PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES DE GRADUÇÃO EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA DO NORTE DO PAÍS: NARRATIVAS A PARTIR DE UMA POLÍTICA EDUCACIONAL

Resumo: O trabalho, com a abordagem da História Oral Temática, apresenta aspectos da trajetória acadêmica de estudantes na Universidade Federal do Tocantins, contemplados pelo Programa Institucional Bolsa Permanência, e desencadeia uma reflexão a respeito de como a assistência estudantil tem correspondido ou não às demandas de indivíduos de baixa renda e contribuído para a permanência na educação superior. Com o objetivo de analisar os fatores de risco de permanência e verificar como foi o enfrentamento com o apoio dessa política pública educacional, a pesquisa sugere um olhar mais atento da instituição às necessidades e situações de estudantes e o desenvolvimento de ações para além da ordem financeira.

Palavras-chave: Educação superior; Programa Institucional Bolsa Permanência; UFT.


Neste trabalho Este trabalho agrega o conjunto de pesquisas realizadas no Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão de Políticas Curriculares e Educativas (NEPCE/UFT), especificamente, no Subgrupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação Municipal da UFT/Observatório de Sistemas e Planos de Educação no Tocantins (ObsSPE), que tem como objeto desenvolver estudos, pesquisas, inovação e desenvolvimento acerca de Sistemas e Planos de Educação no Tocantins e de Políticas, Programas e Ações decorrentes destes Sistemas e Planos, como um compromisso com a implementação do Sistema Nacional de Educação e do Plano Nacional de Educação., apresentamos aspectos da trajetória de vida acadêmica de três estudantes de cursos de engenharia As estudantes cursam engenharia ambiental e engenharia de alimentos no Campus de Palmas (UFT), unidade institucional localizada na capital do estado do Tocantins.na Universidade Federal do Tocantins (UFT), contempladas pelo Programa Institucional Bolsa Permanência, portanto, com vivência com e sem o benefício; e uma reflexão a respeito de como a assistência estudantil, na condição de política pública educacional, tem correspondido ou não às demandas desses indivíduos oriundos de famílias de baixa renda e contribuído para a sua permanência na educação superior.

O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), sancionado por meio do Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010 (BRASIL, 2010, art. 2º), tornou possível a implementação de um conjunto de programas nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) com o objetivo de “democratizar as condições de permanência dos jovens; minimizar os efeitos das desigualdades sociais; e contribuir para a promoção da inclusão social pela educação”. O Decreto, em seu art. 3º, §1º, estabeleceu dez áreas prioritárias de atuação e investimento dos recursos destinados à assistência estudantil: I - moradia estudantil; II - alimentação; III - transporte; IV - atenção à saúde; V - inclusão digital; VI - cultura; VII - esporte; VIII - creche; IX - apoio pedagógico; e X - acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação.

Na UFT, segundo Alves (2010), a presença de recurso do governo federal, por meio do PNAES, deu forma à política de assistência estudantil, que antes do programa praticamente inexistia. A autora identificou que o Programa Bolsa Permanência, destinado aos estudantes de graduação da UFT, comprovadamente em situação de vulnerabilidade socioeconômica O indivíduo em situação de vulnerabilidade socioeconômica refere-se aquele que, nos termos do art. 5º do PNAES, é oriundo de escola pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio., é o “carro-chefe” da política institucional de assistência estudantil.

É focalizando o processo de democratização das condições de permanência que buscamos, por meio da narrativa das três jovens estudantes As estudantes que nesse estudo se tornaram protagonistas são acadêmicas do curso de engenharia ambiental (duas acadêmicas) e engenharia de alimentos (uma acadêmica). Oriundas de famílias de baixa renda e egressas da escola pública, conquistaram suas vagas em uma universidade federal antes da implantação da política nacional de cotas nas instituições federais de ensino superior (IFES)., como experiências vividas e organizadas a partir de um sentido conferido pelo próprio sujeito (ALBERTI, 1996), analisar os fatores de risco de permanência presentes nas histórias e verificar como foram enfrentados com o apoio dessa política educacional.

A abordagem metodológica utilizada foi a História Oral, que permite, de acordo com Chizotti (2006), a análise do vivido, constituindo-se como um método de coleta de dados das relações do homem em seu contexto social.

Na condição de método, dá voz aos indivíduos, considerando-os como fontes de informação e memória de lugares e de instituições, e porque não dizer, de políticas educacionais.

Autores como Thomson (1992), Meihy (2000) e Alberti (2004) apresentam a História Oral enquanto método de pesquisa que, de modo geral, pode ser utilizado para discutir temáticas variadas, desde que contemporânea, que tenha relação com as pessoas que vivem ou viveram a situação investigada e que tenham algo a dizer sobre ela.

Neste estudo, desenvolvemos a História Oral Temática, que, como esclarecem Santos e Araújo (2007, p. 197), “[...] parte de um assunto específico, preestabelecido. A objetividade é mais direta [...]. Procura buscar a verdade pela narrativa de quem presenciou um acontecimento, ou dele tenha alguma versão”.

PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES NA UFT E POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA: RISCOS E ENFRENTAMENTOS

Nas narrativas, fica demonstrado quão complexo é estudar em uma universidade federal sendo de origem pobre e, ainda, cursar uma graduação de tempo integral. Para as estudantes, ingressar na universidade parece ter sido a tarefa mais fácil. Dedicadas ao objetivo que tinham de cursar o ensino superior, cada uma, em sua particular trajetória, conquistou o acesso a universidade pública. Entretanto, não basta o sucesso quanto ao acesso, mas considerar os aspectos que podem limitar a continuidade dos estudos é fundamental para que os estudantes evitem a retenção e consigam concluir o curso.

Sobre estes aspectos que limitam a continuidade, aqui apresentados como riscos à permanência, em estudo sobre evasão no ensino superior, Silva Filho (2007) destaca que a maioria das instituições de ensino no Brasil, públicas e privadas, dá como principal razão à evasão a falta de recurso financeiro, fato que os autores julgam como sendo uma “simplificação do caso”. Já Dias, Theófilo e Lopes (2012) consideram, com base em pesquisa bibliográfica, que a evasão está relacionada a diversos fatos, divididos entre fatores internos e externos. Os internos são ligados ao curso, e podem ser classificados em infraestrutura, corpo docente e assistência sócio educacional. Os fatores externos relacionam-se ao estudante, e dizem respeito à vocação, aspectos socioeconômicos e problemas de ordem pessoal, como falha na tomada de decisão em relação ao curso, dificuldades escolares, descontentamento com o curso e a futura profissão, distância entre domicílio e universidade, formas de ingresso.

Na narrativa das estudantes, observamos a presença de fatores tanto internos quanto externos de risco à permanência. Dentre os fatores internos ao curso, na forma como foram descritos no estudo de Dias, Theófilo e Lopes (2012), destacamos na trajetória acadêmica das estudantes a assistência sócio educacional, como a possibilidade participação em atividades integradoras com a vida acadêmica; como a falta de monitoria para lidar com as dificuldades em disciplinas específicas; como a importância de assistência estudantil no que tange ao valor dos auxílios financeiros, moradia e alimentação.  Já os fatores externos ao curso de maior relevância na trajetória das três estudantes são os que se relacionam ao aspecto socioeconômico e a problemas de ordem pessoal, sendo a deficiência na educação básica; a repetência nas disciplinas fundamentais do curso; desprestígio da profissão escolhida; problemas financeiros; e problemas pessoais, como o nascimento de filhos, por exemplo.

Os fatores internos, relacionados à assistência sócio educacional,estão presentes, como risco à permanência das estudantes, mas, também, se configuram como apoio positivo para o enfrentamento das dificuldades vivenciadas por elas.

Dentre os fatores de risco associados à ausência desse tipo de assistência, especialmente na fase de ingresso na universidade, encontra-se a falta de informação a respeito da diferença estrutural entre a escola e a universidade, como revelado por uma das acadêmicas do curso de engenharia ambiental Na História Oral o procedimento para transcrição das falas dos entrevistados segue, de modo geral, dois tipos de orientação: a transcrição fidedigna, com o máximo de características da fala, inclusive pausas, repetições e quebra de sequência, por exemplo; e a transcrição que textualiza a fala de modo a facilitar a compreensão das ideias do entrevistado (CRUZ, 2005). Neste estudo, optamos pela primeira forma de transcrição, a que guarda todos os elementos da narrativa do entrevistado fidedignamente.:

Quando você entra numa universidade você não sabe de nada, não é assim que funciona na escola pública, não sei como é na particular, mas na pública não é assim; então eles vão de sala em sala, avisam, ou então colam coisas assim [...] entrei na universidade um peixe fora d’agua, sem saber de nada, sem saber de assistência, de nada; e eu fiquei assim por muito tempo e, e eu por eu também não tive nem uma curiosidade de perguntar, mas que eu acho até é, normal que você não tem dúvida de uma coisa que você não sabe, né. (Acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

Almeida e Soares (2003 apud BARDAGI & HUTZ, 2009) afirmam que a falta de informaçõessobre a nova estrutura faz com que essa mudança seja vivenciada não como uma transição, mas como uma ruptura abrupta. Na trajetória da acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, por exemplo, a falta de informação sobre a estrutura curricular e a organização do curso As disciplinas do primeiro período são oferecidas, prioritariamente, aos estudantes ingressantes. O indivíduo que reprova ou tranca essas disciplinas, muito provavelmente, terá dificuldades de se matricular novamente nessas cadeiras. Além disso, a estrutura dos cursos, muitas vezes, apresenta disciplinas que são pré-requisitos para outras, o que faz com que o estudante que passa pelo processo de trancamento e reprovação fique retido até que consiga cursar e aprovar nas disciplinas de base. fez com que trancasse muitas disciplinas no primeiro período, porque precisava trabalhar, tendo, como consequência, tanto o atraso quanto a não formação de vínculo com a turma de origem. Sobre esta questão tece algumas reflexões:

É incrível, aconteceu muita coisa errada. Como eu fiz uma matéria, eu fiz essa matéria no curso de veteranos, então eu não fiz amigos, porque eu não participei da minha turma, ninguém da minha turma me conhecia [...] então, eu não tive acesso a eles [...] eu fiquei isolada o curso inteiro porque eu não fiz amigos, eu fiz pouquíssimos amigos [...] mas aquele amigo de turma, de sair junto não fiz. (Acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

Associada ao fator falta de informação, especificamente na trajetória da acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, está a questão da integração acadêmica. Sem vínculo com colegas de turma, obteve pouco apoio e baixo auto reconhecimento das demandas de quem está ingressando na universidade, razões pelas quais afirma ter se sentido deslocada, como um “peixe fora d’água”.

A acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental foi estudante do curso de Geografia em outro campus da Universidade. O fator distância entre domicílio e universidade fez com que buscasse o processo de transferência interna para um curso disponível em um campus localizado na mesma cidade em que reside. No entanto, essa mudança se deu sem muita clareza a respeito do perfil do novo curso, principalmente quanto às disciplinas a serem cursadas, fato que suscitou algumas reflexões acerca das deficiências na educação básica, fator de risco à permanência que é destaque também na trajetória da acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental. A acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental  resume essa relação entre o passado escolar e as exigências da formação atual com clareza sobre o modo como esse processo se deu:

Sempre estudei em escola pública e, assim, o meu ensino lá no Pará não foi um ensino, assim, de qualidade, assim, um ensino que atendesse a expectativa de aluno, o que a gente necessita aprender. Foi um ensino assim precário, muito precário, porque a gente sempre morou no interior, ai os professores, que iam pra lá dar aula eram de Belém, né, e aí, tipo assim, eles davam aula um mês, dois meses, aí voltavam pra Belém. Até a 8ª série, eu estudei em escola na zona rural, aí depois quando a gente mudou pra São Félix do Xingu, aí lá já não era considerada escola rural, mas ainda continuava sendo em módulo. Então, às vezes, eu falo que eu tive mais dificuldade em certas disciplinas devido a não ter visto o conteúdo. (Acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

A acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental afirma ter sentido falta de mais apoio institucional para o enfrentamento dessas dificuldades com os conteúdos das disciplinas. Sugere, inclusive, que ações de acompanhamento, do tipo tutoria ou monitoria, fossem implantadas para dar suporte aos estudantes que chegam à universidade sem domínio de conteúdos fundamentais. Não define uma época específica, pois percebe que dificuldades desse tipo estão presentes tanto no início quanto no decorrer ou fase final do curso. No entanto, acredita ser fundamental, pelo menos, no primeiro ano. Reforça que este tipo de iniciativa atuaria preventivamente contra as reprovações e consequentes retenções no curso, tese que combina com as considerações de Zago (2006, p.233), em pesquisa com estudantes de uma universidade no sul do País oriundos de escolas públicas. Ao analisar os efeitos do que chamou de “exclusão do conhecimento”, a autora percebeu sua prevalência nas primeiras fases do curso, e conclui que “as lacunas deixadas na formação precedente marcam implacavelmente a vida acadêmica.”

O fator dificuldade financeira é o aspecto mais evidente dentre os demais, já que todas as estudantes são beneficiárias do Programa Bolsa Permanência da UFT, que se efetiva por meio de um auxílio financeiro aos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.  O nível de dificuldade financeira enfrentada pelas estudantes depende de outro fator, o de ordem pessoal, pois se refere ao apoio familiar. Das três estudantes entrevistadas, a acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental é a única que sempre se manteve sozinha, trabalhando, desde o momento em que decidiu fazer faculdade. Por esse motivo, o trabalho esteve presente na trajetória acadêmica, sendo um dos fatores que, associado a falta de informação acerca da estrutura do curso e as deficiências na educação básica, influenciou a retenção da qual ela vive.

No primeiro período eu peguei uma matéria; no segundo eu peguei quatro; no terceiro eu peguei quatro; então, em três períodos eu não fiz nem, nem o que deveria ter feito em um. Que em um período se faz oito, e eu fiz nove em três períodos [...] e sem contar que eu tive reprovação. Teve época que eu trabalhava, que eu tinha que sair, eu até reprovei numa disciplina de cálculo I, foi no segundo período. (Acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

A acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental afirma ter sentido falta de mais apoio institucional para o enfrentamento dessas dificuldades com os conteúdos das disciplinas. Sugere, inclusive, que ações de acompanhamento, do tipo tutoria ou monitoria, fossem implantadas para dar suporte aos estudantes que chegam à universidade sem domínio de conteúdos fundamentais. Não define uma época específica, pois percebe que dificuldades desse tipo estão presentes tanto no início quanto no decorrer ou fase final do curso. No entanto, acredita ser fundamental, pelo menos, no primeiro ano. Reforça que este tipo de iniciativa atuaria preventivamente contra as reprovações e consequentes retenções no curso, tese que combina com as considerações de Zago (2006, p.233), em pesquisa com estudantes de uma universidade no sul do País oriundos de escolas públicas. Ao analisar os efeitos do que chamou de “exclusão do conhecimento”, a autora percebeu sua prevalência nas primeiras fases do curso, e conclui que “as lacunas deixadas na formação precedente marcam implacavelmente a vida acadêmica.”

O fator dificuldade financeira é o aspecto mais evidente dentre os demais, já que todas as estudantes são beneficiárias do Programa Bolsa Permanência da UFT, que se efetiva por meio de um auxílio financeiro aos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica.  O nível de dificuldade financeira enfrentada pelas estudantes depende de outro fator, o de ordem pessoal, pois se refere ao apoio familiar. Das três estudantes entrevistadas, a acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental é a única que sempre se manteve sozinha, trabalhando, desde o momento em que decidiu fazer faculdade. Por esse motivo, o trabalho esteve presente na trajetória acadêmica, sendo um dos fatores que, associado a falta de informação acerca da estrutura do curso e as deficiências na educação básica, influenciou a retenção da qual ela vive.

No primeiro período eu peguei uma matéria; no segundo eu peguei quatro; no terceiro eu peguei quatro; então, em três períodos eu não fiz nem, nem o que deveria ter feito em um. Que em um período se faz oito, e eu fiz nove em três períodos [...] e sem contar que eu tive reprovação. Teve época que eu trabalhava, que eu tinha que sair, eu até reprovei numa disciplina de cálculo I, foi no segundo período. (Acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

A acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental, também, sofreu a influência de fatorde ordem pessoal, que foi o nascimento da filha, ainda, no primeiro ano do curso de Engenharia Ambiental. Não narra ter tido a intensão de desistir do curso, mas a respeito de toda a dificuldade de conciliar estes dois papéis, de estudante e mãe:

Aí tem toda aquela dificuldade de mãe solteira, não tinha nenhum parente aqui. Hoje eu já tenho uma irmã que mora comigo, né, ela veio depois, a gente mora, eu ela e minha filha. Tipo assim, às vezes a gente precisa, né, de uma pessoa pra deixar, olhar, eu sempre paguei uma pessoa meio período, no horário que eu tivesse aula pra olhar ela, né? E aí, não foi todo tempo que eu tive como pagar, né, aí às vezes ou eu não tinha como pagar ou eu tinha que trazer ou trancar disciplina, deixar de pegar disciplina e ficar com ela em casa [...] quando ela fez um ano e um pouquinho foi que eu mandei, ela ficou um mês com a minha mãe, eu tava tentando tirar o peito, aí eu busquei de volta, aí ela não deixou, né, de mamar; aí depois eu levei de novo. Pela minha mãe ela ficaria lá, mas só que meu pai ele não, ele fala que se a mãe teve o filho o filho tem que ficar com a mãe; e ele aceitou [...] mas sempre reclamando sabe, ele dizia, “você tem que buscar ela, ela tem que ficar aí com você”; aí, ele sempre falou que, se alguma de nós, nós somos três irmãs, tivesse filho solteira, ele não ia aceitar neto dentro de casa, né, aí tem essa questão. (Acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

A evasão universitária do sexo feminino, de acordo com Dias, Theófilo e Lopes (2012), muitas vezes está relacionada ao casamento não planejado, à gravidez ou ao nascimento de filhos. Este fato é mais comum entre aqueles que possuem menos condições financeiras.

O enfrentamento do fator dificuldade financeira se dá, fundamentalmente, na trajetória acadêmica destas estudantes por meio do apoio da instituição na forma do auxílio alimentação e bolsa permanência. Todas relatam que, sem o recurso, teriam desistido ou trancado o curso por alguns semestres. A acadêmica do curso de engenharia de alimentos, que não tem histórico de retenção, associa aos benefícios sua condição de concluir o curso dentro do prazo regular As engenharias ambiental e de alimentos tem a estrutura curricular organizada em dez semestres, sendo o prazo de cinco anos o tempo regular para conclusão destes cursos. (UFT/PROGRAD, 2015). . As acadêmicas do curso de engenharia ambiental relacionam a condição de estarem com disponibilidade integral ao curso, e não precisarem trabalhar:

Eu acho muito bom porque essa bolsa ajuda muitas pessoas a se manter na faculdade; tem gente que fala “Ah, mas são 400 reais”, mas ajuda bastante, muito mesmo, porque a maioria das pessoas, o pai paga aluguel, e é com esse dinheiro da bolsa que se alimenta, pode almoçar ou jantar no RU; é com esse dinheiro que mantém as necessidades básicas aqui [...] Se não tivesse a bolsa, eu não sei nem se eu ou minha irmã teria que trancar a faculdade e esperar a outra formar, porque não teria como meu pai manter as duas. Porque eu e a minha irmã temos a bolsa, então, ajuda bastante. (Acadêmica do curso de engenharia de alimentos, novembro de 2015).

Eu acho que se não tivesse bolsa permanência eu teria que trabalhar, pegar menos matérias, provavelmente, ficar menos estimulada, porque, assim, em caso de curso integral, né? Porque, às vezes, você faz um curso noturno você até consegue... que, também, é muito difícil você sair do trabalho, cansada, e vir pra universidade. Qual tempo que você tem pra estudar? Então, a gente que é pobre, sabe, a gente precisa de apoio, e esses 400 reais, por mais que às vezes a pessoa acha que é pouco, mas faz uma diferença grande, sabe? Eu teria que passar mais tempo na universidade, talvez até desistiria, já teria largado a bastante tempo [...]. (Acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

Olha, pra te falar a verdade, se eu não tivesse esse auxílio eu creio que eu já teria trancado por alguns períodos, porque, igual eu te falei os meus pais, a condição deles são poucas, né. Eles ajudam mesmo no possível, né, mas, mesmo tendo o auxílio, e ajuda deles já aconteceu meses assim bem apertados, de, de não ter dinheiro nem pra vim pra cá, assim, de faltar as coisas até pra casa, não com frequência, mas um dia ou outro sempre falta alguma coisa [...]. (Acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

O programa bolsa permanência prevê, também, a inserção do aluno beneficiário em projetos de ensino, pesquisa e extensão, aspecto que se localiza no fatorintegração acadêmica, e reconhecido positivamente pelas estudantes. Zago (2006) coaduna com a ideia de que a oportunidade de atuação em atividades no âmbito da própria universidade propicia ao estudante diversas facilidades e vivências positivas ao processo de formação acadêmica, como a flexibilização de horário, a possibilidade de acesso à internet, espaço físico para estudar, o contato permanente com a instituição e apropriar-se com maior intensidade da vida acadêmica. A este último, a autora relaciona a razão pela qual muitos tem interesse de prosseguir os estudos na pós-graduação.

Como a gente tem maior facilidade de tá na universidade, faltar menos aulas é... aproveitar mais a interação dos professores; e também, a gente tem que tá no laboratório e isso faz com que a gente aprenda mais, tenha um melhor aprendizado, tenha contato com os professores, com os outros alunos que estão fazendo os outros projetos no mesmo laboratório que a gente tem contato, né, que a gente vai também aprendendo o que eles vão fazendo. Agora mesmo, nesse período de férias, eu estava fazendo uns ensaios do TCC 2, né, e aí tinha outra aluna fazendo os ensaios dela também, e aí, tipo, ela me ajudava nos meus ensaios, e eu ajudava ela nos ensaios dela [...] no laboratório, tem sim muita importância, fundamental no nosso crescimento acadêmico. (Acadêmica “B” do curso de engenharia ambiental, novembro de 2015).

Ainda, sobre o valor da vivência acadêmica para a permanência, a acadêmica do curso de engenharia de alimentos narra que a oportunidade de participar de um evento científico em outro Estado foi determinante para a melhora no vínculo com o curso.

Muito importante participar, você tem uma visão diferente, do que ficar só aqui na UFT. Conhece outras pessoas, é, compartilha ideias, também, volta até com um pensamento diferente do que foi. Por exemplo, porque o nosso curso aqui no Tocantins não é muito valorizado, e pra lá quando nós falamos que fazia engenharia de alimentos todo mundo “nossa, não acredito que você faz, porque aqui é um curso muito caro”; pra lá pro Sul e pro Sudeste é um curso bastante valorizado, então nós pudemos ter essa visão, assim, de valorização do nosso curso; aí todo mundo chegou aqui com uma visão diferente, assim, do curso, do que as pessoas achavam, pensavam do curso. (Acadêmica do curso de engenharia de alimentos, novembro de 2015).

Filiado ao aspecto registrado na experiência dessa acadêmica, encontramos um fator determinante para a evasão de alguns estudantes, segundo evidencia estudo realizado no Ministério da Educação e Cultura/Secretaria de Educação Superior (BRASIL, 1997), que é o desprestígio da profissão escolhida. No seu caso, as perspectivas da profissão mudaram quando percebeu que, embora o curso fosse desvalorizado na região em que reside, em outras estão presentes a valorização profissional e as possibilidades de inserção no mercado de trabalho. Essa mudança é resultado do apoio de uma das ações de assistência estudantil da UFT, o Programa de Apoio à Participação Discente em Eventos (PAPE).

O aspecto moradia, que se enquadra no fator apoio sócio educativo e pessoal (dificuldade financeira), é lembrado pelas estudantes quando refletiram acerca do aprimoramento das ações de assistência estudantil desenvolvidas pela UFT. A acadêmica “A” do curso de engenharia ambiental, que é moradora da casa do estudante de Palmas Residência criada por meio de uma parceria entre o governo municipal, o governo estadual e a UFT., consegue listar uma série de problemas no que diz respeito a esse apoio, com destaque para o fato da casa não se localizar no próprio campus. A acadêmica do curso de engenharia de alimentos que, como observadora da necessidade de apoio de muitos colegas e conhecidos que chegam a perder a matricula por não terem onde morar na cidade, se compadece do sofrimento que estes estudantes passam devido à ausência de uma condição considerada básica, fundamental à vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da observação de aspectos da trajetória acadêmica de estudantes na UFT, contemplados pelo Programa Institucional Bolsa Permanência, e da reflexão a respeito de como a assistência estudantil tem correspondido ou não às demandas de indivíduos de baixa renda e contribuído para a permanência na educação superior, com o objetivo de analisar os fatores de risco de permanência e verificar como foi o enfrentamento com o apoio dessa política pública educacional, percebemos que as ações de assistência estudantil desenvolvidas na Universidade são reconhecidas tanto como protetivas à permanência, o que atende ao propósito do PNAES, quanto como fator de risco. Esse dado se configura como contradição, mas demonstra as lacunas existentes, pela ótica de quem vive o processo, entre o que é proposto e o que é realizado.

A análise, também, nos possibilitou identificar a presença de estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelo próprio sofrimento, no processo solitário de luta para se manter no curso. Essa percepção sugere a necessidade de um olhar mais atento da instituição às reais necessidades e situações vivenciadas por estudantes da UFT, e o desenvolvimento de um conjunto de ações que superem a centralização em auxílios de ordem financeira.

É notória a demanda dessas estudantes pelo recurso financeiro, principalmente pelo fato de cursarem graduação de tempo integral e não poderem realizar atividades laborais remuneradas. Todavia, novos programas de atendimento a outras necessidades, sobretudo a de apoio pedagógico, informacional e de vivência acadêmica, são necessários para o bom desempenho na graduação.

Percebemos que retenção em disciplinas é um fator de alto risco à permanência, na medida em que gera desamino, sentimento de baixa eficácia e afasta o estudante da conclusão, perspectiva importante para o aluno oriundo de família de baixa renda que tem no diploma a possibilidade de mudança das condições de vida.

Os resultados deste estudo, como demonstrados, indicam a necessidade de pesquisas no âmbito da UFT para entendimento das reais condições de permanência dos estudantes, diante do que é oferecido pela instituição, bem como a proposição de ações complementares que sejam pensadas com a participação e acompanhamento destes indivíduos.

REFERÊNCIAS

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