O PROUNI E A EXPANSÃO PRIVADA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA: ANÁLISE DO GRUPO DE TRABALHO POLÍTICA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DA ANPED (2005-2015)
Resumo: O artigo analisa a produção escrita sobre o Programa Universidade para Todos (PROUNI), no contexto de expansão e privatização da educação superior brasileira, do Grupo de Trabalho Política de Educação Superior (GT 11) da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no período 2005-2015. O levantamento dos trabalhos ocorreu de forma on-line e os textos foram catalogados em ficha-padrão, com a identificação do problema da pesquisa, abrangência, objetivos, metodologia, categorias analíticas e principais resultados. Concluí-se, entre outras questões, a produção sobre a temática é ainda limitada e há questões, como apontam as pesquisas produzidas, que precisam ser exploradas em outros estudos.
Palavras-chave: Educação Superior; Privatização; PROUNI.
INTRODUÇÃO
Este estudo Apoio financeiro da UNIFAP (PROPEV/2015). analisa a produção escrita sobre o Programa Universidade para Todos (PROUNI), no contexto de expansão e privatização da educação superior brasileira, com base nos estudos do Grupo de Trabalho Política de Educação Superior (GT 11) da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) apresentados nas Reuniões Nacionais, no período 2005-2015. Trata-se de resultado de pesquisas, em andamento, sobre as políticas de financiamento da expansão da educação superior brasileira. No âmbito geral está vinculado ao Projeto de “Políticas da Expansão da Educação Superior no Brasil” Pesquisa financiada pela CAPES (Obeduc). , desenvolvido em rede por pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. Também está articulado à pesquisa “Políticas de Financiamento da Educação Superior no Brasil: uma análise dos Planos Nacionais de Educação” A pesquisa conta com financiamento do CNPq. (PNE). No âmbito mais específico vincula-se aos estudos que sustentam a pesquisa “Expansão e financiamento da educação superior pública do estado do Amapá (2006-2013)”. Pesquisa conta com apoio financeiro da UNIFAP (PAPESQ).
Nossas análises indicam que a partir de 1995, com o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE), há um movimento de expansão da educação superior que tem como centralidade o setor privado-mercantil (SGUISSARDI, 2009). Da mesma forma ressaltamos que a compreensão desse processo exige considerarmos as mudanças em cursos no capitalismo contemporâneo, no contexto de crise estrutural do capital, com o advento do neoliberalismo e a consequente mercantilização da educação (MANCEBO, 2015). Merece destaque na condução desse movimento o papel desempenhado por organismos financeiros internacionais, especialmente o Banco Mundial (GUIMARÃES, 2014).
A efetividade disso se dá a partir, particularmente, a partir da aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n. 9.394/1996. Sendo, desde então, o incentivo estatal, envolvendo a destinação de recursos públicos para o setor, um dos elementos centrais da expansão privado-mercantil da educação superior.
Como parte dessa política o governo Lula da Silva (PT) criou, em 2004, o Programa Universidade para Todos (PROUNI). Instituído pela Medida Provisória nº 213/2004, convencionada na Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005, o Programa beneficia as instituições privadas de ensino superior, com isenção fiscal, em troca de bolsas de estudo. Em essência, consideramos que sustentado no discurso de democratização do acesso, essa ação tem como propósito central o favorecimento do setor privado-mercantil.
Para compreendermos melhor a implementação, efetividade e papel desse Programa vamos analisar os estudos produzidos no âmbito do GT 11 da ANPEd. Antes disso, faremos algumas considerações sobre a política de educação superior brasileira com seu caráter mercantilizado.
EXPANSÃO PRIVADO-MERCANTIL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
Nas últimas décadas experimentamos um processo de expansão da educação superior no Brasil, marcadamente via setor privado. Esse movimento, como analisa Guimarães (2014), tem origem no período militar, é resultado de ações intencionais da política estatal adotada. O crescimento acelerado do setor privado, que ultrapassou no período o quantitativo de matrículas públicas, ocorreu com “subsídios governamentais, instituídos para esse setor, fosse por meio de transferência de recursos, a fundo perdido e a juros negativos, fosse por meio do crédito educativo” (CHAVES, 2005, p. 121). A Tabela 1 apresenta os dados que evidenciam essa expansão:
Tabela 1: Evolução das matrículas da educação superior brasileira por categoria administrativa, público e privado (1964-1994) |
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Ano | Total | Público | Privado | ||
Número | % | Número | % | ||
1964 | 142.386 | 87.665 | 61,6 | 54.721 | 38,4 |
1974 | 937.593 | 341.028 | 36,4 | 596.565 | 63,5 |
1984 | 1.399.539 | 571.879 | 40,9 | 827.660 | 59,1 |
1994 | 1.661.034 | 690.450 | 41,6 | 970.584 | 58,4 |
∆% 1964-1994 | 1.066,6 | 687,6 | - | 1.673,7 | - |
Em três décadas (1964-1994) ocorreu um aumento de 1.066,6% no número de estudantes matriculados no ensino superior. Essa expansão, que também foi extraordinária nas instituições públicas (687,6%), decorreu, sobretudo, do crescimento no setor privado (1.673,7%). Observamos que já na primeira década de análise (1964-1974) esse setor passa a ter predomínio no atendimento desse nível educacional, com quase dois terços do total de matrículas (63,5%). Como destaca Sguissardi (2008, p. 998), já no início “do regime político [Ditadura Militar], ocorre de forma marcante o primeiro grande movimento de privatização do sistema”. Nas décadas seguintes, mesmo com pequena redução, esse controle se manteve.
Esse movimento será mantido e acentuado nas décadas seguintes. A partir da aprovação da LDB n. 9.394/1996, e regulamentação subsequente, com a permissibilidade de instituições de ensino com finalidades explicitamente lucrativas, foram garantidas as condições legais para a consolidação do mercado educacional. Conforme estabelece o Art. 20 dessa Lei as instituições privadas de ensino são classificadas em quatro categorias: particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais e filantrópicas. Como ressalta Chaves (2010, p. 486-7), essa “subdivisão do setor privado se apresenta, pois, em duas vertentes diferenciadas – de um lado, os estabelecimentos tidos como não lucrativos e, de outro, os que se apresentam como empresas destinadas a auferir lucro” (grifos nossos). Isso impõe novos contornos à política de educação superior brasileira.
A legislação explicitou a existência, até então, dissimulada de um processo de mercantilização da educação superior, já diagnosticado por Silva Júnior; Sguissardi (2000) e reafirmado por Sguissardi (2008) e Oliveira (2009), ora entendido, como a transformação da educação em mercadoria, cujo preço é determinado pelo mercado com intuito central de obter lucro, em benefício de seus proprietários e acionistas, a despeito das limitações definidas pelo governo federal no que concerne aos reajustes das mensalidades e às sanções aos estudantes inadimplentes. (CARVALHO, 2012, p. 2).
Assim, ainda que tenhamos uma continuidade do processo de expansão iniciado no regime ditatorial-militar, no contexto neoliberal esse movimento adquire nova característica. Veladamente o setor privado assume propósitos mercantis. A educação passa também a ser vista sob a ótica da lucratividade, com investimentos que almejam a valorização do capital, em detrimento do conhecimento enquanto bem coletivo. Isso dá novo impulso ao crescimento do setor.
Tabela 2: Evolução das matrículas, presencial e a distância, em cursos de graduação, por categoria administrativa, no Brasil (1995-2014) |
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Ano | Total | Público | Privado | ||
Número | % | Número | % | ||
1995 | 1.759.703 | 700.540 | 39,8 | 1.059.163 | 60,2 |
2005 | 4.567.798 | 1.245.306 | 27,3 | 3.322.492 | 72,7 |
2014 | 7.828.013 | 1.961.002 | 25,1 | 5.867.011 | 74,9 |
∆% 1995-2014 | 344,8 | 179,9 | - | 453,9 | - |
A expansão no número de matrículas foi extraordinária no período de 1995 a 2014, crescimento de 344,8%. Ainda que o setor público tenha crescido consideravelmente de 179,9%, esse índice é muito aquém da evolução da iniciativa privada, 453,9%. Com isso, reduziu-se a participação do setor público no atendimento em cursos de graduação e, consequentemente, ampliou-se o espaço da iniciativa privada: passando de 60,2, em 1995, para 72,7% em 2005 e 74,9% em 2014.
Tal processo sustenta-se na noção de “educação terciária”, como preconiza o Banco Mundial (LIMA, 2012), a ser oferecida no mercado de acordo com as condições financeiras dos consumidores. Dessa forma, é necessário destacarmos que a evolução no número de matrículas é resultado também da diversificação das modalidades de cursos, inclusive via ensino à distância. “Assim, tem-se uma educação superior rápida e mais barata para os que dela necessitam, ou seja, os mais pobres” (ALGEBAILE, 2007, p. 105). Trata-se de movimento global, orientado por Organismos Financeiros Internacionais (CABRAL NETO; CASTRO, 2011).
Nesse contexto, a opção política do Estado brasileiro foi investir crescentemente na tendência privado-mercantil. Exacerba-se o discurso da universidade pública enquanto instituição que atende enquanto público alvo os grupos economicamente dominantes na sociedade, ou seja, não possibilita a inserção das camadas populares nesse nível formativo. Com isso justifica-se a necessidade de ações governamentais se fundamentem em políticas “focalizadas” de acesso, via setor privado, o que envolve centralmente a ampliação do montante de recursos públicos destinadas a tal setor.
É fundamental que se reforce que a expansão pela via privada não significou (e nem significa) a ausência de financiamento estatal, pois muitas dessas instituições privado-mercantis gozam de isenções fiscais e previdenciárias que as favorecem do ponto de vista patrimonial e de ampliação de sua liquidez. Elas beneficiam-se com as parcerias público-privadas, as famosas PPPs; como é o caso do Programa Universidade para Todos (PROUNI), ou ainda com a injeção de recursos públicos para a manutenção dos seus alunos, como é o caso do programa do Crédito Educativo, hoje transformado no Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). (MANCEBO, 2015, p. 4-5).
O governo Lula da Silva (PT) institui/aperfeiçoa medidas legais para transferência de recursos públicos para as instituições privadas. O PROUNI (Programa Universidade para Todos) e o FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior), constituem-se em ações centrais dessa política. Tais ações são mantidas e ampliadas com Dilma Rousseff (PT), mesmo no contexto de aprofundamento da crise econômica no Brasil e diante da redução dos gastos federais com a educação pública.
Vejamos a seguir como os estudos produzidos no âmbito do GT 11 da ANPEd tem abordado um desses focos centrais do incentivo estatal à expansão do ensino superior privado-mercantil.
ANÁLISES SOBRE O PROUNI NO GT 11 DA ANPED: 2005-2015
Para levantamento dos trabalhos utilizamos como fonte a página eletrônica da Entidade, que disponibiliza os anais de todas as Reuniões Científicas realizadas. Após leitura de todos os artigos, os mesmos foram catalogados em ficha-padrão, com a identificação do problema da pesquisa, abrangência, objetivos, metodologia, categorias analíticas e principais resultados.
No período 2005-2015 foram publicados 144 (cento e quarenta e quatro) trabalhos no GT 11. Destes apenas 6 (seis) têm como temática central de análise o PROUNI. Das 10 (dez) Reuniões Desde 2013 as Reuniões Científicas Nacionais passaram a ocorrer a cada dois anos. Assim, no período analisado (2005-2015) apenas em 2014 não ocorreu Reunião Nacional. realizadas, em 4 (quatro) tem pelo menos um artigo sobre o assunto. Em dois encontros consecutivos (33ª e 34ª) tivemos dois trabalhos publicados, fazendo com que a maioria dos estudos (quatro) esteja concentrada nos anos 2010 e 2011. Registra-se que não tivemos nenhumas pesquisa sobre a temática nas três últimas Reuniões.
No Quadro 1 podemos identificar ainda que Cristina Helena de Almeida Carvalho e Daniela Patti do Amaral apresentaram no período dois artigos sobre o PROUNI. Os demais autores tiveram apenas um estudo registrado. Como pode ser identificado nos títulos dos estudos há variados focos de discussões, debates e embates que circundam o Programa.
Quadro 1: Estudos sobre o PROUNI no GT 11 (Política de Educação Superior) da ANPEd | ||
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Reunião/Ano | Títulos | Autores |
28ª/2005 | Política de ensino superior e renúncia fiscal: da Reforma Universitária de 1968 ao PROUNI | Cristina Helena Almeida de Carvalho |
30ª/2007 | O PROUNI como política de inclusão: estudo de campo sobre as dimensões,institucionais e intersubjetivas da inclusão universitária junto a 400 bolsistas no biênio 2005-2006 | José Carmello Carvalho |
33ª/2010 | O Programa Universidade para todos e a ampliação do acesso ao ensino superior: diferentes discursos, difíceis consensos. | Daniela Patti do Amaral |
O PROUNI e a “democratização do ensino superior”: explorações empíricas e conceituais. | Wilson Mesquita de Almeida | |
34ª/2011 | Políticas de formação de professores no país: será o PROUNI o novo protagonista da,formação de mão de obra decente? | Daniela Patti Amaral Fátima Bayma de Oliveira |
Uma análise crítica do financiamento do PROUNI: instrumento de estímulo à iniciativa privada e/ou democratização do acesso à educação superior? | Cristina Helena Almeida de Carvalho |
Na análise dos textos percebemos que dentre as principais questões explanadas encontram-se distintas concepções sobre o Programa; a relação candidato/vaga; a democratização do ensino superior para a população de baixa; a relação do PROUNI com a formação de professores; a caracterização do público-alvo; as características do modelo de ensino superior brasileiro; a renúncia fiscal, o financiamento federal ao segmento privado e a mercantilização da educação superior brasileira; e, o significativo crescimento quantitativo e rentabilidade das IES privadas.
O primeiro estudo sobre a temática foi apresentado por Carvalho (2005). A autora faz um comparativo entre a Reforma Universitária de 1968 e o PROUNI, em meio a crises e discursos de desenvolvimento social e econômico. No período democrático, o PROUNI surge acompanhado do discurso de justiça social. É nesse sentido que o Programa tem como foco a população mais excluída economicamente, destinando ainda parte das bolsas a ações afirmativas, para pessoas com deficiências e para os auto-declarados negros e indígenas. Também se apresenta como intenção dessa política a melhoria da qualificação do magistério – tendo como público prioritário também os docentes da educação básica sem formação de nível superior.
Mas, na verdade, este discurso encobre a pressão das associações representativas dos interesses do segmento particular, justificada pelo alto grau de vagas ociosas. A expansão do ensino superior privado, principalmente, entre 1998 e 2002, resultou na criação de um número excessivo de vagas, que, segundo informações recentes do INEP, é superior ao número de formandos no ensino médio. [...] Este fenômeno dá indícios que o segmento privado disponibiliza um número excessivo de vagas não procuradas pelos estudantes. (CARVALHO, 2005, p. 10).
Carvalho (2005), ao destacar não ter, pela legislação, como precisar o montante da renúncia fiscal que ocorreria a partir do Programa, ressalta que o valor não é desprezível. Na mesma linha indaga se tais recursos não poderiam ser destinados às IES públicas para garantir uma formação de melhor qualidade. A própria autora responde que na lógica em curso essa opção, para os defenderes da política econômica adotada, impossível.
Concluí que nos dois momentos de análise registra-se uma ação governamental de estímulo para o crescimento do ensino privado. Ressalta que no caso do PROUNI, a proposta de trocas de vagas por renuncia fiscal tem, na verdade, como objetivo atuar “em benefício da recuperação financeira das instituições particulares endividadas e com alto grau de desistência e de inadimplência” (CARVALHO, 2005, p. 15). Por outro lado, ao considerar o caráter social do PROUNI a autora ressalta dúvidas quanto a sua efetividade, pois lembra que o público-alvo necessita também de condições de permanência (como transporte, moradia estudantil, alimentação subsidiada, bolsas de pesquisa, entre outros), as quais não são oferecidas em tal setor.
Em outro estudo, publicado seis anos após o primeiro, Carvalho (2011) evidenciará que as questões apontadas já em 2005 se efetivaram nos anos iniciais de vigência do Programa. A autora examina o impacto da renúncia fiscal sobre a rentabilidade dos estabelecimentos educacionais e as finanças públicas. Também procura averiguar se há contribuição dessa política para a democratização do acesso à educação superior. Com relação ao primeiro objetivo a autora faz uma breve exposição da discussão sobre renúncia fiscal, com base na legislação pertinente no país, particularmente na educação superior, para caracterizar a instituição do PROUNI (em 2005). Em seguida, faz uma simulação de análise, com três instituições hipotéticas, para verificar em que situação as IES privadas são beneficiadas pelo Programa. Após a comparação evidencia-se que:
o modelo institucional que mais se beneficia do PROUNI é a empresa educacional, cuja adesão deixa-a em condições semelhantes à entidade sem fins lucrativos. Para aquela sem fins lucrativos, o programa não tem a mesma atratividade, ainda assim permite uma expressiva economia tributária. Como a filantrópica não pode optar pela adesão ou não ao programa resta concluir que embora o impacto financeiro do PROUNI seja diminuto, a participação tornou-se um salvo conduto para a IES que perdeu o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, pois possibilitou requerer junto ao Ministério da Previdência Social a recuperação desse certificado, e, por conseguinte, nova isenção das contribuições sociais. (CARVALHO, 2011, p. 12).
Ao considerar o volume de recursos (renúncia fiscal) e as bolsas ocupadas, entre 2005 e 2009, o estudo indica que o custo unitário foi oscilante, mas relativamente baixo – inferior ao preço do mercado educacional. Carvalho (2011) também faz uma comparação entre as matrículas proporcionadas pelo Programa e o quantitativo de bolsa permanência, instituída em 2006, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), para estudantes de curso integral. Isso conduz a duas observações: primeira, a quantidade de bolsas permanências é percentualmente ínfimo em relação ao total de bolsas PROUNI; segunda, o auxílio foi instituído em valor fixo, sem previsão de atualização monetária, mantendo-se o mesmo valor no período de analisado.
Outra indicação relevante exposta é decorrente da comparação entre a expansão das matrículas do setor privado e o quantitativo de bolsas ocupadas. Ainda que se tenha registrado uma tendência de evolução no número de bolsas, percentualmente isso representa pouca participação no total das matrículas, oscilando de 2,9% a 4,3%. De toda forma, Carvalho (2011, p. 17) pondera que “o PROUNI foi um programa bem sucedido de financiamento da demanda à medida que contribuiu para ampliar o acesso das camadas mais pobres”. Assim, conclui que essa política cumpriu seu duplo papel: promoveu o acesso das classes populares à educação superior e estimulou a manutenção e o crescimento da iniciativa privada educacional.
O estudo de Amaral (2010) procura “problematizar os discursos que estão sendo veiculados pelos congressistas e por pesquisadores e estudiosos das políticas de ensino superior acerca do Programa Universidade para Todos” (p. 2). A autora, com recorte temporal de 2007 a 2009, analisa Projetos de Lei de e estudos produzidos sobre a temática.
Inicialmente o estudo apresenta a evolução no número de bolsas integrais e parciais do Programa, ressalta, também, que percentualmente o índice de atendimento é relativamente baixo em relação ao total de matrículas no setor, e ainda aponta algumas situações de fraudes identificadas pelo MEC. Em seguida, considera o contexto recente de expansão/privatização da educação superior brasileira, com base em dados do INEP, para evidenciar uma tendência de redução do número de universidades e ampliação de outras instituições no setor privado. Assim, “a sigla ProUni na verdade deveria ser ProFac (Programa faculdade para 5 todos) ou ProEnSup (Programa ensino superior para todos) já que as faculdades estão em número muito superior às universidades” (AMARAL, 2010, p. 4-5).
Ao analisar as pesquisas que tenham como foco o Programa indica os objetivos dos trabalhos. Foram identificados 4 (quatro) artigos na base Scielo e 2 (dois) no GT 11 da ANPEd. Esses estudos se debruçam sobre questões variadas: relação do PROUNI com a EaD, renuncia fiscal, formação da força de trabalho, democratização do acesso ao ensino superior, privatização, percepção dos estudantes bolsistas e relação público privado. Também cabe destacar que há diferentes perspectivas avaliativas dessa política. Para a autora, entre os pesquisadores, prevalece a preocupação com a destinação de recursos públicos para instituições privadas, em detrimento do investimento na expansão do setor público.
No que diz respeito ao legislativo, Amaral (2010) considera em sua análise 16 (dezesseis) Projetos em tramitação no Congresso Nacional, de distintos autores e filiações partidárias. Em linhas gerais, a concepção do legislador – deputados federais e senadores – a pesquisa indica que há uma exaltação do PROUNI, com a busca pela ampliação do Programa.
Em suas conclusões, a autora aponta ainda “que há, ainda, um terceiro grupo de atores que precisa contribuir para o entendimento do cenário das políticas de ensino superior, em especial, do ProUni: os egressos do programa” (AMARAL, 2010, p. 12). Assim indica a necessidade de pesquisas, em larga escala, sobre a situação dos que foram contemplados com bolsas.
As análises de Carvalho (2007) e Almeida (2010) também focaram percepções sobre o PROUNI. Em ambos os casos os pesquisados foram os bolsistas do Programa. Carvalho (2007) considerou como base para sua pesquisa exploratória, utilizando questionário, com 400 (quatrocentos) estudantes bolsistas do PROUNI, biênio 2005-2006, de uma instituição privada. Seu objetivo foi avaliar os impactos dessa política considerando dois eixos analíticos: o perfil dos sujeitos atendidos e a percepções intersubjetivas dos bolsistas sobre o Programa.
Esse autor adotou blocos temáticos acerca dos perfis socioeconômicos e escolaridade pregressa dos bolsistas; dimensões de diversidade; multiculturalismo, empoderamento de grupos étnicos e pobres beneficiários; os processos de inclusão no ensino superior, no que cerne ensino-aprendizagem; e percepções político-ideológicas dos sujeitos-bolsistas.
A partir dos resultados, com base nas variáveis utilizadas, o estudo destaca dois aspectos referentes ao perfil e percepções dos estudantes. O primeiro indica que os bolsistas das denominadas minorias sociais (negros, indígenas e amarelos) e que moram em locais periféricos, “percebem com maior intensidade as diferenças entre bolsistas e alunos pagantes” (CARVALHO, 2007, p. 11). A outra questão refere-se à
diferença de rendimento acadêmico, percebida com intensidade pelos bolsistas pelos bolsistas com menores médias no ENEM, que nos itens abertos do survey relatam dificuldades em português e na elaboração dos relatórios técnicos, recorrendo a estratégias de superação como trabalho em grupo, monitorias e apoio docente [...]. Já os bolsistas com maiores médias no ENEM, oriundos de escolas do ensino médio com altas taxas de aprovação em vestibulares, percebem mais as diferenças socioeconômicas, o que por hipótese indicaria maior politização ou reflexão crítica [...]. (p. 14).
Carvalho (2007) apresenta ainda uma síntese de análise qualitativa dos efeitos macrossociais do PROUNI. Esse apontamento, considerando questões abertas do questionário utilizado, é feito a partir de 5 (cinco) eixos: a) política de acesso ensino superior; b) inclusão social; c) privatização; d) ENEM como mecanismo de seleção; e) a política de bolsas sociais na instituição da pesquisa. Nas conclusões dessa pesquisa é ressalto que “o estudo permitiu avançar no mapeamento das dimensões analíticas e construtos considerados pertinentes para diagnosticar os impactos do ProUni, enquanto política de inclusão social” (CARVALHO, 2007, p. 15-6), porém, faz-se necessário outros estudos sobre o foco de análise.
O texto de Almeida (2010) analisa relações que podem ser estabelecidas entre as medidas governamentais de acesso ao ensino superior de estudantes de baixa renda e expansão do setor privado no Brasil. Na parte inicial do estudo, utilizando dados oficiais, o autor aponta o panorama da educação superior privada no país, delineando o papel do PROUNI nesse processo. Na segunda parte, com base em entrevista realizada com 9 (nove) estudantes bolsistas de diferentes instituições cidade de São Paulo (PUC-SP, UNIP, MACKENZIE E UNIBAN), o autor, apresenta o que considera pontos essenciais, as experiências de acesso e permanência dos estudantes pesquisados. Na parte final, também a partir das falas dos entrevistados, é problematizada a questão da democratização do acesso via o Programa.
O autor aponta a inexistência de dados oficiais disponíveis com maior especificidade. “Só há dados agregados, gerais, tais como número de bolsas disponíveis para cada ano, bolsas efetivamente preenchidas, distribuição por estado da federação, dentre outras informações mais genéricas” (ALMEIDA, 2010, p. 5). Em grande medida, a investigação realizada procura compreender algumas especificidades negligenciadas nos dados gerais. Na caracterização do perfil dos bolsistas, são destacados os seguintes aspectos para análise: a) o papel da leitura e o desempenho no ENEM; b) as estratégias de acesso para ingresso; c) composição familiar (escolarização, trajetória ocupacional e condições de moradia); d) vivência universitária.
Ao problematizar a questão da democratização do ensino superior, com política de acesso à população de baixa renda, ressalta-se que há, a partir das falas dos estudantes, três posições básicas delimitadas. Há estudantes que apresentam uma posição mais questionadora do Programa ao compreendê-lo como paliativo e afirmando a necessidade de priorizar os recursos públicos ampliar vagas nas universidades públicas. Outros sujeitos têm uma posição mais entusiástica, defendem o PROUNI e o mérito individual na conquista da bolsa. E há ainda bolsistas que “posição cautelosa, ressaltando a alternativa que o programa é ao modo dos entusiastas, entretanto, criticando seu aspecto tampão, à semelhança dos questionadores” (ALMEIDA, 2010, p. 9).
Nas conclusões da pesquisa destaca-se que o Programa “possibilita, de fato, acesso dos indivíduos de baixa renda a alguns cursos mais disputados e prestigiados, carreiras às quais, regularmente, não tem acesso nas universidades públicas” (ALMEIDA, 2010, p. 11), porém há questões não respondidas devido à ausência de informações mais específicas disponibilizadas pelo MEC. Também é indicada pelo autor a necessidade de agrupamento dos estudantes por instituições e cursos, para verificar, entre outras questões, os cursos mais e menos concorridos. Registra-se ainda outra questão para reflexão futura: o financiamento público ao setor privado, bem como o papel do PROUNI nesse processo – nesse âmbito também é denunciada a ausência de dados disponíveis por curso e instituição.
Amaral e Oliveira (2011) também procuraram identificar a situação de bolsistas do Programa. Realizam a pesquisa em duas instituições privadas de Campo Grande-RJ, nos cursos de licenciaturas. Apresentam como hipótese de trabalho a idéia de que as universidades federais colocam como atividade secundária a formação docente, as instituições privadas assumem essa tarefa. Também questionam se esses os professores formados com bolsas PROUNI tornaram-se mão de obra docente da educação básica.
As instituições pesquisadas formaram dos ingressantes em 2005 e 2006, 155 licenciados para atuar na educação básica, com um baixo índice de evasão. O magistério é considerado uma opção para os jovens de classes populares ingressarem mais rapidamente no mercado de trabalho. As autoras entendem ainda que os dados apresentados evidenciam a ausência de interesse das universidades públicas na formação de professores e que por isso esse papel passou a ser concentrado nas IES privadas. Diante disso questionam se seria o PROUNI o novo protagonista da formação docente para a educação básica e reiteram a necessidade de estudos para responder a essa indagação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A expansão de vagas na educação superior no Brasil, no contexto neoliberal, ocorre com predomínio do setor privado-mercantil. Esse movimento, seguindo orientações de organismos internacionais, procura responder às demandas do mercado lucrativo, com prejuízos ao papel social desse nível formativo. É em tal contexto que surgiu o PROUNI.
No âmbito do discurso governamental o Programa surgiu com o intuito de democratizar o ensino superior no país. Essa compreensão é defendida também por algumas das pesquisas analisadas. O conjunto dos estudos ressalta que essa política facilita o acesso de jovens de classes desfavorecidas socialmente à educação superior, procurando identificar as percepções sociais constituídas em todo dessa política. Em alguns casos ressalta-se que não assegura a excelência acadêmica, a permanência e a conclusão.
Outro aspecto que merece destaque é a vinculação do PROUNI, como parte da política econômica adotada no país, à expansão do setor privado mercantil. Em alguma medida, ao centrarem suas análises na perspectiva da “democratização do acesso” os estudos acabam, hegemonicamente, por buscar alternativas que aperfeiçoem o Programa, sem apontar a necessidade de sua superação.
Consideramos que a produção no âmbito do GT 11 da ANPEd sobre o Programa precisa ser ampliada. Dos 144 (cento e quarenta e quatro) trabalhos produzidos no período, apenas 6 (seis) tratam como objeto central de análise o PROUNI. Além disso, desde 2011 não tivemos nenhum estudo apresentado sobre a temática. Há questões, como apontam as pesquisas produzidas, que precisam ser exploradas em estudos futuros.
REFERÊNCIAS
ALGEBAILE, M. E. B. Expansão da educação superior: traços de uma inclusão seletiva no cenário educacional brasileiro. In: VIEITZ, C. G.; BARONE, R. E. M. (Org.). Educação e políticas públicas: tópicos para o debate. Araraquara: Junqueira & Marin, 2007, p. 93-119.
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