DILEMAS E PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CRIANÇAS PEQUENAS

Resumo: Este texto tem por objetivo problematizar a formação de professores, discutindo sobre a formação inicial e continuada dos(as) profissionais que trabalham com crianças de 0 a 3 anos e apresentando uma experiência de formação em contexto realizada a partir de uma pesquisa que teve como campo empírico uma creche pública/conveniada do município de Juiz de Fora/MG. O trabalho está inserido nas discussões realizadas no Grupo de Pesquisa Linguagem, Infâncias, Cultura, Educação e Desenvolvimento Humano- LICEDH, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG/Brasil, que tem como foco de estudo e investigação a formação dos professores da Educação Infantil, o desenvolvimento infantil e as políticas públicas para a infância.

Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Infantil; Creche.


As discussões que envolvem melhoria da qualidade na educação e questões voltadas para a valorização e para a formação dos profissionais da educação são debates muito presentes no cenário atual do meio acadêmico e das políticas públicas. Compreender a educação como um processo formativo, contínuo e permanente implica considerar a formação docente como algo intrínseco ao fazer pedagógico do professor, que, por sua natureza, constitui-se histórica e inacabada (FREIRE, 1996). Apesar de todos os entraves e dilemas que atravessam hoje o campo da formação de professores, é mister afirmar que esse debate vem ocupando uma centralidade no âmbito acadêmico e político.

Compreendemos que, como sujeitos sociais e históricos, formamo-nos durante nossas vivências e experiências. Por essa razão, é importante tecer conexões entre as teorias e os nossos fazeres, buscando romper com a dicotomia teoria-prática. Concordamos com Gatti (2008, p. 57), quando aponta que a formação acontece de diferentes formas:

Horas de trabalho coletivo na escola, reuniões pedagógicas, trocas cotidianas, com os pares, participação na gestão da escola, congressos, seminários, cursos de diversas naturezas e formatos, oferecidos pelas Secretarias de Educação ou outras instituições para pessoal em exercício nos sistemas de ensino, relações profissionais virtuais, processos diversos a distância (vídeo ou teleconferências, cursos via internet, etc), grupos de sensibilização profissional, enfim, tudo que possa oferecer ocasião de informação, reflexão, discussão e trocas que favoreçam o aprimoramento profissional, em qualquer de seus ângulos, em qualquer situação.

Assim, independente dos espaços onde acontece essa formação, é fundamental que ela atenda aos preceitos de qualidade da educaçãoCompreendemos que o conceito de qualidade é relativo e pode abrigar diferentes significados dependendo da concepção adotada. Para nós, no campo da Educação Infantil, qualidade na educação pressupõe práticas pedagógicas que respeitem as crianças em suas especificidades, necessidades e protagonismos, preceitos expressos nas Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (BRASIL, 2009). , sendo este um aspecto fundamental a ser efetivado no campo da educação no Brasil. Isso se torna urgente, se quisermos consolidar uma prática docente que possibilite a todos(as) os(as) educandos(as) o acesso aos bens materiais e sociais produzidos historicamente, rompendo com as desigualdades de oportunidade entre os sujeitos.

Temos como premissa que a formação de professores e as pesquisas, em suas diferentes modalidades, precisam dialogar com o universo educacional brasileiro, marcado por suas complexidades e contradições, em um movimento dialético, no qual todos os(as) envolvidos(as) contribuam mutuamente para as discussões e para os rumos das políticas e ações voltadas para a educação.

Autores(as) importantes na área da pesquisa educacional e da formação de professores apontam ser este um campo complexo que envolve dilemas estruturais, tais como fragmentação, dispersão e descontinuidade das iniciativas das políticas educacionais; financiamento da Educação Básica; separação entre as instituições formativas e as instituições escolares; paradoxo pedagógico revelado na contraposição entre teoria e prática, conteúdo e forma; aspectos das culturas nacional, regional e local; definição de princípios e diretrizes sobre o que constitui a formação inicial e continuada; lócus e concepções da instituição formadora; vinculação com processos culturais e identitários; condição de trabalho docente, entre outros (DOURADO, 2013; GATTI, BARRETO E ANDRÉ, 2011; SAVIANI, 2014).

Um dos dilemas enfrentados na formação refere-se à formação inicial. Em um estudo realizado a partir de ementas de cursos superiores de formação de professores, Gatti, Barreto e André (2011) constataram um desequilíbrio na relação teoria-prática cujos aspectos teóricos tem sido preponderantes. A pesquisa observou que a escola, como instituição social e de ensino, é elemento quase ausente nas ementas. Isso nos leva a pensar que essa formação vem se dando de forma mais abstrata e desarticulada dos contextos onde os(as) professores(as) irão atuar.

Nesse caminho, Lucila Pesce (2014) problematiza o processo de precarização da formação inicial de professores no contexto nacional, debatendo a questão de como as políticas educacionais brasileiras, em seus programas de formação de professores, dão ênfase à racionalidade instrumental, pautando-se em indicadores como eficiência, eficácia e produtividade, conceitos que dialogam com o mundo capitalista e globalizado. A saturação da informação, o rápido descarte dos bens culturais e de consumo, a banalização das atuais organizações societárias nas quais os seres humanos se constituem como sujeitos históricos são exemplos da perda do "sentido da experiência dos sujeitos" em uma concepção mais ampla.

Ao discutir os dilemas da formação de professores no Brasil, Saviani (2014, p. 66) aponta um quadro de descontinuidade no qual o que se revela como permanente é

a precariedade das políticas formativas, cujas sucessivas mudanças não lograram estabelecer um padrão minimamente consistente de preparação docente para fazer face aos problemas enfrentados pela educação escolar em nosso país.

Ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (DCNFPEB), Saviani discute que os textos dos pareceres mostram-se excessivos no acessório e muito restritos no essencial. Para o autor, os pareceres resultam dispersivos, pois não imprimem elementos para uma formação consistente. Em lugar de dispor os elementos que nos permitiriam superar os dilemas pedagógicos, revelam-se presas desses mesmos dilemas.

Analisando a trajetória da política de formação de professores no Brasil, Saviani (2014) aponta que há uma dicotomia entre os dois modelos básicos de formação: modelo cultural-cognitivo e modelo didático-pedagógico. Ao discutir as concepções de formação do professor técnico e da formação do professor culto, aponta que a política educacional vigente opta pelo primeiro modelo, guiando-se pelo vetor de redução dos custos, conforme o princípio máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. Segundo o autor, para se equacionar o problema da formação de professores, é preciso enfrentar a questão das condições de exercício do trabalho docente, o que não se materializa sem os adequados investimentos financeiros.

Em contraste com jornada de trabalho precária e baixos salários, é preciso levar em conta que a formação não terá êxito sem medidas correlatas relativas à carreira e às condições de trabalho que valorizem o professor, envolvendo dois aspectos: jornada de trabalho de tempo integral [...] e salários dignos que, valorizando socialmente a profissão docente, atrairão candidatos dispostos a investir tempo e recursos numa formação de longa duração (SAVIANI, 2014, p. 72).

Nesse sentido, não é possível pensar em educação de qualidade sem levarmos em conta todos os elementos constituintes do trabalho docente em seus aspectos macro e micro e seus necessários investimentos a médio e longo prazo.

Nóvoa e Amante (2015) fazem uma análise sobre as mudanças nas universidades, questionando a pedagogia e sua incapacidade em acompanhar as transformações recentes da sociedade e da própria universidade. Reforçam a necessidade de trazer os professores e a pedagogia para o centro do debate, enfatizando a liberdade acadêmica como motriz para o exercício da profissão docente. Partindo do princípio de que o ensino é a razão de ser da universidade, é preciso uma transformação profunda das concepções e das práticas pedagógicas, que parecem manter-se inalteradas. Para os autores, "o discurso dominante sobre a modernização das universidades continua a ignorar a pedagogia, como se esta fosse inata ou, mesmo, supérflua e desnecessária" (NÓVOA e AMANTE, 2015, p. 26). Sob os signos da "excelência, empreendedorismo e empregabilidade", o ensino tem tido um papel secundário em detrimento de uma ideologia de modernização. É preciso construir novos modelos de organização e aprendizagem, para que não se coloque em xeque o futuro da universidade.

Assim, nossos questionamentos caminham no sentido de fazer um recorte, pensando nessa profissionalização e nas questões apontadas pelos autores, tendo como foco os cursos de Pedagogia, ou seja, aqueles que formarão os(as) professores(as) que atuarão na Educação Infantil. Se esses sujeitos já são formados por professores(as) que, em suas práticas, valorizam os procedimentos técnicos em um modelo de passividade, pautado na incapacidade de integrar, no processo didático, um processo de pesquisa, criação e experimentação, esse ciclo tende a ser reproduzido sem maiores reflexões. E assim, continuaremos a presenciar uma concepção de escolarização, desde a Educação Básica, pautada em um "modelo de conhecimento que separa ciência, arte e vida, assim como no controle do conhecimento, com propostas de soluções prefixadas e previsíveis" (KRAMER e NUNES, 2013, p. 47).

Partindo do princípio de que a formação do professor faz parte de um processo que se constitui histórico e inacabado, é preciso também pensar na formação continuada desse profissional. Para Dourado (2013, p. 377-378), um grande desafio no campo educacional é repensar a formação, estabelecendo políticas mais orgânicas, buscando articular a formação inicial e a continuada.

Se por um lado a formação inicial é desejada como pré-requisito para o ingresso na carreira, por outro a formação continuada passa a ser vista como estratégia para a melhoria permanente da qualidade da educação, tendo como principal finalidade, a reflexão sobre a prática educacional e a busca do aperfeiçoamento técnico, ético e político, que não se restringe a esta prática.

Dessa forma, é preciso pensar em processos de formação contextualizados, abertos às reais demandas das instituições, visando à consolidação de ações significativas para aqueles(as) que atuam nas diferentes esferas da educação no Brasil. Isso pressupõe oferecer possibilidade de formação de qualidade, tanto inicial como continuada, tendo como pressuposto a reflexão crítica sobre suas próprias vivências e práticas cotidianas, visando romper com a dicotomia teoria-prática, vilã nos processos de ensino- aprendizagem em graduações e cursos de formação em todo Brasil.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DAS CRIANÇAS PEQUENAS

Após um breve retrato dos atuais dilemas que se revelam hoje na formação de professores no Brasil, vamos discutir mais especificamente esse campo no que se refere à formação de profissionais que atuam na educação das crianças de 0 a 5 anos.

Tradicionalmente, é preciso situar que a formação específica para o desenvolvimento do trabalho com as crianças pequenas, nas políticas públicas do Brasil, acontece em um processo lento e gradual. Atualmente, podemos considerar que essa trajetória vem ganhando novos contornos, se considerarmos o contexto das legislações e políticas para a Educação Infantil após a Constituição Federal de 1988.

Nesse campo, um marco importante refere-se ao estabelecimento da educação como um direito das crianças de 0 a 5 anos, previsto na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96 (BRASIL, 1996). A LDB avança, ao regulamentar a Educação Infantil como uma etapa de ensino integrante da Educação Básica, prevendo o atendimento às crianças em creches (0 a 3 anos de idade) e pré-escolas (4 e 5 anos).

Mais especificamente com relação à creche, podemos dizer que o atendimento às crianças de 0 a 3 anos, em instituições de Educação Infantil, enfrenta muitos desafios para a efetiva concretização do ideário exposto na legislação educacional vigente (Lei nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Tais desafios evidenciam-se em dificuldades como o número incipiente de pesquisas que tenham como foco a faixa etária citada acima, de modo a dar maior visibilidade às diversas formas de organizações de pensamentos e ações das crianças (SARMENTO e VASCONCELLOS, 2007), assim como a precária formação de professores, problema enfrentado especialmente pelos(as) profissionais das creches, ainda “marginalizados(as)” pelas políticas públicas de formação.

Corsino e Nunes (2010) reforçam as dificuldades discutidas acima, ao apontar dois pontos frágeis na consolidação da área: as condições de trabalho dos(as) professores(as) e sua formação inicial e continuada. Mesmo com a equiparação da carreira do(a) professor(a) da Educação Infantil à carreira do(a) professor(a) dos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo, inclusive, direito a um plano de carreira e piso salarial nacional, muitos municípios ainda encontram meios para "burlar" essas garantias. A partir de pesquisas realizadas, as autoras apontam a presença de muitas instituições que utilizam a contratação de auxiliares, educadoras, agentes, recreadoras, entre outras denominações, como um "arranjo" para o não reconhecimento da profissionalização docente no segmento da creche.

Sendo assim, tão importante quanto pensar no acesso e na oferta de vagas para a creche, está a qualidade do atendimento/educação oferecido a essas crianças, fato que está diretamente atrelado à formação dos(as) profissionais que trabalham com as crianças pequenas. Um estudo realizado por Gatti (2008) aponta que, na formação inicial para o(a) professor(a) que atuará na Educação Infantil, especificamente com relação às disciplinas obrigatórias realizadas nos cursos de licenciatura em Pedagogia, apenas 5,3% destas são voltadas para a Educação Infantil. Esse fato demonstra o pouco espaço dado a essa área do conhecimento que é fundamental na formação dos(as) professores(as) que atuarão nessa etapa.

Apesar das dificuldades expressas, podemos elencar alguns avanços nessa trajetória. Um exemplo é o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) que traz novos contornos para a política de formação no Brasil. A meta 15 propõe “garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam”.

A meta 16 prevê “formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino”.

As novas definições sobre a Educação Infantil, elencadas na meta 1, que propõe "universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE", imprimem novos desafios para essa formação. Com relação à formação, essa meta tem, em suas estratégias 1.8 e 1.9, as seguintes proposições: "promover a formação inicial e continuada dos (as) profissionais da educação infantil, garantindo, progressivamente, o atendimento por profissionais com formação superior" e "estimular a articulação entre pós-graduação, núcleos de pesquisa e cursos de formação para profissionais da educação, de modo a garantir a elaboração de currículos e propostas pedagógicas que incorporem os avanços de pesquisas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem e às teorias educacionais no atendimento da população de 0 (zero) a 5 (cinco) anos". Sendo assim, o PNE anuncia novos desafios e proposições para a formação dos(as) profissionais, fato que pode ser considerado um avanço, ao prever articulação entre os níveis de ensino, com os núcleos de pesquisas e com os contextos das práticas dos(as) professores(as).

Assim, ao refletirmos sobre os caminhos para a formação dos(as) professores(as), consideramos fundamental a implementação e a concretização de políticas e propostas articuladas para a área, mas também não podemos esquecer que essa formação vai além daquelas vivências nos cursos de formação. Acreditamos que tornar-se professor(a) é um processo que envolve as experiências que o(a) educador(a) vai construindo a partir de elementos trazidos de suas histórias de vida, de formação e profissão (TARDIF, 2002). A formação do(a) educador(a) se constitui parte integrante da profissão docente, não devendo, portanto, ficar restrita à sua formação inicial, mas, sim, realizada também em sua prática cotidiana, ou seja, a partir de questões que emergem do contexto no qual seu fazer se concretiza.

Por ser um processo dinâmico, entendemos que essa formação deve ser concebida também no ambiente de trabalho, a partir de uma contínua reflexão com o coletivo de profissionais da escola. Entretanto, isso não se dá de maneira automática, mas como parte de um processo complexo de autoconsciência, consciência do mundo ao redor, o que implica a transformação de si e dos demais (LIBERALI, 2008). Nessa perspectiva, a linguagem precisa ser compreendida como categoria central nos processos de formação de professores. A esse respeito, Kramer (2003, p. 101) nos ajuda a compreender que a formação de professores deve pautar-se em um campo interdisciplinar, incorporando formas outras "de conhecimento além do lógico e racional, tais como propiciam a estética, a ética, a afetividade". Assim, ao buscarmos romper com uma concepção da linguagem cristalizada e caminharmos na busca de uma interação viva com a língua, poderemos pensar em novas ações, refletindo criticamente sobre elas. Nessa concepção, a linguagem é considerada expressão histórica, ativa e significativa e não apenas reprodutora de discursos.

Pensando na linguagem como categoria importante na formação de professores, Nunes e Kramer (2013, p. 47) nos ajudam a compreender como esta torna-se imprescindível: "A linguagem é material e instrumento de ação no mundo e com o outro. Ao agir, produzimos discursos e somos por ele produzidos. É com a linguagem que os sujeitos se relacionam com a cultura, produzem significados nas interações que estabelecem".

A partir dos princípios expostos neste texto e que fundamentam nossa concepção de formação, apresentaremos a seguir um recorte de uma pesquisa realizada no interior do GP LICEDH. Nosso grupo de pesquisa configura-se por fomentar espaços de formação de professores, tendo por referência os conceitos de colaboração e de transformação discutidos por Magalhães (2004). Nessa perspectiva, buscamos atuar na formação de profissionais da Educação Infantil, criando contextos de reflexão crítica, envolvendo os(as) participantes em um movimento de ressignificação e de reconstrução de suas práticas.

UMA EXPERIÊNCIA DE PESQUISA/ FORMAÇÃO NA CRECHE: POSSIBILIDADES PARA SE PENSAR A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DAS CRIANÇAS PEQUENAS

Ao analisar os dados produzidos em umas das pesquisas realizadas no Grupo de Pesquisa Linguagem, Infâncias, Cultura, Educação e Desenvolvimento Humano (LICEDH), tivemos a oportunidade de problematizar a questão da formação dos professores, e, principalmente, de vivenciar uma possibilidade de articular os processos de formação em contexto a partir de uma pesquisa desenvolvida na creche.

A pesquisa intitulada "O choro de bebês como linguagem: um estudo sobre a formação de educadoras/educadores nas creches públicas do município de Juiz de Fora/MG " Esta pesquisa foi coordenada pela professora Drª Núbia Schaper Santos da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG teve como objetivo problematizar o choro dos bebês e as relações tecidas a partir dele entre educadoras e bebês e entre eles próprios em uma creche pública/conveniada do município de Juiz de Fora- MG.

A pesquisa foi alicerçada na Pesquisa Crítica de Colaboração- PCCOL (MAGALHÃES, 2004), por acreditarmos em um movimento de investigação que visa ao encontro com o outro, por meio de ações colaborativas, nas quais os(as) participantes contribuem mutuamente na construção do conhecimento, por meio da reflexão crítica.

Nesse quadro, colaborar, seja em relação ao pesquisador, ao professor, ao coordenador ou ao aluno, significa agir no sentido de explicar, tornar mais claro seus valores, representações, procedimentos e escolhas, com o objetivo de possibilitar aos outros participantes questionamentos, expansões, recolocações do que está em negociação. Dessa forma, o conceito de colaboração, envolvido em uma proposta de construção crítica do conhecimento, não significa simetria de conhecimento e/ou semelhança de ideias, sentidos, representações e valores (MAGALHÃES, 1997, p.173).

A investigação aconteceu em dois movimentos distintos. No primeiro ano da pesquisa, participamos do cotidiano dos dois berçários Bolsistas e pesquisadoras se revezavam nesta atividade. da instituição, observando e interagindo com as professoras e bebês. Das experiências advindas desses momentos, foram produzidas notas de campo, a fim de registrar e organizar a parte posterior da pesquisa. No segundo ano, a partir dos dados produzidos nas observações, foram organizadas sessões reflexivas Encontros de discussão. com as professoras dos berçários, visando possibilitar momentos de reflexão crítica sobre o cotidiano da creche. As sessões eram organizadas pautadas nas notas de campo produzidas e nas questões trazidas pelas professoras, problematizando temas pertinentes ao cotidiano da creche, discussão que tinha como tema disparador o choro dos bebês, mas que era tangenciada por outras discussões durante o processo de formação.

Assim, instauramos um processo de formação continuada no contexto da creche, buscando, no diálogo ativo e na discussão reflexiva, a construção de “pontes” entre as práticas das professoras e as teorias que embasam o trabalho com crianças pequenas, levando à reflexão sobre como os saberes-fazeres se materializam e podem contribuir com o trabalho educativo na instituição.

Apesar do tema central da investigação no primeiro momento ser o "choro como linguagem dos bebês na creche", muitas vezes as discussões se direcionavam para outras abordagens, indo ao encontro das inquietações trazidas pelas professoras, que usavam aquele momento com um lugar de desabafo e de escuta, diante da dura carga horária de trabalho É preciso salientar que as professoras das creches públicas/conveniadas do município de Juiz de Fora ainda não estão inseridas no quadro de carreira dos professores da rede municipal, ou seja, com uma carga de trabalho de 40 horas semanais, não possuem um tempo destinado à formação continuada dentro de sua carga horária. e da ausência de outros espaços de diálogo e formação.

Dentre os temas problematizados, estava o choro dos bebês, tema central da pesquisa, e outras questões, tais como relação cuidado- educação, linguagens da infância, condições de trabalho das professoras e relações institucionais. Embora as professoras fossem muito receptivas à pesquisa, não há como negar que as condições de trabalho e a falta de valorização financeira e profissional imprimiam implicações para o movimento da pesquisa, mudando não só o nosso foco, mas também o nosso olhar diante da realidade da creche.

Outro desafio refere-se à organização da rotina da creche, impossibilitando que todas as professoras da creche pudessem participar da formação, já que o processo era realizado dentro do período de trabalho, de acordo com o tempo possibilitado pelas coordenadoras responsáveis pela instituição. Desse modo, podemos afirmar que o processo de pesquisa instaurou um movimento de formação que, apesar dos atravessamentos, permitiu às participantes refletirem sobre suas práticas e sobre seus posicionamentos diante do cotidiano da creche, buscando possibilidades outras de olhar, agir e transformar. Foi um processo de aprendizagem e formação mútua para professoras e pesquisadoras.

PERSPECTIVAS PARA UM CAMPO EM CONSTRUÇÃO

Ao pensarmos nas perspectivas para o campo da pesquisa e da formação de professores de crianças pequenas, é necessário ultrapassar muitos desafios e entraves que ainda se apresentam nesse percurso. Dentre eles, destacamos a necessidade de se articular a formação de professores com as experiências docentes e as realidades advindas dos contextos de trabalho, compreendendo que tal formação se faz via processos reflexivos (NÓVOA, 1992; SCHON, 1992).

Reafirmamos, assim, a necessidade de compreender o campo das pesquisas e da formação inicial e continuada de professores de crianças pequenas como interdisciplinar, devendo buscar um movimento de aproximação e diálogo entre teoria-prática nos diversos campos de conhecimento. Nessa direção, as políticas públicas para as infâncias devem integrar os processos de formação e pesquisa, em interação com os contextos, visando à tão almejada qualidade do atendimento educacional das crianças de 0 a 5 anos, em creches e pré-escolas.

Compreendemos a importância da formação inicial e continuada dos(as) profissionais que trabalham com crianças pequenas, enfatizando a necessidade de reflexão crítica acerca das questões vivenciadas. Acreditamos que essa formação somente fará sentido a partir da relação dialética entre a teoria e os saberes/fazeres da prática educativa. Nesse caminho, a pesquisa, em diálogo com a formação, tem muito a contribuir. Acreditamos ser no diálogo entre a teoria, a prática e a pesquisa que podemos consolidar uma formação docente realmente significativa para o processo educativo das crianças pequenas.

REFERÊNCIAS

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