FAZER DOCENTE: REPRODUÇÃO OU EMANCIPAÇÃO?
Resumo: A aplicação do ideário neoliberal à educação para reprodução cultural do capitalismo é objeto de Estudo de Caso desenvolvido com docentes de pós-graduação e revela as condições a que se encontram submetidas Instituições Federais de Educação Superior e seus docentes pelas atuais condições de trabalho. A regulação externa exercida sobre o fazer cotidiano alcança o ser docente ameaçando o princípio de autonomia, pressuposto da educação. Reafirmar a autonomia administrativa e de gestão financeira para assegurar autonomia didática e científica às universidades pode fortalecer nos sujeitos uma ruptura com a competição e o individualismo e a retomada do compromisso social da educação visando à emancipação da sociedade.
Palavras-chave: Educação e reprodução; autonomia e compromisso social.
INTRODUÇÃO
Ao investigar o processo de produção e reprodução do capital social total Rosa de Luxemburgo (1985) reafirma que o domínio da natureza alcançado pelo homem é o que permite que processos de produção e reprodução ocorram, uma vez que reprodução não significa meramente repetição, mas algum grau de produtividade. Na reprodução ocorre uma retomada do processo de produção “sendo este o pressuposto geral e fundamento de um consumo regular, com isso, constitui a condição prévia para existência cultural da sociedade humana sob todas as formas históricas”. (p.7)
Embora esses processos em si possam ocorrer dentro de certa regularidade é necessário considerar “as condições técnicas e as condições sociais, ou seja, a configuração específica da relação dos homens com a natureza e a configuração das relações dos homens entre si.” (p.8).
No capitalismo pode ocorrer uma quebra nesta cadeia e desta feita “parte da reprodução é totalmente interrompida e parte só se efetua de maneira atrofiada” (p.9). Isto se deve ao fato de que além das condições técnicas e sociais favoráveis ao seu desenvolvimento, seja necessário que os produtos promovam mais valia, lucro, de modo a assegurar não apenas sua produção, mas, fundamentalmente, sua reprodução.
“A alternância periódica de expansões maiores da reprodução e suas contrações até a interrupção parcial, ou o que se denomina o ciclo periódico de conjuntura recessiva, auge de conjuntura e crise é a reprodução mais marcante da produção capitalista” (p.10).
No período compreendido pelos 30 anos após a II Guerra Mundial o capitalismo sedimentado na Europa e nos Estados Unidos permitiu que formas de exploração de mais valia relativa ali tomassem lugar graças à exploração da mais valia absoluta mantida nas colônias periféricas exploradas pelo capital, o que assegurou aos primeiros esse privilégio. Ajustes produzidos na fase liberal anterior, que marcou a fase primordial do capitalismo, dão lugar ao modelo Keynesiano e permitem o surgimento do Wellfare State, o Estado de Bem Estar.
No Brasil, o processo de abertura democrática que se instala após a ditadura militar orienta a elaboração da Constituição Federal de 1988 sob a influência do modelo de Estado de Bem Estar, resultante do período áureo do Capital, mas que aqui nunca foi alcançado em sua plenitude. Todo o avanço político e jurídico que este fato representa não assegura a garantia de que os direitos venham a ser gozados e alguns deles ficaram aguardando leis complementares que antes mesmo de serem efetivadas já se observava a tentativa de retroceder, realizando alterações constitucionais naqueles pontos considerados de maiores avanços.
No que respeita à educação, esta é assegurada como direito do indivíduo e dever do Estado (Artigo 208) além de afirmar que: “As universidades brasileiras gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”, ao mesmo tempo em que “obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, CF/1988, artigo 207).
“Desta forma, a autonomia da instituição é sempre relativa e deve ser definida como o reconhecimento de sua capacidade de reger-se por suas próprias normas no cumprimento das finalidades sociais às quais se destina.” (DURHAM, 89, p.1-2. Grifos no original).
O termo autonomia é usado no campo da Filosofia com dois sentidos principais. De acordo com Ferrater Mora (1974): 1º- o sentido ontológico, segundo o qual se postula que uma esfera da realidade é regida por lei própria, distinta de outras leis, porém não necessariamente incompatíveis com ela, e 2º- o sentido ético, segundo o qual se afirma que uma lei moral é autônoma por possuir, em si, o fundamento e a razão própria de sua legalidade. As discussões que aqui serão travadas transitam no limite desses dois sentidos, na tentativa de compreender a realidade educacional brasileira enquanto esfera do todo social e o trabalho docente, que neste campo, se configura como um modo particular de apreensão do todo.
Autonomia pressupõe liberdade e vontade, mas não se confunde com a ausência de relação com a realidade. As condições de sobrevivência determinam a possibilidade de ela vir a ser alcançada no interior das sociedades. Os mecanismos acionados para controlar os impulsos internos do homem, que dirige a si mesmo, bem como os que controlam sua ação em direção a tudo aquilo que lhe é exterior, aqui compreendidos como mecanismos de auto e hetero-regulação, vão sendo identificados, ao longo do processo civilizatório, como condição de sua existência tanto individual, como coletiva.
A psicanálise de Freud, ao expor o processo civilizatório como resultado da repressão de instintos humanos, o que resulta na perpetuação da dominação, deixa entrever, por meio de sua hesitação em tomar partido pelo caráter a-histórico dos processos psicológicos, os seus fundamentos históricos, sociais e políticos, no interior dos quais o indivíduo é conformado na sociedade.
Fica-se com a impressão de que a civilização é algo imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção. Evidentemente, é natural supor que essas faculdades não são inerentes à natureza da própria civilização, mas determinadas pelas imperfeições das formas culturais que até agora se desenvolveram. E, de fato, não é difícil assinalar os seus defeitos.(FREUD, 1992, p. 640, grifo nosso).
Nenhuma transformação se dá abruptamente, tampouco essa é imposta à força, apenas. Ela é preparada aos poucos e precisa atingir desde as raízes. A violência que impõe desenraizamento desfigura a tradição, porque afeta a derradeira possibilidade de resistência – a moral. Deste modo, é possível compreender que transformações sociais envolvem uma sociabilidade que se engendra em função da necessária adesão a elas.
Não é preciso dizer que uma civilização que deixa insatisfeito um número tão grande de seus participantes e os impulsiona à revolta, não tem nem merece a perspectiva de uma existência duradoura. (FREUD, 1992. p. 643).
Embora a educação seja considerada uma esfera regida leis específicas ela não pode ser pensada à parte do contexto social e econômico em que se insere. Daí a premência em compreender o momento atual que a educação superior brasileira atravessa sob a lógica neoliberal que visa alinhar educação à economia.
Por princípio, educação e economia configuram áreas distintas, independentes entre si, e regidas por leis específicas. No entanto, o que se observa atualmente é a transposição das leis que regem a área econômica para o campo da educação. Tal deslocamento exige adesão para que a aproximação desses campos se efetive enquanto realidade.
Como as mudanças impostas pelo ‘novo modelo’ criam exigências, bem como a necessidade de cumprí-las, justifica-se um urgente levantamento das principais transformações ocorridas em função de ações desenvolvidas pelos docentes de educação superior após a adoção de políticas neoliberais advindas da implantação de programas de pós-graduação nas universidades brasileiras, por volta da década de 90.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O preceito constitucional de autonomia universitária que se ordena nas dimensões política e financeira encontra-se cada vez mais ameaçado de ser exercido em sua plenitude, à medida que significativos cortes orçamentários são praticados, impondo às instituições restrições na execução de suas atividades, forçando-as a buscar fontes alternativas de recursos, o que impacta a esfera de liberdade que a própria autonomia exige para se realizar.
A condição de estar submetida às leis do mercado pela ideologia neoliberal instala no interior das instituições de ensino superior a contradição. A liberdade de agir enquanto determinação da vontade de atender às finalidades sociais com vista à emancipação humana passa agora a ser determinada pelas demandas de mercado que o capital em alinhamento ao modelo de reestruturação neoliberal realiza ao envolver o próprio Estado. Estas transformações exigem novas formas de adaptação que passam a ser instaladas nos processos de sociabilidade anteriormente ausentes.
O trabalho docente sofre o impacto das mutações havidas no mundo do trabalho, decorrentes da necessidade de reconfiguração econômica que o capital impõe após a ocorrência de crise. O que mostra que tais mudanças não se dão ao acaso, elas resultam de ajustes decorrentes das transformações econômicas já identificadas no pensamento de Marx (1975) de que é o capitalismo e sua crise cíclica que impõem as alterações que levam o Estado a reestruturar suas políticas de modo a assegurar o desenvolvimento do capital. Situação semelhante a que Adorno e Horkheimer (1985) haviam identificado na produção da Indústria Cultural, em função de condições econômicas submetidas ao poder absoluto do capital (Maddock, 1998).
A importância das relações de trabalho na constituição do sujeito foi o tema da obra de Marx que serve como orientação para muitas análises que ainda hoje se realizam. Esta unidade que integra sujeito e atividade laboral passa por inúmeras transformações, mas não desaparece (Boyer, 2014). Todas as modificações decorrentes de ajustes que o capital impõe a cada crise que ele atravessa, exige do homem novas adaptações que vão alterar sua atividade externa e interna (Marx,1975). O psiquismo humano busca manter essa integridade apesar das condições por vezes desintegradoras com que o trabalho se apresenta e se realiza.
Os efeitos desta transformação vêm sendo investigados em inúmeros aspectos tanto no nível nacional, quanto internacional. Os estudos de Sguissard e Silva Jr. denunciam a concepção neoliberal como uma unidade aplicada à educação e ao estado (2001) e mostram que a intensificação e precarização afetam drasticamente o trabalho docente (2009). A alteração da própria natureza do trabalho pelo sentido e significado que a ele passam a ser atribuídos é discutida por Mancebo, Silva e Oliveira (2008).
Por trata-se de uma mudança no próprio papel da educação que é colocada a serviço do capital nosso objetivo é compreender o modo pelo qual este processo reconfigura a subjetividade docente. Assim, diante das exigências aplicadas pelas políticas neoliberais na educação superior voltamo-nos, especificamente, para os processos de subjetivação adotados para desenvolvimento do trabalho docente e na identificação dos aspectos que interferem na percepção que estes trabalhadores possuem acerca da auto e hetero-regulação exercida sobre seu fazer docente e da percepção de si, enquanto sujeito deste processo.
A implicação do trabalho na constituição da subjetividade encontra-se implicito em muitos dos processos já identificados e analisados acima. Bouyer (2014), entretanto, volta-se de modo específico para a relação saúde mental e trabalho, de acordo com a filosofia de Henri Bergson e seus conceitos de percepção, cognição, duração, vida psíquica, tempo e subjetividade. Nele conclui que há um envolvimento do sujeito que integra de modo indissociável vida psíquica e cognitiva.
Além disso, o resultado do trabalho jamais é consequência do cumprimento de normas e regras impostas externamente pela tarefa (GUÉRIN et al., 1997). O que se observa, como fruto do trabalho, é uma parte da vida psíquica do sujeito materializada no tempo presente (BERGSON, 1999), como já demonstrado na psicologia do trabalho (BATIONO-TILLON et al., 2010) – ainda que a tarefa seja pautada por prescrições, pela rigidez dos sistemas de gestão e pelo controle exacerbado dos tempos e resultados por modernos sistemas de informação. (p.106)
METODOLOGIA
Para realização desse Estudo de Caso foram selecionados 10 professores de um programa de pós-graduação, da Universidade Federal do Pará, que atuam há aproximadamente 10 anos em média neste nível de ensino. A Entrevista Não Diretiva foi a técnica adotada para obtenção de dados junto aos sujeitos. Tais entrevistas, que tiveram duração média de 50 a 60 minutos, foram filmadas e em seguida transcritas integralmente para proceder-se a Análise de Conteúdo referenciada em Laurence Bardin (2013) visando à interpretação dos dados.
As categorias de auto e hetero-regulação foram comparadas em dois momentos, anterior e posterior ao início de atuação na pós-graduação, para observar a ocorrência, ou não de alguma alteração e, caso houvesse, em que sentido ela se configurou. As categorias foram construídas a partir das falas dos sujeitos que indicavam as atividades que foram mantidas, acrescentadas e/ou suprimidas em sua vida laboral e pessoal.
Não houve preocupação com generalizações neste momento. Nosso interesse centrou-se na singularidade e particularidade de como cada docente vivencia a experiència de atuar em programa de pós-graduação, de modo a permitir sua livre expressão. Buscamos deste modo a apreensão de atitudes (ação, percepção, motivação, avaliação, afetos e afecções) a eles relacionados e que envolvem outras pessoas, objetos e a si mesmos.
RESULTADOS
Os dados evidenciam que modificações promovidas na configuração do trabalho na educação superior invertem finalidades e fundamentos que a norteiam indo transformar a realidade educacional. Os docentes levados a difícil decisão de sacrificar a vida particular em função das crescentes exigências impostas pelo trabalho vivenciam conflitos e mal estar e põe em questão a responsabilidade do docente com a qualidade da formação de seus alunos. O resultado é injusto para com os dois. A situação mais gravemente se impõe ao levar o docente a optar entre o cumprimento das exigências do trabalho e o de suas obrigações familiares, principalmente aquelas envolvendo a relação entre mãe e filhos.
Não é muito simples. E aí você vai, vai, vai cada vez mais se envolvendo determinadas situações como a que eu vivo nesse momento, é, terminando o triênio e tendo que garantir a publicação, aí fica mais violento ainda, por que aí é madrugada, né. Aí é madrugada! Então, de um determinado período, as madrugadas, elas passaram agora em a ser utilizadas … e a minha situação se complica, em função da maternidade, se complica ou melhora, entendeu, por que quem não tem, certamente que a violência de trabalho é muito maior.. Agora sábado e domingo, que durante a semana é tão cansativo que você tem que acordar de madrugada, sábado e domingo. Para terminar aquele capítulo de livro, eu acordei às 3h da manhã e saí da frente do computador às 7h30. Eu sei por que meu marido entrou lá, entendeste, para eu adiantar e antes das crianças acordarem, aí não dorme mais, não, aí você vai o resto do dia meio zumbi. Mas, enfim. Aí é violência pura, isso pra mim é violência né, e você se ver numa situação que não tem saída (D 10).
O sujeito, no qual a cultura e a experiência pública ganham o contorno do particular, se vê cada vez mais determinado pelos ‘modelos fabricados’. Estereótipos produzidos pela cultura dominante que, ao mesmo tempo, afirma haver liberdade, mas renega o indivíduo que não se ajusta aos padrões por ela impostos.
Nas condições para reflexão que possibilitam ao sujeito ter controle sobre sua ação é onde ocorre um cerceamento sem precedente. O tempo para si fica reduzido com enormes lacunas, hesitações e perplexidades. As falas dos sujeitos evidenciam este problema:
Então assim, você vai deixando de fazer as coisas, do ponto de vista pessoal, então você limita tua possibilidade de ir ao médico, não é? De visitar a mãe e ir almoçar com ela, por que sábado e domingo você também acumula. Então, eu falo, é uma rotina de muito peso. Ela é prazerosa na medida que você se nutre do que você faz, quando você vê os bons resultados, um trabalho bem defendido, bem avaliado, você publica um livro. Isso te revigora. Mas a perda que está atrás… ou seja, a gente… você só vai contabilizar na hora em que você se depara com uma grande questão, com uma questão limite, não é, seja de doença na família… E aí você observa: ‘Porque eu fui ver isso agora? Onde era que eu tava esse tempo anterior?’ Então é assim, acho que são perdas, elas são cumulativas e elas são invisibilizadas por essa tua rotina. As vezes você não percebe, né? Aí vem, você está o tempo todo cansada e começa a fazer aquela discussão, mas você não resolve, por quees tá alimentada né, com aquela lógica do aprisionamento weberiano. (D2) grifo nosso
A impressão que fica é a de que o conflito entre o fazer o que gosta, mas premido pelo tempo e espaço na condição em que esse trabalho passa a ser exigido, inverte as prioridades e a lógica perde o sentido.
Às vezes, eu tenho, eu tenho poucos momentos assim para… de reflexão, não é, num mar de atividades que eu acabo desenvolvendo. Porque na realidade eu… eu gosto muito de todas as coisas que eu faço. Então, eu reconheço assim que são muitas coisas, as vezes dispersa um pouco… assim, me dão cansaço às vezes. Não é? Uma preocupação, por que são,… Eu acabo envolvido e coordenando várias redes. Redes que se interrelacionam diretamente, as vezes não. Então, é lógico que isto tira um tempo muito grande da minha vida, mas eu me sinto assim… é, eu me sinto construindo algo que eu quero fazer, entende? Me sinto desafiando o tempo e o espaço. Por que às vezes parece inimaginável (D1)
Uma situação que pode ser negada pelos docentes para poder ser mantida, tamanho o mal estar causado.
Então, essa questão aí, do que é que diferencia o prazer da dor, eu acho que a gente acaba num processo de amortizar esse sofrimento, por que ele é constante. Se você ficar aí o tempo todo, você abandona, você entra num processo como muitos colegas entram não é, de depressão, de adoecimento, que é muito sério, que não é pouca coisa. E é muito claro essa questão do adoecimento, isso de medicamentos tarja preta para sobreviver. Eu acho que isso aí está trazendo para o professor, pode até não estar trazendo hoje, mas ele começa a se instalar no professor, essa necessidade de se distanciar disso, de ter mais prazer do que dor, mas eu acho que por enquanto não está se vendo. (D1)
A hetero regulação exercida desde o exterior passa a ser internalizada e a auto regulação é o que assume o comando.
Ou você faz, ou pede para sair! Por que ninguém é obrigado. Todo dia eu me digo isso: ‘Mas porque que eu estou?’ Por que ninguém é obrigado. ‘Por que eu gosto!’ Tem que ter algum prazer para te satisfazer subjetivamente. Tem! Por que se não, ninguém ficava. Mas, que é uma coisa horrorosa!!! E nós somos mais cruéis do que a própria CAPES. Por que a gente é cruel conosco e com os nossos colegas. Porque a gente fica aborrecida quando a gente, se vê alguém que não tem produção e não está nem aí. Pôxa, mas a gente esta na mesma. ‘Eu estou me matando!!!’ Então, é uma coisa contraditória!(D5)
Não há possibilidades de ação fora da competição, do individualismo, posto que o isolamento contribui para que não sejam encontradas saídas.
É assim que a gente vive o dia a dia, o tempo todo com pressa. Você não se permite mais olhar para o seu colega e ver como é que eu posso ajudar. A gente até tem os mecanismos, eles estão aí, mas você não tem tempo para. Por que você tem sempre mil coisas pra fazer, entendeu? E se a gente não estiver atenta a essas coisas, o tempo passa e vai te engolindo. E aí começa a gerar conflitos entre a gente, você passa a ser meu inimigo, quando na verdade você não é meu inimigo. Você é tão vítima quanto eu!(D10)
A reflexão inerente ao pensamento, dele está banida. Só há espaço para ação.
E aqui eu sempre chamo atenção: ‘Olha a gente tem que parar pra reunir Como é que esta?’ Isso tem que ser regular, isso tem que ser prioridade. É preciso a gente se antecipar, se não a gente vai ser engolida. É garantir o tempo para pensar! Por que a rotina ela te engole. Ela impõe um ritmo, um ritmo que não te permite pensar, para se antecipar inclusive, para gente agir estrategicamente. Nós temos vários mecanismos, temos competência, até demais para fazer frente a isso, só que nós não estamos conseguindo, nós não estamos nos permitindo. É como se, a gente vai… se deixa levar, entendeu? Mas a partir do momento que a gente para e pensa: ‘Não! A gente pode ser estratégica. Não vou atender isso, aí não tem como!’ (D10)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação brasileira submetida à logica neoliberal que promove a reprodução cultural do capital ao engendrar sujeitos que se constituem por meio desta nova ordem evidencia que as condições técnicas e sociais existentes atuam de modo a promover isolamento fazendo-os voltar-se para objetivos que assumem como particularmente seus, em contraposição aos de cunho social e coletivo.
A disputa instalada para alcançá-los cria um ambiente desafiador e altamente competitivo que acirra o isolamento e gera stress com objetivo de manter a produção. A satisfação regressiva deslocada para o interior do indivíduo e totalmente apartada de sua função social anterior, a formação humana, é mantida e reforçada pelo discurso ideológico de competência. Um apelo declarado ao narcisismo que fortalece o preconceito justifica a exclusão daqueles que não se submetem aos seus ditames.
Considero oportuno, nos estudos sobre neoliberalismo, educação e subjetividade, chamar atenção para o fato que Foulcault destacou e que permeia e relação pedagógica. O educador exerce uma influência que extrapola a transmissão de conhecimentos. A sua ação, provavelmente, resulta mais importante.
Vamos denominar pedagógica, se desejarem, a transmissão da verdade cuja função é dotar um sujeito, onde quer que seja, com atitudes, capacidades, conhecimentos que ele não possuía anteriormente e que ele poderá possuir ao fim da relação pedagógica. Se então, denominamos ‘pedagógica’ esta relação que consiste em dotar um sujeito qualquer com uma série de habilidades previamente definidas, penso que nós podemos denominar ‘psicológica’ a transmissão da verdade, cuja função não está relacionada com dotar o sujeito de qualquer capacidade, etc, mas cuja função é modificar a forma de ser do sujeito para o qual a dirigimos (Foucault, 2005, p. 407). Tradução nossa 1 Let’s us call ‘pedagogical, ’if you like, the transmission of a truth whose function it is to endow any subject whatsoever with aptitudes, capabilities, knowledge and so on, that he did not possess before and that he should possess at the end of the pedagogical relationship. If, then, we call ‘pedagogical’ this relationship consisting in endowing any subject whomsoever with a series of abilities defined in advance, we can, I think, call ‘psychological’ the transmission of a truth whose function is not to endow any subject with abilities, etcetera, but whose function is to modify the mode of being of the subject to whom we address ourselves (Foucault, 2005, p.407). Texto original
Esta é, certamente, a forma mais eficaz para adequar a educação à reprodução da cultura do capital. Resta saber se os docentes submetidos a esta ideologia continuarão obnubilados e, portanto, limitados em sua capacidade de reagir e refletir. Ou se, ainda que ofuscados pela ideologia, consigam romper com ela visto que a realidade ainda que encoberta, permanece inalterada.
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