FUNDOS CONTÁBEIS E O FEDERALISMO COOPERATIVO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA - UMA ANÁLISE A PARTIR DO FUNDEB
Resumo: O artigo analisa a partir dos fundos contábeis destinados à educação brasileira, especificamente o FUNDEB, como se dá o federalismo cooperativo no Brasil. Para tanto, trabalha-se com a origem dos fundos contábeis na Contabilidade tomando como base a Teoria dos Fundos representada por Van Breda e Hendriksen (1999), bem como a Teoria do Federalismo enquanto pacto, a partir da matriz internacional representada por Elazar (1987) e Wright (1978), que propõem um pacto federativo pautado na garantia da unidade na diversidade. Conclui-se com base nos dados coletados que o pacto federativo brasileiro mesmo balizado pelo FUNDEB é incompleto em virtude da federação brasileira ser demos constraining a seus entes federados.
Palavras-chave: Federalismo; Fundos contábeis; FUNDEB.
INTRODUÇÃO
O Brasil é uma república federativa baseada no regime de colaboração entre os entes federados na área da educação a partir do marco legal constitucional. Neste sentido, a vinculação dos recursos à educação é condição básica para que sejam garantidos o acesso e permanência a todos os cidadãos brasileiros conforme a Constituição Federal de 1988. Mesmo com a estipulação legal dada pela douta norma o que se observa historicamente é que a definição dos percentuais destinados à educação sempre estiveram condicionados ao tipo de federalismo praticado no país que ora era centralizado ora descentralizado fazendo que a path dependence (Pierson, 2000) influenciasse a tomada de decisões no campo das políticas educacionais.
Deste modo, foi adentrando na história do financiamento da educação brasileira a criação de fundos de natureza contábil para diminuir ou atenuar as desigualdades regionais para a oferta da educação básica, principalmente a partir da legalidade da Constituição Federal de 1988 onde encontra-se a estabilidade dos índices a serem destinados à educação, bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/96 ancorada na reforma do Estado brasileiro realizada no ano de 1995 no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
É justamente o governo do referido presidente que instituiu um fundo contábil específico para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), criado no ano de 1996. Este fundo redistribuiu a política de financiamento do ensino fundamental em que deveriam ser investidos pelo menos 15% (quinze por cento) dos impostos arrecadados pelos três entes federados. Porém, este fundo não resolveu o problema da educação brasileira uma vez que privilegiava apenas o ensino fundamental, ficando os demais níveis e modalidades da educação básica descobertos de financiamento.
Para solucionar a problemática, este fundo foi substituído por outro também de natureza contábil denominado de Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) no ano de 2006 durante o governo do ex-presidente da república Luís Inácio da Silva. É o FUNDEB o objeto de estudo desta pesquisa já finalizada no âmbito da linha de pesquisa Laboratório Integrado de Pesquisa e Práticas Jornalísticas e Culturais, cujo grupo de pesquisa denomina-se Estado, gestão e políticas educacionais na América Latina a partir de financiamento pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por entendermos que as mudanças na política de financiamento da educação brasileira merecem ser analisadas.
Para tanto, o artigo divide-se em quatro seções a saber: na primeira parte apresenta-se os objetivos que nortearam a pesquisa e sua viabilidade acadêmica, na segunda discutimos o aporte metodológico com base no marco teórico da contabilidade para a teoria dos fundos de natureza contábil, bem como a emergência do FUNDEB neste cenário. Já na terceira seção discute-se os resultados da pesquisa situando o federalismo brasileiro e o dilema da cooperação, por compreendermos que o pacto federativo deve ser baseado no compartilhamento da tomada de decisões para a área da educação. Na última parte do artigo trazemos a análise dos dados obtidos sobre o repasse dos recursos do FUNDEB à prefeitura de São Luís (MA).
A CONTABILIDADE E A TEORIA DOS FUNDOS DE NATUREZA CONTÁBIL: A EMERGÊNCIA DO FUNDEB NO CENÁRIO BRASILEIRO
O financiamento da educação no Brasil esteve atrelado ao dilema da ação coordenada/cooperativa do federalismo brasileiro. Neste sentido, é a Contabilidade enquanto área de conhecimento específico que alude às questões relativas ao orçamento público para a educação. Segundo Regis (2009) e Abrucio (1998) a partir da Constituição Federal de 1988 os Estados têm sua força reestabelecida, após o período de ditadura militar, e os Municípios sua autonomia reconhecida enquanto entes federados de uma federação trina a partir do marco legal constitucional de 1988.
Neste contexto de novo federalismo instituído pela Constituição Federal de 1988, observa-se a partir da Contabilidade a emergência no cenário brasileiro da política de fundos de natureza contábil. Segundo Silva (2013), a contabilidade é um instrumento que acompanha a execução orçamentária e controle para gerar informações para que os usuários tenham base segura nas decisões decorrentes das interpretações, identificação, avaliação, registro, controle e evidenciação das entidades que recebem, guardam e movimentam recursos públicos, sendo, desta forma, a política de fundos uma das suas áreas de preocupação.
A política de fundos é uma questão de gestão de políticas públicas na área de financiamento, que dentro da literatura especializada (MONLEVADE, 2008; BASSI, 2008; GOMES; CARNIELLI, 2005) chama-se de subvinculações.
Dispõe-se na literatura da Contabilidade a existência da teoria dos fundos, cujos fundamentos assentam-se na seguinte materialidade: que a preocupação da Contabilidade deveria ser exclusivamente o controle econômico dos recursos de uma entidade,
[...] na medida que as demonstrações contábeis são preparadas sob o ponto de vista do comandante, o balanço representa os ativos que ele recebeu e as obrigações que ele terá que cumprir em função dos ativos recebidos; e a demonstração de resultado demonstra o uso dos recursos recebidos, isto é, a aplicação que foi feita com os ativos, no mesmo sentido de uma prestação de contas. É a explicação dos resultados alcançados pelo comandante dos recursos (ABE, 2007, p.73-74).
Embora a Contabilidade tenha a especificidade acima referenciada, Van Breda e Hendriksen (1999) observam que não somente esta função deve ser privilegiada e colocam a Teoria dos Fundos como basilar na Contabilidade, por entenderem que esta abandona as relações interpessoais, sendo o fundo de interesse para mesma:
Embora o conceito de lucro possa ser mantido na teoria do fundo, não é o conceito principal na contabilidade financeira. Em lugar disso, a descrição da operação do fundo é apresentada mais claramente na demonstração de fluxo de fundos.
As principais demonstrações financeiras são resumos estatísticos das fontes e aplicações de fundos. Uma demonstração do resultado, se chegar a existir, será um acessório da demonstração de fluxo de fundos – uma descrição dos fundos gerados pelas operações (HENDRIKSEN; VAN BREDA, 1999, p.470).
Sobre os fundos no Brasil nota-se que “Essa instituição de fundos especiais, em geral, pressupõe a existência de produto de receitas específicas, que deverão estar explicadas em sua lei de criação” (COSTA, 2014, p.12).
Na gestão de Fernando Henrique Cardoso foi promulgada a Emenda Constitucional (EC) nº 19/98 que enxugou o Estado, abrindo espaço para a retirada deste em áreas prioritárias como a educação e deixando margem aos consócios públicos. O conteúdo do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 173/95, posteriormente convertida em Emenda Constitucional nº 19/98, parte da prerrogativa de um Estado em crise, cuja estagnação econômica perdurava há quinze anos. Esta crise econômica dispunha-se: “como crise fiscal, crise do modo de intervenção do Estado na economia e crise do próprio aparelho estatal” (BRASIL, 1995, p.18852).
Com o enxugamento do Estado o Brasil tentou solucionar o problema do regime de colaboração presente na Constituição Federal de 1988 criando o Fundo de Manutenção e Valorização do Magistério (FUNDEF), Lei nº 9.424/96. Previsto no Art.60, 4§, do ADCT, com redação alterada pela Emenda Constitucional nº 14/96: “Art.60, §4º. A União, os Estados e o Distrito Federal e os Municípios ajustarão progressivamente, em um prazo de cinco anos, suas contribuições ao Fundo, de forma a garantir um valor por aluno correspondente a um padrão mínimo de qualidade de ensino, definido nacionalmente” (BRASIL, 2005, p.185).
A partir do FUNDEF houve um processo de municipalização da educação no Brasil como parte de uma política de desconcentração que tinha por discurso a eficiência dos sistemas municipais de ensino. Este fundo contábil não conseguiu resolver os problemas da educação brasileira em virtude de contemplar apenas o ensino fundamental, deixando parcela da sociedade descoberta de recursos nos outros níveis de ensino.
Por este motivo, no ano de 2006 o ex-presidente Luís Inácio da Silva encaminhou a Emenda Constitucional nº 53/06 ao Congresso Nacional propondo alteração do § 5º, do Art. 212 da Constituição Federal e ao Art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias criando o FUNDEB. Ampliando o financiamento da educação básica para os três níveis de ensino que a compõem e suas respectivas modalidades (DAVIES, 2004; OLIVEIRA, 2009).
O FUNDEB teve origem na PEC nº 191/2012 apresentada pelo Deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA) cuja premissa insere na Constituição Federal de 1988 o Art. 212-A com o objetivo de tornar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) instrumento permanente de financiamento da educação básica pública (BRASIL, 2012, p.22064).
Conforme a PEC nº 191/2012 existia uma outra de nº 112/99 que trazia a reforma do financiamento da educação para o corpo da Constituição Federal:
[...] O Fundeb, embora tenha ampliado seu prazo de vigência para 14 anos (até 2020), enquanto o fundo precedente, Fundef, vigorou por dez anos, não ousou trazer as regras de financiamento para o corpo permanente da Constituição, mantidas no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Entretanto, admitir esta topografia constitucional seria considerá-lo como um programa provisório. E isso não pode ser.
O fim do Fundeb provocaria grande desorganização no financiamento da educação básica pública brasileira e colocaria termo à mais importante experiência de construção de encaminhamento de políticas públicas a partir da solidariedade federativa. O efeito redistributivo do fundo é seu grande mérito. O Fundeb representa a aplicação plena do princípio da solidariedade, essencial ao federalismo cooperativo, modelo de organização do Estado adotado pelo Brasil (BRASIL, 2012, p.22065).
O FUNDEB apresenta-se enquanto mecanismo garantidor do princípio de subsidiariedade e mantenedor do federalismo cooperativo:
[...] V – a União complementará os recursos dos Fundos a que se refere o inciso II do caput deste artigo sempre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente, fixado em observância ao disposto no inciso VII do caput deste artigo, vedada a utilização dos recursos a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal;
VI – até 10% (dez por cento) da complementação da União prevista no inciso V do caput deste artigo poderá ser distribuída para os Fundos por meio de programas direcionados para a melhoria da qualidade da educação, na forma da lei a que se refere o inciso III do caput deste artigo; (BRASIL, 2012, p.22065).
A instituição do FUNDEB foi a primeira prerrogativa do governo de Luís Inácio da Silva (2003-2010) para o regime de colaboração na educação brasileira com objetivo de superar o antigo desafio do federalismo brasileiro em termos de financiamento da educação básica, apesar da Constituição Federal de 1988 estabelecer vinculações de impostos em nível federal, estadual, distrital e municipal a serem obrigatoriamente aplicados na educação.
A criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica (FUNDEB), pela Lei nº 11.494, de 20 janeiro de 2007, representou um passo importante na aplicação de percentuais mais elevados à educação nacional, por exigir da União um aporte maior de recursos para a educação básica (EB), além de estabelecer como marco político da abrangência de toda a EB; dispor sobre o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério da EB; definir limites mínimos e progressivos para a participação da União na complementação dos fundos, por meio de programas direcionados à melhoria da qualidade da educação (DOURADO; AMARAL, 2011, p.289-290).
Neste sentido, a análise do FUNDEB enquanto um mecanismo da Contabilidade para o alcance do financiamento da educação se faz basilar, para tanto, mister observar melhor como se apresenta o federalismo brasileiro e a cooperação na educação para poder entender porque o FUNDEB enquanto mecanismo de natureza contábil ainda é emblemático no país.
O FEDERALISMO BRASILEIRO E O DILEMA DA COOPERAÇÃO NA EDUCAÇÃO
O estudo do federalismo enquanto pacto tem aportes na matriz teórica internacional de Daniel Elazar (1987) o qual premissa que o estado federal é uma nova forma de lidar com a organização territorial e política do poder que permite o compartilhamento da tomada de decisões. Entende que o federalismo é:
O federalismo é uma forma de associação política e de organização que une diferentes políticas dentro de um sistema político mais abrangente de tal forma que permite que cada membro mantenha sua própria integridade política. Sistemas federativos fazem isso ao requerer que as políticas básicas sejam feitas e implementadas através de alguma forma de negociação, de maneira que todos os membros possam compartilhar o processo de produção e execução das decisões (ELAZAR, 1995, p.1, tradução nossa).
Na Teoria do federalismo enquanto pacto as relações federativas permitem a parceria entre os governos. Devendo haver cooperação e negociação como base da partilha de poder (ELAZAR, 1987). O modelo federalista tem como estrutura a distribuição do poder entre os vários entes federados, conforme modelo matricial que prega a não centralização na tomada de decisões em detrimento da descentralização. O modelo matricial seria o que melhor representa o federalismo cooperativo, caracterizando-o como regime consensual de democracia. Sua essência está na divisão e distribuição do poder político (LIJPHART, 1999).
Wright (1978) também estipula algumas características para que o federalismo enquanto forma de governo dê certo. Segundo o autor partir apenas do conceito de federalismo é ficar em sua noção juridicista. É preciso observar aquilo que denominou de Relações Intergovernamentais (IGRs): são as relações intergovernamentais que fazem o federalismo acontecer, elas possuem cinco características: conflito, cooperação, concentração, criatividade e competição.
Para Wright (1978) as IGRs baseadas nestes cinco aspectos geram três tipos de autoridades federalistas. O primeiro seria o modelo de autoridade dependente em que os entes federados estão subordinados à figura do governo federal, num clássico modelo de relações hierarquizadas. O segundo modelo seria de autoridade separada, no qual os entes federados não se relacionam diretamente com o governo federal, atuando de forma não cooperativa e autônoma. Já o terceiro modelo denominado de autoridade interdependente é, segundo Wright (op.cit.) o melhor modelo a ser adotado por países federalistas, pois nele os entes federados e o governo federal atuam em ações coordenadas com a tomada de decisões compartilhadas.
No federalismo brasileiro notamos um continum entre centralização e descentralização que interferiram diretamente nas formas de financiamento da educação. Na República Velha, por exemplo, predominou um federalismo denominado de centrífugo, em que os Estados eram dotados de autonomia, mas não tinham coordenação federativa (ABRUCIO, 1998).
Neste momento histórico o federalismo do Brasil teve suas relações intergovernamentais do tipo isolada, sendo o século XX caracterizado por relações intergovernamentais e o modelo de federalismo pelo crescimento do poder dos governadores (SOUZA, 1997). Este modelo de federalismo caracterizou-se por ser do tipo dependente descrito nos estudos de Wright (1978). Já em 1946 a nova constituição fez o Brasil adotar um federalismo cooperativo baseado na partilha de receitas entre os entes federados (SOUZA, 1997; ABRUCIO, 1998).
Com a Constituição Federal de 1988 o país adota o modelo de federalismo cooperativo, nos termos de Elazar (1987) ou modelo de autoridade interdependente, conforme as características assinaladas em Wright (1978). Observamos estas características ao analisarmos o Art.1º da Constituição: “A República federativa do Brasil do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e do Distrito Federal, constitui-se em um Estado Democrático de Direito” (BRASIL, 2005, p.19). Nota-se no artigo em tela que há relação direta entre estado de direito e estado democrático, denotando o veto players aos entes federados ao destacar “§ único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2005, p.19).
A Carta de 88 participa aos Municípios a autonomia que antes não possuíam bem como os reconhece enquanto entes federados nos transformando em uma federação trina. Em nenhuma outra nação o município será reconhecido constitucionalmente enquanto ente federado, esta peculiaridade irá conferir aos municípios do Brasil sua autonomia política-administrativa, instalando, talvez, o modelo federalista cooperativo (ELAZAR, 1995, 1987) ou modelo de autoridade interdependente (WRIGHT, 1978).
A autonomia conferida aos Municípios na Carta de 88 a partir da Reforma do Estado foi entendida como descentralização das responsabilidades, mas não dos recursos, fazendo o Brasil adotar a postura de Estado gerencial, incidindo em mecanismos de cooperação entre seus entes federados como o FUNDEB. Esta situação peculiar se deu em virtude do federalismo brasileiro possuir path dependence (PIERSON, 2000) que ora tangencia para a descentralização ora para centralização e por muitas vezes para a desarticulação de políticas educacionais.
Conforme Pierson (1995) países federalistas com as características brasileiras possuem um shared decision make (problema de decisão conjunta) onde muitas vezes não fica definido o que cada governo deve fazer em termos de políticas públicas, gerando uma atuação desgovernada. Observando a instituição do FUNDEB pelo governo federal é possível notar que este se antecipou aos seus entes federados, sendo este fundo de natureza contábil um center-constraining (mecanismo de constrangimento) da União para seus subgovernos nacionais.
Stepan (1999) em seus estudos destaca que países federados como o Brasil tendem a ter seu governo central constrangido por seus entes federados devido a partilha de poder entre vários, sendo o federalismo prejudicial. Porém, quando o governo federal brasileiro instituiu o FUNDEB contrariou a tese de Stepan, visto que a União impôs o FUNDEB a seus entes como política de financiamento da educação básica, não deixando seus subgovernos comporem o veto players (poder de veto) em relação ao Fundo.
Podemos dizer que ele é center constraining da União aos seus demais entes federados e por isto instala o dilema do federalismo cooperativo, uma vez que a União arrecada a maior parte dos impostos e não os distribui de forma equilibrada. É justamente esta forma de partilha de recursos que passaremos a analisar observando sua forma de materialização na Secretaria Municipal de Educação de São Luís/MA (SEMED), cujos orçamentos estão aportados na Superintendência da Área de Orçamento e Finanças (SAOF).
O FUNDEB NA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SÃO LUÍS: ASPECTOS A PARTIR DA SUPERINTENDÊNCIA DA ÁREA DE ORÇAMENTO E FINANÇAS (SAOF)
Com a instituição do FUNDEB no ano de 2006 pelo governo do ex-presidente da república Luís Inácio da Silva se pretendeu sanar as deficiências de custeio presentes no FUNDEF. Entretanto, frisamos que a intenção deste novo fundo contábil para manutenção do financiamento e estreitamento do regime de colaboração na educação ficou fragilizada em virtude de nos anos iniciais de vida o repasse dos valores contar com um déficit de R$ 12 bilhões de reais que deixaram de ser repassados tanto pelo governo de Fernando Henrique Cardoso quanto de Luís Inácio da Silva no período de 1998 a 2002, chegando em um montante de R$ 20 bilhões não repassados em 2004 (DAVIES, 2004).
Em contrapartida, a partir do FUNDEB notamos o aumento dos percentuais investidos na educação que agora passam com este novo fundo a um montante de 25% (vinte e cinco por cento) de todos os impostos dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Outro ponto de destaque é que com o FUNDEB todas as matrículas da educação básica (0 a 17 anos de idade) são consideradas na redistribuição dos recursos aos subgovernos nacionais e 80% (oitenta por cento) de seus recursos devem ser investidos na valorização do magistério. Neste sentido, observamos que a instituição do FUNDEB traz um montante de recursos às prefeituras de modo crescente. Na prefeitura de São Luís (MA) é possível ver o aumento dos valores repassados à Secretaria Municipal de Educação, cujo setor responsável pelo empenho dos valores é a Superintendência da Área de Orçamento e Finanças (SAOF):
Anos | Orçado |
Empenhado |
Liquidado |
Pago |
2010 |
177.591.007,50 |
159.480.127,25 |
156.021.772,43 |
118.573.036,49 |
2011 |
180.140.549,00 |
196.980.750,64 |
145.739.140,89 |
104.216.620,78 |
2012 |
226.648.603,00 |
190.166.764,03 |
167.371.111,08 |
92.197.331,97 |
2013 |
209.859.112,00 |
276.814.741,56 |
337.891.111,46 |
111.804.313,30 |
2014 |
235.964.551,28 |
269.571.476,15 |
252.066.918,50 |
173.451.112,39 |
TOTAL |
1.030.203.822,78 |
1.093.013.859,63 |
1.059.090.054,36 |
600.242.414,93 |
Analisando os valores destinados à prefeitura de São Luís (MA) percebemos o aumento gradativo dos recursos oriundos do pacto federativo constitucional via regime de colaboração, em que os valores orçados pela prefeitura de São Luís do montante para o ano de 2014 girou em torno de R$ 58.373.543,78 de aumento em relação aos recursos orçados no ano de 2010. O que dá um percentual de 32, 84% (trinta e dois virgula oitenta e quatro) de aumento de investimentos por parte do governo federal.
Estes dados nos remetem a analisar que o FUNDEB é um fundo importante para o regime que colaboração entre os entes federados, mas por outro lado nos revela a fragilidade do modelo federalista brasileiro no qual a União ainda é a grande detentora dos maiores valores, fazendo os subgovernos nacionais ficarem submissos às políticas educacionais por ela implementadas. Neste sentido, o FUNDEB força: [...] a discussão conjunta entre a União, os Estados e os Municípios sobre quais os valores considerados suficientes, necessários e/ou possíveis de serem investidos em educação (GIL; ARELARO, 2005, p.76).
Ainda a partir da tabela 1 depreendemos que municípios como São Luís (MA) empenharam quase em sua totalidade os recursos destinados pela União via FUNDEB para a educação. Esta característica se deve ao fato da Constituição Federal e da EC nº 53/06 instituírem mecanismos específicos para que os subgovernos nacionais invistam os recursos deste fundo contábil na educação básica em que pelo menos 80% (oitenta por cento) deve ser para pagamento dos profissionais da educação. Por este motivo denominarmos o FUNDEB, nesta pesquisa, de mecanismo center constraining (mecanismo de constrangimento) da União para seus subgovernos nacionais, uma vez que o governo federal ao demarcar os setores de investimento do montante repassado demonstra sua característica de demos constraining (democracia que constrange/restringe) para seus subgovernos nacionais, invertendo assim a lógica de Stepan (1999) na qual federações como o Brasil deveriam ter a União constrangida no seu poder de baixar políticas educacionais, justamente porque os subgovernos nacionais são autônomos perante o texto constitucional e dotados de veto players.
Defendemos que políticas de fundo contábeis devem ter por característica central a criação de mecanismos de redistribuição de recursos e melhor gestão destes e não necessariamente apenas o aumento do montante investido como observamos na tabela 1, recaindo nos argumentos de Gil e Arelaro (2005, p.83) sobre a política de fundos contábeis:
[...] não passou de competente estratégia para transferir aos Municípios responsabilidades até então da União e dos Estados e manter, ao custo mais baixo que for tolerável para as crianças pobres – e só para elas – uma escola pobre. [...] nunca o Governo Federal gastou, de forma tão competente, tão pouco no ensino fundamental.
Ao instituir o FUNDEB argumentamos que a União tentou materializar o federalismo cooperativo/coordenado proposto por Elazar (1987) onde no modelo matricial ou self rule plus shared rule (governo compartilhado e autogoverno) há a presença de um governo federal não central em que as arenas políticas se entrelaçam, se baseando em um processo decisório consciente de relações entre os subgovernos e o governo federal. O processo de negociação do federalismo enquanto pacto, em Elazar (1987), resulta do compromisso dos agentes políticos com o federalismo, que se constituem na soberania compartilhada.
Ressaltamos, porém, que o FUNDEB de certa forma limita a possibilidade de compartilhamento do processo decisório, se consistindo em um mecanismo de transferência de responsabilidades da esfera maior (União) para as menores (Estados e Municípios) não contribuindo necessariamente para diminuição das desigualdades regionais. Mesmo assim, os investimentos da União por meio do FUNDEB são atrativos em um primeiro momento aos subgovernos nacionais, conforme dados da tabela 2:
Anos | Montante |
2010 |
112.726.019,10 |
2011 |
177.631.195,38 |
2012 |
198.212.641,54 |
2013 |
108.340.397,17 |
2014 |
129.457.197,23 |
TOTAL |
726.367.450,42 |
A partir dos dados da tabela 2 podemos inferir que a União tratou de fazer os repasses do fundo à prefeitura de São Luís (MA) em patamares crescentes (R$ 16.731.178,13 de aumento) ou o equivalente a 14,84% (quatorze vírgula oitenta e quatro por cento), à exceção do ano de 2013 onde notamos a queda no montante de recursos destinados a esta prefeitura.
Demonstrando que a política de fundos trouxe contribuição significativa na redistribuição dos recursos aos entes federados, porém, entendemos que há a necessidade de novos aportes de recursos, pois defendemos que o federalismo é mais do que um acordo entre as estruturas governamentais: se constitui em um modo de atividades políticas que necessita da extensão das relações cooperativas (ELAZAR, 1987, 1994) e esta política de fundos não seria necessária caso as vinculações constitucionais fossem obedecidas pelos três entes federados.
A tabela 3 mostra que os valores repassados continuaram a crescer (R$ 118.460.195,64), equivalente a 81,32% (oitenta e um vírgula trinta e dois por cento), e que os recursos são fonte importante à referida prefeitura no campo da educação. A União vem fazendo sua parte no regime de colaboração via FUNDEB, teoricamente:
Anos | Montante |
Resto a pagar |
TOTAL |
2010 |
145.657.017,70 |
145.657.017,70 |
|
2011 |
205.688.755,73 |
346.637,51 |
206.035.393,24 |
2012 |
212.645.724,11 |
2.288.731,24 |
214.934.455,35 |
2013 |
266.411.136,57 |
6.361.533,69 |
272.772.670,26 |
2014 |
264.117.213,34 |
8.917.989,27 |
273.035.202,61 |
TOTAL |
1.094.519.847,45 |
Apesar do investimento por parte da União via Fundeb é possível argumentar com base nos dados da tabela 3 que mesmo se propondo a universalizar a educação básica com qualidade o FUNDEB encontra limitações por manter os mesmos percentuais observados para a MDE (manutenção e desenvolvimento da educação) quais sejam: 18% (dezoito por cento) para a União e 25% (vinte e cinco por cento) para Estados e Municípios, cuja manutenção destes índices não elevaram significativamente o montante de receita oriunda de impostos e transferências: “não se injetam recursos novos para a educação” (SOUSA JR, 2006, p.4).
A partir desta característica argumentamos que o FUNDEB, enquanto fundo contábil possui uma dificuldade para a manutenção do custo-aluno que pode gerar problemas na tão sonhada qualidade da educação básica. Com base nos dados do montante do FUNDEB repassado à prefeitura de São Luís (MA) entende-se que o federalismo brasileiro na realidade é um pacto incompleto onde um dos lados sai perdendo, ficando no imobilismo do jogo de soma zero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio dos dados coletados foi possível demostrar que o FUNDEB enquanto fundo de natureza contábil é significativo para o orçamento dos subgovernos nacionais, mas que ao mesmo tempo se constitui em um mecanismo center-constraining da União por restringir a forma de uso do montante arrecadado, justamente por ser um fundo onde os recursos vinculados dão a reserva de receitas para aplicação determinada prevista em Lei. Esta característica, em tese, garante que o Estado via FUNDEB tenha uma gestão financeira especializada em termos de educação.
Destacamos ainda que o FUNDEB por ser center-constraining impede/limita a autonomia estadual e municipal para propor suas próprias políticas educação dado sua vinculação específica. Outra questão a ser colocada a partir do FUNDEB enquanto mecanismo de regime de colaboração é que apesar do fundo alocar 20% (vinte por cento) de ampliação do montante investido na educação básica, ele apresenta a mesma fragilidade do FUNDEF: apenas redistribui os percentuais constitucionalmente já previstos para educação entre estados e municípios. Significando que quando não há complementação do governo federal predomina a existência do jogo de soma zero onde um dos lados sai perdendo, permanecendo o nosso federalismo um pacto incompleto.
REFERÊNCIAS
ABE, C. H. S. Teorias contábeis sobre o patrimônio líquido e teoria da renda-acréscimo patrimonial: um estudo interdisciplinar. Dissertação (Mestrado em Controladoria e Contabilidade: Contabilidade) - Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
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