OS GESTORES DE IES PRIVADAS E A INTERPRETAÇÃO DO SINAES SOB A ÓTICA DO CICLO DE POLÍTICAS
Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar a interpretação dos gestores de uma Instituição de Educação Superior (IES) privada sobre o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Trata-se um estudo de caso qualitativo que faz um recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento. A abordagem adotada ampara-se nos três contextos do Ciclo de Políticas – contexto da influência, produção de texto e contexto da prática. Foram realizadas entrevistas com questões estruturadas nos três contextos. Constatou-se que os gestores não têm conhecimento sobre o contexto de influência do SINAES. No contexto da produção de texto, apontaram-se aspectos estruturantes e críticas à política. No contexto da prática, as dinâmicas de gestão são influenciadas pelo SINAES.
Palavras-chave: SINAES; Gestão; Ciclo de Políticas.
INTRODUÇÃO
A expansão da educação superior – inserida no contexto da abertura do mercado ao capital privado e das diversas normativas que facilitaram a criação de novas instituições – possibilitou um boom na expansão de IES privadas, a partir de década de 1990. A fim de estabelecer mecanismos de controle de qualidade, o Estado institui a avaliação como política para medir qualidade e assim foi criado, em 2004, o Sistema Nacional de Avaliação (SINAES) como política de regulação da educação superior no Brasil (BRASIL, 2004).
Essa política, no contexto da prática das IES privadas, promove interpretações O conceito de interpretação é definido aqui segundo a concepção de Ball (2012) que entende que as políticas não são implementadas e sim interpretadas já que sofrem a influência dos contextos nas quais são colocadas em prática por seus diferentes atores. diversas da gestão e dos demais atores Os atores para Ball (2012) são as pessoas, a instituições, os organismos que atuam nas políticas. da comunidade acadêmica. Pelo fato do SINAES estar dentro de um contexto de complexidade, no qual circulam diferentes realidades sociais multifacetadas, faz-se necessária uma análise que tenha um enfoque nos atores participantes, nos grupos de interesses que estão envolvidos. E, ainda, que reconheça a existência das disputas que ocorrem em todos os níveis e em quais arenas são estabelecidas as políticas de educação. Assim, a abordagem do Ciclo de Políticas (policy cycle approach) – desenvolvida por Stephen Ball, Richard Bowe e Anne Gold (1992), que logo após foi revista e ampliada por Ball (1994) – mostrou-se como o melhor enfoque epistemetodológico Vide (ALMEIDA; TELLO, 2013). para analisar o SINAES.
Essas discussões permeiam a pesquisa de mestrado (em andamento) intitulada “O homogêneo no heterogêneo: o SINAES e as dinâmicas de gestão na educação superior privada”. Foi realizado um Estudo de Caso na IES privada objeto dessa investigação. A técnica utilizada para a coleta de dados foi a aplicação de questionários com docentes e discentes, e entrevistas com gestores. Aqui, se propõe um recorte da pesquisa, no qual se versará sob a percepção dos gestores sobre o SINAES.
Dessa maneira, o presente trabalho inicia-se pela abordagem do ciclo de políticas, em seguida apresenta os caminhos da pesquisa e os seus resultados, analisando-os e discutindo-os e por fim traçam-se algumas conclusões.O CICLO DE POLÍTICAS COMO INSTRUMENTO PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS
Para Ball (2012), as políticas não são meramente implementadas e sim sujeitas à interpretações para serem recriadas como consequências dos conflitos, contradições inerentes às políticas. Ao pensar na ação política como implementação, na qual o papel do Estado se restringe à tentativa de impor mudanças econômicas e sociais, não se dá relevância às interações sociais e culturais, contextualizadas, e se limita à análise superficial e linear da política.
O ciclo considerou inicialmente 03 contextos (BOWE; BALL;GOLD, 1992): contexto de influência, produção de texto e contexto da prática. Em 1994, Ball viu a necessidade de inserir mais 02 contextos resultados/efeitos (extensão do contexto da prática) e contexto da estratégia/ação política (pertence ao contexto de influência) (BALL, 1994). O presente estudo pautou-se nos 03 primeiros contextos.
O contexto de influência é o contexto da ação política, no qual se analisa quais os fatores que levaram à construção da política a à inclusão em uma determinada agenda. Nesse contexto, cabe identificar quais são os grupos de pressão, movimentos sociais, partidos, governo, elites que exercem maior influência e, mediante essas disputas, serão construídos os discursos políticos com diferentes versões da política (BALL, 2011).
O contexto da produção de texto é resultado das disputas e acordos realizados nos diferentes contextos, no qual se faz um exame do conteúdo da política; se são coerentes ou contraditórios e se existem limitações que possam gerar prejuízos às politicas, buscando compreender quais são os pressupostos que o fundamentam, grupos que representam e para quem é destinado o texto. Os autores dos textos não podem controlar seus significados já que a interpretação é uma questão de disputa.
O contexto da prática é o contexto de teoria da política em ação (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012), no qual ocorre o micro processo político, pois as políticas atuarão em um determinado cenário, como as IES, por exemplo. Esse contexto é consequência dos textos produzidos, gera diferentes opiniões da sociedade, na medida em que produz resultados e efeitos que terão diferentes configurações a depender das pressões sociais e do nível de suporte para a execução das politicas das relações de poder estabelecidas e das vivências democráticas encontradas. Por isso, os textos são interpretados e traduzidos. Interpretar é buscar entender o que o texto quer dizer, o que tem que ser feito, e se tem que ser feito, com base nos valores históricos e culturais dos atores e instituições, enquanto a tradução diz respeito aos valores simbólicos implícitos nas políticas, na forma como a linguagem é vista na política em ação; na prática.
A abordagem do ciclo de políticas reconhece a existência das disputas que ocorrem em todos os níveis e em quais arenas são estabelecidas as políticas de educação e permite a diversidade de procedimentos na coleta de dados, além de ser uma abordagem dinâmica e flexível.
CAMINHOS DA PESQUISA
Dentre os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa em tela, optou-se pela realização de entrevistas com 05 gestores da instituição – dirigentes da mantenedora, diretores da unidade e coordenadores. As entrevistas com os gestores tiveram como pretensão identificar o nível de percepção sobre as redes que envolvem e influenciam a construção da política do SINAES, assim como verificar como os gestores interpretam o texto da política e como ela influencia na dinâmica da gestão. Assim, foram propostos três eixos relacionados aos 03 contextos do ciclo políticas:
Quadro 01- Eixos temáticos das entrevistas X Alcance dos objetivos propostos | |
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Eixos | Objetivo |
I – Contexto de influência: contexto de construção da política do SINAES | Identificar as redes que envolvem a política do SINAES. | II – Contexto de produção do texto: Identificação e interpretação do texto no SINAES | Analisar os documentos que regulam o SINAES e o modo como norteiam o modelo de gestão da IES investigada. |
III – Contexto da prática: interpretação e tradução do SINAES | Averiguar como a politica do SINAES está sendo interpretada e traduzida no contexto da prática da IES investigada; e a percepção dos gestores acerca das dinâmicas de gestão adotadas, a partir das demandas do SINAES. |
Para melhor entender o ciclo, deve-se entender que se trata de um dispositivo heurístico para analisar políticas (MAINARDES, 2013), como também um método de pesquisa de políticas, por meio da articulação de processos em níveis macro e micro; um ciclo contínuo, estruturado em contextos interligados, não temporais, não lineares, além do fato de considerar as arenas na qual se discutem e se desenvolvem as políticas.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O SINAES e o seu contexto de influência
As entrevistas realizadas com os gestores da IES analisada tiveram, em seu primeiro eixo, a tentativa de identificar o contexto de construção da política do SINAES por esses atores. Para tanto, foram construídas questões relacionadas ao contexto de influência, com ênfase no grau de conhecimento sobre o processo de elaboração da atual política; e em quais atores participaram desse processo e com que finalidade.
Observou-se que dos 05 gestores entrevistados, nenhum gestor soube responder sobre o processo de elaboração da política, e seu processo de construção. Houve apenas citações pontuais por 02 gestores e 03 responderam que não sabiam.
A atual política de educação superior esteve submetida à várias transformações e nós nem podemos chamar de uma política atual única, mas ela é na verdade uma política atual sob plataformas existentes que não foram abandonadas no todo (GESTOR 05).
O Gestor 02 trouxe uma abordagem mais técnica sobre a sistemática do SINAES, mas pontuou uma falha no processo de elaboração da política que acaba tendo a sua finalidade original sucumbida por diversas portarias ministeriais. Segundo esse gestor “ o Brasil é o único lugar em que uma portaria pode alterar uma lei, ou seja, toda essa sistemática estabelecida pelo SINAES foi alterada por portarias do MEC que foram criadas por uma equipe de burocratas que lá existiam” (GESTOR 02). No decorrer das entrevistas essa problemática foi apontada por outros gestores.
Em relação aos atores da pesquisa, todos apontaram como atores o Ministério da Educação (MEC). Contudo, observou-se uma tendência, nessa questão, a abordar a relação público X privado ao referir-se à ‘preferência’ dos atores de construção da política pelas IES públicas.
Nunca, nunca o MEC cria algo pra facilitar o segmento privado da educação. Então quando você avalia a aplicabilidade da lei dos SINAES, você já tem que fazer uma distinção, uma coisa são os marginalizados para o MEC. Quem são os marginalizados? São aqueles os quais a constituição brasileira dá o direito de explorar economicamente a educação superior, que é o segmento privado (GESTOR 02).
Outro gestor ainda fez colocações sobre essa questão, afirmando que ter o público como referência, nem sempre é sinônimo de qualidade. Conforme o gestor 04 “eu libero para as privadas dispor de educação, mas eu deixo claro que o sistema público de ensino superior, ele é muito melhor do que qualquer um outro, é uma referência, ainda que isso não seja real (GESTOR 04).
Para os gestores, independente do texto da política, a agenda do SINAES foi criada com o objetivo de criar padrões básicos para se poder avaliar a educação superior. Quanto à tentativa de se aperfeiçoar a qualidade dessa educação, os gestores tenderam à apontar as falhas na política. Para o gestor 01 o SINAES “prima pela qualidade no ensino superior, mas da forma como vem sendo feito, eu não vejo como primar por essa qualidade”.
Se no SINAES fossem aplicados 100% em todas as instituições com os mesmo princípios de justiça, sem dúvida [...]O que eu entendo é que a lei dos SINAES tem uma perspectiva realmente para revolucionar, ela tem no seu corpo dispositivos legais suficientes para revolucionar a educação brasileira. Mas ela acabou primeiro sendo submetida a um desvio do que ela propunha por portarias que criaram novos indicativos (GESTOR 02).
Esses princípios de justiça estão relacionados à uma avaliação democrática, ao respeito pela autonomia acadêmica, e a possibilidade de uma autoavaliação valorizada, e com reflexos na avaliação pelo próprio mercado. A falta de entendimento dos gestores sobre o contexto de influência do SINAES demonstra que as ‘vozes’ desses atores não foram ouvidas para embasar a construção do texto da política.
Interpretando o texto do SINAES
Nesse eixo, buscou-se identificar como o texto do SINAES é interpretado pelos atores da IES analisada, inserindo-se os gestores. Ao serem perguntados sobre as suas percepções sobre os critérios do avaliação do SINAES, os gestores levaram a questão para diferentes linhas de discussão. Para o gestor 04, os critérios são injustos por não considerarem as peculiaridades regionais e corrobora com essa pesquisa ao colocar o SINAES como um modelo homogêneo em um país tão heterogêneo. O Gestor 03 entende que os critérios do SINAES funcionam, já o gestor 05 acha que os critérios têm que ser sofrer alterações.
Ao se tratar da análise dos instrumentos de avaliação, os gestores foram unânimes em avaliá-los como bem estruturados, mas apontaram falhas em sua aplicação e nas exigências. “Às vezes se tira um excelente professor de sala de aula porque não tem uma titulação... fico com medo da nota baixa” (GESTOR 05). Por isso, o SINAES tem limitações.
As exigências dessas dimensões que ele (o SINAES) coloca, cria um mundo como se o aluno tivesse chegado perfeito no ‘mundo de Alice’, nossa!!!! Ele descobriu que ele não tem aquilo só no ensino superior. Mentira!!! Ele não tem aquilo no sistema básico. Então esses instrumentos são lindos maravilhosos num universo que não existe (GESTOR 04).
Essas limitações estão desde o fato do SINAES não ser uma avaliação integradora, por supervalorizar um componente (o ENADE), e pela falta de um retorno continuado à comunidade acadêmica. Essa falha está incialmente atrelada à gestão, mas o SINAES, em sua atual sistemática, valoriza índices, em detrimento de uma avaliação processual, democrática. Segundo o gestor 05, “o SINAES engessa o processo educacional”.
As contribuições da política também foram apontadas, por estabelecer critérios para avaliar as IES. Para o gestor 03, o SINAES é necessário, ao possibilitar a IES à uma reflexão de como está o seu trabalho. Todavia, as críticas foram maiores do que os elogios, especialmente por ser uma IES privada e de pequeno porte. Para os gestores, o SINAES tem potencial para a qualidade. Todavia, se “a sistemática de avaliação não fosse tendenciosa, a educação superior teria evoluído muito, mas a gente percebe dentro do MEC uma tendência muito grande de sempre está dificultando o segmento privado” (GESTOR 02).
Esse discurso foi recorrente na entrevistas com os gestores também no contexto de influência, que entendem que o texto do SINAES ‘marginaliza’ a iniciativa privada, principalmente as faculdades, ao colocar como parâmetros de qualidade os pressupostos da educação universitária e pública.
As dinâmicas de gestão do SINAES em ação
O contexto da prática de uma política em um determinado micro contexto político, no caso a IES analisada, é extremamente complexo. Essa complexidade se deve ao fato de que a política é percebida por diferentes atores que veem imbuídos de valores e discursos de outros contextos. Dessa maneira, a interpretação do SINAES se dá relacionada a esses aspectos mencionados e por isso apresentam visões às vezes contraditórias. Essa diversidade imputa mais desafios às dinâmicas de gestão, ao mesmo tempo em que a enriquece.
Todos os gestores responderam que os conceitos obtidos pelo SINAES são utilizados como ferramenta de marketing, “altamente explorados”, como afirma o gestor 02. Mas é claro que o seu uso está relacionado à qual conceito. Se for 04 ou 05 se faz o uso para atrair possíveis novos alunos. “Agora, se tiver nota baixa, finge que não existiu” (GESTOR 04).
A possibilidade de ter um diagnóstico dos anseios dessa comunidade, do seu olhar sobre a IES somente é possível com a cultura da autoavaliação inerente à comunidade e seus resultados instrumentos/ caminhos para a mudança institucional e a CPA tem ou teria essa capacidade. A CPA da IES analisada é entendida como um órgão de “coordenação, condução e articulação do processo interno de avaliação institucional, de orientação, de sistematização e de prestação de informações às unidades universitárias e ao SINAES”
Essa política, no contexto da prática das IES privadas, promove interpretações Os dados sobre a CPA foram obtidos em documentos institucionais. A indicação da fonte não estará nas referências a fim de preservar a identidade da IES. .Traz explícita a sua capacidade de aprimorar resultados e acompanhar processos que visem a eficiência institucional. Para o gestor 03, “uma gestão inteligente valoriza isso”, e essa visão é compartilhada pelos outros gestores. Ao serem questionados sobre como a CPA é vista pela gestão institucional, todos salientaram a importância da autoavaliação e afirmaram que a CPA é bem vista por sua importância no processo avaliativo interno.
Contudo, alguns gestores pontuaram que a supervalorização do ENADE deixou a CPA em “último plano” (GESTOR 02), quando o IGC tornou-se mais importante do que um relatório de autoavaliação. Seguindo-se essa tendência, a CPA vai limitar-se à sua obrigatoriedade e existir “só para cumprir tabela” (GESTOR 04).
O reconhecimento da CPA é nítido por toda a comunidade acadêmica. Porém, o grau de envolvimento dessa mesma comunidade no processo de avaliação do SINAES como um todo, ainda é limitado à gestão. Ou ainda, o envolvimento se dá em caráter de obrigatoriedade. Os outros membros, como alunos e técnicos não se envolvem. Em relação ao docente, segundo o Gestor 01, esse envolvimento “não faz parte de cultura da professor, por ser um professor horista” e essa concepção é ratificada por outros gestores:
O professor às vezes... a gente brinca chamando de professor táxi, porque o professor dá uma aula uma corrida, uma aula uma corrida, então toda essa comunidade aí, ela não é uma comunidade, ela tem várias casas para servir, não é como na universidade original que ele serve numa casa só (GESTOR 02).
Ocorre ainda que, na análise dos gestores, esse envolvimento “é uma coisa isolada de quando se tem avaliação do MEC” (GESTOR 04).
A instituição vai lá e as pessoas ficam tocadas que nem ‘boi’, eu não sei porque que eu tenho fazer isso, mas eu tenho que fazer porque que o MEC vai vir. Eu não sei porque que eu tenho que falar, tenho que falar porque o MEC vai vir (GESTOR 04).
Os gestores foram unânimes ao confirmar que os resultados do SINAES são importantes para eles, em especial para os mantenedores. Esses dados revelam a necessidade da gestão tratar o SINAES de maneira mais aberta à sua comunidade acadêmica, e consequentemente envolve-la mais nos processos para que assim, como parte das dinâmicas da gestão em relação ao SINAES.
Os gestores afirmam que com o SINAES a preocupação com indicadores tornou-se uma constante. Para o Gestor 02, “não restam dúvidas de que o SINAES interferiu diretamente na nossa preocupação de otimizar a qualidade da educação”, mas qualidade “no sentido de aprender como seriam os processos avaliativos, o que tinha que ser atendido para se alcançar os indicadores positivos necessários para a sobrevivência da IES” (GESTOR 02).
Essa forma de controle de “fora para dentro”, como coloca o Gestor 01, leva ao cumprimento do requisitos do SINAES por exigência, não por considera-los como ideais. E por vezes, “eu até deixo desenvolver um trabalho melhor, um ensino melhor, para que eu fique mais tranquila quando for avaliada” (GESTOR 04).
Quando perguntados especificamente como SINAES interfere na gestão de cada um as respostas tenderam a enfatizar o papel de organizador, estruturador para o seu trabalho como gestores. Segundo o Gestor 01:
O SINAES interfere de um forma mais criteriosa de se organizar a gestão, de se hierarquizar essa gestão, de se criar critérios de avaliação, de sistematizar mesmo a gestão em si; o que torna a ação de um gestor mais organizada, mais pontual, com alguns controles, se ele seguir (GESTOR 01).
Para o Gestor 03, só o simples fato de se saber que vai ser avaliado já “faz com que se procure fazer um trabalho melhor”, Mas essa interferência pode vir sob forma de pressão, e ainda ocorrer, principalmente, nos ciclos avaliativos:
Mas ela (a avaliação) interfere muito mais sob forma de pressão. Esse é o termo certo! Pressão de mostrar um resultado, e um resultado esse a curto prazo, imediatista. Eu não vejo um intercâmbio de informação, algo que colabore, que contribua com o crescimento do profissional, não! Eu vejo algo que esta ali, é cobrado e pronto! E que você tem que cumprir, e que esse cumprir é maior quando MEC vem in loco (GESTOR 01).
Para o Gestor 05, “o SINAES faz com que perdemos os nossos sinais, a nossa liberdade”. E essa liberdade pode ser ainda mais cerceada quando o relatório de visita in loco é disponibilizado pela comissão avaliadora. Todos os gestores afirmaram que buscam seguir as recomendações feitas, mesmo que não de maneira imediata. Como os mesmos colocaram em diferentes momentos, talvez por não ser uma questão cultural a busca constante pela melhoria, sem a necessidade de uma inspeção, “de um avaliador, para correr e fazer as coisas, aquilo que é sua obrigação de fazer” (GESTOR 03). Segundo o Gestor 04, é a velha máxima do “pode deixar isso pra depois”, ou “pode fazer mais próximo na próxima visita”.
As colocações do Gestor 02, após a visita in loco, reafirmam a posição de outros gestores:
A gente analisa, a gente verifica os pontos frágeis, a gente corrige, a gente procura amadurecer. Agora, a avaliação in loco, por sua vez, é um cardápio, é um roteiro, uma receita de bolo. Muitas IES não cumprem no dia a dia o que se exige, e quando a visita in loco vai acontecer elas arrumam a casa, que é outro desvio (GESTOR 02).
Existe uma nítida preocupação com o engessamento que pode advir da obediência aos critérios estabelecidos nos instrumentos e nas sua dimensões. “Existe um certo ‘cordeirismo’ em relação ao SINAES... o medo gera respeito e o respeito gera o temor da punição” (GESTOR 05). Mesmo assim, os gestores atuam na tentativa de conciliar os interesses institucionais em, no atendimento dos requisitos dos instrumentos ter bons conceitos, e planejar a IES, na sua área de atuação, naquilo em que eles acreditam.
Um outro aspecto colocado pelos gestores foi a canalização dos esforços para o ENADE e isso foi visto como um ponto negativo na medida em que “a gente canaliza hoje a formação do aluno, para ele responder as provas do ENADE; a gente se preocupa menos com a formação profissional dele, e mais dele saber responder as provas do ENADE” ( GESTOR 02). Os gestores veem o ENADE como uma ato ‘punitivo’ para a IES, ao se tornar refém do corpo discentes e “precisa ser melhorado quanto à motivação dos alunos” (GESTOR 03). Como um exame de desempenho não permite que o aluno seja ativo no processo.
Pelo pouco que eu sei de avaliação é algo que torna a instituição e o alunado sujeito ativo do processo. O ENADE não é (isso); o ENADE, ele vem mais como punição para a instituição; ele não possibilita uma remediação do processo, uma correção desse processo; ele é punitivo, ele é autocrático, ele não é processual (GESTOR 01).
Nesse sentido, considera-se que o processo de ensino-aprendizagem torna-se limitado. Os objetivos da formação acadêmica agora são outros; os bons resultados, tornam-se mais importantes do que o aprendizado de outros conteúdos, sejam humanísticos, ligados à ética, às artes, à formação do cidadão. “Não há teoria educacional que sustente que o desempenho de um estudante numa prova seja plena garantia de aprendizagem, nem de que o resultado de um conjunto de estudantes seja igual à qualidade de um curso” (DIAS SOBRINHO, 2008, p. 04).
Esse desempenho, quando convertido em índices que levam à rankings, pode gerar falsos indicadores. Indicadores que, muitas vezes, são usados como ‘norte’ para escolha dos alunos, em meio a uma ampla oferta de instituições e por isso usados pelos gestores na captação desses novos alunos.
Com base nas entrevistas realizadas, todos os gestores responderam que a gestão tem IES tem preocupação em estar bem colocada nos rankings, nem que seja por obrigação. Na medida em que os rankings acabam por divulgar as IES, e vem sendo cada vez mais procurados por alunos torna-se importante estar em posições favoráveis à atração e retenção de alunos. O Gestor 01 resumiu:
Tem porque é um índice que acaba divulgando, se a gente for pensar em termos de marketing, acaba divulgando a instituição. A procura por instituições que atendam esses pré-requisitos, onde têm esses índices é maior, e a competitividade entre as instituições é enorme (GESTOR 01).
É nesse sentido que se reforça a relatividade do entendimento sobre o que é qualidade e por isso, a dimensão da qualidade tem que ser vista além dos rankings, dos lucros e resultados do mercado. Deve-se entender que a formação intelectual, política, cultural dos alunos são indicadores também importantes para o desenvolvimento da sociedade ao abrir portas para a criatividade, para o pensamento científico e para uma visão crítica de sociedade e de mundo. A qualidade da educação não pode ser medida, avaliada e fomentada apenas pelo Estado por se tratar de um assunto comum a diversos segmentos da sociedade, a partir de diferentes perspectivas, incluindo a sociedade civil e as próprias IES, necessárias para melhorar e enriquecer as políticas públicas (CAMPO, 2011).
Os gestores entendem essa qualidade com pontos de vista diferentes, mas não divergentes. As repostas obtidas foram relativas ao amadurecimento do acadêmico como profissional, ter egresso formado para atender a demanda do mercado, otimizar a formação humana desse egresso, estar em dia com o conhecimento e com a verdade, dentre outros. Foi recorrente nas respostas dos gestores aspectos presentes na afirmação do gestor 03 que entende que “qualidade de educação envolve, por exemplo: preparar o seu aluno formando para o mercado de trabalho, você conseguir com que aquele aluno formando mude a realidade da cidade onde ele atua, trabalha” (GESTOR 03).
A partir do momento em que você tem um resultado de um questionário, de uma pesquisa e o resultado de uma avalição feita pelo SINAES, você observa, quais são os pontos fracos; onde a instituição está errando, por que está fazendo assim?... e dessa maneira, para poder melhorar o seu trabalho você vai refletir e melhorar (GESTOR 03).
Mas, para o Gestor 02, enquanto qualidade for sinônimo de formação humana, o SINAES e os seus indicadores são incapazes de medi-los. Incapazes porque qualidade é reflexo, “o produto do ensino superior é o acadêmico, então eu meço a qualidade com o que sai do meu produto” (GESTOR 04) e esse produto pode ter diferentes formatos e concepções.
Essa capacidade de transformar o seu entorno, de mudar a sociedade, está no entendimento e até anseio dos gestores, mas não se vê, nas respostas dos docentes e discentes essa ‘promessa’.
Ao analisar os resultados da pesquisa, pode-se constatar uma série de influencias do SINAES, nas dinâmicas de gestão. Dinâmicas essas que trazem inúmeras consequências na estrutura da IES, em níveis administrativos, acadêmicos e culturais.
À GUISA DE CONCLUSÕES
Com base na análise e discussão desses resultados, chegou-se a algumas constatações que incitaram outras questões na tentativa de embasar algumas conclusões desse trabalho.
Os gestores entrevistados têm experiência na educação superior, alguns estão há mais de 20 anos e já passaram por diferentes ocupações no ramo educacional, desde funções técnicas, como docentes. Essa experiência e a suposição de um certo grau de conhecimento da construção das políticas educacionais não foram vistas no Eixo I, no qual se buscou enfatizar o contexto de influência. Observou-se uma falta de entendimento mais profundo sobre as bases de construção do SINAES, quem buscou a concretização da política e por quê. Ao se falar no contexto do política, os gestores, menos experientes deixaram clara a falta de conhecimento, sendo recorrente a frase “não sei”. Aqueles com mais experiência fizeram uma tentativa de abordar questões históricas das mudanças da políticas educacionais no país, mas tenderam a estabelecer em seus discursos uma crítica às mudanças da concepção original do SINAES.
O ENADE apareceu como marca discursiva nas entrevistas e reforçou a discussão trazida por diversos autores, ao longo dessa pesquisa, sobre a redução do SINAES aos indicadores. Dias Sobrinho reforça essa discussão quando afirma que “o INEP destituiu a avaliação institucional e erigiu o ENADE – agora um exame estático e somativo não mais dinâmico e formativo” (DIAS SOBRINHO, 2008, p. 03).
Como atores da construção do SINAES, apenas o MEC apareceu em todas as repostas; o que limita a perspectiva de uma rede de governança que envolve essa política.
Contudo, dentro dessa hierarquia foi colocada, em diferentes partes das entrevistas, críticas à falta de interlocução com as mantenedoras das IES e ainda pela presença marcante de conselheiros no MEC de instituições públicas e/ou universitárias, distantes da realidade das faculdades isoladas privadas.
Para alguns teóricos, as políticas de educação do Brasil, assim como em nível mundial, reforçam os interesses da inciativa privada ao limitar as funções do Estado como seu único provedor. Contudo, na visão dos gestores algumas dessas políticas, incluindo o SINAES, penalizam a instituições privadas de pequeno porte e de áreas mais remotas do país, como no caso da IES analisada. Penalidades imputadas por colocar como parâmetro para indicadores de qualidade o status quo universitário.
É indiscutível a capacidade que o SINAES teria de gerar qualidade nas IES, se a articulação entre os componentes avaliativos não tivesse sido sufocado pela preocupação midiática com os índices educacionais. Ao se falar na finalidade do SINAES foram marcas discursivas estrutura, organização e qualidade e o ENADE apareceu como ícone desse ‘desvirtuamento’ da política.
Os critérios do SINAES foram relacionados às limitações da política, no qual mais uma vez se reforçou a desproporcionalidade entre os componentes e do relativo desconhecimento das desigualdades regionais no indicadores. Os instrumentos foram indicativos como contribuições do SINAES ao serem bem estruturados e nortearem melhor a gestão, mesmo se reconhecendo falhas quanto sua aplicação.
Torna-se importante socializar os critérios e os resultados da IES obtidos pelo SINAES na medida em que, cada vez mais, essa política exerce influência na gestão. Seja por influenciar as escolhas dos discentes, como apontado nos resultados na pesquisa, seja por estar norteando as ações de ensino-aprendizagem ou pela interferência administrativa, na alocação dos recursos. As estratégias de marketing da IES envolvem o uso desses conceitos.
Para os gestores, ao mesmo tempo em que o SINAES beneficia a IES por estabelecer parâmetros de controle, a pune pela pressão por alcance de indicadores mínimos, pontuais e não processuais. Especialmente pela padronização dos instrumentos, seja para IES de diferentes portes e regiões do país.
A CPA pode ser considerada um ponto articulador nas dinâmicas de gestão da IES, pela possibilidade que tem de colocar o SINAES mais próximo à comunidade acadêmica. Reforçar o poder da autoavaliação dentro da IES, divulgar e discutir os seus resultados pode trazer benefícios a essa comunidade, na medida em que, o maior conhecimento dos seus critérios leva a uma maior criticidade. Essa gestão valoriza a CPA, tem o reconhecimento de sua comunidade, mas ao mesmo tempo, tem consciência de que, a cada dia, ela vem perdendo importância pela excessiva valorização do ENADE. Nesse sentido, se corre o risco de transformar a autoavaliação em mais um componente obrigatório.
Quanto ao ENADE, a IES, “cedeu”!!! Diante de sua ‘importância’ no processo avaliativo, a gestão da IES passou a direcionar o aprendizado dos alunos do ciclo avaliativo para os conteúdos do Exame. Contudo, para os gestores esses mesmos alunos não reconhecem o ENADE como reflexo de sua aprendizagem e por isso não o valorizam. Essa dialética valorização do mercado versus desvalorização discente reforça ainda mais a necessidade de ações na busca por melhores índices. Para Cruz (2013) a avaliação, dentro do contexto do SINAES, foi entendida como direção, e como valorização de indicadores mensuráveis, portanto mais preocupada com o produto do que com os processos.
Ao longo da pesquisa, ficou latente, no que diz respeito à forma como SINAES influencia a gestão dos entrevistados e no dia a dia da IES, que a regulação estimula a organização das atividades. Atividades estas que visam ao cumprimento das “ordens”, ou seja, dos indicadores mínimos de qualidade para se ter bons resultados, especialmente no ENADE.
REFERÊNCIAS
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BALL, Stephen J.; MAGUIRE, Meg; BRAUN, Annete. How schools do policy: policy enactments in secondary schools. London: Routedge, 2012.
BOWE, Richard; BALL, Stephen J.; GOLD, A. Reforming education & changing schools: cases studies in policy sociology. London: Routledge, 1992.
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