TRABALHO E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO AO ENSINO TÉCNICO

Resumo: As concepções que disputam o projeto de educação profissional no Brasil se tencionam e se fazem presente na formação dos alunos. De um lado, defendem o projeto de educação profissional de viés marxista, embasado nos princípios de uma formação integral. Do outro, se orientam predominantemente pela lógica liberal, inspirados na Teoria do Capital Humano. Diante disso, buscamos compreender as concepções de trabalho e educação dos alunos do 3º ano do Ensino Médio Integrado ao Técnico Informática, do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – Campus Montes Claros. Como ferramenta de coleta de dados, recorremos a um grupo focal com sete alunos da referida instituição. Nas considerações finais, tecemos algumas críticas relativas ao processo formativo dos alunos analisados.

Palavras-chave: Formação Integral; Educação Profissional; IFNMG – Campus Montes Claros.


INTRODUÇÃO

A educação é um campo de hegemonia e contra hegemonia política, social e cultural. Ao dialogar com o sistema produtivo, é conferido à instituição escolar um papel protagonista nas políticas públicas voltadas para a capacitação profissional e geração de renda. Ao dialogar com o sistema produtivo, as instituições de ensino técnico e tecnológico cumprem papéis sociais que na maioria das vezes se traduzem em uma preparação aligeirada e submissa ao mercado de trabalho. Contrariando essa lógica, há aqueles que defendem um projeto de educação para o trabalho que valoriza o ser humano em sua totalidade, unicidade e integralidade, que concebe o trabalho não apenas como uma tarefa alienante e vazia de significados, mas como um elemento fundador do ser humano. Na perspectiva da formação integral, cabe à escola se orientar pelos princípios da dimensão social, da autonomia e da intervenção do sujeito em sociedade. Tal perspectiva contrapõe-se às concepções inspiradas na Teoria do Capital Humano - TCH, e busca superar orientações reducionistas que resumem a educação para o trabalho aos aspectos operacionais, simplificando e privando o aluno dos conhecimentos que estão na gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social.

É notória a disputa que se estabelece no espaço da escola de educação profissional, de um lado há aqueles que se orientam predominantemente pelos fundamentos inspirados na TCH, enquanto outros se inspiram pelos pressupostos de uma concepção marxista de formação integral Apesar de o termo ter origem no pensamento marxista, não podemos dizer que Marx desenvolveu de forma detalhada conceitos pedagógicos ou tratou especificamente de temas como educação, formação profissional ou ensino..

Considerando que o trabalho possui um papel central na constituição dos sujeitos, e lembrando que a educação profissional tornou-se, em muitos casos, uma pré-condição para ingresso e permanência no mercado de trabalho; buscamos, por meio deste artigo, compreender as concepções de trabalho e educação dos alunos do 3º ano do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Informática - EMITI, presentes na sua formação ao longo do curso no IFNMG – Campus Montes Claros. Buscando responder a esse questionamento e diante de um cenário amplo de oferta de educação profissional, delimitamos nossa análise a sete alunos do terceiro ano do EMITI, matriculados em um dos Institutos Federais - IFs que compõem a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica.

O artigo apresenta os principais resultados da dissertação defendida em março de 2016 no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais. A pesquisa se trata de um estudo de caso e os procedimentos metodológicos desta investigação se iniciam com uma ampla revisão bibliográfica sobre a temática em questão e aplicação de um grupo focal com sete alunos do EMITI.

As perguntas do grupo focal se dividem em duas partes, na primeira parte intitulada: A construção do saber: concepções de trabalho e educação como um processo formativo, partimos de uma perspectiva voltada para as narrativas desses alunos, buscando tratar de questões que remetem as suas experiências e impressões ao final do ciclo básico (3º ano do Ensino Médio), e na segunda parte, Formação de trabalhadores e o Ensino Médio Integrado: concepções, expectativas e anseios, abordamos questões relativas as suas projeções futuras, ao mundo do trabalho e o lugar deles no mundo.

A CONSTRUÇÃO DO SABER: CONCEPÇÕES DE TRABALHO E EDUCAÇÃO COMO UM PROCESSO FORMATIVO

Realizei As etapas de formulação e análise do grupo focal foram realizadas de forma conjunta, enquanto a aplicação do grupo focal foi realizada por mim em outubro de 2015, por isso o uso da primeira pessoa do singular quando me refiro aos momentos em que o grupo estava acontecendo, e o uso da primeira pessoa do plural quando analisamos o material produzido. o grupo Focal em uma das salas de aula do IFNMG – Campus Montes Claros. Iniciei agradecendo a presença de todos, me apresentei como aluno do Mestrado em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais. Logo em seguida expliquei qual era o objetivo daquele encontro e disse em linhas gerais qual era o tema que estava abordando.

Nas respostas a primeira pergunta: Se vocês tivessem que explicar para uma pessoa que não conhece o Ensino Médio Integrado do IFNMG, como vocês explicariam? O uso da palavra misturado e termos correlatos foi recorrente; de sete respostas o termo aparece em cinco. Utilizavam-na para descreverem como ocorre a conjugação do ensino técnico e médio na modalidade integrada. Assim como podemos ver na fala da Gabriella (informação verbal): “Eu falo que é um ensino médio junto com o técnico e que são horários mais misturados, não costuma ser um dia só de técnico, é misturado e o dia todo” CASTILHO, Gabriella Silva. Grupo Focal Educação Profissional para além da Formação Técnica: Entrevista. [Out. 2014]. Montes Claros, MG: IFNMG – Campus Montes Claros, 2015. 1 arquivo de vídeo (76 min.). Entrevista concedida ao autor Cleverson Ramom Carvalho Silva. (grifo nosso).

A partir do exposto, percebe-se que a palavra “misturado” é utilizada para designar uma grade curricular que não concentra todas as disciplinas do ensino médio no período matutino e as do ensino técnico no período vespertino; há uma “mistura” que se restringe e se limita à organização dos horários. Ao serem instigados a definirem o curso no qual são alunos, eles compreendem o termo integrado como uma “mistura curricular” na qual as disciplinas de formação geral e técnica são sobrepostas.

A palavra “misturado” utilizada por eles indica a presença de uma perspectiva que reduz a ideia de integração à mera junção de disciplinas do núcleo comum com as da área técnica. Tal conclusão pode ser reforçada pela fala do Félix que, ao ser indagado se há diferenças entre as aulas das duas áreas de formação, diz que não vê aproximação, relação ou semelhança entre o técnico e o ensino médio.

Diante disso, percebemos que a ideia de integração se restringe ao conceito de modalidade de ingresso, a cursos técnicos ministrados em conjunto com o ensino médio, a uma mera conjugação de conteúdos. Entretanto, o conceito de integração vai além da forma. Para Ramos (2010), integração não se trata de somar currículos e/ou cargas horárias pertencentes ao ensino médio e formação profissional, mas sim de relacionar conhecimentos gerais e específicos, cultura e trabalho, humanismo e tecnologia.

Outro ponto que queremos dar destaque é a ênfase dada à educação profissional em detrimento do ensino médio. Tal ênfase é percebida na fala dos alunos em três momentos: i) ao descreverem as práticas pedagógicas, ii) ao relatarem como ocorre a interdisciplinaridade entre os conteúdos formativos iii) ao definirem o curso no qual são alunos. Essa ênfase é percebida de forma mais sutil em alguns momentos e de forma mais clara e direta em outros.

Ao buscarem uma resposta que defina o curso que eles estudam, a grande maioria dos alunos entrevistados deram mais ênfase a educação profissional do que ao ensino médio, que geralmente vem em segundo plano. A aluna Daiane (informação verbal), por exemplo, ao ser questionada sobre qual curso ela faz no IFNMG – Campus Montes Claros respondeu que:

As pessoas sempre querem saber que curso que tem? Como que é? Ai eu digo que tem química e informática no ensino médio e que os horários são diferentes, geralmente a gente entra no mesmo horário, mas pra sair cada turma sai num horário diferente e que a grade é diferente por causa do curso técnico. SÁ, Ketllei Daiane Gomes de. Grupo Focal Educação Profissional para além da Formação Técnica: Entrevista. [Out. 2014]. Montes Claros, MG: IFNMG – Campus Montes Claros, 2015. 1 arquivo de vídeo (76 min.). Entrevista concedida ao autor Cleverson Ramom Carvalho Silva. (grifo nosso)

A aluna afirma que o IFNMG – Campus Montes Claros oferta o curso técnico em química e informática no ensino médio e não o inverso, de forma que o ensino médio vem em segundo plano em sua fala, como um “anexo” ao curso técnico.  O mesmo se vê na fala do Félix (informação verbal), ao descrever como que as aulas acontecem, ele diz que “os professores tentam trazer até algumas tecnologias pra sala de aula, por ser um curso de informática, pra gente ficar no meio da informática, mexer com coisa de informática, eles querem que a gente só faça coisas de informática” SILVA, Felix Mateus Oliveira. Op Cit. (grifo nosso). Ele identifica o EMITI como um curso de informática, omitindo o ensino médio da sua fala, e ao final ainda reforça essa predominância do técnico sobre o médio ao dizer em forma de desabafo “eles querem que a gente só faça coisas de informática”.

No mesmo sentido e de forma ainda mais clara, a aluna Daiane (informação verbal) responde ao ser indagada se há diferenças entre as aulas das duas áreas de formação: “[...] no ensino médio os professores tentam agregar mais com o curso técnico, até por que é mais voltado pro curso técnico do que com o ensino médio SÁ, Ketllei Daiane Gomes de. Op Cit. (grifo nosso). Ao fazer essa afirmação intervi perguntando se os demais participantes concordavam, a maioria se manifestou favorável, dentre eles a aluna Gabriella (informação verbal): “o que tem mais peso é o técnico, ele é mais difícil de passar, pois precisa de mais dedicação, de mais estudo” CASTILHO, Gabriella Silva. Op Cit.. Ao adentrarmos nessa questão a aluna Daiane (informação verbal) reforçou seu argumento: “[...] eu não sei, mas o curso privilegia mais o técnico, igual por exemplo: Se tiver algum evento, nunca vai ser no dia que tem aula do técnico, sempre vai ser no dia que tem aula do ensino médio” SÁ, Ketllei Daiane Gomes de. Op Cit. (grifo nosso).

A partir do exposto percebemos que na fala dos alunos é clara a predominância da formação profissionalizante em detrimento da formação geral. Para eles isso é normal, naturalizam essa hegemonia do saber técnico-científico por se identificarem como alunos de uma escola profissionalizante, apontando para uma formação que direciona conteúdos e atividades pedagógicas para as disciplinas e saberes da área técnica.

A proposta de ensino médio integral perpassa pela superação da disputa curricular que se estabelece entre conhecimento técnico e geral, na qual a questão técnica ganha ênfase em função de uma concepção que privilegia o mercado de trabalho. A questão da profissionalização não deveria ser um fim em si mesmo, visto que, conforme afirmam Bezerra e Barbosa (2013), “o objetivo profissionalizante deve ser entendido como uma possibilidade a mais para a construção dos projetos de vida, socialmente determinados, dos estudantes, o que só é possível se a formação ampla e integral for garantida” (p. 07).

O EMI deve romper com a dualidade na educação. Seu papel não se resume a preparar para o vestibular ou para o mercado de trabalho, a perspectiva que defendemos é um curso único que resgate seu sentido – desenvolver faculdades de compreensão e intervenção no mundo natural, humano/social, político, cultural, estético e artístico, sem, abrir mão da preparação profissional fundada no domínio dos fundamentos científicos e tecnológicos sob os quais se assentam a produção moderna (PONTES e OLIVEIRA, 2012).

Segundo Machado (2010, p. 92), práticas pedagógicas integradas pressupõem a busca por medições interdisciplinares, que possibilitem planos comuns de trabalho e que harmonizem distintas experiências e pontos de vistas. Tal conexão pode ser feita por meio da fusão de conteúdos, pesquisas e estudos compartilhados, promoção conjunta de seminários e eventos e demais projetos integradores. Essas medidas buscam fazer a conexão entre os conteúdos do ensino médio e do técnico, de forma a superar a tensão dialética entre pensamento cientifico e pensamento técnico.

Buscando ainda compreender como que ocorre a interdisciplinaridade no EMITI, pedi aos alunos que me explicassem como as aulas do curso funcionam e, novamente a perspectiva profissionalizante se tornou ainda mais evidente. Percebemos que há uma tentativa por parte dos professores do ensino médio em abordar conteúdos da formação técnica em suas aulas, porém o inverso não foi verificado. Tal afirmativa é clara na fala da Gabriella (informação verbal): “eu acho assim que as matérias do ensino médio buscam mais integrar com a informática nas aulas, mas os do ensino técnico não buscam muito puxar as outras matérias pra ficar mais fácil de entender” CASTILHO, Gabriella Silva. Op Cit.. O mesmo podemos perceber na fala da Daiane (informação verbal): “que igual a gente já falou, o professor de inglês juntou com o professor de programação pra ver site em inglês, só que os professores do ensino técnico não buscam essa conexão” SÁ, Ketllei Daiane Gomes de. Op Cit..

Mais uma vez os alunos foram diretos e claros em suas respostas, evidenciando a desintegração dos professores da área técnica em relação aos conteúdos do ensino médio. Segundo Moll (2015) “os saberes produzidos nas diferentes áreas precisam ser historicizados, relacionados com o mundo em que vivemos e conectados, na medida do possível aos temas e dilemas do nosso mundo comum” (p. 15). Ao limitarem o conteúdo específico a sua aplicabilidade imediata não permitem ao aluno refletir sobre a dinâmica social e histórica desse conhecimento.

Evitando usar o termo interdisciplinaridade, pedi a eles que me dissessem como ocorre o diálogo entre as disciplinas, por exemplo, nas aulas de português veem algo do técnico? Na aula de informática aplicada, tem muito conteúdo de matemática? Ao responder a essa pergunta, começaram a dar exemplos de práticas pedagógicas interdisciplinares e citaram os professores de História, Química, Física, Filosofia, Literatura, Empreendedorismo e Sociologia, quase todos pertencentes ao Ensino Médio. Assim como podemos ver na fala da Gabriella, Anne, Daiane, Leonardo e Marianna (informação verbal):

[...] o professor nosso de história busca alguma coisa relacionada com informática ou tecnologia pra poder aplicar na matéria dele, uma vez mesmo ele pediu uma atividade falando sobre histórias em quadrinhos, por que tem a ver com tecnologia. (GABRIELLA, 2015); Wesley de química usou algoritmo pra achar as ligações, a partir dos algoritmos a gente achava que tipo de ligação que os elementos fazem. (MARIANNA, 2015); Tem professor que traz vídeo pra mostrar, tem professor que traz vídeo-aulas que tem na internet, Valeska Professora de Literatura. mesmo trouxe filme. (DAIANE, 2015); Uma vez ela Nesta fala ele refere-se à professora de Filosofia, Maria Aparecida Colares. trouxe uns objetos dela falando pra gente adivinhar o que era, era uns chocalhos. Era pra gente aprender sobre técnicas de empirismo. Augusto também, uma vez que ele mandou a gente tirar foto da Prefeitura, da polícia, da sociedade, pra explicar as teorias de Durkheim. (LEONARDO, 2015); Tem a professora de literatura também, que ela fez tipo um jogo de sentidos, ela pôs uma venda nos olhos pra explicar figuras de linguagem. (MARIANNA, 2015).SANTOS, Anne Caroline Pena dos; CASTILHO, Gabriella Silva; SÁ, Ketllei Daiane Gomes de; MAGALHÃES, Leonardo Neves; SILVA, Marianna Leandra Mendes da. Op Cit.

Aqueles que não citaram exemplos práticos se utilizaram muito do termo “dinâmico” para descrever as aulas do Ensino Médio. Na oportunidade, perguntei em qual área eles percebiam mais essa dinamização. Responderam em coro: no ensino médio. Além do termo dinâmico também recorreram à palavra semelhante para descrever a interdisciplinaridade entre os conteúdos. Ao serem questionados se há diferenças entre as aulas do técnico e do ensino médio, alguns afirmaram que não veem proximidade entre as matérias, porém outros enxergaram certa semelhança entre as duas áreas. O que percebemos é que eles usam o termo “semelhança” para descreverem que há integração entre conteúdos.

Para Machado (2010) integrar os conteúdos é uma forma dos educadores do ensino médio superarem tendências demasiadamente acadêmicas, da mesma forma, é uma oportunidade para os professores do ensino técnico superarem o viés excessivamente técnico-operacional em favor de uma “abordagem desreificadora dos objetos técnicos pela apropriação das condições sociais e históricas de produção e utilização dos mesmos” (MACHADO, 2010, p. 83).

Diante disso e contrapondo a fala dos alunos, percebemos que no plano ideal a interdisciplinaridade é uma “via de mão dupla” onde a formação geral (Ensino Médio) ajuda na compreensão dos conteúdos específicos (Ensino Técnico), assim como os conhecimentos específicos auxiliam na aprendizagem do conteúdo geral. Entretanto, ao ouvir os alunos percebemos que há uma tentativa por parte dos docentes do ensino médio em trazer para suas aulas uma abordagem interdisciplinar, trabalhando conteúdos da formação técnica em suas disciplinas, entretanto, o inverso não ocorre. Tal constatação vai na contramão da educação como um processo pautado pela formação humana integral, uma vez que privilegia conteúdos mais imediatamente ligados ao mercado, à obtenção de renda e à inclusão via consumo, desprivilegiando, consequentemente, a formação plena do sujeito.

Ao descreverem como que ocorre a interdisciplinaridade dos conteúdos e ao falarem sobre as práticas pedagógicas do corpo docente, os alunos destacaram também a qualidade dos docentes do IFNMG – Campus Montes Claros. Tal qualidade pode ser percebida quando eles relataram que alguns professores usavam em suas aulas recursos como histórias em quadrinhos, vídeos, filmes e dinâmicas, tais como: tirar foto da Prefeitura, da polícia e da sociedade para explicar as teorias de Durkheim MAGALHÃES, Leonardo Neves. Op Cit. (informação verbal), aplicação de um jogo de sentidos e uso de vendas, para explicar figuras de linguagem SILVA, Marianna Leandra Mendes da. Op Cit. (informação verbal).

A qualidade docente não se restringe aos professores do ensino médio. Quando pedi a eles que falassem sobre a contribuição do ensino técnico na sua formação como trabalhadores, a maioria falou que o curso é muito completo e que no ambiente de trabalho não precisaram de nada além do que tinham aprendido no técnico em informática, relataram como que aplicaram os conhecimentos adquiridos nas rotinas de trabalho, destacando que tais conhecimentos foram satisfatórios e suficientes.

As críticas referem-se à falta dinamicidade nessas aulas, os alunos as descrevem como difíceis, mais exigentes, práticas, dentre outros. Como podemos observar na fala da Gabriella (informação verbal): “Pro técnico eles buscam mais aquela formação pra gente...tem que ser assim, vai ser assim, não tenta buscar aquela dinamização, pra ficar mais fácil de entender [...] ele é mais difícil de passar, pois precisa de mais dedicação, de mais estudo” CASTILHO, Gabriella Silva; Op Cit..

Enquanto os alunos descrevem as aulas do ensino técnico como difíceis, exigentes e sem muita dinamicidade, a maioria das disciplinas do ensino médio são tidas como mais “fáceis” por que os professores buscam trabalhar o conteúdo de forma mais dinâmica. Percebemos que os termos fácil/difícil não estão ligados necessariamente à complexidade da disciplina em si, mas a outros fatores, como a formação docente e concepções pedagógicas de educação. 

FORMAÇÃO DE TRABALHADORES E O ENSINO MÉDIO INTEGRADO: CONCEPÇÕES, EXPECTATIVAS E ANSEIOS

No contexto de mundialização do capital, os sistemas de ensino passaram por mudanças que se traduziram no abandono da noção de qualificação, própria do modelo taylorista/fordista, e adoção do discurso das competências e da empregabilidade, proveniente de modelos de acumulação flexível. A consequência desse processo é a desqualificação de parcela dos trabalhadores e qualificação de novos trabalhadores, adaptados a viver em um mercado em constante mudança, a desempenhar várias ocupações e a lidar com diferentes situações que exigem agilidade e eficiência.

Considerando as atuais mutações no mundo do trabalho, buscamos nesta segunda parte do grupo focal compreender as expectativas e anseios desses alunos, suas percepções quanto ao mundo do trabalho e o lugar deles no mundo. Iniciamos a segunda parte com a pergunta: que tipo de trabalhador ou trabalhadora esse curso forma? Algumas respostas indicaram uma compreensão referenciada em parâmetros mercadológicos, voltada para as exigências do mercado de trabalho, como se eu fosse um entrevistador que os avalia para uma vaga de emprego, como alguém que fosse contratá-los.

Compreendemos tal visão como reflexo de uma formação que foca aquilo que é requerido pelo mercado: proatividade, conhecimento técnico, versatilidade, iniciativa, eficiência, definição de prioridades, dentre outros. Os alunos atribuem ao EMITI o aprimoramento ou obtenção de competências para o trabalho, tanto competências técnicas quanto habilidades comportamentais, demonstrando que a Instituição foi um agente de reprodução de parâmetros mercadológicos, de viés reprodutivista, sendo este um traço marcante na formação desses alunos para o exercício de funções produtivas.

Destaca-se também como que eles possuem confiança e se sentem preparados para o mercado de trabalho, caso essa seja sua escolha, como visto na fala do estudante Félix (informação verbal): “O técnico te prepara mais pra ser profissional, como ela disse, o que ela aprendeu em redes serviu pra profissão. O que a gente aprende aqui é uma profissão, a gente já tem o conhecimento realmente pra trabalhar na área” SILVA, Felix Mateus Oliveira. Op Cit. (grifo nosso).

Nesse sentido, para muitos alunos o tipo de trabalhador que o curso forma e qual foi a contribuição da formação técnica está vinculada com a ideia de empregabilidade e a capacidade de inserção no mercado de trabalho.  Para Ramos (2010) a formação básica e profissional “deve superar a noção de competência, que carrega em seu significado o princípio do relativismo e do pragmatismo científico” (p. 50). Para a autora, a noção de competência reduz a atividade criativa e criadora do trabalho a um conjunto de tarefas e procedimentos.

Os alunos atribuem ao curso um valor positivo haja vista que ele é capaz de inseri-los no mercado de trabalho, refletindo uma formação que privilegia a inclusão pelo consumo via obtenção de melhores salários. A educação, com vistas à formação integral, permite ao aluno fazer uma leitura do seu mundo para além da sociedade do consumo, contribuindo não apenas para o ingresso no mercado de trabalho, mas para a compreensão crítica das suas contradições.

Questionar a formação técnica que adestra o aluno para atuação no mercado de trabalho é muitas vezes vista como um discurso que desconsidera as necessidades materiais desse aluno, bem com sua necessidade de inserção no mercado de trabalho. Considerando o trabalho como uma categoria econômica e socialmente necessária, projetos como o Ensino Médio Integrado, que buscam oferecer ao aluno uma formação geral e específica para o exercício de profissões, são perfeitamente justificáveis (RAMOS, 2010)

Quando questionei: qual o tipo de trabalhador o curso forma? Uma parte dos entrevistados manifestaram o posicionamento direcionado por um viés mercadológico, como descrito anteriormente, enquanto outros deram mais ênfase à importância do ensino médio em sua atuação como trabalhador. Em alguns casos na mesma resposta as duas perspectivas estavam presentes, demonstrando que a perspectiva mercadológica é predominante, não deixando os alunos, porém, de reconhecer e refletir sobre a importância do ensino médio em sua formação como trabalhadores. O aluno Félix (informação verbal), por exemplo, destaca que os alunos do Instituto têm uma visão ampla das coisas, sobre o que está acontecendo ao redor, assim como Anne (informação verbal), ao dizer que o Instituto forma um trabalhador mais crítico, com um olhar mais acentuado. Corroborando a fala dos colegas Leonardo (informação verbal) argumenta que:

O trabalhador do Instituto ele vê o mundo, esses negócio da corrupção, ele pensa, é um cidadão atento às mazelas sociais, o que acontece no trabalho, ele é ciente do capitalismo, da exploração, toda essa questão [...] Então a gente vê que tem uma diferença, as matérias de filosofia, sociologia, elas influenciam muito no trabalhador, cidadão que vai sair daqui MAGALHÃES, Leonardo Neves. Op Cit..

Gabriella (informação verbal), concordando com Leonardo, ressalta que: “quanto a formar o cidadão isso também é muito visível, por que a gente conversa com os amigos de outras escolas e a gente vê que a gente está num nível a mais, acho que o Instituto traz pra gente uma politização, um debate CASTILHO, Gabriella Silva. Op Cit. (grifo nosso).

Já outros alunos ressaltaram que o Ensino Médio influenciou em questões comportamentais no ambiente de trabalho, retomando a perspectiva mercadológica reprodutivista, como é o caso da Anne (informação verbal), para ela o ensino médio contribuiu muito para se tornar uma funcionária mais eficiente: “Eu acho que pelo fato de ter muita tarefa, muita obrigação num curto prazo, ajuda na hora do serviço por que quando você recebe alguma tarefa já tenta fazer no mínimo intervalo de tempo, por que tem esse ensinamento aqui, de pegar uma coisa e fazer logo” SANTOS, Anne Caroline Pena dos. Op Cit..

Ao serem questionados sobre o seu trabalho dos sonhos, a maioria demonstrou muita indecisão, não sabiam o que queriam para sua vida profissional, elencando na mesma resposta várias carreiras distintas, e na sua grande maioria incompatíveis com a área de informática. Para esses alunos o trabalho ideal é aquele em que eles não tenham regras, tenham prazer no que fazem, onde possam ser mais livres, tarefas mais dinâmicas e sem rotinas engessadas e desgastantes.

Ao mesmo tempo em que definem seu trabalho dos sonhos muitos deles deixam transparecer a indecisão, pessimismo e um certo desencanto que a reflexão sobre questões futuras lhe causam, como é o caso do Emanuel (informação verbal): “Depois que passa o tempo a gente perde essa ideia de trabalho dos sonhos, por que a gente pisa o pé no chão e vê que isso não existe. E já que não pra ser jogador de futebol, vamos tentar fazer o que dá um pouco de dinheiro pra sobreviver e ser feliz” VASCONCELOS, Emanuel Crispim. Op Cit. (grifo nosso). O trabalho, que é algo central na vida do ser humano, quando confrontando com a realidade se reduz em uma tarefa desumanizada, alienante e vazia de significados, típico das relações capitalistas de produção.

Após questioná-los sobre o trabalho dos sonhos, perguntei qual era o trabalho possível, a possibilidade imediata, a curto prazo. Todos os trabalhos possíveis em nada se assemelhavam ao trabalho dos sonhos, o trabalho agora era descrito com certa angústia e sem muito ânimo, deram repostas breves, nas quais as possibilidades se limitavam a oportunidades ligadas à formação técnica, como ser contratado onde realiza o estágio ou procurar emprego no comércio local. As expectativas antes pautadas pela realização profissional agora se reduzem a obtenção de um salário.

Para muito além da sobrevivência material, o trabalho propicia os elementos necessários à vida cultural, social, estética, simbólica e afetiva. É por meio dele que o homem produz todas as dimensões da vida humana. Tal perspectiva se aproxima na fala dos alunos quando questionei o trabalho no plano ideal, entretanto, quando confrontados com a sua realidade condicionada às possibilidades imediatas, o trabalho se reduz a uma tarefa alienante, desgastante e penosa. Tal realidade parte do contexto capitalista de produção, onde a superexploração da mão de obra reduz o homem a insumos produtivos, e o trabalho a um conjunto de tarefas.

Quando entrei na questão dos fatores que influenciaram na escolha do curso superior, a remuneração foi recorrente nas justificativas. Emanuel (informação verbal), por exemplo, enumerou três fatores que influenciam sua escolha: primeiro é a remuneração, segundo um trabalho que ele não leve serviço para casa e por último algo que ele goste de fazer. O prazer em exercer determinada profissão vem em último lugar, sendo a remuneração um fator relevante na escolha do curso.

A questão imperativa da remuneração já faz parte do cotidiano das escolas e não poderia ser diferente no IFNMG – Campus Montes Claros. Elencar como prioridade uma profissão que garanta um bom salário indica uma perspectiva que compreende a inclusão via consumo, na qual os alunos são educados para serem cidadãos consumidores. Tal visão entra em conflito com a perspectiva da formação integral no momento em que não permite a esse aluno compreender a complexidade do mundo capitalista desigual e concentrador de renda. O que se pretende é incluir esse aluno na sociedade em seu sentido mais amplo, e não apenas na sociedade restrita ao consumo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino médio é a etapa final do ensino básico, no qual a escola exerce a função de evidenciar a relação entre trabalho e conhecimento, possibilitando ao aluno a compreensão do processo de conversão das ciências em potência material no sistema produtivo. Diante disso, buscamos compreender as concepções de trabalho e educação dos alunos do 3º ano do EMITI, presentes na sua formação ao longo do curso no IFNMG –Campus Montes Claros.

A aplicação do grupo focal permitiu uma compreensão ampla e aprofundada do Ensino Médio Integrado. Ouvi-los nos ajudou a construir uma concepção de ensino médio integrado que parte da unicidade entre formação geral e específica, onde o aluno possa explorar suas diversas capacidades artísticas, esportivas, manuais e intelectuais, sejam elas requeridas pelo mercado de trabalho ou não. Nessa perspectiva, o processo formativo contempla a aquisição de habilidades críticas, culturais, políticas e sociais, não abrindo mão dos conhecimentos técnicos necessários ao exercício de uma profissão.

No que se refere à integração entre os conteúdos de formação geral e específica, concluímos que é preciso incentivar o diálogo da área técnica com o ensino médio. É necessário que esse diálogo ocorra, uma vez que o ensino técnico, descolado da realidade e sem uma contextualização sócio-histórica, não permite ao aluno compreender sua utilidade social, fazendo com que a tecnologia e a técnica sejam um fim em si mesma. Diante disso, privilegiar a perspectiva profissionalizante significa limitar a formação desse aluno à dimensão técnico-operacional dos processos de trabalho, ignorando os fundamentos científicos, tecnológicos, sócio-históricos e culturais da produção moderna em geral e da área profissional em particular.

Quando falaram de prováveis profissões e carreiras, chegamos à conclusão que eles não sabem com clareza o que querem para o seu futuro, a maioria reproduz aquilo que disseram a eles que é bom, como ser funcionário público por exemplo. Esse contexto de tomada de decisões decorre da tendência da sociedade em criar padrões de conduta para a juventude, que, vista e representada como o futuro de sua sociedade, é pressionada a seguir modelos, ora mais, ora menos rígidos.

Em linhas gerais, concluímos que a ênfase curricular e pedagógica para questão técnica em detrimento das disciplinas de formação geral não se alinha ao projeto de formação integral. A vocação institucional, voltada para a formação técnica/profissionalizante, compromete o referido projeto no momento em que o ensino médio trabalha visando atender às necessidades da área técnico-profissional, privilegiando a formação técnica de diversas maneiras exemplificadas pelos próprios alunos. Entretanto, por mais que o caráter profissionalizante/mercadológico ainda prevaleça, não podemos ignorar a contribuição que as disciplinas de formação geral tiveram na vida desses alunos, colaborando na reflexão crítica acerca da sua atuação como trabalhadores no contexto capitalista, cientes da sua inserção em uma realidade determinada por relações econômicas, políticas, sociais e culturais. Também não podemos deixar de ressaltar que esses alunos se sentem profissionais capacitados a ingressarem no mercado de trabalho, reflexo de uma formação que foi capaz de oferecer os conhecimentos técnicos necessários.

REFERÊNCIAS

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MACHADO, Lucília. Ensino médio e técnico com currículos integrados: propostas de ação didática para uma relação não fantasiosa. In: MOLL, J. et al. Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2010.

MOLL, Jaqueline. Uma revolução silenciosa. Caros amigos: especial educação, São Paulo, p. 15 – 17, Out. 2015. https://issuu.com/carosamigos/docs/me_encarte_educa_caros_amigos/15

PONTES, Ana Paula Furtado Soares; OLIVEIRA, Ramon. Ensino Médio Integrado: A materialização de uma proposta em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia In: 36° Reunião Anual – ANPED. Porto de Galinhas. Anais. Pernambuco: ANPED, 2012.

RAMOS, Marise. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise (Org.). Ensino médio integrado: concepções e contradições. 3° ed. São Paulo: Cortez, 2012.

RAMOS, Marise N. Ensino médio integrado: ciência, trabalho e cultura na relação entre educação profissional e educação básica. In: MOLL, J. et al. Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2010.