A INSERÇÃO DA EAD NOS CURSOS PRESENCIAIS DE GRADUAÇÃO DO BRASIL: LÓGICAS DE GESTÃO NA REDE PÚBLICA E PRIVADA

Resumo: Esta comunicação dá continuidade à pesquisa sobre a inserção de 20% de disciplinas a distância na carga horária total dos cursos de graduação presenciais, a partir a Portaria 4.059/2004 do MEC, seguindo a abordagem do ciclo de políticas de Ball e Bowe. O presente texto se situa no contexto da prática reunindo resultados de pesquisas bibliográficas feitas pela equipe sobre a implantação dessa portaria em instituições privadas e em duas instituições públicas, incluindo a experiência da Universidade Federal de Mato Grosso, uma pioneira em EaD. Enquanto o relato da UFMT obedece a uma lógica pedagógica, constata-se que, nas instituições privadas, esta portaria tende a ser a base de seu planejamento gerencial/estratégico, sem que existam mecanismos específicos de avaliação de sua qualidade.

Palavras-chave: educação superior; educação a distância; gestão acadêmica.


INTRODUÇÃO

A educação a distância (EaD) se tornou uma estratégia privilegiada de expansão da educação superior a partir da segunda metade da década de 1990, após ser validada legalmente pela LDBEN/96. Os principais marcos regulatórios sobre essa modalidade educacional têm se centrado no credenciamento institucional para a oferta de cursos de graduação/ pós-graduação ou de formação inicial/continuada. Entretanto duas simples portarias do Ministério da Educação - Portaria 2.031/2001 e 4.059/2004  - abriram as portas dos cursos de graduação presenciais à entrada de disciplinas a distância ou nomeadas como semipresenciais, movimento que vem sendo caracterizado como “a invasão silenciosa dos 20%” (SEGENREICH, 2006a, 2009, 2014), tendo em vista que não existiam (e ainda não existem) dados estatísticos precisos sobre o número de disciplinas a distância oferecidos e o total de alunos envolvidos. Villela (2015), em pesquisa recentemente realizada, procurou mapear estes informações nos Microdados do Censo do Inep, disponibilizadas a partir de 2009. Entretanto ela somente obteve o número de instituições que ofereciam ou não este tipo de disciplina, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1- Crescimento da Oferta Acumulada – 2010 a 2012

Fonte: INEP, 2014 apud Villela, 2015, p. 36

Constatamos que, em um total de 31.866 cursos, 21% oferecem disciplinas online. Se levarmos em conta que cada instituição de educação superior (IES) pode oferecer várias disciplinas e que muitas delas recebem mais de 100 alunos, podemos ter uma primeira ordem de grandeza do contingente de professores, tutores e estudantes envolvidos. Com base, ainda, nos microdados do Censo de 2012 é possível afirmar que 511 instituições de ensino superior apresentam pelo menos um curso com oferta de disciplinas online.

Villela (2015) avalia, em função da taxa de variação dos cursos que já oferecem disciplinas online (17%) em relação aos demais, ou seja, cursos sem oferta de nenhuma disciplina nessa modalidade (4%), a possível existência de uma tendência para que os cursos presenciais ofereçam cada vez mais disciplinas online. Isto significa que estamos tratando de uma questão que atinge um grande número de estudantes e docentes

A presente comunicação objetiva analisar mais especificamente a lógica desta inserção das disciplinas de EaD nos cursos de graduação presenciais seguindo a abordagem do ciclo de políticas  de Ball e Bowe, apresentado por Mainardes (2006), adotada como eixo orientador desta linha de pesquisa. Dos três contextos propostos nesta abordagem (influência, produção do texto e práticas), os dois primeiros já foram trabalhados anteriormente (SEGENREICH, 2006, 2014). Mesmo o contexto das práticas já foi objeto de uma pesquisa bibliográfica exploratória, realizada a partir de experiências relatadas em congressos da área, todas elas em instituições do setor privado.

Este trabalho está centrado na análise de práticas institucionais em instituições de diferentes categorias administrativas com o objetivo de detectar a lógica que preside o processo de implantação dessas disciplinas, com ênfase na utilização de ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs). Este modelo de EaD foi destacado  no Parecer CNE/CES No 564/2015 que define  as Diretrizes e Normas Nacionais para a oferta de Programas e Cursos de educação Superior a Distância (BRASIL, 2015), aprovado em dezembro de 2015 e homologado em 10 de março de 2016 Apesar do parecer somente se referir a cursos e programas de EaD, estendemos suas deliberações à portaria 4.059/2004, por iniciativa própria..

Em um primeiro momento é feita uma revisão dos principais pontos levantados nas pesquisas bibliográficas já realizadas por pesquisadores desta linha de investigação acerca de práticas institucionais na rede privada de ensino, relatadas em comunicações apresentadas em congressos da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Em seguida, são apresentados dois artigos que abordam experiências de inclusão de disciplinas EaD em cursos de graduação presenciais em duas IES públicas. Nas considerações finais, é feito  um balanço deste novo conjunto de dados e suas implicações para compreender o percurso da Portaria 4.059/2004 nestas duas categorias administrativas de IES.

O QUE DIZEM OS RELATOS INSTITUCIONAIS LEVANTADOS NA REDE PRIVADA

 Antes de entrar na descrição dos resultados das pesquisas bibliográficas propriamente ditas, é importante registrar que, no primeiro documento produzido pelo grupo de pesquisa sobre esse tema, foi necessário recorrer à pesquisa em sites de universidades, na falta de referências bibliográficas. Foram levantados dados nas seguintes instituições das regiões sul e sudeste: Universidade Sul de Santa Catarina (UNISUL), Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALE), Universidade Santo Amaro (UNISA), Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade de Campinas (UNICAMP). Finalmente, a última IES estudada foi a  Faculdade do Sumaré, a única que não foi decorrente do levantamento nos sites das IES. A experiência desta faculdade foi relatada por Moran em 2005  no XII Congresso Internacional da ABED, onde ele critica, inclusive, o  limite de 20% imposto pelo MEC.

São apresentadas, a seguir, algumas linhas de ação que caracterizavam estas IES, em ordem decrescente de percepção de sua presença no sistema (SEGENREICH, 2006, p.14):

  • Uso da EaD para racionalizar a oferta de disciplinas, em termos de economia de escala, tanto em disciplinas comuns a vários cursos como em disciplinas oferecidas  no mesmo curso mas em diferentes campi.
  • Incorporação das novas tecnologias de informação e comunicação, incluindo ambientes virtuais de aprendizagem, para melhorar a qualidade de ensino e para introduzir uma mudança na cultura da instituição.[...]
  • Utilização da abertura proporcionada pela Portaria para não só oferecer disciplinas on line para seus alunos como, também, abrir estas disciplinas para uso da sociedade, como um todo. (UNICAMP)

 Segenreich (2009, p.13) também analisou em documento posterior quatro experiências institucionais apresentadas no congresso da ABED de 2008, registrando críticas relacionadas ao contexto da prática, levantadas pelos principais atores nelas envolvidos.

Foi possível constatar, na análise de diferentes experiências institucionais de implantação da EAD nos seus cursos presenciais, que os principais entraves se concentram: na falta de uma gestão democrática que envolva alunos e professores em um projeto pedagógico que forneça as diretrizes para o planejamento das atividades virtuais; na ausência ou no aligeiramento da capacitação de professores e alunos para essa nova modalidade de ensino; na falta de infraestrutura de laboratórios de informática que permitam o acesso a alunos que não têm computador em casa com a configuração necessária para acompanhar o curso.

 Por outro lado, a pesquisadora destacou, entre os pontos positivos, que a existência de uma coordenação de EaD aliada às respectivas comissões próprias de avaliação (CPA), tem propiciado iniciativas profícuas de avaliação em algumas das IES, principalmente naquelas que buscam seu credenciamento institucional para EaD.

Uma analise mais centrada nos aspectos de metodologia e gestão de experiências institucionais na rede privada de ensino foi realizada por uma das pesquisadoras do grupo (PINTO, 2015). Para definir os artigos a serem analisados foram levados em conta os seguintes fatores: a fonte/procedência, o teor do relato considerando-se o objeto em discussão, e o ano de publicação do artigo. Sendo assim, foram identificados duas comunicações em congresso da ABED  e um artigo na revista da própria IES pesquisada que atenderam esses critérios, tendo como situação objeto de estudo as seguintes IES:

Após a leitura dos dois relatos de experiência (IES/1 e IES/2) e da análise crítica do artigo (IES/3), Pinto (2015) buscou encontrar eixos comuns entre as IES investigadas por meio de sete questões que orientaram a análise dos textos. Em uma revisão desta pesquisa, pela coordenação do projeto, optou-se por fazer a comparação somente com as duas IES que já estavam implantando a experiência no momento do relato.

Em relação à primeira questão – Motivo(s) que as levaram a introduzir a Portaria nº 4059/04 em seus cursos presenciais de graduação - tanto a IES/1 quanto a IES/2 abordam em seus relatos que a condição principal foi a necessidade de integração das tecnologias de informação e comunicação (ambientes de aprendizagem) como ferramenta de capacitação para seus atores (docentes e discentes).

A segunda questão,relativa ao modo de operacionalização institucional da Portaria  pelas IES, procurava registros de documentos tais como: Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Projeto Político Pedagógico (PPP) para implantação da modalidade, preocupação com os Referenciais de Qualidade da EaD.  Somente a IES/1 registra no texto seu Plano de Gestão, formulado a partir do seu PDI, com a consequente criação do Núcleo de Educação a Distância para desenvolver a “modalidade ou sistema” semipresencial em seus cursos presenciais, em ambiente virtual. A IES/2 não explicita esses documentos em seu texto mas destaca que em todo o processo de implantação do projeto na IES as decisões foram tomadas em reuniões de Conselhos de Cursos e de Núcleos Docentes Estruturantes, além de reuniões com os alunos e alunos, capacitando-os a navegar no AVA.

Outra informação significativa para a análise diz respeito a como as IES em questão escolheram os cursos e as disciplinas para iniciarem a implantação da Portaria nº. 4.059/04. A IES/1 declara que iniciou a implantação deste sistema no Curso de Ciências Contábeis e ampliou, a partir de 2008, para os cursos de Administração, Psicologia e Jornalismo, “o que levará a uma progressiva implantação da Portaria, por parte da IES, em todos os cursos reconhecidos da Instituição para concretizar o sistema semipresencial” (SOUSA; SOUSA, 2008 apudPINTO, 2015, p.42). Na IES/2 a estratégia utilizada foi  trabalhar inicialmente com  disciplinas das três primeiras séries em três cursos reconhecidos pelo MEC, ministradas por docentes que participaram do treinamento oferecido pela IES; as disciplinas de Metodologia Científica (40horas) e Tópicos gerais I (80 horas) passaram a ser ofertadas nos cursos reconhecidos da Instituição.

Parece que estas estratégias de integrar a modalidade a distância aos cursos presenciais representam uma lógica que transcende a ideia de democratizar a utilização das tecnologias. Traduz, também, uma lógica econômica de otimização e redução de custos. Esta lógica foi explicitada pela IES/#, como será visto mais adiante.

 Buscou-se a seguir, identificar a metodologia em que estas disciplinas estariam fundamentadas.  Na IES/1 identificamos que “[...] esse ambiente foi organizado com base na mudança do paradigma educacional de instrução para aprendizagem construtivista. Neste tipo de ambiente, os estudantes passam a ser sujeitos do processo de aprendizagem e ganham uma maior autonomia”. (SOUSA; SOUSA, 2008, apud PINTO, 2014, p.43).

A IES/2  destaca a necessidade de democratização do conhecimento através da internet na rede mundial de computadores, tele aulas ou via satélite e que a busca pela EaD contemplou indivíduos que precisavam escolher seu horário de estudo e conciliá-lo com turnos de trabalho. Apoia-se “nos conceitos de Paulo Freire (1987) onde o docente “não é mais o dono do saber” e sim um orientador, facilitador do processo ensino-aprendizagem. Ficou mais fácil organizar atividades discentes individuais ou em grupo, estimulando uma aprendizagem reflexiva” (MENESES; SILVA; MELO, 2014 apud PINTO, p.44) 

Essas considerações colhidas nos relatos revelam uma preocupação por parte das equipes pedagógica das IES 1 e 2 em proporem para a modalidade a distância estratégias educacionais não tradicionais. Resta saber, neste momento, até que ponto estas propostas estão sendo implantadas e se foram objeto de avaliação interna e externa.

Em seguida, procurou-se identificar se (e como) as IES propuseram a capacitação de seus docentes e de seus estudantes. A IES/1 relatou que no início do trabalho de implantação do sistema foi realizada uma sensibilização dos docentes e discentes porque foi percebida uma certa resistência proveniente do desconhecimento dos docentes em relação ao AVA. A solução relatada por Sousa e Sousa (2008, apud Pinto p.44) foi: “procedemos com capacitações e o acompanhamento individual na transposição didática dos conteúdos pelos professores”. 

Quanto a IES n/2, o preparo dos envolvidos na implementação da Portaria transcorreu mediante as seguintes iniciativas: lançamento em 2008 de um curso de capacitação em EaD para 30 docentes, gestores da instituição e pessoal técnico-administrativo com o objetivo de sensibilizar e capacitar o grupo que funcionaria como protagonista da mudança para atuar em um projeto-piloto; concomitante foi proporcionado treinamento em tecnologias e mídias para a EaD para todo o pessoal das áreas técnicas de informática, pedagogia e comunicação para posterior adequação do AVA e sua integração com o sistema de controle e registros acadêmicos da Faculdade.

Estes registros indicam que as IES 1 e 2 já estão em fase de execução das ações para implantação da Portaria, com linhas diferentes de ação: a IES/1 parece ter sido mais diretiva na condução dos seus docentes enquanto a IES/2  aposta no efeito multiplicador de seus “protagonistas da mudança”.

Finalmente,  foram explorados os aspectos de infraestrutura de apoio. Frente a este critério, identificamos que a IES/1  corresponde a esta necessidade: [...] Os sistemas de gestão gerencial devem abordar o gerenciamento acadêmico e tecnológico de alunos, professores. Este sistema deve funcionar em regime de 24 horas, ou seja, o AVA deve estar no ar o maior número possível de tempo. ( SOUSA; SOUSA, 2008 apud PINTO, 2015, p. 45/46).

Já no tocante aos cuidados com os aspectos de infraestrutura, a IES nº 2 não entra em detalhes sobre o que oferece mas está implícito na sua exposição a existência de pessoal nas área de informática, pedagogia, adequação do seu AVA e sua integração com o sistema de controle e registros acadêmicos da Faculdade.

O QUE DIZEM OS RELATOS INSTITUCIONAIS LEVANTADOS NA REDE PÚBLICA

Para ter uma idéia de como se processa a inserção de disciplinas a distância em cursos presenciais de instituições públicas recorreu-se, inicialmente, à pesquisa relatada por Vilarinho e Paulino (2012) que tinha como objetivo básico: investigar os caminhos que duas universidades, uma pública e outra particular, vêm concretizando para concretizar a Portaria MEC n. 4.059/04. Será sobre os dados obtidos sobre a instituição pública identificada como UB no texto que será concentrada nossa análise, partindo de perguntas às de Pinto (2015). A universidade privada é identificada como UA.

Em seguida, é apresentado o artigo de Anjos, Alonso e Anjos (2015) relatando a experiência de implantação de disciplinas a distância em cursos presenciais em uma universidade pioneira em EaD: a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

A universidade identificada como UB

A implementação do disposto na Portaria 4059/2004 se deu a partir de 2005, sendo que em 2007 foram estabelecidas normas e critérios para a oferta e o funcionamento de componentes curriculares semipresenciais nos cursos de graduação presenciais. A integração de UB à Universidade Aberta do Brasil (UAB) e o fato de já possuir um curso de licenciatura vinculado ao CEDERJ vem facilitando a incorporação da EAD em seu contexto. À ocasião da coleta de dados (2009), a instituição ainda não tinha graduações com disciplinas a distância, mas tinha nove cursos interessados.

Em termos de decidir sobre sua implantação Vilarinho e Paulino (2012, p. 67) destacam que

embora sua Coordenação de Educação a Distância (CEAD) esteja abrigada na Pró-Reitoria de Graduação, portanto diretamente ligada à administração central, observamos que o planejamento dos 20% segue a linha de negociações, sendo necessário um diálogo intenso com os setores encarregados das atividades de ensino-aprendizagem (departamentos) para obter a participação de professores e as decisões relativas às mudanças nos projetos pedagógicos dos cursos.

Comparando as duas IES estudadas constatou-se que IES particular UA foi ágil na oferta dos 20%, tendo como norte a otimização/flexibilização das composições curriculares de seus cursos para economizar gastos, convergindo com os resultados das pesquisas bibliográficas apresentadas no item 1.

Na segunda questão - que mudanças tais Universidades realizaram, em termos de estruturação curricular, para oferecer 20% da carga horária de seus cursos a distância? – esta diferença fica mais explícita. Em UB as mudanças partem dos projetos pedagógicos dos cursos, que são definidos pelos próprios cursos. Neste sentido, “os respondentes de UB também falaram em ‘otimizar’ as disciplinas, de modo que algumas delas possam ser aproveitadas em mais de um curso” (VILARINHO, PAULINO, 2012, p.68). Entretanto, sua operacionalização se baseia em uma proposta acadêmica. “Por exemplo: uma disciplina a distância, obrigatória em determinado curso, pode ser escolhida como optativa na estrutura curricular de outro curso” (idem, p.68).

Na terceira questão de estudo, busca-se saber que mudanças tinham sido necessárias em termos de infra-estrutura: administrativa, pedagógica e tecnológica para colocar em prática a proposta dos 20% a distância. No contexto da IES pública (UB) as mudanças administrativas estão se projetando para: elaboração de normas e diretrizes; ajustamento dos processos administrativos nos colegiados da Universidade e no MEC; ajustes no sistema de registro de dados sobre a vida acadêmica dos alunos. No campo pedagógico as preocupações estão na: reformulação de projetos pedagógicos de cursos; ‘sedução’ do corpo docente para atuar na EAD; capacitação pedagógica e instrumental (domínio da tecnologia) dos professores e alunos. E na perspectiva tecnológica sobressaíram: a construção de espaço próprio para o CEAD; adaptação do AVA já testado pela comunidade acadêmica; a compra de recursos necessários à organização do ensino online. (VILLLARINHO E PAULINO, 2012)

Quanto à indagação sobre como os professores participantes da experiência foram escolhidos e preparados, na UB não há escolha, constata Vilarinho e Paulino (2015, p.71): “o ponto de partida para um professor participar da oferta dos 20% a distância é o seu interesse na EAD”.

A partir daí são realizadas as negociações da carga horária docente no CEAD com o departamento ao qual o professor se vincula. O corpo de tutores (não pertencente ao quadro permanente) passa por processo seletivo, com provas e entrevistas feitas pelos coordenadores de disciplinas, também autores do material didático das disciplinas. Quanto à preparação dos docentes para as atividades a distância, verificamos que em termos de estratégias é semelhante à conduzida por UA, valendo-se de: treinamentos, capacitações, reuniões.

Vilarinho e Paulino (2012, p.72)  concluem  que as duas IES, tanto a pública como a privada, podem estar contribuindo para a precarização da atividade docente  ao registrar que:

Em UA há indícios de que os professores são contratados temporariamente e explicita-se que monitores conduzem a orientação da aprendizagem; esses dois fatos convergem para a precarização da atividade docente [...]. Em UB, surge um corpo de tutores destacado do corpo docente, mas que tem praticamente as mesmas atribuições dos professores na sala de aula.

Por último, ao se perguntar quais dificuldades e limitações estas duas universidades enfrentam, encontrou-se em UA as mesmas dificuldades já apontadas neste texto.  No que se refere à UB, estas foram as constatações de Vilarinho e Paulino (2012, p.72/73)

Limitações semelhantes (à UA) foram encontradas em UB: resistência e preconceitos em relação à EAD; falta de informação sobre o que realmente é esta modalidade de ensino. A estas os respondentes acrescentaram: falta de recursos humanos, de equipamentos, de espaço físico. [...] Outra limitação assinalada foi a autonomia das escolas: as decisões acadêmicas são da ordem dos departamentos e unidades de ensino. Portanto, ainda que a CEAD esteja ancorada e respaldada diretamente pela Reitoria / Pró-Reitoria de Graduação, seu caminhar é dificultado pelo poder que as unidades de ensino têm no âmbito da universidade.

As pesquisadoras concluem que as duas instituições têm muitos desafios a enfrentar:  a resistência à EaD e a falta de domínio das tecnologias digitais (computador e internet) por parte de alunos e professores  e terminam seu relato destacando que a EAD pode se afirmar no ensino superior, dependendo da seriedade de seus projetos: “se vier para precarizar as atividades docentes e a aprendizagem dos alunos, será mais uma problemática entre tantas que a educação já vivencia em nosso país” (idem, p.74).

A Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)

O relatado apresentado tem por objetivo socializar a experiência vivenciada na Universidade Federal de Mato Grosso, relativa ao processo de implantação dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem para os cursos presenciais da Instituição. Um ponto que chamou atenção, logo na primeira leitura do relato, foi o fato de que, em nenhum momento, é mencionada a Portaria 4.059/2004 como possível motivadora da experiência.

Os autores do artigo destacam que, na UFMT, os AVAs são utilizados desde o ano de 1996, inicialmente no âmbito dos cursos a distância da Instituição. O longo período de utilização dos AVAs possibilitou à Universidade desenvolver processos de pesquisas e estudos que contribuiram para o aprimoramento e ajustes desse recurso, a fim de atender as necessidades específicas da Instituição.

Quanto à motivação para a experiência Anjos, Alonso e |Anjos (2015, p.11) registram que

a implantação dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem para atender os cursos presenciais da UFMT teve seu início no ano de 2011 e se deu, em parte, pela manifestação de interesse dos próprios docentes, bem como pela política adotada na Instituição, que compreende os recursos de Tecnologias como elementos subsidiadores que podem colaborar para o enriquecimento da prática docente.

Antes de ser tomada a decisão institucional, sua Secretaria de Tecnologias da Informação e da Comunicação (STI) já havia iniciado pesquisas e estudos de implantação dos AVAs no contexto presencial. No momento em que a Instituição tomou por decisão a implantação dos Ambientes Virtuais, a STI intensificou suas ações, aprofundando-se nos estudos relativos a esse recurso, bem como planejando as ações na seguinte sequência: o planejamento de Infraestrutura;  a integração dos AVAs com o sistema acadêmico da UFMT e o Design do AVA; e, por fim, os cursos de capacitação ofertados para os docentes.

Na primeira fase de planejamento o STI fez um mapeamento dos que seriam os usuários do sistema em todos os campi da Universidade. Em 2011 eles somavam 25.000 usuários o que levou a fazer esforços para fazer a aquisição de novos equipamentos de servidores para hospedar o sistema Moodle, uma vez que seu parque de máquinas não suportaria essa nova demanda.

As ações concernentes ao processo de integração do AVA com o Sistema de Informação e Gestão Acadêmica (SIGA) foram planejadas e executadas priorizando o desenvolvimento de recursos e mecanismos que atenderiam os cursos da UFMT, de maneira ampla e global. Outra etapa nesse processo foi o planejamento e desenho instrucional dos AVAs, que envolveu a equipe de web designers, administradores e Design Instrucional para  disponibilizar a arquitetura do Ambiente de forma estruturada e organizada, para dar o máximo de autonomia ao trabalho do professor.

Cumpridas estas primeiras ações da sequência planejada, chegou-se ao processo de capacitação de professores, um dos pontos mais valorizados por Anjos, Alonso e Anjos (2015, p.9). Foi elaborado um projeto de extensão, com um escopo bem específico, intitulado “Ambientes Virtuais de Aprendizagem em contexto de educação presencial

A partir das capacitações foi possível avaliar o seguinte nível de aceitação do recurso, constatando-se que

em determinados Institutos e Faculdades a aceitação do recurso era visível e que os professores se mostravam afeitos a essa Tecnologia; no entanto, em outros contextos, percebeu-se certa rejeição, em que professores alegavam que os AVAs se configurariam como um trabalho excedente. (idem, p.16)

Ao final do artigo as autoras destacam que, até março de 2014, 89% dos professores foram capacitados, tendo considerado este dado como um indicador do engajamento do corpo docentes nesta experiência. Entretanto não são fornecidos dados sobre o número de professores, disciplinas e alunos concretamente envolvidos. Tendo em vista que, como na IEs estudada por Vilarinho e Paulino (2012), a utilização dos AVA é facultativa da Universidade, resta acompanhar de perto como esta IES, com toda sua tradição em EaD de qualidade, está desenvolvendo esta experiência.

Finalmente cabe destacar que na parte teórica do artigo é apresentada a modalidade  blended learning, tomando como base um texto anterior de Anjos (2013 apud Anjos et al, 2015, p.9), nos seguintes termos:

Nesse sentido, Tori (2010) destaca o surgimento de um fenômeno de convergência entre o virtual e o presencial na educação, também conhecido com blended learning, com adoção de sistemas de gerenciamento de conteúdo e aprendizagem em contextos híbridos de educação. Em vistas disso, esses Ambientes também passaram a fazer parte da rotina de cursos presenciais de diversas instituições de ensino superior, como, por exemplo, a UFMT que compreende esse cenário numa perspectiva da Educação mediada por Tecnologias.

A noção de blended learning é explorada por vários autores da área como uma das alternativas mais relevantes da convergência entre EaD e educação presencial. Sta (2012)  defende a idéia de que a utilização de plataformas de aprendizagem enriquece a aprendizagem tanto em cursos a distância como presenciais, independentemente do limite de 20% estabelecido pela Portaria 4.059/2004. Ela critica, inclusive, esta limitação porque “incentiva a interpretação de que o ensino presencial e as modalidades a distância são opostas e separadas” (STA, 2012, p.27).

Ela confirma que muitas IES que aplicaram esta portaria, como já foi aqui exposto nas pesquisas bibliográficas, mais uma vez, tinham somente motivações de ordem organizacional, no sentido de resolver problemas institucionais ao reunir turmas de disciplinas básicas, liberar espaço físico, economizar recursos. A definição dos 20% reforça a visão de que a modalidade a distância exige controle (e não necessariamente avaliação) e deixa-se de perceber o quanto a modalidade híbrida por trazer de vantagens para o professor e para os alunos. Esta visão é reforçada pela resistência da comunidade acadêmica a esta modalidade educacional, bem retratada nas análises das IES públicas e privadas.

Trazer a discussão para um debate sobre o curso híbrido traria uma nova configuração para a determinação de uma Portaria de poucos artigos puramente regulatórios no sentido de puro controle.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em primeiro lugar, ficou evidente a importância de uma constante revisão e atualização dos levantamentos bibliográficos no período de desenvolvimento de uma pesquisa de mais longo prazo, ela não pode ser considerada somente como uma primeira etapa da investigação. Ainda com relação aos levantamentos sobre experiências institucionais um aprofundamento da situação objeto apresentada requer, muitas vezes pesquisas adicionais.

Uma questão paralela, levantada no decorrer das pesquisas bibliográficas, como a definição da tutoria questionada por Vilarinho e Paulino, não pode ser ignorada porque ela persiste nas novas diretrizes para EaD aprovadas no Parecer CNE/CES  564/2015 e é comum à rede pública e privada.

A discussão do conceito de blended learning presente no relato da UFMT e no artigo publicado na revista da Fundação Getúlio Vargas chamou atenção para os benefícios da conjugação educação presencial e educação a distância nos cursos regulares de graduação. Academicamente, concordamos com esta posição, apesar da ainda presente resistência à maioria das IES à EaD. na medida que alguns percebem, com razão, a introdução desta modalidade educacional como aumento de trabalho ou perda de emprego.

Entretanto, do ponto de vista de políticas públicas e institucionais outras questões surgem. Em outro texto (SEGENREICH; PINTO; VILLELA, 2016, p. 19) comentamos as declarações de dirigentes sobre a crise financeira e a procura de novos rumos de que vários cursos passaram a ser oferecidos na modalidade a distância e, também, disciplinas comuns a vários cursos da instituição resultando em menos espaço físico ocupado. Outro dirigente é mais direto ao comentar (MARÇAL, 2016 apud SEGENREICH; PINTO; VILLELA, 2016, p. 19): “A tecnologia passou a ser mais usada inclusive nos cursos presenciais. Isso barateia o curso, sem perda do conteúdo [...]. O EaD tem tíquete médio de R$ 160,10, enquanto o valor do presencial é de R$588,40”.  

Para finalizar, passamos das políticas e gestão para a avaliação. Em 2006 (SEGENREICH, 2006b, 174) foram feitas perguntas sobre a implantação da Portaria 4.059/2004 que permanecem, algumas até hoje, tais como: “Que modelos de oferta de disciplinas semipresenciais vem sendo adotados? Que modelos são válidos e devem ser incentivados? O MEC vem acompanhando e avaliando estas experiências? Qual vai ser o referente dos avaliadores?”.

Espera-se que os novos instrumentos a serem utilizados após o Parecer CNE/CES no 564/2015 também contemplem estas experiências.

REFERÊNCIAS

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