AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE EM ESCOLA-MODELO MUNICIPAL NO CABO DE SANTO AGOSTINHO-PE
Resumo: O presente artigo é resultado de pesquisa, realizada em nível de mestrado, a qual teve como objetivo geral analisar as condições de trabalho docente no contexto de uma política educacional implementada na Rede Municipal de Educação do Cabo de Santo Agostinho-PE. Foi realizada análise documental e entrevista semiestruturada, em uma das seis escolas-modelo até então existentes, com professores (as) em regência de sala de aula. Acerca das condições físicas de trabalho notamos um avanço significativo, porém, em relação às condições de emprego, sobre a qual se centrou a atenção neste artigo, algumas questões continuam problemáticas, contribuindo com os processos de desvalorização do trabalho docente.
Palavras-chave: Política Educacional; Trabalho Docente; Condições de Trabalho Docente.
Introdução
Este artigo discute acerca das condições de trabalho docente. O termo “condições de trabalho docente, conforme Oliveira e Assunção (2010, s/p O trecho acima citado foi extraído do Dicionário “Trabalho, Profissão e Condições Docente”, disponível em trabalhodocente.net.br. Acesso em 15 de fevereiro de 2015. ):
Designa o conjunto de recursos que possibilitam a realização do trabalho, envolvendo as instalações físicas, os materiais e insumos disponíveis, os equipamentos e meios de realização das atividades e outros tipos de apoio necessários, dependendo da natureza da produção. [...] As condições de trabalho se referem a um conjunto que inclui relações, as quais dizem respeito ao processo de trabalho e às condições de emprego (formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade).
Seguindo esta mesma perspectiva, de acordo com Duarte (2008) esta expressão compreende o conjunto de recursos capazes de possibilitar uma melhor realização do trabalho docente. Envolve os elementos que dizem respeito às condições materiais de trabalho - como os equipamentos e os recursos materiais e pedagógicos disponíveis - e à carreira docente, abarcando elementos que se referem às condições de emprego tais como: forma de ingresso no magistério público, remuneração, atribuições profissionais, jornada de trabalho e acesso à formação continuada. No presente trabalho centraremos nossa atenção nas condições de emprego docente.
Para compreendermos a atual situação do professorado brasileiro, faz-se necessário voltarmos o nosso olhar para as últimas décadas do século XX. A partir do final da década de 70, vimos que o sistema capitalista de produção mergulhou em uma profunda crise mundial que foi identificada, sobretudo, como de esgotamento do modelo de acumulação capitalista pautado no taylorismo/fordismo, da administração keynesiana e do Estado de bem estar social Também denominado de Estado Keynesiano, Welfare State eEstado provedor. diante da atual fase de desenvolvimento do capitalismo (CARVALHO, 2009). Destaca-se a partir deste período a reestruturação produtiva, a reforma do Estado brasileiro e as reformas educacionais com o intuito de retomar o crescimento das taxas de lucro do capital. Tais ações afetaram os professores como trabalhadores, bem como o produto de seu trabalho (MANCEBO, 2007). Faz-se necessário, pois, compreender os discursos globais e políticas nacionais em torno da educação e do trabalho docente, como também as práticas locais colocadas em curso pelos governos municipais e pelos trabalhadores docentes no cotidiano escolar.
A temática “trabalho docente” apresenta uma vasta produção acadêmica no entanto, poucos ainda são os que se dedicam à análise do trabalho dos professores e de suas condições de trabalho no “chão da escola”, local este, de acordo com Azevedo (2005), onde se materializam as políticas educacionais. Assim, a realização deste estudo buscou contribuir com a consolidação da escola como espaço de trabalho e de materialização de políticas.
METODOLOGIA
Na condução da presente investigação, optamos pela adoção da abordagem qualitativa, considerada a mais apropriada para a investigação nas ciências humanas e sociais. Esta abordagem, conforme Bogdan e Biklen (1982), apud Lüdke e André (1986), envolve a obtenção de dados a partir do contato direto do pesquisador com os sujeitos da pesquisa, enfatiza mais o processo que o produto, valoriza os sentidos das falas (a partir de inferências) e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes.
Como linha de pensamento, adotamos a dialética como fundamento básico de investigação do marxismo. A dialética concebe a sociedade como contraditória e palco da luta de classes, possui um caráter totalizador que busca a compreensão do objeto a partir de uma perspectiva sócio histórica, cercando-o através de suas mediações e correlações. Esta perspectiva compreende os fenômenos econômicos e sociais como produtos da sociedade e dos indivíduos, concebendo a realidade como estando em contínua mudança, ou seja, não como mera soma de fatos, mas como uma combinação de processos. Trata-se de uma concepção na qual nenhuma parte pode ser compreendida isoladamente, fora de suas inter-relações (MINAYO, 2000).
Dentre as seis escolas-modelo em funcionamento à época da coleta de dados, optamos por realizar um estudo de caso na escola que tem como particularidade a oferta da educação em tempo semi-integral, a qual denominamos de Escola-modelo X. O estudo de caso, conforme Becker (1997) se refere a uma análise em profundidade de um caso individual e tem se tornado uma das principais modalidades de investigação nas ciências sociais e humanas:
O estudo de caso geralmente tem um duplo propósito: compreender em profundidade o grupo em estudo ao mesmo tempo em que também tenta desenvolver declarações teóricas mais gerais que, podem ser aplicadas a situações sociais similares (BECKER, 1997, p. 118).
O primeiro contato com a escola foi feito através da gestão escolar a fim de obtermos autorização para a realização da pesquisa, ocasião em que foram apresentados os objetivos da presente investigação. Os primeiros encontros foram destinados à coleta de informações e de documentos na secretaria da escola. Tivemos acesso a documentos importantes como a proposta pedagógico-curricular da instituição e a informações dos recursos materiais e humanos disponíveis, número de turmas e de alunos, formação dos docentes, tempo de serviço, tipo de vínculo etc. Aproveitamos estes momentos para fazermos também as primeiras aproximações com os professores e observarmos detalhes do cotidiano escolar, os quais foram registrados no diário de bordo.
Após a coleta de documentos na secretaria da referida escola, apresentamos os objetivos da pesquisa aos professores e fizemos o convite para aderirem à pesquisa e para que autorizassem a realização e gravação das entrevistas, explicamos ainda que seus nomes seriam substituídos e fomos gentilmente atendidos. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com 12 docentes em regência de sala: 05 do Ensino Fundamental I (EF I); 05 do Ensino Fundamental II (EF II) e 02 da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI). A entrevista semiestruturada trata-se de uma série de perguntas abertas feitas verbalmente em uma ordem prevista, tendo o entrevistador espaço para acrescentar perguntas de esclarecimento. Logo após as entrevistas com os professores procedemos às entrevistas com a gestora da escola e com a presidente do Sindicato dos Professores da Rede Municipal do Cabo de Santo Agostinho (SINPC), totalizando 14 sujeitos entrevistados.
Alguns documentos legais foram utilizados para a compreensão do referencial normativo que orienta as ações da política educacional. Recorremos aos seguintes documentos:
- A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei 9394/96, como principal lei da educação;
- O Plano Nacional de Educação (PNE), Lei Nº 13.003/14, como plano que deve direcionar as políticas educacionais no decorrer destes dez anos (2014/2024);
- O Estatuto do Magistério Público do Cabo de Santo Agostinho (EMP), Lei Nº 2.280/2005;
- O Plano de Carreira e Remuneração do Magistério Público do Cabo de Santo Agostinho (PCR) - Lei Nº 1994/2001.
Desse modo, a pesquisa documental consistiu no levantamento e na análise do referencial normativo que oferecem os objetivos, as diretrizes e as estratégicas de ação do poder público para a educação e que incidem sobre o trabalho docente.
Como técnica de análise dos dados coletados, utilizamos a análise do conteúdo. Esta técnica possibilita a descrição do conteúdo explícito e implícito das comunicações, a partir da decomposição e recomposição contextual das mensagens produzidas, visando a compreender as mensagens à luz da referência bibliográfica e do contexto, extraindo os aspectos mais relevantes das mensagens (BARDIN, 1977).
DESENVOLVIMENTO
Analisar as condições de emprego dos professores, ou seja, sua forma de ingresso no magistério público, sua remuneração, jornada de trabalho, atribuições profissionais entre outros aspectos significa reconhecer os docentes enquanto trabalhadores, combatendo a imagem vocacional da docência desvinculada das relações capitalistas vigentes.
Todos os professores entrevistados ingressaram no magistério desta rede de ensino a partir de concurso público e são ocupantes de cargos de provimento efetivo. São regidos pelo Estatuto do Magistério Público - Lei nº 2280/05, no qual constam os deveres e os direitos adquiridos pela categoria, e possuem Plano de Carreira e Remuneração estipulado pela Lei nº 1994/01. O valor dos salários recebidos por estes professores tem como referência o valor do piso salarial profissional nacional do magistério público da educação básica instituído pela Lei nº 11.738/08 Esta lei, também chamada de “lei do piso”, estipulou um valor mínimo a ser pago aos docentes em início de carreira, com formação em nível normal médio que cumprem jornada de trabalho de 40 horas semanais. Esta lei prevê ainda a obrigatoriedade do uso de um terço da jornada de trabalho dos professores para atividades extra-classe, tais como estudo, planejamento de aulas e de instrumentos de avaliação da aprendizagem. Em 2015, o valor do piso salarial foi reajustando em 13,01%, passando de R$ 1.697,39 para R$ 1.917,78 para os professores com Normal Médio que cumprem jornada de 40 horas semanais.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-2009) do IBGE, que serviram de embasamento para a elaboração do atual PNE, apontaram que o professor da educação básica é o profissional menos valorizado no Brasil em termos salariais. Sua renda média anual equivale a apenas 40% da dos demais profissionais com mesmo nível de escolaridade. A meta 17 do PNE sugere igualar essa renda num prazo de seis anos – o que é um grande desafio.
Reconhecendo a importância dos planos de cargos e carreiras para a valorização do trabalho docente, a meta 18 do PNE busca assegurar, no prazo de 02 (dois) anos, a existência de plano de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino, tomando como referência o piso salarial profissional nacional (BRASIL, 2014). Umas das estratégias previstas para a efetivação desta meta é que até o terceiro ano de vigência do PNE (em 2017) no mínimo 90% dos profissionais do magistério devam ser professores efetivos, pois de que adianta existir planos de carreira (embora com suas limitações) se apenas um número restrito de trabalhadores docentes for por ele beneficiado?
No município do Cabo, nos anos de 2006 e 2010 houve concursos para o provimento de cargos efetivos de professor, diminuindo o número de professores temporários submetidos a contratos de trabalhos precários. Os salários destes trabalhadores geralmente não equivalem ao valor do piso salarial nacional pago aos trabalhadores efetivos, além de estarem alijados de uma série de direitos por não serem regidos por estatuto, tampouco, possuírem plano de carreira e remuneração.
Apesar de entre os professores entrevistados não termos nenhum professor “contratado”, ressaltamos a existência de docentes sujeitos a este vínculo de emprego precário nesta rede municipal de educação, inclusive na própria escola pesquisada conforme os dados obtidos através de documentos cedidos pela secretaria da escola. Além disso, a partir dos dados coletados pudemos perceber que alguns professores efetivos, a fim de complementarem seus rendimentos mensais, recorrem a contratos de trabalho provisórios e precários com a secretaria de educação a partir da ampliação de sua carga horária, atuando como professor efetivo e “acumulando” em outra turma que não tem professor. De acordo com Cirilo (2012, p. 34-35),
Em relação às formas de contratação nas redes públicas de ensino, predominam três principais: o contrato efetivo (servidor público, concursado, estável, estatutário), o contrato temporário (professor celetista, contratado por tempo determinado, em complementação ao quadro de efetivos) e o contrato provisório, através do qual se realiza ampliação de carga horária (neste caso, o professor contratado pode ser efetivo ou temporário de determinada rede de ensino), mas sem garantia de nenhum direito trabalhista, como licença médica, férias, 13º salário.
Os próprios professores que trabalham nesta escola em horário integral estão inclusos nesta última categoria, são trabalhadores que têm ampliação de sua carga horária de trabalho e recebem um salário extra por isso, mas este valor não é computado para fins de aposentadoria, férias, tampouco dá direito a licenças. Estes profissionais dedicam-se a um único estabelecimento de ensino, mas o aumento de sua remuneração se dá de forma precária, ficando de fora direitos e garantias importantes que dão segurança e bem estar ao trabalhador em longo prazo.
A flexibilização do trabalho docente e a recorrência de contratos de empregos temporários e precários, inserem-se no contexto de ajuste fiscal e redução dos “gastos” em educação (OLIVEIRA, 2004). A existência de professores efetivos, estáveis e portadores de direitos é um importante passo no processo de valorização do trabalho docente.
Ser um trabalhador efetivo significa desenvolver suas atividades laborais em condições um pouco melhores que a dos professores contratados. Isso porque muitos ainda são os desafios que os trabalhadores concursados enfrentam como, por exemplo, a necessidade de melhoria de suas condições físicas de trabalho; de seus salários (para não precisar se submeter a contratos provisórios e igualmente precários de trabalho via ampliação da carga horária); garantia do efetivo cumprimento dos direitos previstos nos estatutos e planos de carreira mais atraentes. Aspecto importante a salientar é que dependendo do vínculo empregatício firmado entre os professores e o Estado decorrem diferentes remunerações e diferentes formas de ser e estar na docência.
Em virtude dos baixos salários recebidos, a maior parte dos professores entrevistados (91,6%) mobiliza mecanismos diversos para ampliar sua remuneração. D 12 professores entrevistados 11 têm jornada de trabalho ampliada. Os professores Wellington, Fabíola, Simone, Mirtz, Carla, Andreza e Carmem têm mais de um vínculo de emprego. Já os professores Roberto, Lúcia, Fabíola, Ceça e Regina têm acréscimo de carga horária nesta mesma escola. Os primeiros por lecionarem disciplinas ofertadas no horário semi-integral e os dois últimos em turmas que estavam sem professor.
Dos 12 professores que entrevistamos 05 deles trabalham em uma única escola - mas não em um único turno -, 05 trabalham em 02 escolas e apenas 01 professora trabalha apenas nesta escola, em um único turno. Os baixos salários é a principal razão apontada pelos sujeitos da pesquisa para a ampliação de sua jornada de trabalho:
Se você me perguntar se este salário de professora me sustenta... Não. Não me sustenta... Por isso que preciso de outros meios. [...]. Eu já estou vendo que assim que eu terminar meu probatório já preciso estar com doutorado para poder garantir um salário um pouco melhor (P. CARMEM).
Com o salário que recebo ficaria muito difícil me manter. Estou no acumulativo, agora está dando para suprir as necessidades. Como eu não tenho outro vínculo de emprego o acumulativo está me ajudando nas despesas do dia-a-dia. (P. CEÇA).
Os baixos salários têm levado não só à ampliação da jornada de trabalho destes professores, mas também - como é o caso da professora Andreza - à conciliação de duas profissões completamente distintas: a de professora e a de escrivã de polícia. Dedicar-se a um único estabelecimento de ensino possibilita a alguns professores trabalhar até mesmo em três horários, já que não precisam perder tempo com deslocamentos.
Ao término das aulas do turno da manhã almoço e aproveito o tempo livre antes das aulas da tarde para descansar, não preciso sair correndo, pegar ônibus, almoçar às pressas... à noite é a mesma coisa, ao terminar as aulas do turno da tarde, janto, e tenho um momento de repouso antes das aulas já que já estou aqui na escola. Durante o dia é mais trabalhoso por conta da faixa etária. Na EJAI os alunos são bem tranquilos e isso ajuda muito o meu trabalho [P. CEÇA].
Certamente a professora acima citada está submetida a uma carga horária extensa, mas entre trabalhar em duas ou três escolas diferentes, trabalhar somente nesta se mostra como uma grande vantagem para ela, mesmo sendo a partir de um contrato de trabalho precário. Sobre isso Ferreira (2012, p. 345) tece a seguinte crítica:
O pior é que o princípio do acúmulo de jornada é uma chaga, que tem condenado profissionais a conviver relativamente cedo com as moléstias da profissão, e na hora da aposentadoria, com supressão de parte dos seus vencimentos (quando conformados de gratificações e adicionais que não incorporam) e de anos significativos da sua expectativa de vida. De outro lado, possibilitando o acúmulo de jornada, condena-se o professor a não ensinar como deveria e ao aluno a não aprender como deveria, uma vez que o profissional com acúmulo de jornada trabalha dois [ou três] períodos em relação direta com os estudantes, não lhe sobrando tempo para a pesquisa, para a avaliação, o planejamento e a relação pedagógica com os próprios alunos e seus pais.
As perdas salariais decorrentes da não incorporação da remuneração recebida no acumulativo talvez explique o porquê da professora Regina, com 37 anos de tempo de serviço, ainda não ter ingressado com o pedido de aposentadoria. Ou seja, haveria uma queda brusca de seus rendimentos.
O capítulo III, artigo 92 do estatuto do magistério público, estipula que o exercício acumulativo se dá quando um professor exerce temporariamente a função de outro professor em virtude de afastamentos ou licenças devendo ser
[...] garantido o recebimento de todos os direitos e vantagens financeiras de acordo com sua faixa e nível salarial, salvo a carga horária de atividades pedagógicas coletivas do professor substituído.
Parágrafo único- o professor I que acumule em séries diferentes, terá direito a carga horária de atividades pedagógicas coletivas do professor substituído (CABO DE SANTO AGOSTINHO, 2005).
As professoras não informaram estarem ocupando temporariamente a vaga de outro professor que estivesse afastado ou de licença, mas que tais turmas estavam sem professor. Ao invés da prefeitura realizar novo concurso público para a contratação de novos professores efetivos, ocupa tais vagas com professores do próprio quadro funcional, mas sem pagar o valor referente às atividades pedagógicas coletivas as quais por lecionar em turmas de anos distintos estas professoras teriam direito a receber.
Analisando o Parecer do Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica (CNE/CEB) n. 9/2009 O CNE, após consultas e discussões em vários fóruns e audiências, aprovou a resolução CNE/CEB n. 2/2009, e o parecer CNE/CEB n. 9/2009 que embasou a resolução, e que constituiu uma nova orientação quanto aos planos de carreira e remuneração do magistério da educação básica das redes públicas de todo o Brasil. Essa orientação foi baseada na legislação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb – e na lei n. 11.738/08, a lei do piso salarial nacional dos docentes da educação básica das redes públicas. Esta lei estipulava que até o final de 2009 os entes federados deveriam elaborar ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério (GATTI, 2012). que fixou as Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, Nogueira (2012, p. 1244) afirma que
[...] as afirmações mais contundentes do Parecer não são traduzidas em artigos na Resolução, como, por exemplo, a proposta de determinado número de alunos por sala nas diferentes etapas e modalidades de ensino é substituída pela genérica indicação de “adequada relação numérica”; a jornada de trabalho como “preferencialmente em tempo integral” sem indicação do número de turmas por professores; o incentivo à dedicação a uma única escola é mencionada sem explicitar como isso poderá ser feito. O que implica o princípio de “reconhecimento da importância da carreira do magistério” quando as diretrizes não são específicas? Nesse sentido, apesar da Resolução trazer questões fundamentais para a discussão acerca do trabalho do professor, o fato do documento omitir providências e critérios para sua concretização tem como consequência sua pequena repercussão em termos da melhoria das condições concretas de trabalho do professor.
A linguagem genérica, sem direcionamento claro, dá margem para que não sejam modificadas substancialmente questões relevantes que precisam ser equacionadas.
A questão salarial apresenta-se como central na melhoria das condições de trabalho dos professores. Afinal, lecionando em um único período e ganhando-se o suficiente não haveria a necessidade de sobrecarregar-se trabalhando em dois ou três turnos em escolas diversas e em outras profissões, prejudicando a si mesmo e à qualidade do serviço prestado. Todavia, ao passo que ampliam sua jornada diária de trabalho ampliam também suas chances de adoecerem física e mentalmente. Diversas pesquisas vêm apontando que existe uma relação indissociável entre condições de trabalho e saúde docente e os governos precisam estar atentos a estes problemas que afetam os professores (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009; MENDES, 2007; NORONHA, 2001; OLIVEIRA, 2004; SILVA, 2007 entre outros).
Alguns professores entrevistados relataram que o ritmo intenso de trabalho com os alunos, aliado à jornada diária de trabalho ampliada, tem trazido impactos em sua saúde física e mental.
É um trabalho muito desgastante. Muitos alunos em sala...a gente tem que estar falando o tempo todo, gastando energia. No final do dia estamos sem voz, porque não é só aqui, eu trabalho em outra escola à tarde também. Fico com a mente e o corpo cansados (P. CARLA).
No final do dia estou rouco, cansado... (P. ROBERTO).
Observamos que nesta escola existem algumas professoras que foram “readaptadas”, pois desenvolveram doenças ocupacionais, ou seja, doenças diretamente relacionadas ao exercício do seu trabalho. Estas professoras foram afastadas de sala de aula e desenvolvem suas atividades na biblioteca e como coordenadoras de turno, dando apoio no desenvolvimento do trabalho dos demais professores.
De acordo com Codo (1999), Gasparini, Barreto e Assunção (2005), Leite e Souza (2006) entre outros, as más condições de trabalho têm comprometido a saúde dos professores e uma das maiores causas dos afastamentos dos professores se dá devido ao desenvolvimento de transtornos psíquicos. Sentimentos como insatisfação, fadiga, cansaço físico e mental, irritabilidade, rouquidão, angústia, ansiedade entre outros permeiam o exercício da atividade docente.
Mendes (2007) em sua dissertação, que aborda a saúde docente no contexto da política de valorização do magistério no município de Recife, discute as condições de trabalho dos professores e as doenças decorrentes do exercício dessa profissão. Conforme a autora supracitada, as condições de trabalho adversas não ocasionam apenas doenças físicas e facilmente visíveis, mas também doenças silenciosas, mas não menos perversas. A violência não só física, mas também simbólica, atua no corpo e nas subjetividades dos professores fazendo-os, muitas vezes, perderem o sentido de seu trabalho. Muitas destas doenças ocupacionais geradas pelas condições de trabalho são mascaradas como doenças comuns, o que faz com que o ônus recaia sobre os próprios professores.
Noronha, Assunção e Oliveira (2008) ao investigarem o trabalho de professoras da rede pública de Montes Claros, em Minas Gerais, ressaltam que o trabalho por elas realizado vem sendo marcado pelo sofrimento resultante da falta de condições necessárias para a realização de seu trabalho. Foram identificados nesta pesquisa sentimentos de desilusão e de insensibilidade nas professoras diante dos problemas que afetam seu trabalho. As posturas adotadas pelas professoras de absenteísmo e insensibilidade para não se envolver com a situação são entendidas pelas autoras como estratégias adotadas pelas professoras de fuga e de preservação da própria saúde.
Silva (2007) em sua dissertação em que analisa a intensificação do trabalho docente em uma escola pública de Minas Gerais aponta que o ritmo intenso de trabalho com os alunos, aliado à multiplicidade de tarefas a serem desempenhadas ao mesmo tempo em salas de aula cada vez mais cheias, vem causando nos professores uma sensação de desgaste constante.
Um importante espaço para a realização de um trabalho coletivo, para a reflexão e a busca de soluções que afetam o cotidiano do trabalho docente ocorria às sextas-feiras. Este momento, chamado de “memória”, era destinado à discussão do andamento do trabalho pedagógico, dos problemas e do planejamento de ações, transformando a experiência individual em experiência coletiva.
O planejamento é feito em casa, de forma individual porque este ano a gente não está tendo os encontros com o grupo. No ano passado tinha um dia chamado de “memória”. Era nas sextas feiras e neste dia se reuniam todos os professores e a gente discutia as dificuldades, os conteúdos por área, mas este ano não está tendo (P. ROBERTO).
Este momento foi citado por todos os professores do EF II (pois no EF I e na EJAI os professores não tinham este momento) e pela gestora como um momento bastante rico, em que os professores juntos discutiam e propunham soluções para os problemas que afetavam o desenvolvimento de seu trabalho e a aprendizagem dos estudantes. Era o momento em que podiam refletir sobre sua prática, ouvir e serem ouvidos e desenvolver um trabalho em sintonia, de acordo com o projeto pedagógico-curricular da escola por eles elaborado.
A causa para o fim deste momento destinado à reflexão e ao planejamento coletivo, os professores não souberem dizer ao certo.
O ano passado toda sexta-feira a gente não tinha aula do integral e a gente sentava e fazia a “memória” e se organizava. Este ano eu não sei o porquê não aconteceu, não sei se devido à quantidade de turmas, que não encontra brecha no horário, antigamente a gente não tinha integral no dia de sexta. Este momento era para realizar as atividades coletivas e resolver problemas que surgiam no dia a dia.
A gestora afirmou que com o aumento no número de turmas não teve como disponibilizar as tardes de sexta feira para este fim. Perdeu-se, pelo menos por enquanto, este importante espaço crítico propositivo na escola. Sem este momento e sem a participação dos professores no conselho escolar, tem havido um maior isolamento dos mesmos, o que contribui com a fragmentação do trabalho escolar.
Conclusões
A partir da investigação realizada, no que se refere às condições de emprego dos professores notamos importantes avanços: ingresso via concurso público, recebimento do piso salarial nacional do magistério público e a existência de estatuto do magistério e de plano de cargos e carreiras. Contudo, é preciso destacar também que apesar destes avanços muito ainda precisa ser melhorado. Um primeiro aspecto diz respeito ao valor atual do piso salarial do magistério ser muito baixo. Prefeituras com situação econômica mais favorável - como é o caso do Cabo - poderiam ampliar estes valores, visto que como o próprio nome diz é o valor mínimo a ser pago aos docentes.
Um segundo aspecto diz respeito ao estatuto do magistério o qual para que de fato venha a se constituir em um instrumento de valorização do trabalho docente, é preciso que os direitos nele previstos sejam efetivamente cumpridos. Em relação ao plano de cargos e carreiras dos professores, notamos que ele pouco estimula o desenvolvimento na carreira e atualmente está sendo reelaborado. Ainda de acordo com Ferreira (2012, p. 346),
A compreensão da exigência do plano de carreira deve estar em consonância com olhar a carreira como um bem da sociedade, isto é, a existência de uma carreira com critérios significativos de valorização profissional é fundamental para os profissionais e para o sistema, mas é muito mais para os alunos, pais e mães de alunos, enfim, a sociedade.
Esperamos que o novo plano de cargos e carreiras venha a contemplar as aspirações da categoria docente e não retire direitos já conquistados. Pelo contrário, esperamos que venha a agregar novas conquistas fazendo dele um instrumento de incentivo à profissionalização e valorização dos professores. A baixa remuneração recebida é ponto fulcral das condições de trabalho docente. A fim de melhorar seus rendimentos mensais, os professores vêm ampliando sua jornada diária de trabalho o que contribui com os processos de intensificação e sofrimento no trabalho e aumentando suas chances de desenvolverem doenças relacionadas ao trabalho.
Portanto, podemos afirmar que a política educacional de implementação de escolas-modelo na rede municipal de educação do Cabo de Santo Agostinho precisa avançar no que tange às condições de emprego dos professores, para que haja uma maior valorização do magistério e, consequentemente, uma melhoria na qualidade da educação ofertada nestas escolas.
REFERÊNCIAS
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