CONSELHOS ESCOLARES: EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS E PROPOSIÇÕES DE APRIMORAMENTO
Resumo: Passados 30 anos da redemocratização da sociedade brasileira, 16 da aprovação do princípio constitucional da gestão democrática restrita à escola pública e mais de 10 anos da implantação da política do MEC visando o fortalecimento dos Conselhos Escolares, compararam-se questões que têm se mostrado desafiadoras ao processo de democratização do trabalho educativo realizado em escolas públicas. Para tanto, tomaram-se evidências empíricas apresentadas por estudos acadêmicos sobre os Conselhos Escolares publicados de 2005/2008 e 2011/2014. Concluiu-se que o processo de tomada de decisões no âmbito escolar ainda não se modificou substantivamente, sendo que sua democratização constitui-se, ainda, em um grande desafio.
Palavras-chave: Conselhos Escolares; democratização; participação.
INTRODUÇÃO: AS CARACTERÍSTICAS DO ESTUDO
No presente texto, exercita-se a comparação de trabalhos acadêmicos que apresentam evidências empíricas relacionadas aos processos de implantação, organização e funcionamento dos Conselhos Escolares. Optou-se por comparar alguns trabalhos acadêmicos produzidos 2005 até 2008 e 2011 até 2014, tendo-se como objetivo confrontar as questões que se têm mostrado desafiadoras ao processo de democratização de tomada de decisões nas escolas públicas.
A definição do recorte temporal foi feita considerando-se tanto o pressuposto orientador, explicitado a seguir, quanto o fato de que, em 2014, completarem-se dez anos do lançamento, pelo Ministério da Educação – MEC –, do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares.
O pressuposto orientador da coleta e da análise decorreu do assumir-se teórica e politicamente que a democracia, segundo Coutinho (2002, p.17), “dever ser entendida como um processo e não como um estado”.
Considerar que o processo de democratização da sociedade pressupõe a crescente e contínua ampliação dos espaços de exercício coletivo de tomada de decisões substantivas significa reconhecer a dimensão humanizadora e pedagógica desse processo, particularmente, importante em sociedades como a nossa: profundamente cindida em termos econômicos e sociais, de larga tradição autoritária e inserida, perifericamente, num regime de produção cuja ideologia prega a individualidade.
No entanto, assumir uma perspectiva histórica relativamente ao processo de democratização da sociedade não significa uma postura ingênua de imaginar que ele possa ser operado, senão, por meio do conflito de interesses próprio da organização das sociedades assentadas na propriedade privada. Para melhor explicitar essa compreensão basta relembrar, ao menos, a inclusão do princípio da gestão democrática na Constituição de 1988 e a expressão que assumiu na Lei 9394/96.
A defesa da gestão democrática da educação se constituiu, particularmente, no período da redemocratização da sociedade brasileira numa das principais bandeiras da comunidade educacional organizada. Defendia-se, à época, a necessidade de outra lógica de tomada de decisões, também no campo educacional, como demonstrou Saviani (1997), tendo em vista a forma autoritária e centralizada que predominara, em especial, ao longo da ditadura militar pós 1964. Assim, aprovação do princípio constitucional, expresso no Art. 206, inciso VI, significou mais uma importante derrota da comunidade educacional que defendera e perdera tanto a gestão democrática da educação, quanto à exclusividade dos recursos públicos para a educação pública. A consideração como derrota do que foi aprovado no texto constitucional tem a ver não só com a limitação da gestão democrática ao ensino público, mas com o abandono da perspectiva de assunção de uma concepção democrática de gestão da educação.
O limitadíssimo princípio constitucional aprovado, que só pode ser assim considerado em relação à complexidade da exigência contida na defesa da gestão democrática da educação, foi ainda mais reduzido pela Lei no. 9.394/96. Nela, no Art. 3º, inciso VIII, explicita-se que gestão democrática do ensino público assumirá a forma por ela determinada e pela que vier a ser definida pelos sistemas de ensino. Tal redação, portanto, faz “supor que, em termos de legislação federal, esta Lei esgota o assunto” (PARO 2001, p.54).
Em decorrência, o significado do princípio constitucional se restringe ao disposto no Art. 14 da LDB/96: descentralizou-se a definição das normas e tomaram-se como princípios duas orientações questionáveis, além de não haver, como princípio, a indicação do caráter deliberativo dos Conselhos Escolares. As orientações consideradas questionáveis, tomadas como princípios norteadores da definição da gestão democrática do ensino público na Educação Básica, referem-se: de um lado, ao fato de se considerar que tão só os profissionais da educação devem participar da elaboração do projeto pedagógico das escolas, de outro lado, à vagueza da orientação relativa à participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Passados 20 anos da aprovação da LDB/96, feitas inúmeras alterações em seu texto, restam intactos os dispositivos da lei nacional relativamente à gestão democrática, muito embora, há muito, já se tenha apontado, como o fez Paro (2001), tanto para a vagueza de suas orientações, quanto para a insuficiência de suas proposições.
Assim, na definição do critério de recorte temporal inicial, considerou-se tanto o pressuposto orientador – a democracia como processo -, quanto as determinações históricas da redemocratização da sociedade brasileira e sua expressão nos textos legais no campo da educação. Nesse contexto, o lançamento, em 2004, pelo Ministério da Educação – MEC – do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares pareceu emblemático, por se tratar de uma política nacional, sem a força, ainda que relativa, da lei e representando um movimento contrário ao dela: a lei descentraliza a formulação das normas da gestão democrática restrita às escolas públicas da Educação Básica e o órgão executivo nacional da educação reconhece a necessidade e cria uma política para “fortalecer” o que, supostamente, não se quis melhor regrar nacionalmente no corpo da lei.
Além disso, definiram-se outros critérios para orientar a seleção dos trabalhos acadêmicos: 1) ter como objeto a análise do processo de implantação, organização e funcionamento de Conselhos Escolares; 2) pesquisar, em comum, escolas públicas de ensino fundamental e médio e 3) empregar como procedimento para a coleta de dados a observação, a análise documental, a efetivação de entrevistas com representantes e/ou representados e/ou aplicação de questionários.
Quando da análise dos trabalhos acadêmicos referentes aos dois períodos, 2005/2008 e 2011/2014, consideraram-se tão só as evidências empíricas, uma vez que apresentavam recortes diferenciados e igualmente diversos referenciais de análise. Assim, agruparam-se as evidências empíricas, explicitadas nos estudos considerados, em três grandes grupos de questões, a saber: 1) o grupo relativo às características da política definida pelos Sistemas de Ensino para implantação dos Conselhos Escolares; 2) o grupo de questões relativas às dificuldades na organização e, por fim, 3) o grupo de questões referentes às dificuldades comuns no que tange ao funcionamento.
No primeiro período (2005/2008), foram considerados os seguintes trabalhos acadêmicos: 1) Santos (2005), estudo realizado em uma escola estadual de Natal/RN; 2) Nienkötter (2006), pesquisa em uma escola estadual de Curitiba/PR; 3) Matos (2006), exame realizado na rede municipal do Recife/PE; 4) Perini (2007), análise efetivada em uma escola estadual em Barretos/SP; 5) Conceição (2007), pesquisa em duas escolas estaduais do município de Santa Maria/RS e 6) Farias (2008), estudo em escolas oficiais da cidade de Ceilândia/DF.
No segundo período (2011-2014) selecionou-se: 1) Campos (2011), estudo realizado em uma escola pública estadual de São Luiz/MA; 2) Chaves (2011), estudo da formação dos conselheiros escolares nas Escolas Municipais de Duque de Caxias/RJ a partir da adesão da administração municipal ao Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares; 3) Dias (2011), exame do funcionamento dos Conselhos Escolares em duas escolas municipais do DF; 4) Monteiro (2013) estudo do funcionamento dos Conselhos Escolares em cinco escolas municipais de Campina Grande/PB; 5) Ramos (2013) aplicou um questionário para participantes dos Conselhos Escolares em cinquenta escolas públicas de São Carlos/SP; 6) Schane (2014), analisou os resultados da aplicação de questionários a conselheiros escolares de 18 escolas municipais de Curitiba/PR.
Para fins de análise, agruparam-se as evidências empíricas, explicitadas pelos estudos considerados, em três grandes grupos de questões: 1) o grupo relativo às características da política definida para a criação dos Conselhos Escolares; 2) o grupo de questões relativas às dificuldades na organização e, por fim, 3) o grupo de questões referentes às dificuldades comuns no que tange ao funcionamento.
DA DISCUSSÃO COMPARATIVA DAS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS
No que se refere ao primeiro grupo de questões, nos casos do primeiro período, destacam-se duas evidências: o fato de todos os conselhos estudados resultarem das normas definidas pelos sistemas de ensino, conforme a determinação da legislação nacional, e, mesmo assim, em cinco dos seis casos estudados não houve um processo coletivo e amplo de discussão sobre suas finalidades e seu funcionamento.
Considerando os casos agrupados no segundo período, todas as pesquisas se referem ao primeiro grupo de questões, sendo que os resultados obtidos corroboram com a análise dos estudos agrupados no primeiro período. Importa destacar a contribuição de Chaves (2011), relativamente ao que observou no estudo efetivado em duas escolas do município de Duque de Caxias/RJ:
Cremos serem necessárias prudência e humildade em relação à identificação das consequências da inserção do Programa na Rede de Ensino de Duque de Caxias, uma vez que, embora haja a presença do município nos encontros promovidos pelo Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares – PNFCE – e também na formação dos técnicos da Secretaria Municipal de Educação – SME-, não houve uma ação específica voltada para as escolas no sentido de mobilizar suas comunidades para a capacitação de seus conselheiros de uma forma integrada não só à política de democratização da gestão escolar, mas principalmente à demanda necessária para que a escola seja de qualidade a partir de medidas realmente comprometidas e das relações estabelecidas nas escolas. (CHAVES, 2011, p. 131).
A assertiva de Chaves (2011) reafirma a primeira grande constatação da análise realizada sobre as características das políticas para criação/instalação dos Conselhos Escolares nos casos estudados: a de que os Conselhos Escolares, embora resultem de normas dos sistemas de ensino, têm sido instalados, na maioria absoluta dos casos, sem haver um processo amplo e coletivo de discussão/formação acerca das suas finalidades e de seu funcionamento. Tal constatação parece um enorme contrassenso, pois a instituição de uma política desacompanhada de um processo de esclarecimento e de campanha favorável revela, no mínimo, o cumprimento formalista da orientação legal nacional pelos referidos sistemas.
Possivelmente em decorrência desta constatação, verificaram-se, nos estudos analisados, referências às dificuldades enfrentadas na organização dos Conselhos Escolares, o segundo agrupamento de questões a ser analisado. Tais dificuldades tornam discutível a consideração dos Conselhos Escolares como órgãos máximos de tomada de decisões, assim como seu caráter deliberativo, consultivo e fiscal quando consideradas as evidências empíricas.
Dentre as dificuldades evidenciadas em cinco dos seis estudos considerados destacaram-se as relacionadas com o preenchimento das vagas de representante o que abrange um largo espectro de questões: a) ausência de candidatos representantes dos pais; b) ausência de candidatos representantes dos alunos; c) inexistência de candidato para o segmento especialista (o que promove a permanência do vice-diretor ao lado do diretor que, por sua vez, quando não preside o conselho é considerado membro nato); d) ausência de candidatos à suplência de representante; e) baixa rotatividade de candidatos do segmento de professores; f) desrespeito à paridade e/ou proporcionalidade; g) escolha ou indicação pelo diretor escolar de candidatos a representantes de segmento.
E, mais, nos seis casos há evidências relacionadas ao desconhecimento das atribuições dos representantes, principalmente dentre pais e alunos.
Tal conjunto de evidências reafirma o absoluto formalismo que cerca a implantação dos Conselhos Escolares estudados quer por parte dos sistemas de ensino, quer por parte das escolas.
Também nos trabalhos agrupados no segundo período (2011-2014) há referências diretas em todos eles ao fato dos Conselhos Escolares manterem-se pautados pelo seu contrário. Isso porque, a constituição e o funcionamento de tais órgãos não têm sido suficientes para criar relações mais horizontalizadas de poder, reveladas nas mais diversas dificuldades de organização evidenciadas nos estudos considerados. Essas dificuldades parecem demonstrar o quanto elas se encontram permeadas por relações hierárquicas. Tais relações estão presentes, de diferentes formas, por exemplo, nos textos de Monteiro (2013), de Schane (2014) e de Ramos (2013), do qual se extraiu o seguinte trecho do texto das conclusões de seu trabalho dissertativo:
A análise dos questionários respondidos pelos conselheiros representantes dos vários segmentos (diretores da escola, professores, servidores e pais de alunos) confirmou indícios de relações hierárquicas presentes, de várias naturezas. Ou seja, mesmo entre conselheiros as relações têm sido marcadas por desequilíbrios de poder, associado muitas vezes ao desnível quanto ao domínio de certas informações ou conhecimentos (...) Nota-se que os segmentos representados pelos profissionais das escolas, sobretudo diretores e professores, têm muito mais informações, por exemplo, e, consequentemente, mais poder. (RAMOS, 2013, p. 69-70).
Há que se levar em conta, pois, o fato de os Conselhos Escolares congregarem representantes com diferenças econômicas, sociais e de acesso cultural. Além disso, importa considerar a presença de tais características nas relações de poder que neles se expressa, tal como faz Werle (2003) quando se refere ao que revela o universo discursivo presente nos Conselhos Escolares de escolas estaduais gaúchas por ela estudados.
Caberia destacar, ainda, que as dificuldades de preenchimento das vagas para a representação dos diferentes segmentos do Conselho Escolar revelam, nos limites dos estudos realizados, o quanto, também na escola pública, as relações entre os profissionais da educação que nela atuam e os seus usuários são perpassadas pelos comportamentos que caracterizam as relações entre indivíduos de frações de classes diferenciadas, para não dizer com projetos políticos opostos. As palavras de Monteiro (2013), também expressam tal condição:
Foi possível constatar, nos cinco casos estudados, que os gestores e o segmento dos professores, dispõem de maior efetividade nas decisões e deliberações. Os segmentos de funcionários, alunos e pais apresentaram uma participação passiva, reduzida a referendar as decisões tomadas pela gestão da escola, bem como demonstraram desconhecimento acerca das atribuições do Conselho Escolar. Observou-se também que não existe compartilhamento de decisões e nem a socialização de informações para todo o conjunto da escola. (MONTEIRO, 2013, p 182)
O último grupo de questões associadas às evidências obtidas pelos estudos considerados se refere às dificuldades no funcionamento dos Conselhos Escolares das escolas pesquisadas. Quatro importantes questões se destacam: a) a ausência de relações entre representantes e representados, assim como a inexistência de condições concretas que as promovam; b) a variedade de formas utilizadas para as consideradas reuniões do Conselho Escolar; c) os assuntos tratados e d) a centralidade da figura dos diretores escolares na tomada de decisões, a participação submissa de professores e servidores e a participação homologadora dos representantes de pais, quando há.
No que tange à ausência de relações entre representantes e representados os estudos do considerados no primeiro grupo (2004/2008) são unânimes: mesmo quando os representantes são eleitos pelos pares não se mantém o vínculo deles com os componentes do segmento de forma sistemática e intencionalmente definida. Também se constatou, em todos os casos estudados nesse primeiro grupo, a falta de condições concretas de efetividade do vínculo orgânico entre representantes e representados. Assim, há evidências relacionadas: à falta de informação e formação para promoção da participação; ausência de iniciativas da escola em promover condições materiais para que as reuniões por segmento aconteçam de forma sistemática e autônoma; a diminuta importância dada até ao processo de escolha dos representantes; a escolha de datas para a realização das eleições que não asseguram qualquer condição de organização de cada segmento e a desconsideração dessa questão como tema a ser pautado para reuniões do Conselho Escolar.
Nos estudos agrupados no período 2011/2014 há grande afinidade relativamente às evidências empíricas destacadas pela análise dos trabalhos acadêmicos que compõem o primeiro grupamento, sendo que em todos os estudos desse segundo grupo destaca-se a questão da urgência da promoção da participação consciente, livre e ativa.
Quando o centro da atenção é a realização das reuniões dos Conselhos Escolares há evidências, na maioria dos estudos dos dois grupos, de inúmeras questões relacionadas ao seu funcionamento, sendo que duas se destacam: poucas reuniões realizadas; dificuldades em estabelecer horário comum a todos os representantes.
Os registros escritos das reuniões formais dos Conselhos Escolares, no entanto, revelaram os assuntos tratados nas reuniões formais dos Conselhos Escolares pesquisados, a saber: as questões acerca da aplicação dos recursos financeiros predominaram em relação aos administrativos e disciplinares; os assuntos propriamente pedagógicos ou relacionados ao projeto de formação humana promovida pelas escolas quase inexistem nos registros escritos, em todos os casos estudados. Assim, as evidências confirmam a absoluta inversão dos temas que deveriam ser objeto de Conselhos Escolares quando demonstram que os assuntos predominantemente neles discutidos se referem às atividades meio. Nessa mesma direção importa registrar a expressão que Dias (2011):
Em suma, os Conselhos Escolares foram conquistas dos educadores e da sociedade civil, na luta por uma escola pública democrática e de qualidade, consequentemente por um país democrático e com melhores condições de vida. Eles são poderosos instrumentos de gestão democrática e estão assegurados por lei. Mas, na prática, são apenas espaços virtuais, ou seja, farsa. (DIAS, 2011, p. 67).
Nesse mesmo sentido a quase totalidade dos trabalhos, mesmo trazendo a público evidências da não efetividade dos Conselhos Escolares, independente de terem sido produzidos no período inicial ou no final dos dez anos considerados, manifestaram-se pela necessidade de aprimorarem-se as condições que os desfavorecem. Tal consideração reafirma a conclusão do trabalho de Werle (2003, p. 132): “Os Conselhos Escolares parecem funcionar como símbolos de uma desejada participação, mas, se analisados em sua dinâmica interna, não expressam, concretamente, uma proposta participativa de ruptura com formas autoritárias e pouco críticas de autoridade”.
PROPOSIÇÕES A GUISA DE CONCLUSÕES
Ainda que nenhum dos trabalhos estudados tenha se referido ao necessário debate acerca da alteração dos dispositivos legais vigentes na direção de expressarem, ao menos, os princípios verdadeiramente orientadores da gestão democrática para todo o campo educacional, tal medida, ainda que insuficiente à construção da gestão democrática em todas as instâncias da administração do atendimento educacional nacional, constituiria importante aprimoramento do texto legal.
Além disso, parece ainda inconteste a necessidade de que os sistemas de ensino, as escolas, os sindicatos, os movimentos sociais possam estar articulados a iniciativas voltadas a informar e a formar, principalmente, os usuários das escolas e seus familiares acerca: da importância, das finalidades, da organização, das regras de funcionamento e dos registros dos Conselhos Escolares enquanto instâncias máximas de decisão e sobre o significado disso em termos do projeto formativo a ser desempenhado pelas escolas. Entende-se que a informação e a formação para a gestão democrática podem e devem ser exercidas também por outras tantas instituições comprometidas com a ampliação da organização das camadas populares na defesa de seus direitos e do atendimento de suas necessidades também culturais, como bem pontuam Nascimento e Marques (2012).
Trata-se de qualificar a comunidade local, pensando não só na necessária renovação dos representantes, mas na contribuição que essa iniciativa possa ter para a organização dessa própria comunidade. É um trabalho a ser realizado intencional e sistematicamente na escola, mas não necessariamente só pelos profissionais da educação que nela atuam, uma vez que as evidências coletadas pelas pesquisas analisadas nesse estudo indicam que esses profissionais necessitam igual qualificação. No entanto, a qualificação desses profissionais não se definiria pelo fato de desconhecerem as finalidades, a forma de organizar e/ou de funcionamento dos Conselhos Escolares, mas pelo urgente enfrentamento dos comportamentos enviesadores desempenhados por eles tais como: a baixa rotatividade da representação; a representação simultânea no Conselho Escolar e na APMF; o predomínio das posições apresentadas pelos diretores e professores por de sobre a participação de funcionários, pais e alunos representantes, por exemplo.
Importa que os profissionais que atuam no sistema de ensino se capacitem para promover, com o concurso de todo o aparato técnico disponível, esse forte movimento na direção de tornar os Conselhos Escolares verdadeiras instâncias máximas de decisão acerca do projeto formativo destinado à maioria da população. Mas não só, importa formar melhor e mais cuidadosamente os diretores escolares, mesmo os eleitos diretamente, visando qualificá-los no que diz respeito às formas de mobilização das comunidades, nas quais estão inseridas as escolas, o que poderia facilitar a compreensão sua atuação como aquela diretamente ligada tanto à informação, quanto à formação favorecedoras de uma participação mais ampla e efetiva da comunidade nas decisões acerca do projeto formativo a ser desenvolvido pela escola.
A qualificação para o exercício da participação democrática defendida se configura num processo formativo de longo prazo, implicando, inclusive, o envolvimento das instituições de ensino superior no desenvolvimento de pesquisas que permitam acompanhar os resultados do processo de informar e formar para a participação democrática dentro e fora dos Conselhos Escolares. O processo de qualificação de longo prazo e as medidas de acompanhamento a serem efetivadas externamente por instituições de ensino superior através da realização de pesquisas poderão, dentre outras coisas: auxiliar na revisão crítica das normas para a gestão democrática definida pelos sistemas de ensino; no esclarecimento acerca da forma como vem sendo implementada tal norma; favorecer a definição de regimentos internos nos quais se explicite com clareza, especialmente, as regras de representação, paridade e proporcionalidade; auxiliarão na definição de procedimentos para a realização das reuniões ordinárias e extraordinárias; beneficiarão o aprimoramento dos registros das decisões, dentre outros aspectos relacionados à organização e funcionamento dos Conselhos Escolares já explicitados pelos estudos considerados nesse trabalho e, provavelmente, em muitos outros com igual finalidade.
Evidentemente que a questão do tempo deve ser considerada também pelos sistemas de ensino na definição das normas da gestão democrática, tal como indicou Andrade (2007). As evidências empíricas trazidas pelos estudos sobre o funcionamento dos Conselhos Escolares analisados indicam que o tempo destinado ao seu funcionamento tem se constituído num componente justificador de procedimentos que contrariam a natureza decisória dessa instância colegiada. Há que se construir outro tempo que não o definido no calendário escolar. O tempo previsto e distribuído no calendário escolar rege, segundo o que determina a LDB, os dias letivos reservados ao processo de desenvolvimento o mais pleno das capacidades humanas por meio da socialização do conhecimento científico/filosófico e artístico e nada pode reduzi-lo.
No entanto, a questão de mais complexa resolução diz respeito à relação entre representados e representante, em particular para os segmentos dos funcionários, dos pais e dos alunos, conforme indicaram as pesquisas consideradas. Isso porque mesmo quando os representantes dos diferentes segmentos dos Conselhos Escolares foram eleitos diretamente por seus pares, não se estabelece o vínculo entre representante e representados. Tal indicação parece estar associada a um dos inúmeros limites da “versão minimalista da democracia representativa” Coutinho (2002, p.17), vigente, para a qual importa, tão só, a realização dos ritos associados à escolha dos representantes. Ainda assim, é possível pensar outra articulação das instâncias consideradas de gestão colegiada em benefício da construção de uma gestão verdadeiramente democrática da escola em torno do Conselho Escolar tido como órgão máximo de decisão no âmbito da escola.
Os Conselhos Escolares, democraticamente constituídos, só têm sentido de existirem se apresentarem a condição de órgãos máximos de decisão, assim, importa incorporarem à função principal das atuais APMF, o que é juridicamente possível e logicamente correto, uma vez que deveriam ser os Conselhos Escolares os responsáveis pela elaboração, acompanhamento e avaliação coletiva do projeto formativo a ser realizado na escola. Assim, seriam as necessidades decorrentes do projeto formativo da escola que orientariam o emprego dos recursos repassados diretamente para as escolas por diferentes instâncias do poder público.
Isso feito restaria um significativo espaço para a congregação dos pais, assim como os Grêmios Estudantis o são no que tange à organização dos alunos, já que esses segmentos são aqueles em que os vínculos entre representante e representados têm se mostrado mais frágeis.
Essa questão do estabelecimento de relações sistemáticas entre representante do segmento dos funcionários e os representados têm um componente especial: o da subordinação mais direta desse segmento ao diretor escolar, além de serem numericamente menos expressivos, em especial, nas escolas de menor porte. Ainda assim, importa assegurar as condições concretas para que possam se reunir com o seu representante para: propor pautas; analisar proposições apresentadas; organizar outras a serem defendidas; avaliar e/ou comunicar decisões ou propor novos encaminhamentos.
No que tange à participação dos alunos nos Conselhos Escolares cabe pôr em pauta a desvinculação da eleição do representante dos alunos do seu órgão de representação. Isso porque tem sido prática comum descolar a representatividade dos alunos no único segmento que teria espaço organizado. O referido procedimento consistiria em driblar esse espaço, provendo a eleição do representante dos alunos, organizada e realizada pela equipe técnica da escola, diretamente nas turmas. Promove-se, dessa maneira, a substituição/dispensa do representante legítimo dos alunos no Conselho Escolar por outro, escolhido, em cada turma, sob a tutela da administração escolar. Esse procedimento incorpora aquilo que pesquisadores da área, tais como Gonzáles e Moura (2001), indicam como o esvaziamento das práticas formativas pela sua despolitização.
Desta forma, seria necessário repensar o vínculo do Grêmio Estudantil com a elaboração, acompanhamento e avaliação do projeto formativo realizado pela escola, entendendo ser essa a forma de resgatar a dimensão política da organização estudantil. Sendo assim, a representação estudantil quer no Conselho Escolar quer no Conselho de Classe, passaria pela representação, cuja eleição, é conduzida pelo Grêmio Estudantil. Assim, teriam assento no Conselho Escolar: o presidente do Grêmio e o vice como suplente; e, no Conselho de Classe, entendido como espaço de acompanhamento e reorientação da realização do projeto formativo realizado na escola, os membros do Conselho de Representantes do Grêmio Estudantil.
Pensar a gestão democrática, mesmo que restrita à escola pública implica, também, repensar, reorganizar e rearticular as consideradas instâncias colegiadas existentes no âmbito das escolas. Esse também é o caso dos Conselhos de Classe, uma vez que muitos não se caracterizam como instâncias de acompanhamento e redirecionamento do projeto formativo escolar e, como tal, desarticulam-se dos Conselhos Escolares, contrariando a direção apontada por Veiga (2007).
Terminados os esforços tanto de análise das evidências empíricas dos trabalhos considerados, quanto de esboçar proposições, resta um conjunto de indicações que perpassaram as produções dos diferentes autores de que há outras prioridades no âmbito das políticas governamentais que não a democratização do trabalho escolar quer na forma participativa de tomada de decisões, quanto no assegurar o direito ao acesso ao conhecimento universal para todos. Tal constatação instiga novas análises!
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