A MISSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: PERFIL DE UNIVERSIDADES PÚBLICAS
Resumo: Este estudo partiu da seguinte questão: qual o lugar da universidade pública na produção e difusão do conhecimento? O objetivo: analisar a missão de universidades federais brasileiras, bem como compreender seu compromisso com a sociedade. A metodologia foi qualitativa; a análise de documentos foi a técnica utilizada e os documentos foram os Planos de Desenvolvimento Institucional/PDI. As instituições que fizeram parte desta pesquisa foram universidades federais brasileiras, somando um total de 27 IES. A missão foi a parte do documento utilizada para análise. O papel das universidades no plano de desenvolvimento da nação é declarado na missão de acordo com a dinâmica cultural, social, política, institucional e econômica.
Palavras-chave: universidade; missão; desenvolvimento.
INTRODUÇÃO
As sociedades pós-modernas estão passando por transformações, as quais têm implicado no contexto da educação superior e, por conseguinte, têm alterado o paradigma das declarações de missão das instituições de ensino superior. A proposição é que as IES transformem-se para se tornarem indicadores das mudanças, de forma a influenciar seu tecido social, ao invés de apenas ser por ele influenciada. A melhor maneira das IES serem vetores de mudanças e desenvolvimento é a garantia de seu autogoverno, independência e autonomia.
A sociedade do conhecimento tem influenciado as universidades a dar importância ao desenvolvimento econômico, sobreposto ao desenvolvimento humano e sociocultural. Um dos principais desafios destas neste tempo de globalização e incertezas está em encontrar o equilíbrio entre reagir às mudanças da sociedade, cujo paradigma é o empreendedorismo inerente ao universo capitalista, e simplesmente aceitar tais mudanças.
A expressão “torre de marfim” ganhou o mundo, como uma forma de se tecer críticas à universidade do tipo elitista e desvinculadas das questões sociais, quando, de fato, sua missão é estar imbuída do firme propósito de contribuir na solução dos problemas que afligem a sociedade. A universidade precisa ser capaz de atender às necessidades sociais e, como produtora de ideias e conhecimento cientifico, tecnológico e humanístico, colocar-se como espaço importante na dinâmica do desenvolvimento social, ambiental, econômico e cultural.
As palavras conhecimento e desenvolvimento aparecem numa frequência significativa nas declarações de missões das universidades. O conhecimento gerado e socializado nas IES, através dos processos indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão, têm influência direta no processo de desenvolvimento em suas múltiplas dimensões. Por isso, acreditamos que a missão da universidade é produzir conhecimento para o desenvolvimento humano, social, econômico e sustentável, para a promoção de uma melhor qualidade de vida individual e coletiva. O desenvolvimento econômico, por sua vez, tem relevância na missão da universidade, mas não precisa se sobrepor no elenco de seus objetivos institucionais, apesar de ocupar lugar de destaque na sociedade globalizada, fundamentalmente caracterizada pelo predomínio de princípios das ciências econômicas.
Este estudo partiu da seguinte questão de investigação: qual o lugar da universidade pública na produção e difusão do conhecimento, para fins de desenvolvimento da sociedade? O objetivo geral é analisar as declarações de missão de universidades federais brasileiras, bem como compreender seu compromisso com a sociedade, através de suas atividades da pesquisa (conhecimento), do ensino (formação profissional) e extensão (responsabilidade social).
A metodologia foi com base na abordagem qualitativa; a análise de documentos foi a técnica de coleta de dados utilizada e os documentos foram os Planos de Desenvolvimento Institucional das universidades inseridas neste estudo. As instituições que fizeram parte desta pesquisa foram as universidades federais brasileiras, com sede nas capitais, somando um total de 27 IES, portanto, 27 PDI’s. O período de aprovação dos documentos variam, do ano de 2009 até o ano de 2016, conforme demonstração: 2009: 02; 2010: 02; 2011: 05; 2012: 04; 2013: 05; 2014: 03; 2015: 05; 2016: 01.
A missão foi a parte do documento utilizada para análise. Após a leitura dos textos, foram selecionadas as unidades de análise das declarações, apresentadas na seção dos resultados.
A MISSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: PARA ONDE CAMINHA O DEBATE?
Para a escrita desta seção foi realizado um levantamento de publicações na base de dados da Capes e Scielo, entre os anos 2011 e 2016. Os documentos encontrados foram, relativamente poucos, porém válidos para apontar por onde e para onde está caminhando o debate da literatura sobre a missão da universidade pública brasileira. No total foram 07 trabalhos, sendo 03 da base Capes e 04 da base Scileo, dentre estes, 03 dissertações e 04 artigos. Após a leitura e análise dos documentos foi feita uma triagem de contextos e aspectos relacionados à missão da universidade discutidos pelos autores, aqui identificados como unidades de análise: conhecimento; a universidade impulsionada pela economia de marcado; gestão e planejamento estratégico; ranqueamento das universidades.
Atualmente, em tempos de mundialização do capital, de mudanças tecnológicas e de recomposição do sistema produtivo, o conhecimento assume papel relevante no contexto ideológico da sociedade capitalista e, em decorrência, a educação vem assumindo papel decisivo no plano de desenvolvimento das nações, principalmente nos vieses político e econômico (DUARTE, 2003). Observamos o uso cada vez mais competitivo do conhecimento e das inovações tecnológicas, principalmente por se fazer presente na vida econômica dos indivíduos, das organizações e, em especial, das universidades. Diante deste cenário, acreditamos que o conhecimento se faz cada vez mais pilar da riqueza e do poder das nações, mas, ao mesmo tempo encoraja a tendência a tratá-lo meramente como mercadoria sujeita às leis do mercado e aberta à apropriação privada.
Diante do valor do conhecimento na sociedade, dita “do conhecimento”, é papel das universidades, torná-lo mais acessível à população através de sua produção e socialização, bem como reconhecê-lo não apenas como fator essencial do processo de produção e geração de riqueza (DUARTE, 2003), mas, sobretudo, como uma herança humana que está a serviço da vida e, que por isso, implica questões éticas, sociais e ambientais. Concordamos com o entendimento de Neubauer e Ordóñez (2009), ao advogarem a ideia de que numa sociedade mais complexa e interconectada do que nunca, as universidades precisam reconhecer novas maneiras de executar seu trabalho, levando em consideração as cooperações com outros setores da sociedade e com parceiros para além de fronteiras regionais e nacionais.
Um dos aspectos relacionados à educação superior que se faz presente de forma recorrente no debate atual gira em torno da universidade impulsionada pela economia de mercado. A universidade pública não está fora dessa discussão, pois as recomendações de organismos internacionais, dotados de forte ideologia neoliberal, delineiam a natureza de sua gestão e de sua política universitária. Por isso dizemos que a universidade está sob a égide do mercado capitalista e das políticas neoliberais de uma sociedade individualista e competitiva.
A universidade, na concepção de Dias Sobrinho (2015), é um dos espaços públicos em que privilegiadamente podem e devem vicejar as reflexões, os conhecimento e técnicas, em clima de normal aceitação das contradições, das diferentes visões de mundo, da liberdade de pensamento e de criação. Não como torre de marfim, como bem lembra o autor, mas, sobretudo, com instituição mergulhada nas contradições da barbárie e da liberdade humanas, portanto, com enormes potencialidades e graves responsabilidades públicas.
Na arena do debate sobre a missão da universidade pública, Dias Sobrinho (2015) ressalta a de formar pessoas com alto sentido cultural, moral e político de cidadania e de contribuir, em sua esfera de possibilidades e em seus limites, para a solução de problemas da coletividade.
Neste cenário neoliberal, a universidade tem voltado seu olhar para atender às necessidades do capital, para a produção de riqueza, cujo conhecimento produzido está a serviço da economia. Trata-se, entretanto, de pensar a universidade como um locus de produção de ideias, de debates e de contradições. Ao nosso entendimento, a universidade precisa buscar o equilíbrio em sua missão: por um lado promover a construção de uma sociedade mais justa e democrática e, por outro lado, assumir-se como propulsora de um desenvolvimento econômico que não reduza as pessoas em seres produtivos, em cujo valor seja a acumulação e o lucro.
O planejamento estratégico é um dos pilares da gestão, como apontam as produções analisadas. O PDI, documento base para a escrita deste artigo, está se reconfigurando no plano estratégico da universidade. No sentido de atender as exigências de um ambiente pressionado pelas forças políticas e econômicas, as universidades brasileiras estão reconfigurando sua gestão e, neste processo, adotando modelos de planejamento estratégico como ponto de partida.
Um dos estudos levantados na base de dados Scielo faz referência ao esquema analítico para o processo estratégico, um estudo de caso em uma universidade pública. O autor quer saber, em sua pesquisa, como determinadas estratégicas surgem e quais aspectos conjunturais influenciam na definição de prioridades e nos processos de tomada de decisão de seus implementadores (PALÁCIOS, 2015). O processo estratégico define o modo como as estratégicas de uma organização são elaborados e implementados e como estas influenciam nas tomadas de decisões e ações, incluindo assimilação e reação a interferências externas (BULGACOV, PROHMANN e BARANIUK, 2007). As universidades são instituições fragmentadas em grupos com aspirações, valores, expectativas e crenças diferentes e estas diferenças quase sempre contribuem para reforçarem tensões nas discussões sobre o que a universidade é e o que a universidade deveria ser. Ainda nesta esteira vale lembrar que o planejamento estratégico é um processo essencialmente político, em que vários grupos lutam por influenciar o cenário da política universitária (BORGES e ARAÚJO, 2001).
Borges e Araújo (2001) reconhecem que a utilização do planejamento estratégico em universidade, em especial a pública, não é tarefa fácil e exige que faça algumas considerações sobre a natureza de sua gestão e de sua política universitária: a universidade é uma estrutura administrativa, um sistema político, um centro científico, uma academia, um foco cultural e uma fonte de valores, uma estrutura de muitas complexidades. As autoras reconhecem a dificuldade da universidade de mensurar os resultados de suas ações, e também, a ausência de uma cultura de planejamento. Nesta perspectiva, para Santos et al (2009), as complexidades da universidade recaem sobre: a variedade de públicos ou stakeholders com os quais se relaciona; a multiplicidade de objetivos; a diversidade de serviços que oferece; a diversidade de formação de seus recursos humanos; os diversos tipos de tecnologias que deve dominar; a extensão da infraestrutura que possui. Implica lembrar que na universidade pública, somamos estas complexidades a outros elementos próprios do setor público: a profusão de normas emanadas dos poderes centrais, as pressões políticas, a escassez de recursos e a lentidão do processo burocrático.
Assim, passa a ser rotina, uma desenfreada competitividade interna e também entre as instituições e mesmo entre países, porque a política de investimentos para as universidades é definida por instrumentos que classificam as instituições em uma escala numérica: o ranqueamento.
A presença de ranqueamentos, outro aspecto identificado nas produções, no campo da educação superior redireciona a gestão e a política universitária, colocando em destaque um poderoso sistema de meritocracia e promoção de competição. Os rankings universitários estabelecem padrões do que seria a qualidade da educação superior, por isso, as instituições acabam focando em indicadores de excelência.
A natureza competitiva das universidades é um reflexo da competitividade imposta pelos valores de mercado. Implica lembrar que o financiamento das universidades está diretamente ligado ao padrão de qualidade acadêmica da universidade, ou seja, as melhores universidades, as que mais produzem ciência, as com maior número de programas de pós-graduação, as melhores avaliadas pelo Estado regulador, são as que têm maiores possibilidades de investimentos financeiros, principalmente através de cotas de bolsas, fomento à pesquisa e à extensão. A lógica competitiva atropela a própria história, distorce a ordem natural do equilíbrio da consciência social, e as regras institucionais democráticas passam a ser influenciadas pelos valores de mercado. Essa ideologia do indivíduo possessivo reduz toda faceta da subjetividade à realidade econômica (PEREIRA, 2007).
Essa mesma lógica do mercado chega às universidades com potencial para desencadear um processo de desumanização dos sujeitos em nome da excelência e do capital cultural (BOURDIEU, 1997), para enfim, determinar valores e dominar as tomadas de decisão. Assim, a universidade passa a fortalecer esse estilo privatizado de viver na formação de comportamentos (PEREIRA, 2007). O conceito de universidade, então, é esvaziado de conteúdo social, e a definição dos sujeitos dos seus objetivos educacionais obedece, cada vez mais, aos objetivos mercantis, afirma a autora.
As pressões do campo econômico são tão poderosas que a universidade redireciona toda sua política em função de atender a meritocracia e, por isso, vai se tornando cada vez mais utilitarista, produzindo conhecimentos como se produzisse mercadoria. Nesta esteira, os docentes/pesquisadores vão se transformando em trabalhadores, produtores de conhecimento, vendedores de aula, donos de currículos impecavelmente recheados de publicações. A qualidade é para o mercado e qualidade para o mercado, conforme assinala Dias Sobrinho (2015), é redução do cidadão a capital ou recurso humano. Vale, então, afirmar que a universidade é feita por pessoas, é muito ruim para a universidade quando não pode contar com as pessoas.
A MISSÃO DA UNIVERSIDADE: PARA ONDE APONTAM OS DOCUMENTOS
Para a obtenção dos resultados foram analisadas declarações de missão de 27 Planos de Desenvolvimento Institucional de 27 universidades federais, com sede nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. O PDI, como documento orientador das IES, ao lado do Estatuto, tem como objetivo primeiro gerir a universidade de forma planejada, participativa, no sentido de refletir o diálogo e a construção de consensos entre a universidade e os diversos setores da sociedade. É um instrumento orientador das ações e decisões institucionais.
A missão da universidade pública brasileira aponta para alguns aspectos, que por sua vez, influenciam na tomada de decisão quanto à elaboração da política universitária de ensino, pesquisa, extensão e também de gestão. Em linhas gerais, o texto da missão nos documentos analisados trazem em seu bojo, as seguintes ações, as quais a universidade se compromete a cumprir, como promover: produção e socialização do conhecimento, formação profissional, consciência crítica e cidadania, desenvolvimento regional, desenvolvimento sustentável, inovação e excelência acadêmica, melhoria na qualidade de vida, sociedade igualitária e democracia, ética, desenvolvimento humano e sócio cultural, responsabilidade social, desenvolvimento econômico, solidariedade nacional e internacional.
Categorias |
Freq. % |
---|---|
Produzir e socializar conhecimentos |
100 |
Exercício profissional |
43,2 |
Consciência crítica e cidadania |
43,2 |
Desenvolvimento regional |
29,7 |
Desenvolvimento sustentável |
24,3 |
Inovação e excelência acadêmica |
24,3 |
Melhoria da qualidade de vida |
16,2 |
Sociedade igualitária e democrática |
16,2 |
Ética |
16,2 |
Desenvolvimento humano e sociocultural |
13,3 |
Responsabilidade social |
10,8 |
Desenvolvimento econômico |
8,1 |
Solidariedade nacional e internacional |
5,4 |
As declarações de missão, pela forma que consta nos PDI’s, delineiam as ações da IES para a produção, sistematização e difusão do conhecimento científico, tecnológico, artístico e humanístico, por meio da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão. Outro aspecto observado nos textos é a qualificação de pessoas para o exercício profissional, mediante ações integradas, com a finalidade de contribuir para a melhoria da qualidade de vida, para a formação de uma consciência crítica e de cidadania, visando uma sociedade igualitária e democrática.
De modo geral, os textos indicam que as universidades têm como visão a excelência institucional e acadêmica, ser reconhecida por sua dinamicidade e qualidade na prestação de serviços educacionais, pelo desejo de ultrapassar padrões consagrados como excelentes e pela expansão e aperfeiçoamento do capital intelectual da sociedade. Para tanto, as instituições propõem ampliar e aperfeiçoar a mobilidade interinstitucional, inovar o planejamento, a produção, a gestão e avaliação, redesenhar e implementar uma política de comunicação, intensificação de meios e visibilidade institucional.
Os principais valores elencados pelas instituições, tal como posto nos Planos de Desenvolvimento Institucional, também como construtos da missão, são os seguintes: autonomia, qualidade, inovação, atuação, internalização, independência, eficiência, ambiente de boa convivência, responsabilidade, comprometimento, respeito à liberdade, incentivo à participação, inclusão, democracia, planejamento, transparência, ética. Neste sentido, algumas IES, apresentam os referenciais orientadores do cumprimento da missão, como exemplos: respeito à pessoa e à diversidade de pensamento, disseminação de todas as formas de conhecimento.
O quadro anterior revela o nível de importância das categorias para as IES estudadas através dos PDI's analisados. A categoria “produção e distribuição do conhecimento” aparece como a principal missão das universidades, numa frequência de 100% nos documentos analisados.
Em decorrência são aqui apresentadas as demais categorias: a formação para o exercício profissional e para a consciência crítica e cidadania aparecendo em 43,2% dos documentos analisados. A produção do conhecimento para o desenvolvimento é uma categoria apresentada da seguinte forma: desenvolvimento regional em 29,7%, desenvolvimento sustentável em 24,3%, desenvolvimento humano e sociocultural em 13,3% e, em penúltimo lugar das categorias, o desenvolvimento econômico, num percentual de 8,1% dos documentos. É perceptível nos documentos que o conhecimento produzido nas universidades tem como finalidade a promoção do desenvolvimento em suas múltiplas dimensões: social, cultural, ambiental e econômico.
A universidade inovadora e comprometida com a excelência acadêmica é uma das missões das IES, aparecendo em 24,3% dos PDI’s. Em 16,2% dos documentos aparecem três categorias distintas, sendo elas: a geração do conhecimento, visando a melhoria da qualidade de vida; a formação de uma sociedade igualitária e democrática; e a defesa da ética. A responsabilidade social, tema recorrente nos debates sobre a missão educação superior e uma das dimensões da avaliação do SINAES, é uma categoria que aparece numa frequência relativamente baixa, em apenas 10,8% dos documentos. E, finalmente, em menor frequência, aparece a categoria referente à necessidade da universidade contribuir para a solidariedade nacional e internacional, em apenas 5,4% dos PDI’s analisados.
O quadro acima apresentado demonstra que a produção e disseminação do conhecimento tem sido uma preocupação das universidades. Este propósito continua sendo a maior missão da instituição de ensino superior, isso não podemos negar. O que, provavelmente, tem mudando de acordo com os interesses sociais, econômicos e ideológicos, são os fins do conhecimento produzido e socializado na universidade.
Os fins do conhecimento revelam um dos principais pontos de contradição no contexto da educação superior. A sociedade atual está vivendo tanto uma época de mudança quanto uma mudança de época, dada à agressiva instabilidade da sociedade em movimento acelerado, principalmente quando se refere ao conhecimento, elemento que precisa incluir como finalidade a dimensão de transformação social, mas que, por vezes, está a serviço do capital.
Na atual conjuntura, o cenário específico em que se encontra a sociedade brasileira é aquele desenhado por um intenso processo de globalização econômica e cultural, conduzido pela expansão da economia capitalista, que se apoia política e ideologicamente no paradigma neoliberal. Por isso, a tendência mundial é impor aos países a priorização da lógica do mercado na condução da vida social. Em ralação à missão da educação, em especial a educação superior, em decorrência do imperialismo da sociedade capitalista, parece prevalecer a teoria do capital humano, ou seja, a da preparação de mão-de-obra para o mercado de trabalho. Por sua vez, a ideologia neoliberal encontra apoio teórico nas teses filosóficas que consideram que vivemos uma nova era, aquela da pós-modernidade, caracterizada pelas incertezas do campo social. A modernidade, ao contrário da sociedade atual de rápidas e intensas mudanças, foi um tempo de grande segurança e forte identidade das instituições de ensino superior e da educação superior em si mesma, isto é, havia um consenso essencial, para além da diversidade dos sistemas de ensino superior, acerca do que era educação superior e acerca dos seus objetivos educacionais, sociais e políticos. Época de integração política das instituições no âmbito do Estado e a consolidação deste como instância central de regulação (MAGALHÃES, 2006; SEVERINO, 2008).
À medida que se foi caminhando para além da modernidade foram-se instalando dúvidas acerca daquilo que é considerado conhecimento e seus fins (MAGALHÃES, 2006), os quais têm gerado grande impacto e tensões no campo do ensino superior, e que foi assim, redefinindo os seus papéis sociais e educacionais e as suas missões institucionais. Neste sentido, não está superada a ideia do que seja o conhecimento produzido na universidade e quais seus fins e a quem este conhecimento possa estar a servir. Para Oliveira (2007), as universidades públicas lutam entre ajustar-se às políticas e missões da educação superior e às demandas do mercado e desenvolver um projeto político próprio, coerente com a construção da autonomia e a democracia. Para tanto, conforme Georgen (2003), o projeto de ensino e pesquisa da universidade precisa preservar o sentido social, onde a perspectiva da responsabilidade implica um repensar da universidade no horizonte de seu sentido igualitário. Porém, o risco que ela corre é o de tornar-se, por força desse processo induzido de ajuste e regulação do sistema, uma universidade muito dependente das imposições políticas e das metas do poder executivo do país, mercantilizando sua produção acadêmica. Oliveira (2007) reconhece que, nesse processo de ajustamento, de sobrevivência e de desenvolvimento institucional, há indícios de que muitas universidades (federais – caso específico deste estudo) estejam assumindo perfil mais funcional e pragmático, o que pode distanciá-las do ideal de universidade como instituição social, que tem como objetivo produzir conhecimentos para contribuir com o processo de emancipação da sociedade.
A discussão em torno da missão da educação superior põe a universidade em significados ambivalentes: de um lado, a universidade vista como fábrica do conhecimento; de outro lado, a universidade pensada como instituição para o desenvolvimento humano e cultural. Para Velho (1999, p. 135), a lógica da tendência utilitarista da universidade tende a reduzir a construção do conhecimento à produção de conhecimento mercadológico, ou seja, a universidade diretamente ligada ao setor produtivo, na consolidação da “fábrica do conhecimento”.
Ainda assim, há estudos indicativos de críticas a respeito do conhecimento gerado na universidade pública na América Latina (e o Brasil não é diferente) e sua aplicação prática e comercial. Referimos aos estudos de Arocena e Sutz (2001) e Rodrígues et alli (2008), os quais revelam que, no caso da América Latina, o regime de incentivo para a pesquisa é desalinhado, que significa que há baixa expectativa entre o conhecimento produzido nas universidades e suas respectivas aplicações comerciais a fim de gerar ganhos de produtividade e competitividade. Há, nesta perspectiva, uma lacuna entre a produção científica e a inovação tecnológica. A crítica está em reconhecer que o conhecimento gerado na universidade ainda está ao alcance de poucos.
Entendemos, portanto, que a missão da universidade é, em primeiro lugar, tornar-se um lugar de ideias e construção do conhecimento, construção mesmo no sentido real da palavra, e não um espaço de ideias sem propostas reais e exequíveis na solução dos problemas sociais. Em segundo lugar, ser um espaço comprometido com o ensino, a pesquisa e extensão e, por conseguinte, um ambiente promotor dos avanços do conhecimento útil, para além da utopia, aplicável às realidades sociais, para ajudar a resolver os problemas mais urgentes e para contribuir na melhoria da qualidade de vida. É objetivo da universidade, neste processo, tornar-se uma instituição com estratégias eficientes e efetivas de gestão e de busca de novos recursos para o cumprimento de sua missão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As declarações de missões postuladas nos Planos de Desenvolvimento Institucional analisadas neste estudo levam à reflexão do real papel da universidade neste tempo de contradições e incertezas. Os documentos são uma forte referência para as instituições, pois nele estão ditas e oficializadas as principais preocupações da gestão no cumprimento da missão da educação superior.
A partir do estudo destes documentos, pode-se perceber que a universidade pública brasileira, em especial a da esfera federal, identifica-se com instituições que buscam a excelência acadêmica, em todas as suas áreas de atuação: ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, estão postuladas as principais declarações de missão: a produção do conhecimento através da pesquisa, a formação profissional por meio do ensino e a responsabilidade social a partir da extensão. Lembramos que sua missão não se consolida se estes processos estiverem dissociados.
O papel das universidades no plano de desenvolvimento da nação é declarado na missão de acordo com a dinâmica cultural, social, política, institucional e econômica. O conhecimento gerado neste contexto tem seu valor social quando é revertido em inovação para o cumprimento de sua responsabilidade social, no sentido de promoção social, ambiental e cultural.
A geração do conhecimento está declarada em todos os textos referentes à missão das universidades inseridas nesta pesquisa, sendo, dessa forma, considerada a principal função das IES na prática do ensino, da pesquisa e da extensão. Há, porém, um provável distanciamento entre o conhecimento produzido por meio dos processos investigativos realizados na universidade e a realidade social brasileira, que nos leva a crê que muitas pesquisas se concretizam para cumprir meramente um ritual acadêmico.
Se há a crítica em torno da pouca utilidade dos resultados das investigações, há também a critica em relação à finalidade do conhecimento advindo desse processo. Severino (2008) admite a existência de um conflito dilemático: o confronto entre a educação pautada nas premissas da teoria do capital humano e uma educação que se identifica com a teoria da emancipação humana. De um lado, uma educação que se coloca a serviço do mercado, como um mero mecanismo de produção para fins empresariais e, de outro lado, uma educação que se coloca a serviço da construção de uma condição de existência mais humanizada, onde o trabalho é uma mediação essencial do existir histórico das pessoas.
Buscando o ponto de equilíbrio diante desta realidade, a universidade, no sentido de cumprir sua missão social e educacional, precisa ter como foco a preparação das novas gerações para a esfera do trabalho, pelo adequado domínio dos saberes científico, tecnológico e humanístico, como também investir no amadurecimento de uma nova consciência ética e socialmente responsável e no aprimoramento da formação cultural dessas gerações. Aqui está, resumidamente, a missão da universidade.
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