BRASIL E CANADÁ NA INTERNACIONALIZAÇÃO DO CIÊNCIAS SEM FRONTEIRAS: A MOBILIDADE NA GRADUAÇÃO

Resumo: O artigo analisa as parcerias acadêmicas entre Brasil e Canadá no âmbito do Programa Ciência Sem Fronteiras e as motivações e experiências vivenciadas por estudantes de graduação do Distrito Federal que realizaram intercâmbio no Canadá. Os dados foram obtidos a partir da análise de documentos sobre a referida parceria e de um questionário respondido por 45 estudantes de graduação. Os universitários indicaram quatro principais motivos para a escolha do Canadá: características geopolíticas do país, facilidade com o idioma, referência na área de formação e contatos entre os docentes do Brasil e do Canadá. Os bolsistas sugerem que os órgãos responsáveis no Brasil revejam as várias etapas e critérios da política em termos de planejamento, financiamento, implantação e avaliação dos seus resultados.

Palavras-chave: Internacionalização da Educação Superior; Programa Ciência sem Fronteiras; Mobilidade Acadêmica.


INTRODUÇÃO

As políticas públicas de educação superior no Brasil passaram por profundas mudanças nas duas últimas décadas, encontrando na internacionalização um meio estratégico para ampliar as parcerias acadêmicas com países cujas instituições despontam nos rankings de excelência difundidos nas redes globais de educação superior. A crescente demanda do mercado por tecnologias de ponta e a globalização de cunho neoliberal fizeram com que os governos adotassem políticas de educação superior voltadas para a promoção de um modelo de cooperação internacional centrado na competição e no desenvolvimento econômico.

No cenário global, discursos e práticas de internacionalização permearam inicialmente nas redes de governança das políticas de educação europeia e se irradiaram rapidamente para outros continentes por meio da mobilidade de políticas e de ideias que se propagaram via acordos transnacionais e se materializaram em contextos práticos segundo a interpretação e tradução dos seus atores locais (BALL, 2014). No Brasil, esse projeto ganhou maior notoriedade com o Programa Ciência sem Fronteiras (CsF), uma política que surgiu em 2011 e que focalizou áreas de conhecimentos e parcerias prioritárias na corrida por maior visibilidade e competitividade do país no cenário internacional na disputada economia do conhecimento (CHAVES, 2015).

A criação do CsF alterou profundamente a dinâmica de internacionalização da educação superior no Brasil e abriu espaço para o fortalecimento de parcerias com países desenvolvidos economicamente, como o Canadá, país que subiu mais posições no ranking das mais de 30 parcerias internacionais firmadas. Nos cinco anos de existência do Programa, o Canadá ultrapassou parceiros tradicionais como França e Alemanha e assumiu a terceira posição na distribuição geral das mais de 101 mil bolsas distribuídas para estudantes de graduação e pós-graduação, ficando com um total de 7.311 bolsas, atrás apenas dos Estados Unidos (27.821 bolsas) e do Reino Unido (10.740 bolsas).

Este artigo faz um recorte de uma pesquisa em andamento que analisa o Programa CsF a partir das parcerias acadêmicas estabelecidas entre Brasil e Canadá desde a criação da política em 2011 (BRASIL, 2011). Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada com base nas categorias teórico-metodológicas de Ball (2012, 2014) para análise das políticas educacionais, que consideram tanto o discurso como o texto da política, com especial atenção para o modo como os atores interpretam e traduzem uma política educacional em seus contextos práticos (ou seja, quando a política entra ação em contextos locais específicos). Nessa perspectiva, as políticas educacionais são entendidas como um campo complexo (envolto em uma rede global), cuja análise não pode ser restrita aos limites do Estado-nação e precisa considerar a mobilidade e fluidez de discursos, pessoas e instituições em suas dinâmicas e contextos locais e globais (BALL, 2014).

A discussão se volta para a interpretação dos estudantes de graduação de instituições de educação superior do Distrito Federal (DF) acerca da opção pelo Canadá e das experiências acadêmicas vivenciadas no contexto prático das instituições de educação superior no país. Os dados foram obtidos a partir da análise de documentos e acordos voltados para as parcerias entre Brasil e Canadá no âmbito do CsF e de um questionário com questões abertas e fechadas enviado para 204 estudantes que receberam bolsas de graduação-sanduíche cadastrados no portal do Programa Ciência sem Fronteiras, no link “Bolsistas pelo Mundo” Disponível em: cienciasemfronteiras.gov.br, obtendo-se um total de 45 respostas até o dia doze de abril de 2016.

O CIÊNCIA SEM FRONTEIRAS E AS REDES DE INTERNACIONALIZAÇÃO ENTRE BRASIL E CANADÁ

Ao discutir as políticas educacionais no contexto das redes globais de políticas permeados por um ideário neoliberal, Ball (2014, p.29) se reporta a uma nova “espacialização” das relações sociais resultantes das mudanças econômicas, políticas e culturais em larga escala que nos últimos anos caracteriza formas também inovadoras de sociabilidade. Essa reorientação espacial traz um novo modo de interação social, que ele denomina de “rede”, definindo como “sistemas circulatórios que conectam e interpenetram”. Nessas redes, consideradas um tipo de “social” novo, as pessoas trabalham por intermédio de formas de “contato”. Essa espacialização pode ser identificada como sendo as redes que promovem uma maior mobilidade entre os atores sociais e reconfiguram suas relações.

No contexto mundial das políticas de internacionalização da educação superior, a mobilidade acadêmica exerce um papel fundamental. No Brasil, a mobilidade acadêmica cresceu significativamente no âmbito de iniciativas de política públicas criadas para apresentar respostas para a forte pressão exercida pela economia globalizada. Segundo Franco e Mocelin (2003), a mobilidade acadêmica acompanhou pari passu a trajetória da educação superior brasileira, indicando a estreita relação entre acordos de nível político-econômico e a cooperação exercida pela educação superior nas áreas da Ciência e Tecnologia. O crescimento das motivações do mercado no cenário da globalização econômica contribuiu para o intercâmbio de mercadorias ao mesmo tempo em que potencializou a mobilidade física das pessoas. Segundo Dias Sobrinho (2010), além de promover os meios e as estratégias da cooperação universitária, essa dinâmica atraiu a internacionalização para os desígnios de benefícios econômicos.

Os acordos bilaterais estreitaram e aprofundaram a relação Brasil-Canadá na última década. A proximidade entre os dois países se reflete na expansão comercial, nos investimentos, nas parcerias de pesquisas avançadas e no aumento das parcerias educacionais (CANADÁ, 2014). O relatório elaborado em 2015 pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática do Senado Federal (BRASIL, 2015), intitulado “Avaliação de Políticas sobre o Programa de Recursos Humanos para Ciência, Tecnologia e Inovação”, chama atenção para o fortalecimento da rede entre os dois países a partir da criação do CsF. O documento enfatiza que a maior parte dos bolsistas brasileiros que optaram pelo Canadá estudaram em universidades do país classificadas em rankings internacionais entre as duzentas melhores do mundo (BRASIL, 2015). Essa atratividade se relaciona com a posição de destaque da educação canadense enquanto referência de qualidade educacional em todos os níveis e modalidades, o que atende os objetivos do CsF de enviar os estudantes brasileiros para universidades com centros de pesquisa de excelência em suas áreas prioritárias.

Com base nos dados da OCDE, Coutelle (2015, p. 37) assinala que “Austrália, Canadá, França, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, juntos, receberam mais de 50% de todos os alunos estrangeiros do mundo”. O Programa de Subvenções para o Intercâmbio de Pesquisa Canadá-América Latina e Caribe – Canadian-Latin America and the Caribbean Research Exchange Grants (LACREG) foi uma das primeiras parcerias. Até 2014, 301 subvenções, com valor de até 15 mil dólares canadenses, foram concedidas por meio das iniciativas de pesquisa colaborativa (EMBAIXADA DO CANADÁ, 2014).  Em 2009, o Ministério de Relações Exteriores e Comércio Internacional do Canadá – Department of Foreign Affairs and International Trade Canada (DFAIT) – passou a ofertar bolsas de estudo internacional no campo do Programa Futuros Líderes das Américas – Emerging Leaders in the Americas Program (ELAP). Até 2014, o programa já havia contemplado 652 bolsistas brasileiros em diversas áreas do conhecimento. (EMBAIXADA CANADÁ, 2015).

No mesmo ano de criação do CsF, segundo o presidente da Associação das Escolas e Institutos Tecnológicos do Canadá – ACCC, James Knight (2012), a associação firmou com o governo canadense um plano para investir $ 10 milhões, ao longo de dois anos (2011-2012), no orçamento para coordenar a estratégia de educação internacional. O foco do governo canadense, nas estratégias de internacionalização, é recrutar um número crescente de estudantes e pesquisadores e a maioria demonstra interesse em permanecer no país após a conclusão dos estudos. Anualmente, duzentos mil estudantes internacionais contribuem com $ 8 bilhões para a economia do país. A internacionalização canadense é diversificada e envolve o fluxo de mão dupla de discentes, docentes e pesquisadores dos países-parceiros.

O aumento bidirecional da mobilidade internacional contribuiria para os objetivos da política externa do Canadá: aumentando a capacidade de competição das empresas canadenses em escala global; aprovisionando a agenda de inovação do Canadá com equipes multinacionais na contratação de pesquisa aplicada; criando laços entre pessoas com a próxima geração de líderes e aumentando a influência do Canadá no mundo. (KNIGHT, 2012, p. 19).

O Canadá está entre os países que mais estabeleceu políticas para avigorar sua centralidade nos circuitos globalizados de produção de conhecimento, assumindo duas finalidades: “atrair estudantes e pesquisadores, ou seja, mão-de-obra qualificada para seus sistemas nacionais de inovação, e diversificar as formas de financiamento desse sistema, por meio de fluxo acadêmicos” (LIMA; CONTEL, 2011, p. 407-408). A solidez, em termos internacionais do sistema de ensino do Canadá, permite que o país se insira de forma mais ativa no atual ciclo do capitalismo cognitivo.

Nesse contexto, o Programa CsF é certamente uma das políticas públicas de educação do Brasil que surgiu com a finalidade de atender a demanda por uma educação superior mais “qualificada”, ao mesmo tempo em que responde às novas exigências da sociedade do conhecimento e do mercado nacional e mundial. Instituído pela Presidência da República, por meio do Decreto Nº 7.642, de 13 de dezembro de 2011, o CsF tem como objetivo geral, segundo o Art. 1º:

[...] propiciar a formação e capacitação de pessoas com elevada qualificação em universidades, instituições de educação profissional e tecnológica, e centros de pesquisa estrangeiros de excelência, além de atrair para o Brasil jovens talentos e pesquisadores estrangeiros de elevada qualificação, em áreas de conhecimento definidas como prioritárias (BRASIL, 2011, p.1).

O CsF é administrado pelas principais agências de fomento à pesquisa e à inovação do Brasil: CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). De 2011 a 2015, o programa investiu expressivamente na mobilidade de estudantes de graduação das áreas de Engenharias e demais áreas tecnológicas, Biologia, Ciências Biomédicas e da Saúde, Indústria Criativa, Ciências Exatas e da Terra e Computação e Tecnologias da Informação.

OS BOLSISTAS DE GRADUAÇÃO E A OPÇÃO PELO CANADÁ

A partir de 2011, várias associações de ensino, organizações e consórcios canadenses assinaram acordos com o governo brasileiro e lançaram chamadas para apresentação de propostas para receber estudantes por intermédio do CsF. No Canadá, as oportunidades para bolsistas brasileiros do programa abrangem até três componentes - formação em línguas, estudos acadêmicos ou de pesquisa em uma instituição canadense e estágios em laboratórios de pesquisa ou no setor privado. Dentre as modalidades de bolsas de estudos concedidas em instituições de excelência no exterior, destacam-se as ofertadas para estudantes de graduação, que representam mais de 80% do total de bolsas disponibilizadas até janeiro de 2016. A pesquisa realizada por Chaves (2015), destaca que o grande percentual de bolsas nessa modalidade foi ampliado devido à demanda insuficiente por bolsas da pós-graduação no decorrer da execução do Programa diante da meta a ser atendida de concessão de grande número de bolsas em poucos anos.

Nos quatro anos de vigência do CsF, foram abertos 14 editais para a concessão de bolsas na modalidade graduação sanduíche para o Canadá.

Quadro 1 – Chamadas do Programa Ciência sem Fronteiras para cursos de Graduação sanduíche no exterior - Canadá.
Fonte: Brasil (2014a). Elaboração das autoras

Ano

Chamada/Edital

Parceiro

2011

Chamada Nº 107/2011

CBIE

Chamada Nº 108/2012

CALDO

Chamada Nº 109/2012

ACCC

2012

Chamada/Edital

Parceiro

Chamada Nº120/2012

CALDO

Chamada Nº 124/2012

CBIE

2013

Chamada/Edital

Parceiro

Chamada Nº140/2013

CALDO

Chamada Nº 152/2013

Chamada 171/2013

Chamada Nº 147/2013

CBIE

Chamada 149/2013

Chamada 168/2013

ACCC

2014

Chamada/Edital

Parceiro

Chamada Nº 188/2014

CBIE

Chamada Nº 189/2014

CALDO

Chamada Nº 204/2014

CIC

O Programa Ciência Sem Fronteiras do Brasil e as parcerias entre renomadas instituições de educação superior do Canadá para atrair estudantes brasileiros são exemplos de que as relações educacionais entre os dois países se estreitaram substancialmente nos últimos cinco anos.

Os estudantes de graduação do DF que realizaram intercâmbio no Canadá são jovens (média de 23,6 anos), com renda familiar acima de 10 salários mínimos (55,6%) e, em sua maioria, se autodeclararam brancos (48,9%) e oriundos de escolas privadas (62,2%). O perfil acadêmico revela que 42 estudantes (93,3%) não receberam ou recebem bolsas para realizar graduação no Brasil; apenas dois estudantes (4,4%) são bolsistas do Programa Universidade Para Todos (Prouni); e um estudante (2,2%) recebe outro tipo de bolsa ou financiamento para realização do curso de graduação. Nenhum dos bolsistas respondentes havia sido beneficiário do Programa de Financiamento Estudantil (FIES). O estudo de Borges (2015) questiona o caráter elitista do CsF, cujos critérios aprofundam um legado de exclusão de negros e estudantes oriundos de escola pública no país, o que certamente passa também pela exclusão dos cursos de licenciatura das áreas prioritárias do programa.

Tratando-se do vínculo institucional dos estudantes do DF, 35 universitários são da Universidade de Brasília (UnB), cinco da Universidade Católica de Brasília (UCB), dois do Ministério do Exército (MEX), um da Universidade do Distrito Federal (UDF) e um da Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS). O mapeamento das instituições de educação superior canadenses escolhidas pelos estudantes do DF revela que as opções foram variadas, incluindo mais de 20 instituições de províncias canadenses distintas, com destaque para as instituições com oferta majoritária de cursos em língua inglesa, tais como University of Toronto (9 estudantes) e University of Ottawa (5 estudantes). As demais receberam menos estudantes.

Do conjunto dos estudantes participantes da pesquisa, 44 (97,8%) são de cursos de bacharelado e apenas um estudante (2,2%) era oriundo da licenciatura. Castro et all (2012) denunciam a exclusão das Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Humanas, Letras e Artes por parte do Programa Ciência sem Fronteiras:

A ênfase nos campos STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) faz sentido, pois as carências brasileiras são bem conhecidas. No entanto, devemos nos lembrar que as outras áreas também têm carências [...]. De fato, existem lacunas importantes nos campos do direito (patentes, legislação antitruste e mercado de capitais para inovação), governança, empreendedorismo, política econômica, política urbana, política educacional e política cultural (CASTRO et all., 2012, p. 33).

Em relação à opção pelo idioma no país que tem tanto o inglês como o francês como línguas oficiais, 41 estudantes (91,1%) optaram pela língua inglesa e quatro (8,9%) optaram pela língua francesa. Apesar de a maioria afirmar uma melhoria considerável no domínio da língua estrangeira após o intercâmbio (91,1%), a maior parte apontou que já se comunicava de forma intermediária na língua escolhida antes mesmo da experiência. Alguns estudantes ressaltaram que o grande ganho com o intercâmbio no Canadá foi de aperfeiçoar duas línguas em uma única oportunidade. No Brasil, uma das maiores barreiras para a internacionalização é a hegemonia da língua inglesa nos editais lançados pela CAPES e CNPq, que excluem um grande percentual de estudantes, docentes e pesquisadores (BORGES, 2015; SANTOS; GUIMARÃES-IOSIF; SHULTZ, 2015).

Dentre as justificativas dos estudantes de graduação do DF para a escolha do Canadá como país de destino para realização de graduação-sanduíche, destacam-se quatro principais motivos: características geopolíticas do país, facilidade com o idioma, referência na área de formação e estabelecimento de contato entre os docentes do Brasil e do Canadá.

Eu escolhi o Canadá por três motivos principais. Primeiro, o Canadá é um país de rara beleza, com lindas paisagens urbanas e naturais. Segundo, a alta qualidade de vida das pessoas que moram por lá (refletida nas menores taxas de mortalidade). Terceiro, o país tem investido muito nas áreas geológicas nesses últimos 40 anos, desenvolvendo pesquisas nas universidades e abrindo oportunidades de emprego em diversas companhias nacionais e transnacionais (Estudante 3).

O estudante acima elencou três justificativas para a escolha do Canadá para realização de intercâmbio universitário: a beleza do país devido às suas características geográficas, a qualidade de vida e o investimento em pesquisas nas áreas geológicas que tem gerado emprego. Na mesma perspectiva, destaca-se a justificativa do seguinte estudante: “Decidi pelo Canadá depois de pesquisar sobre o país e aprender sobre a qualidade de vida, em questões como segurança, igualdade, educação, multiculturalidade, etc, além de estar mais próximo dos EUA e até mesmo do Brasil. (Estudante 7)”.

As justificativas para a escolha do Canadá como país de destino para realização de intercâmbio se relacionam à qualidade dos serviços públicos disponíveis para os cidadãos, ao multiculturalismo e, principalmente, à qualidade educacional reconhecida em diversos rankings internacionais que pontuam várias universidades canadenses entre as 100 melhores do mundo.

A facilidade nos testes de proficiência e o domínio do idioma foi o segundo motivo predominante para escolha do Canadá como país de intercâmbio. “Porque o teste de proficiência em francês para o Canadá era mais fácil que o da França e achei que teria mais chances de passar nele (Estudante 1)”. O fato de as instituições de educação superior canadenses ser referência nas áreas de formação também foi um motivo que justificou a escolha pelo país de intercâmbio. “Escolhi o Canadá pelo fato de ser um dos países referência em pesquisa na área da saúde e do esporte (Estudante 2)”.

O contato dos docentes das instituições de educação superior brasileiras com os docentes das instituições de educação superior canadenses também foi identificado como um motivo para a escolha do Canadá para realização de intercâmbio. “Escolhi, pois, um professor meu tinha contato direto com o professor da University of Ottawa e também com a oportunidade de conhecer um país como o Canadá (Estudante 4)”. Santos, Guimarães-Iosif e Shultz (2015), em seu estudo sobre as parceiras acadêmicas entre Brasil e Canadá, constataram que a maior parte dos projetos de internacionalização entre os dois países emergem de iniciativas individuais e informais entre pesquisadores de instituições brasileiras e canadenses que em algum momento participaram de atividades prévias de internacionalização durante sua formação ou atuação profissional.

AS EXPERIÊNCIAS ACADÊMICAS NO CANADÁ

No atual contexto global da educação superior, é cada vez mais imperativo analisar a dinâmica das relações constituídas nas redes de parcerias educacionais internacionais e problematizar as aprendizagens oriundas das experiências realizadas durantes os processos da mobilidade acadêmica (BALL, 2014).

O estudo identificou que a maior parte dos bolsistas do DF (42,2%) já havia conhecido outro país antes da experiência de intercâmbio no Canadá e que 40 estudantes (88,9%) pretendem realizar outra atividade de internacionalização, sendo que 37 (82,2%) afirmaram que optariam novamente pelo país. Algumas razões mencionadas para justificar a escolha pelo Canadá se referem ao objetivo de realizar pós-graduação no exterior, e também a possibilidade de trabalho e moradia no país. As únicas razões citadas para a não escolha do Canadá para realizar uma nova atividade de internacionalização se relacionam ao clima frio do país e a curiosidade de conhecer mais países por meio da mobilidade acadêmica.

Os participantes da pesquisa também indicaram benefícios e desafios da mobilidade acadêmica entre Brasil e Canadá. Dentre os benefícios destacaram o fato de o Canadá ser um país receptivo aos estrangeiros, a oportunidade de conhecer uma nova cultura, de aperfeiçoar o idioma, de vivenciar uma qualidade de vida e de aprendizado superior. A troca de conhecimentos, experiências pessoais, profissionais e acadêmicas, contatos realizados, acesso a outras tecnologias, acesso às universidades com infraestrutura adequada e professores qualificados, são outros aspectos destacados entre os relatos dos estudantes. O trecho que segue exemplifica estes dados:

O Canadá é um país muito aberto e acolhedor, que tem universidades com infraestrutura invejável, professores altamente qualificados além de ser um grande polo de cultura, por ser um país formado em grande parte por imigrantes. (Estudante 17).

Dentre os desafios enfrentados na mobilidade acadêmica para o Canadá, os estudantes destacaram, em primeiro lugar, os aspectos culturais, por consequência das diferenças e do choque com uma nova cultura. Este aspecto simultaneamente foi identificado pelos estudantes como desafio e como benefício da experiência de internacionalização vivenciada. A adaptação em termos de cultura, condições climáticas (devido ao frio intenso), vida social, hábitos alimentares, métodos de ensino, distância da família, aspectos psicológicos e emocionais, e até mesma a adaptação de retorno ao Brasil, aparecem em segundo lugar. O idioma, referenciado como um benefício, se evidencia também como um desafio. Destacam-se, ainda, os entraves quanto à realização de estágios, e há queixas dos estudantes sobre o acompanhamento por parte das agências de fomento brasileiras, tanto no que se refere à burocracia em termos de documentação, quanto à falta de informações aos estudantes.

A quantidade de documentação que é exigida para você conseguir ir. Se a pessoa não tiver uma renda mínima ela não consegue pagar por todos os documentos que são exigidos como tradução juramentada, retirada de passaporte, fotos, autenticação... E também o órgão responsável pelos brasileiros no Canadá deixou muito a desejar. Eles não sabiam de nada e deixavam a gente desesperados com algumas informações terroristas em relação ao aceite da Universidade. Fora o período de estágio que temos que fazer lá em que eles dizem que vão arrumar estágio pra gente quando na verdade você tem que ir atrás de tudo sozinho. No meu caso que era da saúde foi extremamente difícil de achar o estágio porque eu não podia estagiar como enfermeira já que meu curso não era dentro da enfermagem. A gente mandava e-mail pedindo informação e eles não sabiam dizer nada. Não tive uma boa experiência de estágio. (Estudante 22)

Os estudantes também foram questionados sobre o desenvolvimento de alguma pesquisa ou projeto em parceria com algum colega ou professor da universidade canadense durante sua experiência no CsF. Dos 45 participantes, 31 responderam a esta questão: 18 (58,1%) afirmaram terem desenvolvido pesquisa ou projeto em parceria com algum colega ou professor da universidade canadense; mas 13 estudantes (41,9%) não desenvolveram pesquisa ou projeto em parceria. Estes destacaram que os estudantes canadenses são educados, mas bastante reservados em sua privacidade, estando acostumados com estudantes estrangeiros e não demonstram mais tanto interesse por novas experiências de mobilidade acadêmica. Nesse contexto, a maioria dos entrevistados pontou que os maiores vínculos foram feitos com estudantes estrangeiros, de nacionalidades diversas, que estavam participando de atividades de intercâmbio na universidade canadense selecionada.

As diferenças e similaridades entre a universidade de origem no Brasil e a de destino no Canadá também foram avaliadas pelos estudantes universitários do DF. No que se referem às diferenças, predominantemente destacou-se a qualidade da infraestrutura das universidades canadenses, com referência a melhor qualidade dos espaços físicos, laboratórios, materiais e equipamentos de tecnologia de ponta. Outra diferença destacada pelos estudantes é a menor carga horária das aulas nas instituições canadenses, considerado como algo positivo na experiência acadêmica, pois é atribuída maior importância às aulas práticas e ao aprendizado fora do horário de aula, o que os estudantes identificam como um aspecto que valoriza a autonomia do aluno.

Ao serem questionados sobre qual universidade estaria mais preparada para ofertar uma educação de qualidade, os estudantes de graduação do DF participantes do CsF manifestaram-se da seguinte forma: para 14 estudantes (42,2%) as universidades canadenses estão mais preparadas; 10 estudantes (32,3%) consideram que tanto as universidades brasileiras quanto as canadenses podem oferecer uma educação de qualidade, tendo em vista as especificidades e desafios de cada uma delas; 06 estudantes (19,4%) não definiram ou deixaram claro essa opção; e apenas 01 estudante afirmou que a universidade brasileira está mais preparada para ofertar uma educação de qualidade. “Enquanto as instalações do Brasil são mais precárias, as do Canadá são de última geração, mas o ensino brasileiro é mais preparado para o estudante ser mais independente e sério.” (Estudante 20).

Em relação à avaliação das parceiras entre Brasil e Canadá no CsF, das 31 respostas obtidas: 13 estudantes (41,9%) consideram que elas fortalecem as parcerias acadêmicas e melhora a educação superior nos dois países; oito (25,8%) avaliam que fortalecem principalmente a educação superior brasileira e suas redes de pesquisa; sete (22,6%) responderam que as parcerias favorecem o crescimento apenas do estudante beneficiado e não das instituições envolvidas; um estudante (3,2%) considera que o programa fortalece principalmente a economia canadense e não melhoram a qualidade de educação superior no Brasil; e dois estudantes (6,3%) marcaram outros, sem indicar qual seria sua avaliação.

Os bolsistas indicaram mudanças para o programa e acreditam que os órgãos responsáveis no Brasil precisam rever as várias etapas e critérios da política em termos de planejamento, financiamento, implantação e avaliação dos seus resultados. “Melhor controle dos alunos durante o intercâmbio com relação a notas, presenças e matérias cursadas.” (Estudante 32). “A minha sugestão é que haja uma maior fiscalização em relação ao que o programa propõe e um melhor diálogo entre os países. E uma melhor comunicação entre o aluno que está no exterior e a CAPES.” (Estudante 25).

Além das sugestões apresentadas acima, que estiveram entre as mais citadas pelos participantes, algumas são importantes de serem mencionadas: i) acompanhamento mais rigoroso aos bolsistas com relação ao retorno à sociedade, considerando o investimento feito e os conhecimentos adquiridos; ii) melhoria no planejamento, controle e gestão financeira do Programa, considerando também os gastos específicos dos bolsistas nos locais em que estão realizando o intercâmbio; iii) aumento do número de bolsas para a pós-graduação; vi) oferta de assistência psicológica aos bolsistas; v) aperfeiçoamento das estratégias de acompanhamento e esclarecimento sobre os processos e atividades do intercâmbio.

Ao analisarmos as dinâmicas do CsF no processo de fortalecimento da internacionalização Brasil e Canadá, é crucial considerar o desafio do Estado brasileiro e de suas instituições de fomento no sentido de promover políticas de internacionalização que superem o mero envio de estudantes para o exterior e que favoreçam um modelo ativo e horizontal de internacionalização da educação superior (LIMA; CONTEL, 2011; SANTOS; GUIMARÃES-IOSIF; SHULTZ, 2015), onde bolsistas e instituições das duas nações se beneficiem tanto educacional (CHAVES, 2015) como economicamente e onde todos possam aprender e ensinar durante o processo.

CONCLUSÕES

A internacionalização precisa ser analisada a partir da complexidade e contradição que cerca esse emergente campo das políticas educacionais no mundo globalizado (BALL, 2014). Se por um lado a internacionalização aproxima estudantes, pesquisadores e instituições de diferentes países, ampliando a troca de experiências culturais e acadêmicas; por outro lado, é vista como fonte lucrativa, agregando valores aos países que buscam a competitividade e a eficiência no mercado global.

As redes de parcerias acadêmicas e de aprendizagem entre Brasil e Canadá foram consideravelmente expandidas e aprofundadas desde a criação do CsF. Todavia, limitações no planejamento e execução da política restringiram um aproveitamento maior por parte dos estudantes de graduação contemplados com a bolsa. A semente foi plantada e agora é necessário avaliar o impacto das medidas adotadas até então e projetar alternativas para o futuro do programa diante dos atuais cortes financeiros nas políticas públicas no Brasil. Santos (2010, p. 57), defende que apesar dos interesses econômicos permearem as relações internacionais é fundamental reconhecer também que “há espaço para articulações nacionais e globais baseadas na reciprocidade e no benefício mútuo”. Eis o desafio!

REFERÊNCIAS

BALL, S. J. Educação Global S.A.: novas redes políticas e o imaginário neoliberal. Tradução de Janete Bridon. Ponta Grossa: UEPG, 2014.

BALL, S. J.; MAGUIRE, M. BRAUN, A. How schools do policy: policy enactments in secondary schools. London: Routledge, 2012.

BRASIL. Ciências sem Fronteiras. Chamadas Públicas para Graduação Sanduíche no Canadá. 2014a. Disponível em: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/canada2. Acesso em: 10 mar. 2016.

______. Ciências sem Fronteiras. Dados Chamadas Graduação Sanduíche. Dados atualizados em 31 dez. 2014b. Disponível em: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/dados-chamadas-graduacao-sanduiche. Acesso em: 10 mar. 2016.

______. Ciências sem Fronteiras. Panorama Geral de Implementação das Bolsas do Programa. Dados atualizados em janeiro de 2016c. Disponível em: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/painel-de-controle. Acesso em: 22 jan. 2016c.

______. Decreto Nº 7.642, de 13 de dezembro de 2011. Institui o Programa Ciência sem Fronteiras. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7642.htm. Acesso em: 10 mar. 2016.

______. SENADO FEDERAL. Relatório nº 21 de 2015, de Avaliação de Políticas Públicas sobre o Programa de Formação de Recursos Humanos para Ciência, Tecnologia e Inovação, com especial enfoque para o Programa Ciência sem Fronteiras. Disponível em: http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getPDF.asp?t=185599&tp=1. Acesso em: 10 mar. 2016.

BORGES, R. A. A interseccionalidade de gênero, raça e classe no Programa Ciência sem Fronteiras: um estudo sobre estudantes brasileiros com destino aos EUA. 2015. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de Brasília, 2015.

CANADÁ. Ciência sem Fronteiras. Dados atualizados em 30 abr. 2014. Disponível em: http://www.canadainternational.gc.ca/brazil-bresil/study-etudie/swb-ssf.aspx?lang=por. Acesso em: 10 mar. 2016.

CASTRO, C. M. et al. Cem mil bolsistas no exterior. Interesse Nacional, Ano 5. n. 17, abr./jun. 2012.

CHAVES, G. M. N. As bolsas de graduação-sanduíche do Programa Ciência sem Fronteiras: uma análise de suas implicações educacionais. 2015. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Católica de Brasília, 2015.

COUTELLE, J. E. Internacionalização – Rumo ao exterior. Ensino Superior, São Paulo, n. 2014, p 34-38, nov., 2015.

DIAS SOBRINHO, J. Dilemas da educação superior no mundo globalizado: sociedade do conhecimento ou economia do conhecimento? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.

EMBAIXADA DO CANADÁ. Abrem mais duas oportunidades de bolsas de estudo no Canadá. 21 mar. 2014. Disponível em: http://www.canadainternational.gc.ca/brazil-bresil/highlights-faits/2014/scholarships_Can_bourse_etude.aspx?lang=pt. Acesso em: 10 mar. 2016.

______. Bolsas de estudo no Canadá com inscrições abertas até 30 de abril. 22 abr. 2015. Disponível em: http://www.crub.org.br/?p=3855. Acesso em: 10 mar. 2016.

FRANCO, M. E. D. P.; MOCELIN, D. G. Mobilidade estudantil acadêmica e espaços internacionais: parcerias brasileiras na educação superior. Sociedade Brasileira de Educação Comparada. Construindo a identidade latino-americana. 2013. Disponível em: www.sbec.org.br/evt2003/trab17.doc. Acesso em: 10 mar. 2016.

KNIGHT, J. Creative thinking needed to boost student mobility. Embassy, February 15, p. 19, 2012.

LIMA, M. C.; CONTEL, F. B. Internacionalização da educação superior: nações ativas, nações passivas e a geopolítica do conhecimento. São Paulo: Alameda, 2011.

SANTOS, A. V. dos; GUIMARÃES-IOSIF, R.; SHULTZ, L. (Des)construindo pontes: parcerias universitárias internacionais no Brasil e no Canadá. In: Guimarães-Iosif, R. (Org.), Educação Superior: conjunturas, políticas e perspectivas. Brasília: Liber Livro, 2015. p. 17-34.

SANTOS, B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010.