FORMAÇÃO CONTINUADA E PROFESSORES TEMPORÁRIOS NA REDE PÚBLICA ESTADUAL PAULISTA
ResumoConsiderando a relação existente entre formação de professores e condições de trabalho e, considerando ainda, o cenário de responsabilização dos professores pelos problemas da educação e o contingente significativo de professores contratados temporariamente na rede pública estadual paulista, o presente trabalho tem como objetivo analisar a oferta de cursos de formação continuada voltada aos professores dessa rede considerando a forma de contratação desses profissionais. Para tanto, foi considerado os resultados de pesquisa anterior sobre as condições de contratação dos professores paulista e, também, o levantamento de dados oficiais sobre a situação funcional e sobre os cursos de formação continuada oferecidos aos professores da rede pública estadual paulista no período de 2011 a 2014.
Palavras-chave: Professor temporário; formação continuada; condições de trabalho docente.
INTRODUÇÃO
Se considerássemos os dados apresentados pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) É uma iniciativa de avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa etária de quinze anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. O programa é desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). (INEP, 2015a). e pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) É obtido pelas notas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e pela taxa média de aprovação percentual dos alunos. (INEP, 2015b). como indicadores da real situação da educação no Brasil, poderíamos afirmar que não estamos alcançando os resultados esperados no que diz respeito à aprendizagem das nossas crianças e jovens, nem tampouco conseguindo avanços significativos que nos permitam afirmar que a educação brasileira está, de fato, melhorando.
A questão que nos interessa aqui é que, dentre as causas apontadas para esse pouco avanço na melhoria da qualidade da educação brasileira, encontra-se, quase sempre, o professor e sua formação. A lógica da responsabilização dos professores pelo fracasso da educação pressupõe que esses profissionais são mal preparados para o exercício da docência, desconsiderando-se as reais condições de trabalho às quais os professores são submetidos no Brasil, conforme aponta Diniz-Pereira (2007, p. 83-84):
De acordo com essa ideologia, melhorar a educação escolar implica em investir, única e exclusivamente, na formação dos docentes. Procura-se difundir a ideia de que a educação escolar está ruim porque os professores estão mal preparados para o exercício da profissão. Pouco se fala a respeito da necessidade da melhoria das condições de trabalho dos professores, desde o salário, a jornada de trabalho, a autonomia profissional, o número de alunos por sala de aula, até a situação física dos prédios escolares onde trabalham.
Assim, parece ser possível afirmar que o professor tem sido apontado como responsável pela má qualidade do ensino, mas não conta com condições de trabalho adequadas para o exercício de suas atividades profissionais conforme apontam pesquisas como as de Oliveira (2004, 2006 e 2007), Sampaio e Marin (2004), Santos (2004), Diniz-Pereira (2007), Duarte (2011), Shiroma e Evangelista (2011), Nogueira (2012) e Barbosa e Fernandes (2013).
Dessa forma, ainda que a formação de professores necessite mesmo de melhorias (FREITAS, 2007; GATTI et. al., 2010; BARRETTO, 2010; DAVIS et. al., 2011) as condições de trabalho às quais os professores estão submetidos, como salário, jornada, número de alunos por sala, infraestrutura das escolas e formas de contratação, têm sido precarizadas de tal forma que tendem a dificultar a realização de um bom trabalho por parte do professor, independentemente de sua formação.
Mesmo que consideremos que, a formação dos professores deva ser privilegiada, independente das condições de trabalho docente, e consideremos a formação continuada como uma estratégia importante para a melhoria do trabalho dos professores em exercício, podemos nos deparar, mais uma vez, com dificuldades relacionadas às condições de trabalho, como as formas de contratação que, muitas vezes, segmentam o grupo de professores entre efetivos e temporários, sendo que esses últimos gozam de condições ainda mais precárias de trabalho, sendo privados, por exemplo, do acesso a muitos cursos de formação continuada.
Esse parece ser o caso dos professores da rede pública estadual paulista que têm passado por processos de precarização de suas condições de trabalho que encontram nos salários e formas de contratação seus principais aspectos de degradação (CAÇÃO, 2000; FONTANA, 2008; BARBOSA, 2011).
Nesse sentido, ainda que seja possível relacionar formação de professores e condições de trabalho docente sob vários vieses, esse trabalho irá se dedicar à discussão específica da relação existente entre formação continuada e forma de contratação docente na rede pública estadual paulista. Essa análise parece se justificar em virtude do contingente significativo de professores temporários na rede pública estadual paulista.
O objetivo deste trabalho é, portanto, analisar a oferta de cursos de formação continuada voltada aos professores da rede pública estadual paulista considerando a forma de contratação desses profissionais nessa rede. Para tanto, foi considerado os resultados de pesquisa anterior sobre as condições de contratação dos professores paulista e, também, o levantamento de dados oficiais sobre a situação funcional e sobre os cursos de formação continuada oferecidos aos professores da rede pública estadual paulista no período de 2011 a 2014.
OS CONTRATOS TEMPORÁRIOS DE TRABALHO DOS PROFESSORES PAULISTAS
A década de 1950 foi expressiva no que diz respeito à expansão quantitativa do ensino, à improvisação de locais para ministrar aulas e, consequentemente, à admissão de professores não-efetivos no Estado de São Paulo (FONTANA, 2008).
A provável falta de planejamento aliada às motivações de ordem política fez com que os governantes do Estado de São Paulo improvisassem prédios, verbas, materiais e, de certa forma, com dada frequência, passassem a improvisar o profissional, o trabalhador da educação, o professor. (FONTANA, 2008, p. 88).
Ocorre que já se passaram mais de seis décadas e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo continua improvisando a contratação de profissionais para atuarem como docentes em sua rede de ensino.
Essa constatação parece se contrapor ao que Saviani (2005) aponta como sendo o modelo de escola pública que prevaleceu no Brasil no século XX:
[...] trata-se da escola organizada e mantida pelo Estado e abrangendo todos os graus e ramos de ensino. Ora, se se trata de escolas organizadas e mantidas pelo Estado, isso significa que cabe ao Poder Público se responsabilizar plenamente por elas, o que implica a garantia de suas condições materiais e pedagógicas. Tais condições incluem a construção ou a aquisição de prédios específicos para funcionar as escolas; a dotação e manutenção nesses prédios de toda a infra-estrutura necessária para o seu adequado funcionamento; a instituição de um corpo de agentes, com destaque para os professores, definindo-se as exigências de formação, os critérios de admissão e a especificação das funções a serem desempenhadas; a definição das diretrizes pedagógicas, dos componentes curriculares, das normas disciplinares e dos mecanismos de avaliação das unidades e do sistema de ensino em seu conjunto. (SAVIANI, 2005, p. 3-4).
Este contexto nos remete ao pensamento de Pierre Bourdieu em sua pesquisa sobre o sofrimento social. Para Bourdieu (1998a) os trabalhadores sociais, como é o caso dos professores, constituem o que ele chama de mão esquerda do Estado, conjunto dos agentes dos ministérios ditos “gastadores” e que se opõem ao Estado da mão direita, aos burocratas do ministério das finanças, dos bancos públicos ou privados. O autor parte do princípio de que a mão direita do Estado não quer mais saber de fato o que faz a mão esquerda, que a primeira está se retirando de setores da vida social que eram de sua responsabilidade, como é o caso da escola pública.
Quando Saviani (2005) afirma que cabe ao Poder Público definir os critérios de admissão docente bem como as exigências para a sua formação, percebe-se, de fato, a retirada da mão direita do Estado de um setor de extrema relevância social, o setor educacional.
A admissão docente no setor público deveria ocorrer mediante concurso público, conforme define a Constituição da República de 1988. No entanto, em caso de extrema necessidade pública, a Carta Magna prevê, no inciso IX do artigo 37, a possibilidade de contratação temporária, por tempo determinado (BRASIL, 1988). Nesse caso, quem regula essa temática em nível federal é a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que determina em seu artigo 445 que o contrato por tempo determinado não poderá exceder dois anos e que se for prorrogado por mais de uma vez passará a vigorar como um contrato por tempo indeterminado (art. 451), ou seja, com registro em carteira, tendo assim, asseguradas todas as garantias trabalhistas (BRASIL, 1943).
Ao abordar o trabalho docente regido por professores que não são titulares de cargo verifica-se que o início de todo o processo ocorre por meio de contrato de trabalho e que este sofre algumas alterações conforme a “categoria” em que o profissional se encontra. A situação funcional dos professores da rede pública estadual paulista é diferenciada por categorias representadas por letras. Essas categorias se distinguem pela forma de provimento do cargo, pela legislação que a regulamenta ou pelo tipo de vínculo previdenciário. Atualmente temos professores nas seguintes categorias: Efetivos (A), professores que têm algum tipo de estabilidade: Estáveis (P), CLT (N), L e F, professores contratados temporariamente (O) e professores eventuais (categorias S, I e V).
As contratações temporárias no Estado de São Paulo têm sido recorrentes. A análise feita durante pesquisa anterior nos revelava que o percentual de professores que atuavam nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, admitidos em caráter temporário, entre os anos de 1994 e 2007, era de aproximadamente 63%. A tabela a seguir atualiza esses dados, apresentando o contingente de docentes temporários entre os anos de 2011 e 2014 na rede pública estadual paulista.
Tabela 1 – Contingente dos Professores de Educação Básica II Na rede pública estadual paulista, Professor de Educação Básica II (PEB II) é o professor que atua nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio. na rede pública estadual paulista (2011-2014) | ||||
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Média / Categoria | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 |
Efetivos | 118.117 | 120.491 | 118.279 | 128.383 |
Não-efetivos | 100.985 | 104.002 | 110.754 | 109.177 |
Total | 219.102 | 224.493 | 229.033 | 237.560 |
% Não-efetivos | 46% | 46% | 48% | 46% |
Embora o percentual de professores não efetivos tenha caído de 63% para 46% durante os dois períodos analisados, as condições trabalhistas a que tais docentes se submetem não são atrativas e nem tampouco favoráveis para o bom desempenho profissional. Essa situação se agrava ainda mais se considerarmos que dentre os professores não efetivos temos um número considerável de professores contratados temporariamente (categoria O): 59.688 (cinquenta e nove mil, seiscentos e oitenta e oito), conforme dados da Coordenadoria de Gestão de Recursos Humanos da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP, 2016).
Embora o número de professores temporários seja pequeno frente ao total de professores da rede, não podemos desconsiderar que tínhamos, em 2014, quase 60 mil professores da categoria O que são privados da grande maioria dos direitos dos quais gozam os outros professores. Os professores da categoria O são contratados de acordo com a Lei Complementar N°1.093, de 16 de julho 2009 (SÃO PAULO, 2009) por período determinado, após aprovação em processo seletivo simplificado. Esses professores não têm registro em carteira de trabalho, não tem recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e só recebem pelo valor da hora aula em início de carreira, o que implica que o contratado não fará jus à adicionais por tempo de serviço, não se inclui no plano de carreira e nada que ele fizer resultará em evolução funcional.
Apesar do contrato de trabalho precário, os professores temporários precisam atender às mesmas demandas que os demais professores: lidar de forma satisfatória com as diversidades e tensões do dia-a-dia da sala de aula, sendo que muitas vezes o profissional sequer conhece seus alunos e colegas de trabalho por não ser docente fixo daquela escola; assegurar a qualidade do ensino ofertado mesmo que parte desses professores ainda não sejam habilitados para exercer a função. Nesse sentido, Diniz-Pereira (2007) discute como as condições de trabalho docente podem reduzir a função docente ao dar aula:
Quando as condições do trabalho docente são muito ruins, torna-se praticamente impossível se conceber a escola como um local de produção de conhecimentos e de saberes. O professor torna-se um mero “dador de aulas”. Não há tempo para o estudo e para análises sistematizadas da prática docente. (DINIZ-PEREIRA, 2007, p. 90).
No cenário de responsabilização dos professores pelos problemas da educação, assim como os demais professores, o docente temporário, “dador de aulas”, que em um momento tem aulas atribuídas e em outro está desempregado, que não tem vínculo com a instituição onde atua, que não tem direito a auxílio desemprego como qualquer trabalhador formal, nem ao FGTS, que não tem perspectiva de melhores condições de trabalho, torna-se alvo das críticas da sociedade quando se constata o baixo desempenho dos alunos em diferentes índices. E, como explicitado no início desse texto, essas críticas costumam vir atreladas ao argumento de que os professores são mal preparados e, portanto, a formação continuada de professores aparece como uma das alternativas. Nesse sentido, há que se observar como se apresenta a oferta de formação continuada para os professores temporários da rede pública estadual paulista.
A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES TEMPORÁRIOS
Assumimos a concepção defendida por Basso (1994) de que, para a realização de um bom trabalho pedagógico, o professor necessita de uma formação consistente, porém apenas a oferta de cursos não será o suficiente se não houver um investimento maciço para melhorar as condições de trabalho docente.
Ao pesquisar os cursos de formação continuada, com carga horária igual ou superior a 90h, ofertados pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo no mesmo período em que assinalamos o contingente de docentes efetivos e não-efetivos da rede estadual paulista (2011 – 2014), encontramos no site da Escola de Formação de Professores “Paulo Renato de Souza” (EFAP) alguns cursos que serão apresentados na sequência.
O Programa Rede São Paulo de Formação Docente (REDEFOR) – Educação Especial – 2011, composto de 7 (sete) cursos de especialização em Educação Especial na Educação Inclusiva para professores e gestores, em nível de pós-graduação, oferecidos na modalidade a distância com parte das atividades presenciais, tais como: encontros nas Diretorias de Ensino, provas, defesa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), além das horas de estágio. Conveniado com a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho “ (UNESP), o curso visa aperfeiçoar a formação de docentes e gestores da rede pública estadual de ensino para o atendimento especializado bem como para difundir o conceito de educação inclusiva.
As 1.600 (mil e seiscentas) vagas foram distribuídas entre os 7 (sete) cursos, conforme tabela abaixo.
Tabela 2 – Curso Redefor Educação Especial 2011 | |||
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Curso | Carga Horária | Público (respeitadas as regras estabelecidas) | Vagas 2011 |
Especialização em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva | 360h | Supervisores de Educação Especial Professores Coordenadores das Oficinas Pedagógicas (PCOPs) de Educação Especial Diretores Vice-diretores Professores Coordenadores (PCs) Professores Ciclo I, Ciclo II, EM e EJA | 1.000 |
Especialização em Educação Especial: Área - Deficiência Auditiva/Surdez | 600h | PCOPs de Educação Especial Professores de Educação Especial, Ciclo I, Ciclo II, EM e EJA | 100 |
Especialização em Educação Especial: Área - Deficiência Visual | 600h | PCOPs de Educação Especial Professores de Educação Especial, Ciclo I, Ciclo II, EM e EJA | 100 |
Especialização em Educação Especial: Área - Deficiência Intelectual | 600h | PCOPs de Educação Especial Professores de Educação Especial, Ciclo I, Ciclo II, EM e EJA | 100 |
Especialização em Educação Especial: Área - Deficiência Física | 600h | PCOPs de Educação Especial Professores de Educação Especial, Ciclo I, Ciclo II, EM e EJA | 100 |
Especialização em Educação Especial: Área - Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) | 600h | PCOPs de Educação Especial Professores de Educação Especial, Ciclo I, Ciclo II, EM e EJA | 100 |
Especialização em Educação Especial: Área - Altas habilidades/Superdotação | 600h | PCOPs de Educação Especial Professores de Educação Especial, Ciclo I, Ciclo II, EM e EJA | 100 |
A realização de um curso voltado à educação especial era uma necessidade apresentada pelos professores da rede paulista há tempos. De certa forma parece que a Secretaria da Educação acatou a solicitação dos docentes. Mas, o fato é que se encontrava explícito no regulamento do curso uma das regras para a sua inscrição: excetuam-se do público alvo os professores categoria “O”. Tal prescrição não difundida para a população, exclui uma categoria profissional que há tempos tem um contingente significativo na rede estadual. Lamentável verificar que um curso que visa formar professores para lidar com a inclusão dos alunos com deficiências exclui tantos professores.
Levando-se em conta que todas as atividades e encontros presenciais ocorreram fora do horário de trabalho, não é possível aferir qual foi o propósito da Secretaria ao impedir a participação desses docentes, num curso que era esperado por eles e cuja parceria era com uma instituição pública de ensino superior.
Outro curso oferecido pela Secretaria da Educação é o destinado aos ingressantes aprovados no Concurso Público para Provimento de Cargo de Professor de Educação Básica II. O último deles ocorreu no ano de 2013, com um total de 360h e foi organizado em duas etapas, a saber: a primeira, composta de conteúdo comum a todos os professores ingressantes, contou com 4h de encontros presenciais nas diretorias de ensino e 116h de estudos autoinstrucionais, realizadas à distância. A segunda, que ocorrerá no ano de 2016, será composta de conteúdos específicos organizados de forma a atender aos docentes das 15 disciplinas e contará com 8h de encontros presenciais e 232h de atividades a distância. Mesmo esse curso, cuja função é, obviamente formar o professor para trabalhar com o currículo oficial do estado de São Paulo, é oferecido somente aos professores que passaram no concurso público e faz parte do seu estágio probatório. Sendo assim, os professores temporários ficam excluídos de mais uma iniciativa de formação continuada oferecida pela rede.
O programa Bolsa Mestrado / Doutorado oferece um incentivo monetário somente aos professores efetivos, portadores de licenciatura plena, que se encontram em efetivo exercício, distante da aposentadoria por no mínimo 5 (cinco) anos, quando se tratar de mestrado e de 9 (nove) anos, quando se referir a doutorado, e que comprovem admissão em curso de mestrado ou doutorado reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Esse programa está suspenso desde o início de 2015.
Um dos poucos cursos oferecidos no período em estudo e que aceita como público alvo os professores contratados, desde que com licenciatura plena, fator que já exclui parte dos temporários, é o de Língua Inglesa. Um deles, o Curso de Aperfeiçoamento online “Teachers’ Links” é realizado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, com duração de 90h. No ano de 2013 foi trabalhado o módulo “O desenvolvimento da autonomia e a sala de aula: reflexão sobre planejamento e materiais de ensino”. E no ano de 2014 o módulo foi “Reflexão sobre ensino-aprendizagem de línguas como um objeto de pesquisa”.
Mesmo na formação continuada ofertada pelos Núcleos Pedagógicos das Diretorias de Ensino ocorre, na maioria das vezes, a exclusão dos professores temporários. Tal fato se dá pelo formato exigido pela própria SEE-SP para contenção de gastos e para não tirar todos os professores de uma mesma disciplina da escola no mesmo dia. Então, cabe aos Professores Coordenadores dos Núcleos Pedagógicos (PCNPs) formar os Professores Coordenadores das escolas e a estes fica a difícil incumbência de formar todos os seus professores durantes as Aulas de Trabalho Pedagógico (ATPCs). Sabemos que esse formato que mais parece uma brincadeira de telefone sem fio é inadequado, pois os professores coordenadores nem sempre têm formação na área da formação continuada em questão e precisam repassar o que compreenderam para os demais professores.
Fica evidente, portanto, que mesmo submetidos às mesmas exigências que os demais professores, os temporários têm condições de trabalho extremamente precarizadas e não podem participar da maioria das ações de formação continuada oferecidas pela rede pública estadual paulista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado nos fez refletir sobre o quanto as condições de trabalho podem interferir, se não, impedir, as ações de formação continuada. Não conseguimos detectar situações em que a Secretaria da Educação promovesse uma ação que facilitasse a participação dos docentes nos processos de formação continuada. Ao contrário, sempre são colocados entraves que impedem o encontro formativo entre os docentes.
Outro ponto a se destacar é que, ainda que o professor temporário consiga fazer algum curso com a devida certificação, ele não terá direito à evolução funcional e não vai receber nenhum incentivo a mais no valor de sua hora/aula. Imaginemos a situação hipotética de um professor com doutorado que se submeta a ser contratado temporariamente na rede pública estadual paulista. O valor da sua hora aula será idêntico ao do professor contratado que sequer concluiu sua licenciatura e ou bacharelado e será sempre menor que o valor da hora aula do professor efetivo, mesmo que este não tenha nenhuma especialização.
Como apontado aqui o número de professores contratados temporariamente na rede pública estadual paulista é considerável, evidenciando um grupo de professores que vivem e se submetem a essas precárias condições de trabalho, enquanto a mão direita do Estado se retira gradualmente dos setores da vida social, e o Poder Público, responsável também pelos critérios de admissão docente, nada faz para que se cumpra o que está estabelecido na Constituição Federal quanto ao ingresso no setor público ser mediante concurso público.
Saviani (2013, p. 429) afirma que “a crise da sociedade capitalista que eclodiu na década de 1970 conduziu à reestruturação dos processos produtivos”. Assegura também que houve a substituição do fordismo pelo toyotismo no que se refere à base técnica da produção, modelo último que incorpora o método just in time e que requer trabalhadores que, em lugar de estabilidade no emprego, disputem diariamente cada posição alcançada. Essa constatação nos remete aos professores contratados e às suas condições de trabalho, uma vez que a estabilidade no emprego, por meio de concursos públicos, está cada vez mais difícil de conquistar, mesmo porque já não se tem concurso para docente na mesma proporção da sua necessidade. O método just in time, utilizado nas empresas para auxiliar na redução de estoques e de custos decorrentes do processo, tem por princípio que o produto ou até mesmo a matéria prima chega à empresa ou à fábrica somente no momento exato de sua utilização, não gerando estoque parado. A educação pública paulista parece se assemelhar ao modelo toyotista apontado por Saviani: reduz-se o quadro de professores efetivos, diminuem-se os gastos com a folha de pagamento, contratam-se professores temporários somente no momento exato de sua utilização, findado o ano letivo, rompem-se os contratos.
Dessa forma, talvez os chefes de gabinete se perguntem por que investir na formação continuada de um profissional cujo “estoque” é para 200 (duzentos) dias letivos? Afinal, não seria esse o período de permanência de tais professores? Para que investir em concursos que asseguram um estoque por 25 (vinte e cinco) ou trinta (anos), se podemos atuar em curto prazo e com menos gastos?
A contratação temporária implica ainda em alta rotatividade dos professores, fator que provoca a quebra de vínculo com o próprio trabalho desenvolvido e não favorece a possibilidade de um trabalho conjunto entre os docentes e nem tampouco o desenvolvimento da formação reflexiva dos professores.
A rotatividade de professores, assumida como uma estratégia de governo da Secretaria da Educação, os baixos salários, a jornada de trabalho, a lógica ilógica da formação continuada ofertada nos faz pensar também no texto de Pierre Bourdieu (1998b), “Excluídos do interior”. Nele o autor se refere à exclusão evidente dos alunos de classes menos favorecidas dentro da instituição escolar. Aqui, além da exclusão desses alunos, convivemos com a exclusão dos próprios professores, que além de um tempo curto previsto para atuarem na atividade docente, são excluídos dos processos formativos e ainda se culpam pela não aprendizagem dos discentes. E, quando a culpa pelo insucesso recai sobre o próprio indivíduo, a exclusão torna-se mais cruel e quem de fato não tem cumprido com o seu papel enquanto responsável pela organização e manutenção da escola pública sai ileso aos olhos do senso comum.
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