A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: BREVES CONSIDERAÇÕES
Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar algumas considerações a respeito das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de professores aprovadas em 2015. Para tal, realizou-se análise documental, tendo como referência o construcionismo contextual. Procedeu-se a uma contextualização do processo de criação e de implementação das licenciaturas, bem como da legislação pertinente. Observa-se que o texto das atuais diretrizes busca manter relação com as atuais legislações relacionadas à formação de professores, no movimento contínuo e processual das políticas educacionais. No entanto, alguns pontos necessitam de maiores discussões e esclarecimentos, no sentido de direcionar a readequação dos cursos e solucionar fragilidades historicamente constituídas.
Palavras-chave: formação de professores; educação superior; diretrizes curriculares.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é apresentar algumas considerações a respeito das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior dos cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura e para a formação continuada, aprovada em 2015, que está no momento em processo de implementação junto às instituições de educação superior.
Acredita-se, a partir do construcionismo contextual, que a política não é algo específico, mas sim, um resultado de embates, contradições, influências de uma série de componentes, situados historicamente (PALUMBO, 1994). Nesse sentido, realizou-se uma breve contextualização a respeito do processo de criação e implementação das licenciaturas no Brasil, bem como da legislação pertinente à formação de professores até a promulgação da Resolução nº 2 de 1º de julho de 2015. Como existe uma riqueza de legislações versando a respeito destes temas, elencaram-se algumas de maior representatividade para a composição deste estudo que, não tem a pretensão de esgotar as discussões a respeito das novas diretrizes, mas que buscam trazer contribuições para as discussões na área, particularmente nesse período em que as instituições estão no processo de sua implementação.
OS PRIMEIROS CURSOS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
A primeira Constituição brasileira, de 1824, já trazia em seu bojo o direito ao ensino público, embora não tenha criado o sistema nacional de educação proposto em seu anteprojeto. A Lei das Escolas de Primeiras Letras, criada em 1827, definia que escolas de primeiras letras deveriam ser criadas nas maiores vilas, lugares e cidades do Império (ALMEIDA; IANNONE; SILVA, 2012). Esta lei tratava a respeito do ensino mútuo nas escolas, determinava os conteúdos das disciplinas, orientava que o pagamento dos professores deveria ser realizado pelos Presidentes de Províncias e que a formação deveria ocorrer nos moldes do método Lancaster O método Lancaster, ou de ensino mútuo era “[...] uma proposta disciplinar de instrução, relacionada a disciplinarização da mente, do corpo e no desenvolvimento de crenças morais próprias da sociedade disciplinar, e não na independência intelectual.” (NEVES, 2007, p. 11)., sendo de responsabilidade dos professores a capacitação a respeito (SANTOS; MEDEIROS, 2010).
No entanto, os primeiros cursos de formação de professores no Brasil foram criados no início do século XIX, após a reforma constitucional de 1834, que trouxe a divisão de poderes e responsabilidades entre o governo federal, que se responsabilizou pelo ensino superior e o governo provincial, que deveria atender ao ensino primário e médio (CUNHA, 1980). Após a independência brasileira era necessário o investimento na consolidação dessa realidade. E um dos caminhos escolhidos foi o da educação. Dessa forma, foram criadas as Escolas Normais com o objetivo de formar professores com boa moral e conduta, uma vez que havia grande preocupação na época de disseminar entre as camadas populares os valores de ordem e civilidade (MARTINS, 2009).
A partir das Escolas Normais houve a proposta, em São Paulo, de dividir o ensino em primário, secundário e superior, através da Lei nº 88 de 1892, que tratava da Reforma da Instrução Pública do Estado de São Paulo, com o objetivo de formar professores para atuação nas Escolas Normais e Ginásios (SAVIANI, 2008).
No entanto, essa legislação não chegou a ser implementada e a formação de professores do ensino primário até os anos de 1940 seguiu o perfil proposto pelas Escolas Normais (ALMEIDA; IANNONE; SILVA, 2012).
Diante da precariedade da formação de professores, houve um movimento no sentido de reformar a educação brasileira, articulado por Anísio Teixeira, que defendia uma proposta específica na formação, uma vez que as Escolas Normais, sob o seu ponto de vista, não contemplavam seus objetivos propostos, já que não aprofundavam os conhecimentos científicos e didático-pedagógicos necessários à formação de professores (ALMEIDA; IANNONE; SILVA, 2012).
Assim, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) propôs a criação de um modelo de instituto de Educação, a partir de uma perspectiva de escola-laboratório e, em 1939, foi criada a Faculdade Nacional de Filosofia, estruturada em quatro seções: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, tendo como seção especial a Didática. Essa configuração propiciou a organização dos cursos de Pedagogia da Universidade do Brasil para a integralização dos conteúdos específicos em três anos, concedendo ao concluinte o grau de bacharel e, se fosse cursado mais um ano de didática, o título de licenciado, no formato 3+1 (ALMEIDA; IANNONE; SILVA, 2012).
A Lei no 5.540, de 28 de novembro de 1968, referente à Reforma Universitária, trouxe novas formas de organização e funcionamento para o Ensino Superior, bem como sua articulação com a Escola Média, desencadeando a reestruturação dos cursos de Pedagogia, que passaram a ter a duração de quatro anos, propiciando a extinção do esquema 3+1 (ALMEIDA; IANNONE; SILVA, 2012), o que, infelizmente, não ocorreu.
AS ORIENTAÇÕES LEGAIS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES APÓS A LDB DE 1996
Com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), outros instrumentos legais regulatórios foram criados, como decretos, leis, pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação e portarias do Ministério da Educação, com o objetivo de direcionar a formação de professores. No entanto, não é o objetivo deste trabalho realizar a análise de todos esses documentos, mas escolhemos focar nas legislações mais recentes que nos parecem serem as mais diretivas para a implementação, na prática, da formação de professores.Essa opção é feita considerando que: “The policy-making process itself is incremental in nature [...]. This means that the majority of policy decisions (and other decisions, for that matter) are made in small increments rather than in leaps and bounds” (PALUMBO, 1994, p. 27)
“O processo de elaboração de políticas em si é incremental por natureza [...]. Isso significa que a maioria das decisões referentes ás políticas (e a outras decisões também) são feitas por meio de pequenos incrementos ao invés de saltos” (tradução nossa).
Ao final da ditadura militar brasileira, os educadores tinham esperança em melhorar a qualidade da formação docente com a criação da nova LDB de 1996.
No entanto, a LDB não atendeu às expectativas, possibilitando situações como a criação de institutos de nível superior de “segunda categoria”, como opção às graduações em Pedagogia e em Licenciatura, o que caracterizou uma formação mais rápida e superficial, por meio dos cursos de curta duração (SAVIANI, 2009).
Os currículos das licenciaturas eram orientados pelas resoluções do Conselho Federal de Educação (CFE) que apontavam a formação por um currículo mínimo, formado por disciplinas obrigatórias, onde havia maior preponderância de conteúdos específicos da área de formação, ocorrendo uma complementação pedagógica ao final do curso (BORGES; AQUINO; PUENTES, 2011).
Essa configuração trouxe à formação do licenciado uma dualidade problemática que é vivenciada ainda nos dias atuais, afinal, este profissional é especialista em sua área de formação ou professor, ou seja, Matemático ou professor de Matemática (GATTI, 1992, apud GATTI; BARRETTO, 2009).
A partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores A Resolução CNE/CP Nº 001 de 18 de fevereiro de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena e a Resolução CNE/CP Nº 002 de 19 de fevereiro de 2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, graduação plena, de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior., de 2002, iniciaram-se novas adaptações nos currículos de formação docente e, posteriormente, as diretrizes curriculares para cada curso de licenciatura, aprovadas pelo Conselho Nacional de educação, também desencadearam mudanças em seus respectivos currículos.
Uma das maiores preocupações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica centrou-se no desenvolvimento de competências sociais, pessoais e profissionais dos professores, enquanto perspectiva de formação e prática do futuro profissional e no estímulo à pesquisa, enquanto base para o ensino e a aprendizagem (BRASIL, 2002).
De acordo com Nozaki (2003) as propostas de formação definidas pelas diretrizes curriculares se embasam na pedagogia das competências, alicerçadas nos saberes do saber ser, saber fazer, saber aprender e saber conviver. Essa perspectiva relaciona-se com as exigências do mundo do trabalho, reduzindo o processo de ensino-aprendizagem à dimensão técnico-instrumental.
Pérez Gomes (1998) já identificava essa tendência no ensino chamando-a de perspectiva prática, uma vez que o professor é compreendido como uma espécie de artista ou artesão, que necessita agir com criatividade e fazer uso de possibilidades experimentais para enfrentar situações inesperadas e conflituosas no cotidiano escolar. Nesse sentido, a perspectiva da prática recebe grande valorização, uma vez que não há a possibilidade de se prever os diversos acontecimentos relacionados à escolarização, trazendo a necessidade do uso da criatividade e da capacidade de adaptação do professor (MAUÉS; CAMARGO, 2012).
Ainda no período pós-LDB destacamos a Política e o Plano Nacional de Formação de Professores com relação à formação docente. A Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica foi criada pelo Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, e seus objetivos devem ser viabilizados por meio dos Fóruns Estaduais Permanente de Apoio à Formação Docente, a partir do regime de colaboração entre os governos federal, estadual e municipal. Nos Fóruns serão elaborados os Planos estratégicos para o desenvolvimento de ações a partir do diagnóstico e identificação de necessidades de formação (MAUÉS; CAMARGO, 2012).
O Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, também foi responsável pela elaboração do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, o Parfor, sob responsabilidade do governo federal. O Parfor tem por objetivo capacitar os professores atuantes na rede pública da educação básica para que obtenham a formação mínima exigida para lecionar, de acordo com a LDB e, apresenta três possibilidades de formação inicial:
- docentes ou tradutores intérpretes de Libras em exercício na rede pública da educação básica que ainda não possuem formação superior, sendo, pois, a primeira licenciatura, com uma carga horária de 2.800 horas, mais 400 horas de estágio supervisionado, perfazendo um total de 3.200 horas.
- Professores que já têm uma licenciatura, mas atuam em uma área diferente daquela do diploma, ou para profissionais licenciados que atuam como tradutor intérprete de Libras na rede pública da educação básica, sendo considerada uma segunda licenciatura. A carga horária, nesse caso, é de 800 horas para cursos de licenciatura na mesma área de atuação do docente, ou 1.200 horas para cursos em outra área de atuação, diferente do bacharelado.
- docentes que têm, apenas, o bacharelado ou tradutores intérpretes de Libras graduados não licenciados e, por isso, precisam de estudos complementares para o exercício da função (BRASIL, 2015).
Em meio ao processo de implementação da Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, no movimento engendrado pela política de educação superior por meio de tensões, conflitos e discussões, foram elaboradas as novas Dire
UM OLHAR PARA OS NOVOS CAMINHOS
Maués e Camargo (2012) destacam a importância que a educação superior vem assumindo, enquanto possibilidade de superação da crise econômica global, nos diversos documentos produzidos pelos organismos internacionais, entre eles a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com as autoras, a OCDE aponta que a solução para a crise econômica encontra-se na educação superior, por meio do investimento no capital humano, trazendo mais empregos e melhores salários.
Brito (2015) afirma que a análise da política pública educacional brasileira evidencia que a educação vem sendo uma das grandes preocupações no cenário político, constituindo-se enquanto assunto recorrente na agenda de governo. Maués e Camargo (2012) destacam, ainda, o processo regulatório que as políticas educacionais vêm sofrendo nos países ocidentais, o que leva às mudanças nos processos de formação profissional afim de atender às necessidades sociais e econômicas contemporâneas.
É nesse contexto que o Brasil, desde fevereiro de 2014, esteve discutindo por meio da Comissão Bicameral de Formação de Professores do CNE e das entidades da área o documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de Professores (FREITAS, 2015), que deu origem à Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
De acordo com Freitas (2015) o documento vem ao encontro do anseio dos educadores da área da educação e da formação ao revogar as Resoluções CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002 e CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, que se embasaram na pedagogia das competências e criaram os Institutos Superiores de Educação.
Entre os aspectos da Resolução destaca-se que ela não trouxe grandes mudanças com relação ao perfil pretendido de professor apresentado por sua antecessora, mas continua propondo, conforme o Art. 7º que:
Art. 7º O(A) egresso(a) da formação inicial e continuada deverá possuir um repertório de informações e habilidades composto pela pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, resultado do projeto pedagógico e do percurso formativo vivenciado cuja consolidação virá do seu exercício profissional, fundamentado em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética.
Uma das novidades refere-se à inclusão de outros profissionais ao universo considerado como do magistério, conforme destaca o Art. 3º em seu 4º parágrafo:
§ 4º Os profissionais do magistério da educação básica compreendem aqueles que exercem atividades de docência e demais atividades pedagógicas, incluindo a gestão educacional dos sistemas de ensino e das unidades escolares de educação básica, nas diversas etapas e modalidades de educação (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação de jovens e adultos, educação especial, educação profissional e técnica de nível médio, educação escolar indígena, educação do campo, educação escolar quilombola e educação a distância), e possuem a formação mínima exigida pela legislação federal das Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
No artigo 12, o documento apresenta quais são os três núcleos principais, onde devem se articular as questões da estrutura e do currículo que devem ser contemplados na formação inicial:
Art. 12. Os cursos de formação inicial, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, constituir-se-ão dos seguintes núcleos:
I - núcleo de estudos de formação geral, das áreas específicas e interdisciplinares, e do campo educacional, seus fundamentos e metodologias, e das diversas realidades educacionais;
II - núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos das áreas de atuação profissional, incluindo os conteúdos específicos e pedagógicos, priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições, em sintonia com os sistemas de ensino;
III - núcleo de estudos integradores para enriquecimento curricular.
O Art. 13. traz mudanças com relação à carga horária destinada às atividades dos cursos de formação inicial de professores para a educação básica em nível superior, em cursos de licenciatura, estruturados a partir da base comum nacional das orientações curriculares. O documento afirma que deverão ser computadas, no mínimo, 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de, no mínimo, oito semestres ou quatro anos, distribuídas da seguinte maneira:
I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, distribuídas ao longo do processo formativo;
II - 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao estágio supervisionado, na área de formação e atuação na educação básica, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto de curso da instituição;
III - pelo menos 2.200 (duas mil e duzentas) horas dedicadas às atividades formativas estruturadas pelos núcleos definidos nos incisos I e II do artigo 12 desta Resolução, conforme o projeto de curso da instituição;
IV - 200 (duzentas) horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes, conforme núcleo definido no inciso III do artigo 12 desta Resolução, por meio da iniciação científica, da iniciação à docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o projeto de curso da instituição.
Destaca-se que o aumento de carga horária ocorreu nas horas destinadas ao que era denominada nas diretrizes de 2002 como conteúdos curriculares de natureza científico cultural, sendo acrescidas 400 horas nas agora denominadas atividades formativas estruturadas pelos núcleos apresentados no Art. 12 do referido documento.
Além do aumento da carga horária mínima dos cursos, a Resolução MEC/CNE nº 2/2015 reafirma a divisão ocorrida entre a parte prática enquanto componente curricular e a parte destinada ao estágio.
De acordo com Real (2012) é no movimento contínuo das políticas que vem ocorrendo uma distinção nos documentos da área da educação entre a prática e o estágio. A autora destaca que a perspectiva de realização da prática como componente curricular vem ganhando espaço dentro da proposta curricular, podendo ser realizada, inclusive, fora da escola, contextualizada no espaço da própria instituição formadora.
Em especial, a partir do Parecer CNE-CP nº 9/2001, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, que é estabelecida a separação entre a prática e o estágio, assumindo esta primeira, a denominação de prática como componente curricular.
O Parecer CNE-CP nº 9/2001 afirma que a prática não deve se restringir às atividades de estágio, mas deve estar presente desde o início do curso, fazendo-se presente durante toda a formação do professor, conforme o parágrafo 3º do Art. 12: “no interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática” (BRASIL, 2015, p. 67).
Entretanto, a Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015 não apresenta orientações específicas a respeito do componente da prática com relação às disciplinas, afirmando apenas que deverão ser realizadas 400 horas de prática como componente curricular, distribuídas ao longo do processo formativo. Essa diretriz permite uma variedade de interpretações e possibilidades de implementação das atividades práticas, dentro do projeto pedagógico (PP) de cada curso. O que por um lado é positivo, ao respeitar as características organizativas do PP dos cursos de licenciatura, e ao permitir a microimplementação Os conceitos de macroimplementação e microimplementação são de autoria de Paul Berman (1980) apud Villanueva (1993), onde as decisões macro estariam relacionadas às condições necessárias para que determinada política seja posta em prática em determinado local. Já a microimplementação se referiria às atitudes realizadas pelos agentes locais, na prestação de serviços, em seus espaços específicos, abarcando uma adaptação mútua para sua realização. da política de formação de professores nas instituições, pode se transformar em um fator de negativo ou de deslize por parte das instituições.
A pesquisa denominada “Formação de professores para o ensino fundamental: instituições formadoras e seus currículos”, coordenada por Bernardete A. Gatti e Marina R. Nunes, realizada em 2008 pela Fundação Carlos Chagas, com apoio da Fundação Vitor Civita, destacou alguns pontos interessantes a respeito das licenciaturas, que são abordados pela Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação e capacitação de professores para a Educação Básica (GATTI; BARRETO, 2009).
Essa pesquisa analisou a matriz curricular e a ementa de 165 cursos de graduação, presenciais no Brasil. Estes cursos, que se configuraram em uma amostra representativa, são direcionados à formação inicial de docentes nas áreas de Pedagogia, Letras: Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas (GATTI; BARRETO, 2009).
O estudo demonstrou que, com relação aos cursos de pedagogia não há uma orientação específica a respeito da realização, supervisão e acompanhamento dos estágios nos projetos pedagógicos e nas ementas dos cursos. Também não estão explícitos quais são os objetivos, os requisitos, a documentação e validação, bem como a realização de convênios com as instituições cedentes, ou seja, as escolas das redes para a sua realização. Os estágios obrigatórios são registrados de forma vaga, com raras exceções. Além disso, não há um plano de estágio, ou projeto, assim como não há esclarecimentos a respeito do campo da prática e da supervisão do mesmo (GATTI; BARRETO, 2009).
Com relação às outras licenciaturas pesquisadas, o estudo apontou que poucas instituições caracterizam as atividades de estágio, explicando de que forma são realizados e se há convênio com as escolas da rede. Outra dificuldade foi observada com relação às atividades de prática de ensino, que às vezes apresentam-se inseridas em diversas disciplinas, mas sem especificação clara e, outras vezes, encontram-se separadas, mas sem ementas objetivas e esclarecedoras (GATTI; BARRETO, 2009).
Marran, Lima e Bagnato (2015) destacam que o estágio curricular supervisionado encontra-se presente em quase todas as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos, representando uma parcela importante de carga horária dentro dos projetos pedagógicos. Esse fato é reflexo da mediatização do estágio pelos conflitos sociais e pelas expectativas da academia com relação ao perfil do profissional almejado. Os autores ressaltam, no entanto, que a falta de interlocução e planejamento entre a instituição formadora e a escola no sentido de implementar os estágios e as atividades práticas pode trazer prejuízos ao objetivo pedagógico proposto para estes fins, conforme aponta o estudo de Gatti e Barreto (2009).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao olharmos para a sequência histórica de legislações direcionadas à política de formação de professores, podemos observar que a preocupação com a formação comprometida e de qualidade foi um dos fatores propulsores à geração de mudanças. No entanto, não podemos desconsiderar as influências de organismos internacionais, a partir de uma perspectiva de macroimplementação, nas políticas públicas de educação brasileiras e a apropriação e uso de suas proposições e perspectivas, a partir do movimento de microimplementação.
Uma dessas perspectivas que teve grande adesão por parte das diretrizes curriculares para variados cursos de graduação de diferentes áreas do conhecimento, foi a questão das competências. Outras perspectivas, apresentadas enquanto mecanismos indispensáveis para a sobrevivência profissional no atual mundo moderno, como o desenvolvimento de flexibilidade e polivalência, possuem em sua gênese conceitos e objetivos neoliberais de regulação de mercado.
Nesse sentido, observa-se que o texto das atuais diretrizes busca manter relação com as atuais legislações relacionadas à formação de professores no Brasil, no movimento contínuo e processual das políticas educacionais. No entanto, alguns pontos necessitam de maiores discussões e esclarecimentos, no sentido de direcionar a readequação dos cursos e solucionar fragilidades historicamente constituídas.
Acreditamos sim que o profissional da educação deva ser flexível, polivalente e capaz de desenvolver uma série de habilidades e competências e que sua formação tenha relação com o mundo do trabalho no qual este futuro profissional irá se inserir. Mas, contudo, defendemos uma formação pautada em princípios éticos e científicos, que propiciem o crescimento e amadurecimento profissional, pessoal e social, tornando o indivíduo capaz de atuar de forma comprometida com sua formação e função social e consciente de seu papel enquanto sujeito historicamente constituído.
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