PROJETO DE DESENVOLVIMENTO DO GOVERNO LULA DA SILVA E OS EMBATES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Resumo: O trabalho discute o projeto de desenvolvimento proposto pelo governo Lula da Silva (2003-2010) e, em seguida, busca compreender as contradições das políticas e programas de expansão da educação superior implementados tanto para as instituições públicas como para as instituições privadas-mercantis, ao partir da premissa que a educação superior nesse governo teve papel destacado na estratégia de desenvolvimento tanto na área econômica como na área social. Para tal fim, utilizou-se da análise bibliográfica e documental. Verifica-se que as divisões existentes dentro do Estado refletem os embates da sociedade na disputa por um projeto hegemônico de desenvolvimento e pela repartição dos recursos públicos.
Palavras-chave: governo Lula da Silva; projeto de desenvolvimento; público e privado
Discutir o projeto de desenvolvimento econômico/social proposto pelo governo Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010) traduz-se em uma tarefa árdua, na medida em que se verifica uma heterogeneidade de forças que formaram sua base eleitoral e governamental, como também, a complexidade do processo de acomodação e de negociação dessas forças na consolidação dos dois mandatos.
Refletir a estratégia de desenvolvimento constitui-se em um debate fundamental porque serão definidos os planejamentos (a curto, médio e longo prazo), os setores prioritários, os meios e os modos que deverão ser utilizados para vencer o atraso econômico e a desigualdade social.
Nessa direção, constata-se que somente a partir de 1930, foram propostos projetos de superação do subdesenvolvimento do país pela via do crescimento econômico mediante a modernização da industrialização. O chamado velho-desenvolvimentismo iniciou-se com Getúlio Vargas e foi adotado pelos governos subsequentes até o final do regime militar que teve como principal objetivo, alcançar o desenvolvimento por meio da industrialização e, em segundo plano, diminuir as desigualdades sociais.
Os anos de 1980 encerrou o chamado ciclo desenvolvimentista e foi cunhado como a ‘década perdida’ da economia, no cenário do significativo impacto da crise da dívida externa e da globalização financeira. Foi também um período de intensa disputa política, com forte movimento social de massa com a criação da Central Única dos Trabalhadores, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do processo de construção do Partido dos Trabalhadores (PT). Nessa década, o país restaurou o Estado de direito, vivenciou as disputas no Congresso Constituinte (1987) e foi outorgada a nova Constituição (1988).
Nos anos de 1990, a eleição de Collor de Mello (1990-1992) representou uma significativa vitória na composição do bloco de poder que defendia as propostas neoliberais. A eleição de Fernando Henrique Cardoso – FHC, no primeiro mandato (1995-1998), viabilizou a efetiva inserção do Brasil na nova divisão internacional do trabalho ao adequar o país aos novos padrões globais de acumulação capitalista sob a orientação da reforma gerencial de Estado (CASTELO, 2012). A adesão a essa nova agenda permitiu a construção de um ‘novo consenso’ mediante reformas ditadas principalmente pelos interesses do capital financeiro.
A partir dos anos 2000, vários intelectuais e políticos passaram a defender a retomada de um novo-desenvolvimentismo por meio do protagonismo do crescimento econômico com a inclusão social, no contexto das eleições de 2002 que levaram Lula da Silva à presidência da República em 2003.
O trabalho tem por objetivo discutir o projeto de desenvolvimento proposto pelo governo Lula da Silva e, em seguida, compreender as contradições e as opções das políticas e programas de expansão da educação superior implantados tanto para as instituições públicas como para as instituições privadas-mercantis, ao partir da premissa que a educação superior nesse governo teve papel destacado na estratégia de desenvolvimento tanto na área econômica como na área social.
A EMERGÊNCIA DA PROPOSTA DE UM NOVO MODELO DE DESENVOLVIMENTO E SEUS LIMITES NO CONTEXTO DA ELEIÇÃO PARA O NOVO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Os defensores das políticas neoliberais argumentam que as estratégias implantadas nos anos de 1990 no Brasil foram exitosas, principalmente, no que se refere ao controle inflacionário e na política de estabilização econômica relativa. Já os críticos dessas políticas, ponderam que: a taxa média de crescimento da economia dos anos 90 foi inferior à década de 1980, bem como a taxa de investimento com proporção do PIB; as taxas desemprego subiram; a distribuição funcional da renda piorou; a riqueza no país concentrou e; em 1999, ocorreu ainda, a chamada crise cambial.
Nesse cenário de crise econômica e social, inicia-se a emergência da proposta de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil. Porém, durante a campanha para eleição presidencial, verifica-se uma mudança no discurso do candidato Lula da Silva em relação ao novo modelo desenvolvimento. Para ilustrar esse processo, três documentos da campanha são significativos. No documento “Concepção e diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil: Lula 2002” propõe-se a construção de um novo modelo de desenvolvimento ao defender a ruptura
com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na conseqüente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado. Trata-se, pois, de propor para o Brasil um novo modelo de desenvolvimento economicamente viável, ecologicamente sustentável e socialmente justo. [...] Não pode restar dúvida de que um governo democrático e popular precisará operar uma efetiva ruptura global com o modelo existente (2002, p.1 e p. 5).
Já no “Programa de Governo de 2002: um Brasil para todos” relativiza-se a ruptura ao declarar a necessidade de uma transição do modelo de desenvolvimento vigente para a construção de um ‘modelo alternativo’. Assim, afirma que
o problema de fundo é que o atual governo colocou o Brasil num impasse financeiro, que nos obriga, com freqüência, a contrair empréstimos novos para pagar empréstimos velhos. A superação desses obstáculos à retomada do crescimento acontecerá por meio de uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. [...] O nosso governo não vai romper contratos nem revogar regras estabelecidas (2002, p.10-11).
Na famosa “Carta aos brasileiros” (2002) reforça-se a importância do processo de transição, reafirma-se o compromisso com a garantia dos contratos firmados anteriormente e clama-se para a importância da construção de uma ampla negociação nacional mediante um ‘novo contrato social’ que permitiria a ‘convivência de interesses conflitantes’ em torno de um projeto nacional comum para a saída da crise brasileira. De acordo com a carta,
o novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo [...]. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país (2002, p. 3).
Em primeiro de janeiro de 2003, Lula da Silva assumiu a presidência do país e, no seu primeiro mandato, em nome do ‘novo contrato social’ e da governabilidade, optou por não implementar as mudanças esperadas nas áreas política e econômica que poderiam ter enfrentado a hegemonia exercida pelo capital financeiro, frustrando parte da sociedade brasileira.
OS PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO EM DISPUTA NO GOVERNO LULA DA SILVA (2003-2006/ 2007-2010)
Na ótica dos defensores do governo Lula da Silva, no primeiro mandato (2003-2007), foi necessário à continuidade das políticas dos governos anteriores para realizar os ajustes considerados indispensáveis, acalmar as forças conservadoras e criar as condições para os avanços prometidos. No segundo mandato, de acordo ainda com os apoiadores desse governo, foi possível o rompimento com o modelo neoliberal, principalmente, com as políticas do governo FHC, inaugurando um novo ‘ciclo virtuoso’ de crescimento econômico com redistribuição de renda, iniciando o chamado novo-desenvolvimentismo. Figueiras explica que de acordo com essa visão, foi possível a construção de uma nova fase de crescimento devido:
1- retomada da participação do Estado na condução do processo econômico (planejando, investindo diretamente ou através das empresas estatais e induzindo investimentos do setor privado); 2 - ampliação da oferta de crédito que, juntamente com a política de aumentos reais do salário mínimo e a política social (em especial a Bolsa-Família), propiciaram uma melhor distribuição de renda e com isso uma maior participação do mercado interno no crescimento econômico; e 3- a reorientação da política externa, em particular a política de comércio exterior, que permitiu a ampliação e a diversificação (destino e natureza dos produtos) das exportações brasileiras. Em suma, o “novo momento” teria sido, fundamentalmente, mérito e resultado da nova política econômica adotada, que, adicionalmente, também expressou uma redefinição do modelo econômico anterior (2010, p. 36).
Por outro lado, os críticos de oposição à direita do governo de Lula da Silva defendem que o crescimento econômico ocorrido no segundo mandato (2007-2010), somente foi possível, porque se optou pelo prosseguimento das políticas neoliberais do governo de FHC (metas de inflação, elevados superávits fiscais primários e câmbio flutuante), permitindo ao capitalismo brasileiro tornar-se mais competitivo, além da conjuntura internacional significativamente favorável naquele momento.
Para além da análise entre ‘petistas’ e ‘tucanos’, sobre os possíveis fatores que levaram ao crescimento econômico nesse período, Figueiras (2010), numa perspectiva a esquerda desse debate, discute a natureza da estrutura e da dinâmica do capitalismo brasileiro, ao afirmar a existência dos seguintes elementos:
1. A linha de continuidade entre os dois governos em relação ao modelo econômico e da política macroeconômica constituem uma unidade impossível de ser separada;
2. a existência de uma conjuntura internacional favorável diminuiu a restrição externa da economia e permitiu a flexibilização (termos de grau) da política macroeconômica (abaixar a taxa de juros, expansão do crédito e maiores gastos de investimento pelo Estado) possibilitando: aumento dos gastos com a política social focalizada (Bolsa-Família), diminuição da pobreza, crescimento real do salário mínimo, diminuição das taxas de desemprego, ampliação do mercado interno, pequena melhora da distribuição funcional da renda e crescimento da economia.
3. A flexibilização acompanhada da forte presença do Estado na economia por meio das empresas estatais (Petrobras, bancos oficiais) e dos fundos de pensão permitiu modificar lentamente o bloco de poder político dominante, ou seja, juntou-se a hegemonia financeira-exportadora (bancos e agronegócio), os segmentos nacionais do grande capital, articulados por dentro do Estado;
4. A chamada volta do Estado na economia recriou
o tripé capital internacional/Estado/capital nacional, agora sob a hegemonia do capital financeiro (internacional/nacional) e de sua lógica, com reforço e internacionalização de grandes grupos econômicos nacionais. Mais uma vez, coerentemente com a trajetória histórica do capitalismo retardatário brasileiro, o capital privado nacional vai a reboque do Estado – que se mostra peça fundamental na organização e legitimação do bloco de poder dominante. É a isto que se vem chamando de “novo desenvolvimentismo”, que, tal como o velho, sintetiza o capitalismo possível de existir na periferia do capitalismo na “era imperialista”, cujas características fundamentais são: dependência tecnológica-financeira, concentração de renda, exclusão social e democracia restrita.” (FIGUEIRAS, 2010, p. 38-39).
5. O consentimento dos setores subalternos, a cooptação do sindicalismo e dos movimentos sociais mediante o atendimento marginal das demandas sociais possibilitou
a Lula acomodar e compatibilizar interesses potencialmente conflitantes. De um lado, os juros, os lucros e rendas das frações do grande capital financeiro/agronegócio/empresas estatais/fundos públicos/grandes grupos nacionais/ e de outro, a ampliação do crédito para segmentos da população com menor renda, os aumentos reais do salário mínimo e a ampliação da política social focalizada” (FIGUEIRAS, 2010, p. 39).
Já na análise de Magalhães, deve-se reconhecer que o governo Lula da Silva caracterizou-se
por uma ambivalência no que se refere ao desenvolvimento econômico. [...]. Sempre existiu, em sua assessoria econômica, um importante núcleo desenvolvimentista, que, inclusive, em 2008-2009, passou a ocupar postos tão importantes quanto o Ministério da Fazenda, o BNDES e a Secretaria de Assuntos Estratégicos, com seu altamente qualificado órgão de pesquisa, o Ipea. E este, em seus trabalhos e publicações, revelou uma opção claramente desenvolvimentista. Na verdade, contudo, o núcleo neoliberal conquistado no Banco Central manteve sempre o comando da economia (2010, p. 28).
Também nessa direção, Bastos afirma que
o governo Lula abrigou a convivência tensa entre os fiadores da credibilidade financeira junto aos mercados, que prometiam entregar o Real forte e a inflação fraca, Palloci e Meirelles, e grupos políticos mais identificados ao ideário do desenvolvimento industrial e/ou de expansão dos direitos sociais e trabalhistas. A subordinação dos segundos aos primeiros esteve na própria origem da composição de governo, em meio ao terrorismo de mercado que marcou a campanha presidencial de 2002 (2012, p. 798).
Para além das divergências e tensões presentes na equipe do governo Lula da Silva em relação às políticas, opções e prioridades para promover o desenvolvimento econômico e social do país, deve-se ressaltar que o desenvolvimentismo não é um
um corpo teórico propriamente dito, mas uma interpretação peculiar do desenvolvimento brasileiro e latino-americano, à qual se associou um conjunto variado de políticas econômicas de natureza intervencionista, portanto antiliberal, mas com matizes muito diferenciadas ao longo de vários momentos históricos e por diferentes países (CARNEIRO, 2012, p.750).
O chamado retorno do desenvolvimentismo no Brasil pode ser estruturado em duas visões: o novo-desenvolvimentismo e o social-desenvolvimentismo (CARNEIRO, 2012). De acordo com Oreira, o conceito do novo-desenvolvimentismo foi elaborado a partir dos trabalhos de Bresser-Pereira. De modo geral, no novo-desenvolvimentismo defende-se
um conjunto de propostas de reformas institucionais e de políticas econômicas, por meio das quais as nações de desenvolvimento médio buscam alcançar o nível de renda per capita dos países desenvolvidos. Essa estratégia de “alcançamento” baseia-se explicitamente na adoção de um regime de crescimento do tipo export-led, no qual a promoção de exportações de produtos manufaturados induz a aceleração do ritmo de acumulação de capital e de introdução de progresso tecnológico na economia. [...] No “modelo novo-desenvolvimentista”, portanto, o crescimento econômico é “puxado” pelas exportações e sustentado pelo investimento privado e público na expansão da capacidade produtiva e na infraestrutura básica (2012, p. 29).
Bastos (2012) visando entender as duas correntes, ‘novo-desenvolvimentismo’ e ‘social-desenvolvimentismo’, denomina a primeira de ‘desenvolvimentismo exportador do setor privado’ e a segunda de ‘desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado’. Segundo o autor, os “dois agrupamentos não são homogêneos internamente, mas foram ou são vinculados a políticos e intelectuais orgânicos com capacidade de aglutinação e liderança” (BASTOS, 2012, p. 784). Para o autor,
o primeiro grupo saiu do próprio seio do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e mantém relação com bandeiras históricas do partido (a valorização do setor privado, a reforma do Estado, o apoio às privatizações, a contenção do crescimento do gasto social), mas sempre foi crítico da gestão macroeconômica operada pelo governo FHC. [...]. Durante o governo tucano, o grupo era identificado à ala “desenvolvimentista” que defendia a indústria local contra o “monetarismo” (BASTOS, 2012, p. 784).
Em relação a segunda corrente, ‘desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado’, as ideias que a unificam são “a ênfase no mercado interno e no papel do Estado para influenciar a distribuição de renda e a alocação de investimentos” (BASTOS, 2012, p. 794). O termo ‘social- desenvolvimentismo’ foi proposto inicialmente em 2007 por Guido Mantega.
Essa corrente elegeu como prioridade para o desenvolvimento brasileiro a distribuição da renda, as políticas sociais e a redução da pobreza mediante a ampliação do mercado de consumo de massas. Porém, Bastos (2012) chama a atenção que é significativo que esse conjunto de medidas “tenha sido proposto apenas em meados do segundo governo de Lula e pouco mais de dois anos depois da desaceleração de 2004-5, ainda que seus temas fossem apresentados no programa de governo de Lula na campanha presidencial de 2002” (2012, p. 794). Esse descompasso entre o discurso da campanha e a demora pela ação sugere a existência dos embates travados tanto dentro da equipe governamental como da base social de apoio e da militância na disputa para a implantação de políticas e de programas sociais que objetivassem a diminuição das desigualdades sociais.
AS POLÍTICAS DE EXPANSÃO PARA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO GOVERNO LULA DA SILVA: O PÚBLICO VERSUS O PRIVADO
Apesar de o Brasil ter melhorado os índices de pobreza, sobretudo, no segundo mandato de Lula da Silva (2007-2010) mediante, por exemplo, o aumento do salário mínimo acima da inflação, a consolidação do programa Bolsa Família, a ampliação dos serviços públicos básicos, a expansão do crédito popular, o Programa de Aceleração da Economia, o país continua ainda, entre os países mais desiguais do mundo. A desigualdade social expressa à exclusão da maioria da população brasileira dos direitos sociais e, dentre eles, o direito a educação superior. No ano de 2013, a taxa de escolarização bruta nesse nível de ensino, encontrava-se ainda no patamar de 30,5%. Esse índice está distante de muitos países, inclusive, da América Latina com PIB e renda per capita menores.
A expansão da educação superior articula-se diretamente com o ‘modelo’ do Estado brasileiro e com a opção do ‘modelo’ de desenvolvimento socioeconômico, pois, “nenhuma política de Estado explica-se por si mesma” (SGUISSARDI, 2014, p. 11). Assim, pode-se afirmar que o
Estado é um espaço de contradição, no âmbito do qual se contrapõem ou se associam interesses privados, privados-mercantis e públicos. Em cada momento histórico e a depender do grau de democracia representativa, direta ou indireta, vigente nesse Estado, tendem a prevalecer ora uns, ora outros. (SGUISSARDI, 2014, p. 12).
Nessa direção, defende-se que a política de expansão da educação superior vem se caracterizando em nosso país pela ambiguidade do caráter público, privado e/ou privado-mercantil que expressa à correlação de forças em disputa tanto pelos interesses das classes econômica e politicamente dominantes como das classes sociais dominadas.
Durante o período de 1995 a 2013, apesar da importante expansão das universidades federais e dos Institutos federais Em 29 de dezembro de 2008, Lula da Silva sancionou a Lei 11.892/08 que criou “38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET), a partir da adesão de 75 instituições, dentre as 102 que poderiam optar. Os IFs foram compostos por todas as Escolas Agrotécnicas, 31 dos 33 CEFETs e 8 das 32 Escolas Vinculadas”. (ONTRANTO, 2011, p. 10). O objetivo da criação dos IFETs é de ofertar ensino médio integrado ao profissional, cursos superiores de tecnologia, bacharelado em engenharias e licenciaturas., sobretudo, no governo Lula da Silva, ocorreu um crescimento exponencial da rede privada com fins lucrativos De acordo com Sguissardi (2014), apenas 12 ‘mantenedoras’ são ‘proprietárias’ de cerca de 40% das matrículas do setor privado-mercantil. Ainda de acordo com o autor, os 12 maiores grupos educacionais com fins lucrativos no país são: Kroton, Anhanguera, Estácio, Unip, Laureate, Uninove, Unicsul, Anima, Ser Educac., Whitney, Devry e Tiradentes. Esse cenário demonstra a mercadização/mercantilização da educação com a abertura do capital das IES no mercado de ações.. A oferta da educação superior, em 2013, encontra-se majoritariamente na rede privada que concentra 73,5% das matrículas, enquanto a rede pública reúne somente 26,5%. Nesse mesmo ano, as matrículas nas universidades federais atingiram somente 13,9% do total (MEC-INEP 1995 e 2013).
Também nesse mesmo período (1995-2013), as matrículas (presencial e a distância) nas Instituições de ensino superior (IES) tiveram um aumento de 315%. Nas IES privadas, as matrículas cresceram 407%, nas IES públicas (federais, estaduais e municipais) expandiram 176% e, somente, nas Universidades Federais cresceram 188%. (MEC-INEP 1995 e 2013).
Vale ressaltar que a opção da expansão da educação superior pela via das IES privadas ocorreu, sobretudo, no período da ditadura militar, pois, em 1964, aproximadamente 60% das matrículas encontravam-se na esfera pública e 40% na privada e, no final desse período, verificou-se uma inversão, 40% das matrículas passaram a localizar-se nas instituições públicas e 60% a integrar as instituições privadas (AMARAL, 2009). Também cabe dizer que o fenômeno da privatização mercantilizada da oferta desse nível de ensino teve suas raízes fortalecidas principalmente
No final dos anos 1990 com as determinações legais da LDB e de seus decretos regulamentadores. [...] Este instrumental jurídico, por seu turno, alicerçava-se com solidez em contexto muito bem demarcado da economia mundial e nacional – de substituição do Estado do Bem Estar ou do Estado Nacional-Desenvolvimentista, em crise, pelo chamado neoliberalismo – com decidida adesão ideológica e política de dirigentes e empresários de nosso país às teses ultraliberais e receituários econômicos-políticos enfeixados e disseminados pelo Consenso de Washington (SGUISSARDI, 2014, p. 92).
Em relação especificamente ao processo de expansão das universidades federais, no governo Lula da Silva (2003-2010), de 45 instituições existentes passou para 59, representando um aumento de 31%, além da expansão “de 148 campi para 274 campi/unidades, com um crescimento de 85%” (SOARES, 2013, p. 5). A interiorização das novas universidades e dos campi “proporcionou uma elevação no número de municípios atendidos: de 114 para 272, com um crescimento de 138%” (SOARES, 2013, p. 5). Deve-se ressaltar que as novas universidades e os novos campi se situam, na sua maioria, no interior dos estados, com destaque para as regiões Norte e Nordeste. De acordo com Ristoff (2013), em 2010, enquanto o setor privado cresceu 6,9% no número de matrículas na educação superior, o setor público atingiu 7,8%.
Em relação à expansão da educação superior pública, destacou-se no governo Lula da Silva: o Programa Expandir (2006); a criação da Universidade Aberta do Brasil – UAB (2006); a ampliação da Rede Federal de Educação Tecnológica e Profissional, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras - REUNI (2007); Programa Nacional de Assistência Estudantil Carvalho explica que o PNAES foi instituído no âmbito do REUNI para minimizar as dificuldades dos estudantes provenientes
das camadas sociais mais pobres da população visando promover o acesso e a permanência na educação superior. Assim, o programa prevê que as IFES “participantes poderiam usar as verbas orçamentárias para alimentação, transporte, moradia, apoio pedagógico, inclusão digital, assistência à saúde, cultura, esportes e creche” (2014, p. 236).(PNAES). De acordo com Carvalho,
A agenda governamental destinada à expansão da educação superior do governo Lula não foi implementada em sua totalidade. Houve inúmeras resistências dos atores governamentais, sobretudo do Ministério da Fazenda na direção de contenção de gastos públicos, e dos atores sociais. (2014, p. 241).
Dantas e Sousa Junior (2009) ressalta que apesar das críticas que se possa ter ao caráter gerencialista dos programas Expandir, UAB e REUNI, verificou-se uma nova postura na expansão da educação superior pela via da universidade pública Dantas e Souza Junior compreendem que a educação ‘pública’ promovida no governo Lula da Silva implicou em dois aspectos: “Por um lado, ela está profundamente marcada pela manutenção de uma concepção gerencialista de administração escolar, herdada em grande parte do governo anterior, no sentido de se buscar uma educação “de resultados” e do caráter regulatório do sistema educacional. Por outro, manifesta uma inegável tendência de crescimento e expansão com maior aporte de recursos públicos. Esse caráter ambivalente pode permanecer por tempos ou, no entanto, pode oscilar em favor de um ou de outro pólo” (2009, p. 15).
O REUNI foi instituído por meio do Decreto Presidencial n.º 6.096/2007 com o objetivo de ampliar o acesso à educação superior pública federal com vigência no período de 2008-2012. Esse programa possibilitou a expansão expressiva de novos campi, criação de novos cursos e a expansão de novas vagas, principalmente no interior do país, tanto nas novas universidades federais como nas universidades consolidadas. A opção pela expansão mediante a interiorização dos campi, em regiões prioritariamente não metropolitanas, de acordo com o governo objetivou a inclusão de grupos historicamente desfavorecidos, a formação de mão de obra necessária ao crescimento e ao desenvolvimento regional e a fixação da população nas áreas de origem.
O governo Lula da Silva viabilizou também a expansão da educação superior privada mediante o Programa Universidade para Todos De acordo com Dantas e Sousa Junior, “o programa criou, inicialmente, 116.339 novas vagas para estudantes de baixa renda, com oferta de 112.275 bolsas integrais e parciais, além das 4.064 bolsas reservadas pelas instituições filantrópicas de ensino. No PROUNI, foram incorporadas políticas de ações afirmativas, através da oferta de 49.484 bolsas no sistema de cotas étnico-raciais” (2009, p. 9).(ProUni), que concede bolsas integrais e parciais para estudantes de baixa renda e do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que disponibiliza financiamento para estudantes de baixa renda O FIES foi criado pela MP nº 1.827, de 27/05/99. Em 2004, a legislação sobre o FIES foi alterada para incluir o critério raça/cor entre as variáveis que compõem o cálculo do índice de classificação dos estudantes a serem contemplados.". Para Sguissardi, tais programas ignoram “as fronteiras entre o público e o privado; [...] mas principalmente, entre o público e o privado-mercantil” (2014, p. 99). Apesar de o governo anunciar os dois programas como importantes instrumentos de democratização para o acesso à educação superior, os programas são criticados devido ao significativo investimento da expansão do acesso pelas IES privadas e, principalmente, privadas-mercantis em detrimento do fortalecimento e da expansão pelas IES públicas.
Em relação à expansão do ensino superior, Carvalho conclui que a partir da
análise dos dados orçamentários destinados ao segmento federal no governo Lula foi possível depreender que a continuidade do padrão de financiamento, vigente nos primeiros anos, deu lugar à retomada do papel de agente indutor do Estado brasileiro no financiamento do segmento federal. [...] Quanto ao segmento particular, os instrumentos existentes permaneceram no horizonte da política pública com o reforço da desoneração tributária às IES que aderiram ao Prouni. Depreende-se que a principal característica do financiamento à oferta foi ampliar o escopo, de modo a contemplar as duas faces do sistema de educação superior (2014, p. 242).
Não resta dúvida que nesse governo ocorreu um crescimento significativo da rede federal de educação superior. Porém, conserva-se ainda uma diferença desproporcional na oferta do ensino entre as esferas pública e privada, o que indica a necessidade de investimentos constantes pelo Estado para a diminuição desses patamares. O ProUni e o Fies constituem em políticas sociais focalizadas que buscam assegurar vagas em instituições privadas e privadas-mercantis que por suas próprias limitações ou fins não contribuem para alterar as históricas desigualdades sociais existentes no país, apesar de contribuir para a ampliação o acesso nesse nível de ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O governo Lula da Silva viabilizou a administração de interesses conflitantes nos dois mandatos, com destaque para o grupo mais próximo dos preceitos neoliberais e, de outro, do grupo defensor do desenvolvimentismo, principalmente, com ênfase no crescimento econômico com inclusão social.
Também se destacou na conformação de um novo pacto social entre os setores dominantes, os movimentos sociais e as classes dominadas que permitiram a chamada governabilidade, ao conceder benefícios para os grandes grupos econômicos e, ao mesmo tempo, propiciar a diminuição das desigualdades sociais mediante políticas sociais nos limites da sociedade capitalista brasileira. Tal direção impactou diretamente nas políticas e programas de expansão da educação superior.
A promessa da continuidade do chamado ‘ciclo virtuoso’ pelo modelo de desenvolvimento proposto pelo governo Lula da Silva por meio do crescimento econômico com diminuição das desigualdades sociais esbarram nas próprias contradições engendradas pelo sistema capitalista periférico brasileiro. A supremacia dos interesses rentistas que influenciam a política monetária, cambial e fiscal impõe limites e prazos para a continuidade das políticas e programas que visam diminuir as desigualdades sociais, dentre elas, do acesso à educação superior.
Em relação à expansão da educação superior, o governo Lula da Silva manteve a ambiguidade de conceder ganhos tanto as IES privadas-mercantis quanto de ampliar a rede federal, inclusive, com a criação de instituições federais fora dos grandes centros, levando o acesso à educação superior para uma população carente que dificilmente teria condições de estudar.
As políticas de redistribuição de renda, dentre elas, as políticas de acesso e permanência à educação, para permitirem uma transformação social significativa necessitam ser universais e de longo prazo. Para que isso possa ocorrer, torna-se necessário a defesa de um projeto de desenvolvimento que tenha o ‘social’ como prioritário na partilha dos recursos públicos.
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