro (252/69) direciona os cursos de Pedagogia para as licenciaturas, eliminando a formação para o bacharelado. A partir de então, esses cursos passam a oferecer a formação de professores para o Ensino Normal e para as especialidades na área do pedagogo: orientação escolar, supervisão escolar, administração escolar e inspeção escolar, para profissionais que deveriam trabalhar nos sistemas de ensino e nas escolas.

Percebemos que até esse período a formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental continuaria a ser dada nos Cursos Normais, no nível médio, o chamado curso pedagógico. Uma alteração nessa formação, no entanto, é feita com os desdobramentos da política educacional instalada com o período da ditadura militar iniciado no Brasil em 1964. Cunha assim assinala, sobre este período:

Os condicionantes do regime militar que experimentou o Brasil nesse período levaram a mudanças também no processo de formação de professores para o ensino elementar. A mais importante mudança a partir da Lei 5692/71 foi a substituição da Escola Normal pela habilitação específica de magistério. Dessa forma, na nova estrutura desaparece a Escola Normal e a transforma em habilitação específica do 2º Grau. Um pouco depois, o Parecer 349/72 organiza o curso em duas habilitações: a primeira, com três anos de estudos, para o ensino da primeira a quarta série, e a segunda, com quatro anos, para o ensino da quinta e sexta série. (CUNHA, 2012, p. 22)

Esta autora chama a atenção para as críticas sobre esta nova fase de organização da formação dos professores para o início da escolaridade das crianças, críticas estas feitas por educadores, pesquisadores, profissionais da educação e intelectuais, de uma maneira geral. A diminuição das matrículas, nesses cursos, assim como o descontentamento dos professores em relação à desvalorização da sua profissão levaram a que o MEC em conjunto comas Secretarias de Educação tomassem medidas para reverter esse quadro, criando um projeto para revitalizar as Escolas Normais, os Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAMs), projeto este que teve pouco alcance. Para as quatro últimas séries do então Primeiro Grau, a lei previa a formação em nível superior através das licenciaturas curtas e plenas. O curso de Pedagogia, além de formar professores para os cursos de habilitação específica para o magistério, continuou a formar os especialistas em educação.

Devido aos descontentamentos, a partir dos anos de 1980, diante do modelo de formação docente adotado para o ensino básico, segundo essa autora,

desencadeou-se um movimento entre os educadores, entidades profissionais, classe estudantil e outros segmentos da sociedade pela reformulação dos cursos de Pedagogia e de licenciatura, que fez adotar o princípio da docência como base da identidade profissional de todos os profissionais da educação, que se somou aos debates em torno da elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (CUNHA, 2012, p. 22)

No ano de 1986, o então Conselho Federal de Educação aprova o Parecer 161, sobre a reformulação do curso de Pedagogia, que facultou a esses cursos oferecer também formação para a docência de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, confirmando o que algumas instituições já haviam iniciado experimentalmente. Verifica-se, portanto, a partir desse período, um novo direcionamento para a formação de professores para as séries iniciais da escolaridade em nível superior. Foram, sobretudo, as instituições privadas que se adaptaram mais facilmente para oferecer esse tipo de formação ao final dos anos 1980 (GATTI, 2011).

FORMAÇÃO DOCENTE NA ATUAL POLÍTICA EDUCACIONAL

Com a publicação da mais recente LDB 9394/96, alterações são estabelecidas, tanto para as instituições formadoras quanto para os cursos de formação de professores. O seu artigo 62 postulou a formação desses docentes em nível superior, com um prazo de dez anos para esse ajuste.

O prazo que estabelece a expectativa do governo de terem todos os professores da Educação Básica com o título de nível superior é fixado no artigo 87 dessa lei que estabelece no seu parágrafo 4º que “até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço” (BRASIL, 1996).

Podemos verificar a grande demanda para formação de professores em serviço constatada com os dados fornecidos pelo MEC/INEP relativos ao ano de 2006, dez anos depois de promulgada a LDB.

Fonte: Brasil. MEC/Inep.Censo Escolar da Educação Básica, 2006 – Gatti e Barreto, 2009
Tabela 01 - Funções docentes e demandas de formação em nível superior – Brasil 2006
Nível de Ensino Total Sem nível superior Leigos
Ed. Infantil 403.919 230.518 11.261
1ª a 4ª 840.185 355.393 8538
5ª a 8ª 865.655 125.991 518
Ed. Fundamental 1.705.840 481.384 9.056
Médio 519.935 23.726 22
Total 2.629.694 735.628 20.339

Verifica-se que, em 2006, existiam 735.628 funções docentes que eram exercidas por professores que não possuíam o ensino superior de formação, somando-se também 20.339 delas constituídas de professores leigos.

Em termos de formação de novos professores para a Educação Básica a ser oferecida pelas instituições de educação superior, outros desafios estão presentes, conforme veremos adiante.

A determinação da LDB nº 9394 de 1996 em vigência é pertinente, colocando como preferencial a formação dos docentes para a Educação Básica em nível superior. Entretanto, apresenta-se ambiciosa, conforme já assinalamos, diante da realidade da educação do Brasil, pois a grande maioria dos professores que atuavam na Educação Básica não apresentava a formação exigida pela legislação no ano em que a lei entrou em vigor. Exceção deve ser feita para o magistério da educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, pois o Art. 62 admite para esses profissionais a sua formação em nível médio. Mesmo assim, as políticas implementadas, a partir daí, colocam como fundamental para eles a formação em nível superior.

Em continuidade a nossa retrospectiva em relação às ações de formação de professores da Educação Básica no Brasil, ressaltamos que em 2002 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores são definidas pelo Conselho Nacional da Educação e nos anos seguintes as diretrizes curriculares para cada curso de licenciatura passam também a ser aprovadas. Segundo Gatti (2011), mesmo com os ajustes em razão das novas diretrizes, prevalece nos currículos das licenciaturas o foco na área disciplinar específica, deixando pouco espaço para a formação pedagógica.

Quanto ao curso de Pedagogia, somente em 2006 suas diretrizes curriculares foram aprovadas, propondo-o como uma licenciatura e atribuindo-lhe a formação de professores para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como para o Ensino Médio na modalidade Normal, de Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, inclusive para a formação de gestores educacionais. A complexidade curricular exigida para este curso torna-se grande, embora a ênfase da formação seja para a docência das etapas iniciais da Educação Básica.

Muitos são os pontos divergentes em torno dos dispositivos legais que estabelecem a política de formação de professores para esse nível de educação, considerando várias tendências em termos dos formatos dos cursos. Por outro lado, alguns pontos são levantados na literatura que dizem respeito tanto aos cursos de formação, como com relação às condições de trabalho e profissionalização do professor da Educação Básica. Gatti (2011, p. 208) ressalta os impasses e tensões em torno do desenvolvimento dos cursos de formação de docente para esse nível de ensino.

De qualquer modo, o que se verifica é que a formação de professores para a educação básica é feita em todos os tipos de licenciatura de modo fragmentado entre as áreas disciplinares e os níveis de ensino, não contando o Brasil, nas instituições de ensino superior, com uma faculdade ou instituto próprio para a formação desses profissionais com uma base comum formativa, como observado em outros países, onde há centros de formação de professores englobando todas as especialidades, com estudos, pesquisas e extensão relativos à atividade didática e às reflexões e teorias a ela associadas (GATTI, 2011, p. 208).

Este ponto tocado pela autora, assim como outros brevemente arrolados neste item, revelam a convergência de algumas questões postas pela literatura sobre a formação e profissionalização docente em contextos mais amplos e, em especial, na América Latina, já apresentadas no início deste artigo.

Ainda no contexto de déficit de docentes com formação adequada para lecionar na Educação Básica, vale observar que há uma diminuição no número de matrículas nos cursos de licenciaturas no Brasil. Segundo dados do MEC/INEP, elaborado pela CAPES, em 2005 havia 1.248.404 matriculados, já em 2009, os registros apontam para 978.061 (Gráfico 01). Ou seja, diminuíram 270.343 matrículas nos cursos de formação de professores em quatro anos no Brasil. Essa análise ainda não considera que no Brasil houve o aumento de matrícula nos cursos de graduação de forma geral. Nesse caso, a situação passa a ser mais preocupante.

Os motivos para justificar essa situação podem ser diversos como: as precárias condições de trabalho, os salários pouco atrativos, as baixas expectativas em torno do crescimento na carreira etc. O que vale destacar, nesse momento, é a diminuição das matrículas nos cursos de licenciaturas. Ainda que pesquisas indiquem a necessidade de que sejam incorporados novos contingentes para a carreira docente, Freitas (2007, p.1205) aponta que as condições da profissão docente “afastam do magistério amplas parcelas da juventude que, desde as universidades e no ensino médio normal, poderiam incorporar-se aos processos de formação das novas gerações”.

Gráfico 01: Matrícula nas licenciaturas no Brasil - 2005 a 2009
Fonte: MEC/INEP. Elaboração de CASTRO, 2011.I Encontro Nacional do PARFOR-Presencial, Brasília, 21 e 22 de setembro de 2011

Outra realidade ressalta nesse contexto: segundo esta mesma fonte, além do número de matrícula ter diminuído nas licenciaturas, o número de concluintes nos referentes cursos também diminuiu, como mostra o Gráfico 02. De 2005 a 2009 o número de concluintes passou de 257.053 para 188.807, ou seja, há uma diferença de 68.246 alunos concluintes entre os dados destes três anos.

Gráfico 02: Licenciaturas: matrículas e concluintes - 2005 a 2009
Fonte: Fonte: MEC/INEP. Elaboração de CASTRO, 2011.I Encontro Nacional do PARFOR-Presencial, Brasília, 21 e 22 de setembro de 2011

Todos esses dados e informações demonstram que a legislação está distante de ser atendida completamente, no que diz respeito à graduação dos docentes que atuam na Educação Básica. Estes dados demonstram que existe um grande desafio para ser enfrentado no contexto educacional do Brasil, principalmente, porque pesquisas apontam a importância da formação do docente para alcançar melhores resultados na qualidade da Educação Básica.

No que se refere à qualidade dos cursos ofertados, Gatti, Barreto e André (2011, p. 136) dizem que

o magistério constitui um setor nevrálgico nas sociedades contemporâneas. A interação dos diferentes fatores aqui levantados com a estrutura curricular e com as condições institucionais dos cursos de formação de docentes para a educação básica sinaliza um cenário preocupante sobre a resultante dessa formação. Isso reporta-nos, por exemplo, ao baixo índice de aprovação de licenciados em concursos públicos para professor.

Assim, com base no que observa no histórico da formação de professores no Brasil, considerando o que foi estabelecido entre o final do século XIX e início do século XX, pode-se concluir que houve poucas mudanças até o momento atual. Estas autoras acrescentam, que “a formação de cada especialidade profissional docente continua sendo feita em cursos separados, enfoques, com base na ‘divisão da ciência’, cursos sem articulação entre si, sem base compartilhada”. Além disso, a crítica é feita a separação entre formação em área disciplinar e formação pedagógica, muitas vezes, tornando-se estas duas formações desarticuladas, sem diálogo entre si (GATTI, BARRETO e ANDRÉ, 2011, p. 95).

Ao mesmo tempo, não há dúvidas sobre a importância do papel dos professores na sociedade atual. Eles representam uma categoria profissional necessária para entender as mudanças que vem ocorrendo no nosso país. Essa importância perpassa por diversos motivos, sendo um deles o fato de representarem o terceiro grupo ocupacional mais numeroso do país, “apenas precedidos pelos escriturários e empregados do setor de serviços e, entre eles, o que possui o mais alto nível de instrução (médio e superior), bem como as características mais homogêneas, em vista da forte regulamentação que cerca o exercício da profissão”. (BARRETO, 2011, p. 40).

Assim, a quantidade de recursos disponibilizados é significativa, para a sua manutenção, principalmente se considerarmos que esses recursos são majoritariamente do Estado. Em uma pesquisa de Gatti e Barreto publicada em 2009, mostra o Estado como a grande agência pagadora da profissão docente (80% do seu orçamento). (GATTI, BARRETO e ANDRÉ, 2011). Além das questões dos recursos, os professores têm um papel importante na sociedade contemporânea, afinal tem um papel social, político e cultural que desempenham. Esses atores são responsáveis pelo processo de socialização das crianças, dos jovens e adultos.

Entretanto, existe uma perda de prestígio do trabalho docente, apontada por Barreto (2011) devido à

[...] crise da escola em face da universalização da escolaridade e da diminuição do valor relativo dos certificados que ela fornece, bem como da perda do monopólio que detinha a instituição escolar sobre a transmissão do saber autorizado. Isso se traduz em baixos salários, quando comparados aos das profissões com a mesma exigência de escolarização e em insatisfatórias condições de trabalho e carreira (BARRETO, 2011, p.40).

Torna-se, pois, complicado obter o entendimento desse processo de formação empreendido pelas políticas atuais, dada a sua complexidade: No dizer de Gatti e Barreto (2009, p. 53), “mover-se em meio à legislação educacional sobre formação de professores, que comporta idas, voltas, remendos, complementos e iniciativas paralelas de poderes públicos, não é simples”. Daí porque devemos considerar os interesses que estão associados às escolhas das formas de intervenção nessa formação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate sobre as políticas educacionais, em especial, as políticas de formação de professor, no Brasil, tem se intensificado nos últimos anos, em função das próprias transformações que vem ocorrendo neste campo, bem como da necessidade do aprimoramento destas políticas para a garantia de uma educação básica com melhor qualidade. Neste artigo, buscamos apresentar uma visão mais ampliada sobre as ações do Estado para a formação docente, e nesse sentido, algumas questões merecem destaque para a compreensão desta temática no contexto brasileiro.

Como já foi posto anteriormente, a LDB nº 9394 de 1996 delibera sobre a formação em nível superior do professor da Educação Básica. Outros documentos como o Plano Nacional de Educação 2001 e a proposta do novo Plano ainda em processo de aprovação no Congresso Nacional reforçam a necessidade da referente formação e a considera relevante. Portanto, é visível que a política de formação de professor ganhou destaque nos debates e regulamentações, além de surgirem várias iniciativas de intervenção nesse campo pelos sistemas de ensino, dentre as novas políticas que têm sido formuladas, a exemplo da política nacional de formação de professores da Educação Básica – PARFOR.

Essas intervenções são necessárias e fazem parte da urgência de se estabelecer uma política global de formação e valorização de professores, sendo que é preciso contemplar de forma articulada e prioritária a formação desse profissional. Para Freitas (2007), a formação do professor, assim como as condições de trabalho, salários e carreira, fazem parte de uma utopia e do ideário de todos educadores e das lutas pela educação públicas nos últimos 30 anos.

Verificamos que o ideal está longe de ser alcançado e entre os motivos justificados está à falta de prioridade nos investimentos e recursos orçamentários para as licenciaturas e a formação de professores. Vale salientar que, no Brasil, a configuração da formação de professores responde ao modelo de expansão das reformas do Estado e é subordinada às recomendações dos organismos internacionais.

Nesse sentido, questionamos o aligeiramento característico dos cursos que vem sendo desenvolvidos na política atual, visto que em um período muito curto de tempo, os dados mostram que os docentes do país aumentaram seu grau de qualificação, por meio da obtenção do título de graduação e pelas próprias configurações dos projetos pedagógicos desses cursos observados em pesquisas feitas por elas. Sobre este aspecto, Gatti e Barreto (2009, p.34) fazem uma reflexão em relação à mudança ocorrida de forma tão rápida, a qual suscita questionamentos quanto à qualidade da formação oferecida. Ainda refletindo sobre os dados e os contextos de formação de professor, Gatti e Barreto chamam atenção para os cálculos da demanda de formação inicial e continuada desses docentes, feitos pelas estatísticas.

Nesse contexto, a formação de professor da Educação Básica, segundo as autoras citadas, é feita de forma fragmentada entre as áreas disciplinares e os níveis de ensino, em todas as licenciaturas. Além disso, não há uma base comum formativa para esses profissionais, como ocorre em outros países, onde há instituições ou universidades específicas para a formação de professores (GATTI, BARRETO e ANDRÉ, 2011).

O que ocorre é uma preocupação com a expansão da oferta dos cursos. Não há críticas e busca de alternativas formativas que melhor qualifiquem a formação inicial dos professores da Educação Básica. O que se constata é que ainda estamos longe de uma política de melhor qualificação real dos professores da Educação Básica. As normatizações existentes não são suficientes para garantir o mínimo da qualidade no que se refere à formação inicial. Assim, podemos verificar que os problemas ligados à formação e profissionalização do docente da Educação Básica no Brasil têm ressonância com as questões analisadas por autores que pesquisam essa situação em outros países. A pouca atratividade da carreira, a necessidade de revisão dos programas dos cursos e de consolidação da carreira docente, a necessidade de formação contínua dos professores, os baixos salários, o déficit da qualidade dos conteúdos curriculares, a fraca articulação entre os conteúdos específicos e o conhecimento pedagógico com as práticas didáticas, além de uma revisão rigorosa da política de expansão dos cursos, salvaguardando os princípios da qualidade do ensino, pontos detectados na literatura analisada no início deste artigo, têm ressonância com os problemas evidenciados pelos autores sobre a situação da formação desses professores no Brasil.

Nessa política de expansão, sem esquecer os requisitos quanto à qualidade, torna-se premente a adoção de medidas para que sejam cumpridos os preceitos legais que determinam a formação de professores em exercício da Educação Básica que ainda não possuem os cursos de nível superior, de acordo com a sua atuação, que vai corresponder à política recentemente criada pelo Governo. Diante disto, concordamos com Bernadete Gatti quando alerta sobre a necessidade de uma verdadeira revolução nas estruturas institucionais formativas e nos currículos da formação docente.

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