A PERSPECTIVA DO DIRETOR DE ESCOLA SOBRE GESTÃO DEMOCRÁTICA NA CIDADE DE SÃO PAULO Trabalho apresentado no V Congresso Ibero–Americano e VIII Congresso Luso-Brasileiro - Goiânia, Goiás, Brasil, dias 14 a 16 de setembro de 2016. Tema: "Política e Gestão da Educação: discursos globais e práticas locais."
Resumo: A partir da discussão do conceito de democracia e de gestão democrática, buscou-se analisar a perspectiva do diretor de escola da rede pública da Cidade de São Paulo sobre a gestão democrática; como este diretor concebe a questão da gestão democrática. Para analisar o tema da Gestão Democrática, foram realizadas, uma pesquisa bibliográfica e documental, e aplicado um questionário com os diretores de escola do Ensino Fundamental (EMEF) do Município da Cidade de São Paulo. O instrumento utilizado foi o questionário denominado estruturado. Concluiu-se, inicialmente, que o diretor de escola compreende formalmente a importância de uma gestão democrática, no entanto, não consegue implementá-la efetivamente, isso ocorre por circunstâncias políticas e conjunturais mais amplas.
Palavras-chave: Gestão Democrática. Escola Pública. Diretores de Escola.
INTRODUÇÃO
A questão central que provocou o presente trabalho remete à interrogação sobre por que a gestão democrática, após 28 anos de aprovação constitucional, ainda não se efetivou no interior das escolas públicas brasileiras e, mais especificamente, no município de São Paulo. Logo após a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, esse município teve como secretário de Educação o importante educador Paulo Freire Paulo freire foi secretário de Educação do município de São Paulo entre os anos 1989-1991, quando implementou um processo de reforma educativa que refletia a ideologia democrático socialista e os ideais do Partido dos Trabalhadores (PT)., conhecido e reconhecido nacional e internacionalmente por ser defensor, entre outras questões, da democratização da educação, aspecto que fez questão de destacar nas propostas e nas ações desenvolvidas durante sua gestão frente à Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Paulo. No entanto, passadas mais de duas décadas, a questão da democratização da escola parece, na maior parte das vezes, uma retórica em documentos oficiais, planos, projetos políticos pedagógicos e projetos educacionais. Poucas têm sido de fato as escolas que efetivaram esse princípio em seu cotidiano, tornando a gestão democrática muito mais uma prática individual e isolada do que propriamente uma política pública.
Nessa pesquisa, trabalhou-se a ideia de democratização da educação na perspectiva da gestão da escola, ou seja, apesar do termo “gestão democrática” trazer à tona a discussão sobre o acesso e a permanência dos estudantes, e de que não há separação entre tais aspectos, o foco da pesquisa é a gestão democrática da escola.
O conceito de democracia sofreu e sofre atualmente muitas disputas conceituais e ideológicas, travadas no cerne das concepções filosóficas e sociológicas; como observa Coutinho, “disputas existiram e existem ainda hoje em torno do conceito de democracia, cuja definição continua a ser um dos temas mais candentes na batalha de ideias entre as diferentes forças sociais em contraste” (COUTINHO, 2002, p. 11).
Entende-se a educação enquanto prática social, e, por consequência, a escola como espaço de contradições que refletem e retratam as relações que ocorrem na sociedade. Tais considerações levam a algumas implicações para a análise da escola, na medida em que esta é sempre resultante de projetos de sociedade em disputa. Nesse aspecto, compreende-se a escola como uma instituição social que, mediante sua prática no campo do conhecimento, dos valores, atitudes, articula determinados interesses e desarticula outros. A possibilidade da mudança está nessa contradição existente no seu interior. Assim sendo, pensar a função social da escola implica repensar seu próprio papel, sua organização e os atores que a compõem.
Compreendendo a escola como resultado de um projeto de sociedade e este como um elemento de disputa pela hegemonia, a efetivação da gestão democrática passa por escolhas, nem sempre manifestas, mas que retratam interesses e funções entre o Estado no sentido restrito, as demandas sociais e políticas e o setor produtivo. Nessa prospecção, o Estado deixa de ser visto como mero mediador de interesses antagônicos, ao situar-se à luz da correlação de forças travada no âmbito da sociedade.
O objetivo principal desta pesquisa é conhecer que perspectiva o diretor de escola do município de São Paulo possui sobre a gestão democrática. No que se refere aos objetivos específicos da pesquisa, analisar-se-á, a partir da perspectiva do diretor de escola, quais concepções ele possui sobre o tema gestão democrática; quais instrumentos de gestão democrática são revelados ou utilizados no interior da escola; além de analisar as concepções do diretor sobre a questão da participação e das decisões coletivas;
Destarte, tomou-se como objeto do presente estudo a perspectiva de gestão democrática do diretor de escola. A questão central desta pesquisa é saber qual a perspectiva de gestão democrática do diretor de escola do município de São Paulo e compreender como ele articula a gestão da escola com a democracia. Por isso, ouvir esse sujeito, o diretor de escola, torna-se imperativo nesta pesquisa.
A análise do tema da gestão democrática na escola pública conduziu inicialmente a uma pesquisa bibliográfica e documental2 em que foram utilizados livros, dissertações, teses e artigos científicos que versam sobre o tema. Quanto à pesquisa documental, foram utilizados diretrizes educacionais, leis e documentos dos governos federal e municipal.
Num segundo momento, foi realizada pesquisa com diretores de escola municipal de ensino fundamental (Emef) da cidade de São Paulo. O instrumento utilizado para a pesquisa foi um questionário estruturado, ou fechado, enviado aos 546 diretores de Emef de São Paulo. O questionário foi enviado aos diretores via e-mail, com solicitação de participação e explicação sobre a pesquisa, assim como da necessidade de se obterem as respostas. No corpo do e-mail estava disponível o link para responder às perguntas no Googledocs. Com esse instrumento de pesquisa, pretendeu-se obter informações para análise sobre a perspectiva de gestão democrática que perpassa ou norteia o trabalho do diretor de escola da rede municipal de ensino de São Paulo.
DEMOCRACIA E ESCOLA: O SENTIDO DESSA RELAÇÃO
A educação é considerada um direito fundamental e cabe ao Estado garantir a todos os cidadãos. Por essa razão, a educação figura como política pública, e não se pode esquecer de que a Escola é um espaço em que se concretiza a política e o planejamento que as sociedades estabelecem para si próprias, como projeto ou modelo educativo que se tenta pôr em ação (AZEVEDO, 1997).
A importância de uma gestão democrática da escola poderia ser defendida, inicialmente, como um direito que os cidadãos têm de, em uma democracia, acompanhar a qualidade dos serviços prestados pelo Estado. No entanto, ser usuário da escola pública é muito mais do que fazer uso de um serviço público: representa ser sujeito na concretização de um direito, uma vez que a educação pública é um bem social e participar da gestão da escola é um exercício democrático legítimo, direito de todo cidadão. Conforme nos lembra Chauí (1997), o reconhecimento do que é público decorre da necessidade de entendermos que existe uma esfera coletiva na vida humana, de interface e convívio entre as pessoas. A democracia foi erigida para operar esta esfera pública da vida humana; isto quer dizer que, para planejar, decidir, coordenar, executar ações, acompanhar, controlar, avaliar as questões públicas, é importante envolvermos o maior número possível de pessoas no processo, dialogando e democratizando a gestão pública.
Para Coutinho (2000, p. 50), democracia é sinônimo de soberania popular: “Podemos defini-la como a presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em consequência, no controle da vida social”.
Ainda segundo Coutinho (2000), a melhor expressão da democracia é a ideia de cidadania. Para ele, cidadania é a capacidade dos indivíduos, ou do conjunto deles, de se apropriarem dos bens coletivos que foram criados historicamente pelo conjunto da sociedade. A ideia de cidadania está vinculada à ideia de direitos da qual tratou Marshall (1967), que define a cidadania e o desenvolvimento dos direitos dentro do processo histórico.
A participação na vida pública implica tomada de consciência dos direitos para a efetiva participação em uma sociedade; é o que Benevides chama de cidadania ativa:
A participação na vida pública como expressão máxima da cidadania ativa. Essa participação significa organização e participação pela base, como cidadãos que partilham dos processos decisórios em várias instâncias, rompendo a verticalidade absoluta dos poderes autoritários. Significa, ainda, o reconhecimento (e a constante reivindicação) de que os cidadãos ativos são mais do que titulares de direitos, são criadores de novos direitos e novos espaços para a expressão de tais direitos, fortalecendo-se a convicção sobre a possibilidade, sempre em aberto, da criação e consolidação de novos sujeitos políticos, cientes de direito e deveres na sociedade. (BENEVIDES, 1998, p. 161)
De acordo com Benevides, a cidadania passiva é outorgada pelo Estado, com a ideia moral do favor e da tutela, enquanto a cidadania ativa institui o cidadão como portador de direitos e deveres, mas essencialmente como criador de direitos para abrir novos espaços de participação política (BENEVIDES, 1996), ou seja, espaços em que o cidadão possa interferir diretamente no processo de tomada de decisões, cujo interesse seja público.
A participação não pode ser entendida como dádiva, porque não seria produto de conquista, nem realizaria o fenômeno fundamental da autopromoção; seria de todos os modos uma participação tutelada e vigente na medida das boas graças do doador, que delimita o espaço permitido. Não pode ser entendida como concessão, porque não é fenômeno residual ou secundário da política social, mas um dos seus eixos fundamentais; seria apenas um expediente para obnubilar o caráter da conquista, ou de esconder, no lado dos dominantes, a necessidade de ceder. Não pode ser entendida como algo preexistente, porque o espaço de participação não cai do céu por descuido, nem é o passo primeiro. (DEMO, 2001, p. 18)
Benevides (1996) observa que a democracia não persiste sem a educação apropriada do povo para fazê-la funcionar, e a escola pode ser o grande instrumento para a formação democrática. A educação para a democracia consiste na democracia ativa, ou seja, a formação para a participação na vida pública: “nas democracias a educação pública pode ser um processo iniciado pelo Estado, mas ela visa a fortalecer o povo e não o contrário” (BENEVIDES, 1996, p. 228).
Segundo Paro (2002), entretanto, a especificidade da educação escolar exige que a democracia como componente necessário à organização do trabalho se sustente em argumentos que vão além do direito ao controle social, ou seja, os objetivos da educação e sua relação intrínseca com a democracia. A natureza política da educação resulta no fato dela ser ação necessária à construção do homem como sujeito histórico. A organização do trabalho escolar, portanto, coerente com a natureza política da educação, em uma perspectiva que assume a condição humana de educadores e educandos, necessita estar assentada em uma práxis democrática, única forma de os homens relacionarem-se como sujeitos (PARO, 2002).
De acordo com Paro (2011, p. 26), “a educação é, pois, a apropriação da cultura produzida historicamente”. Isto significa que não se apropria da cultura produzida historicamente de forma linear e conteudista; muito pelo contrário, o conceito de educação aqui defendido tem a ver com a educação como prática democrática, que em seu sentido mais amplo é a própria educação como produção do humano-histórico, uma vez que visa ao ser humano e este produz sua própria existência. Nesse processo, o ser humano cria sua própria condição de sujeito “no preciso sentido de autor, de quem atua sobre o objeto para realizar sua vontade, expressa nos valores por ele criados historicamente” (PARO, 2011, p. 26).
Essa ideia de educação não pode estar distante da questão política, uma vez que esta é inerente ao ser humano, pois este, em sua condição histórica, como produtor de sua própria humanidade, não existe isoladamente, mas se relaciona com o outro no processo de produção de sua sobrevivência. Nessa relação entre seres humanos, sujeitos de suas vontades, desejos, aspirações, é que se instala o que conhecemos como política, que diz respeito “à atividade humano social com o propósito de tornar possível a convivência entre grupos e pessoas, na produção da própria existência em sociedade” (PARO, 2011, p. 27).
A relação de convivência entre os seres humanos pode ocorrer de duas maneiras: pela dominação ou pelo diálogo. A dominação tem como base uma relação autoritária, coercitiva, em que uns possuem poderes sobre outros. Uns dominam, mandam, enquanto outros obedecem. Por outro lado, o diálogo é a prática democrática de convivência pacífica entre seres humanos que possuem diferentes ideias e objetivos.
Na prática do diálogo, há sempre o risco de o objetivo não ser alcançado, e ainda de ser-se convencido do contrário pelo outro com quem se dialoga: “quem procura convencer pelo diálogo deve correr o risco de não convencer” (PARO, 2011, p. 27). Nessa prática tal risco é fundamental, caso contrário, não se trata de diálogo, mas de imposição. A coerção pode produzir efeitos imediatos, no entanto, não são duradouros, uma vez que a concordância de quem obedece, se dá na presença de quem coage, pois não houve convencimento; quem obedece não se apropriou, não a tornou a ideia, o conceito seu. Já a prática do diálogo possibilita a construção duradoura de consensos, dado que ocorre entre sujeitos ou grupos livres. A concordância permanece para além do momento da apropriação, pois quem concordou livremente fez-se parte, torna se sua e, portanto, duradoura (PARO, 2011).
Partindo de uma concepção de educação que visa à formação do ser humano histórico que se afirma como sujeito livre, a prática dialógica e democrática deve ser a base da relação pedagógica na escola. A educação, por ser um processo humano, requer uma prática de diálogo, portanto, democrática. Nesse sentido, examinaremos a partir de agora o conceito e o contexto do processo de gestão democrática da educação.
A PESQUISA
Este item tem como objetivo apresentar os dados da pesquisa, que teve como finalidade compreender a gestão democrática na perspectiva do diretor de escola. Para tanto, foi utilizado um questionário fechado, respondido por 170 de um total de 546 diretores de Emef do município de São Paulo. Os questionários não foram necessariamente respondidos na íntegra, portanto, o total de respondentes pode variar entre as questões. Do total de 170, foram retirados posteriormente dois questionários, por estarem com uma quantidade muito baixa de itens respondidos.
Na análise, foi caracterizada a população dos diretores de escola e suas perspectivas sobre a gestão democrática. Para efeito estatístico, decidiu-se sempre apresentar as tabelas com a frequência e percentuais, assim como o intervalo de confiança para esse percentual O intervalo de confiança é um intervalo que contém o verdadeiro valor da medida, com probabilidade de 95%.. Quando possível, fizeram-se comparações entre as diversas respostas dos participantes. Nesta pesquisa serão considerados nos intervalos de confiança e testes o nível de significância de 0,05, o que equivale a uma confiança de 95% na análise.
Caracterização do Diretor de Escola
Nesta parte do questionário, buscou-se uma caracterização do diretor de escola. Na Tabela 1 estão apresentados os percentuais para cada uma das questões. Serão apontados também os intervalos de confiança, interpretação que será detalhada nesse intervalo na primeira análise e para as demais a avaliação será análoga.
Questão |
Item |
% |
IC95% |
Sexo |
Feminino |
80,5 |
(73,8% ; 85,7%) |
Masculino |
19,5 |
(14,3% ; 26,2%) |
|
Idade |
De 30 a 39 anos |
12,9 |
(8,7% ; 18,8%) |
De 40 a 49 anos |
44,1 |
(36,9% ; 51,6%) |
|
De 50 a 54 anos |
25,9 |
(19,9% ; 32,9%) |
|
55 anos ou mais |
17,1 |
(12,1% ; 23,4%) |
|
Raça |
Amarela |
1,2 |
(0,3% ; 4,2%) |
Branca |
65,3 |
(57,9% ; 72,0%) |
|
Indígena |
0,6 |
(0,1% ; 3,3%) |
|
Não declarada |
0,6 |
(0,1% ; 3,3%) |
|
Parda |
23,5 |
(17,8% ; 30,4%) |
|
Preta |
8,8 |
(5,4% ; 14,0%) |
|
Nível de escolaridade - maior |
Ensino superior (outros) |
4,1 |
(2,0% ; 8,3%) |
Ensino superior (Pedagogia) |
32,9 |
(26,3% ; 40,3%) |
|
Especialização |
48,2 |
(40,8% ; 55,7%) |
|
Mestrado |
11,2 |
(7,3% ; 16,8%) |
|
Doutorado ou posterior |
3,5 |
(1,6% ; 7,5%) |
|
Nível de escolaridade - individual |
Ensino superior (outros) |
30,6 |
(24,2% ; 37,9%) |
Ensino superior (Pedagogia) |
51,2 |
(43,7% ; 58,6%) |
|
Especialização |
48,8 |
(41,4% ; 56,3%) |
|
Mestrado |
11,2 |
(7,3% ; 16,8%) |
|
Doutorado ou posterior |
3,5 |
(1,6% ; 7,5%) |
|
Outros |
4,7 |
(2,4% ; 9,0%) |
|
Anos de trabalho na educação |
De 4 a 8 |
2,4 |
(0,9% ; 6,0%) |
De 9 a 14 |
10,7 |
(6,9% ; 16,3%) |
|
De 15 a 20 |
23,8 |
(18,0% ; 30,8%) |
|
Mais de 21 |
63,1 |
(55,6% ; 70,0%) |
|
Anos em direção |
Menos de 3 |
16,7 |
(11,8% ; 23,0%) |
De 4 a 8 |
34,5 |
(27,8% ; 42,0%) |
|
De 9 a 14 |
26,2 |
(20,1% ; 33,3%) |
|
De 15 a 20 |
18,5 |
(13,3% ; 25,0%) |
|
Mais de 21 |
4,2 |
(2,0% ; 8,3%) |
|
Anos de direção na SME/SP |
Menos de 3 |
19,5 |
(14,3% ; 26,2%) |
De 4 a 8 |
37,9 |
(30,9% ; 45,4%) |
|
De 9 a 14 |
25,4 |
(19,5% ; 32,5%) |
|
De 15 a 20 |
14,8 |
(10,2% ; 20,9%) |
|
Mais de 20 |
2,4 |
(0,9% ; 5,9%) |
|
Anos como diretor (a) desta escola |
Menos de 3 |
47,3 |
(40,0% ; 54,8%) |
De 4 a 8 |
40,8 |
(33,7% ; 48,4%) |
|
De 9 a 14 |
7,7 |
(4,6% ; 12,7%) |
|
De 15 a 20 |
4,1 |
(2,0% ; 8,3%) |
|
Condução ao cargo de diretor de Escola |
Concurso público |
71,2 |
(64,0% ; 77,5%) |
Nomeação pelo conselho |
28,8 |
(22,5% ; 36,0%) |
Nesta primeira parte do questionário, alguns fatores chamam a atenção. O primeiro deles refere-se à forte marca da questão de gênero. Observa-se que 80,5% dos que ocupam as direções de escola no município de São Paulo são mulheres, enquanto apenas 19,5% são homens O intervalo de confiança foi de IC95% = [73,8%; 85,7%], ou seja, o verdadeiro percentual de mulheres como diretoras de escola da população representada pela amostra de respondentes do questionário está entre 73,8% e 85,7%.. Este dado corrobora pesquisas nacionais como, por exemplo, a pesquisa de Souza (2007, p. 211), que, analisando os dados do Saeb de 2003, concluiu que 78,2% das direções escolares no Brasil são ocupadas por mulheres.
No que se refere à idade, a maioria dos diretores de escola tem entre 40 e 49 anos (44,1%), seguido de 50 a 59 anos (25,9%). Quanto aos anos de trabalho na educação, a maioria, 63,1% tem mais de 21 anos. Perguntou-se também sobre o tempo na direção de modo geral, obtendo-se como maiores percentuais de quatro a oito anos (34,5%) e de nove a 14 anos (26,2%); já sobre os anos de direção na SME-SP, o resultado foi semelhante, com os maiores percentuais ficando para o grupo entre quatro e oito anos (37,9%) e de nove a 14 anos (25,4%), o que equivale a dizer que 63,1% dos diretores da SME-SP estão no cargo de quatro a 14 anos, e apenas 16,7% possuem menos de três anos na função.
O objetivo destas perguntas foi saber o tempo que o diretor possuía na rede e o tempo que estava naquela escola. O resultado da pesquisa mostra que os percentuais maiores foram em períodos menores para essa questão, com o maior grupo sendo de menos de três anos, seguido de perto pelo de quatro a oito anos, com 47,3% e 40,8%, respectivamente. Portanto, quase metade dos diretores permanece por até três anos e mais 40,3% não completam os oito anos. Conclui-se que 88,1% dos diretores não permanecem em uma escola por mais de oito anos. Vale lembrar que é assegurada legalmente a remoção anual dos servidores da Educação no município de São Paulo.
Uma importante característica revelada pelo questionário foi a questão étnica: 65,3% dos diretores de escola do município de São Paulo se autodeclararam brancos, enquanto 23,5% se autodeclararam pardos, 8,8% negros e apenas 0,6% indígenas. Tal traço étnico corresponde aos mais altos graus de discriminação e desigualdade reproduzidos e registrados na sociedade brasileira.
Quanto ao nível de escolaridade, as respostas poderiam ser múltiplas, por isso serão avaliadas de duas formas: a maior escolaridade do participante e o percentual de cada opção. No quesito maior escolaridade, a maioria dos participantes (48,2%) tinham especialização, seguido por graduação em Pedagogia (32,9%), e somente 3,5% possuíam doutorado; nos individuais, 51,2% dos participantes tinham graduação em Pedagogia e 30,6% tinham alguma outra graduação.
Outra pergunta desta etapa referia-se à condução ao cargo de diretor de escola. A grande maioria, 71,2%, tornou-se diretor por meio de concurso público. Observe-se que no município de São Paulo a investidura nesse cargo somente ocorre por concurso público, como já discutido neste trabalho. O fato de 29,8% responderem que foram nomeados pelo conselho de escola deve-se a que, quando o cargo de diretor está vago em determinada escola, há um processo de escolha entre os professores, inicialmente da própria unidade escolar, em que o conselho de escola elege um dos candidatos. Esse processo ocorre sempre que o cargo esteja vago e, a partir do momento em que o diretor concursado assume aquela vaga, o diretor anteriormente nomeado volta à sua atividade original.
Seguem-se na parte seguinte, questões cujo grau de importância foi medido por intermédio de notas de 1 a 5. Para tais questões, serão avaliadas tanto a frequência em cada nota quanto a média e a variação das respostas e será feita comparação dos itens entre si.
Questão | Item | % | IC95% |
A participação da comunidade é importante? | Muito importante | 63,3 | (55,8% ; 70,2%) |
Importante | 34,9 | (28,1% ; 42,4%) | |
Pouco importante | 1,8 | (0,6% ; 5,1%) | |
Nada importante | 0,0 | (0,0% ; 2,2%) | |
Você considera que a participação da comunidade na escola | Contribui | 73,8 | (66,7% ; 79,9%) |
Ajuda | 25,0 | (19,1% ; 32,1%) | |
Mais atrapalha do que ajuda | 1,2 | (0,3% ; 4,2%) | |
Não contribui | 0,0 | (0,0% ; 2,2%) | |
A participação da comunidade pode contribuir para a qualidade da educação? | É fundamental | 81,7 | (75,1% ; 86,8%) |
Tem alguma influência | 17,8 | (12,7% ; 24,2%) | |
Pouco contribui | 0,6 | (0,1% ; 3,3%) | |
Nada contribui | 0,0 | (0,0% ; 2,2%) | |
A legislação sobre gestão democrática é mais uma tarefa a que o diretor tem de atender | Concordo plenamente | 30,1 | (23,5% ; 37,5%) |
Concordo | 36,2 | (29,2% ; 43,8%) | |
Concordo um pouco | 17,2 | (12,2% ; 23,7%) | |
Não concordo | 16,6 | (11,6% ; 23,0%) | |
A consolidação da gestão democrática da escola pública está diretamente relacionada com o modelo político vigente no país | Concordo plenamente | 15,8 | (11,0% ; 22,1%) |
Concordo | 37,0 | (30,0% ; 44,6%) | |
Concordo um pouco | 27,3 | (21,1% ; 34,5%) | |
Não concordo | 20,0 | (14,6% ; 26,8%) | |
Na sua opinião, qual a importância de uma gestão democrática na escola pública? | Importância fundamental | 37,5 | (30,5% ; 45,0%) |
Muito importante | 38,7 | (31,7% ; 46,2%) | |
Importante | 23,8 | (18,0% ; 30,8%) | |
Pouco importante | 0,0 | (0,0% ; 2,2%) | |
Nada importante | 0,0 | (0,0% ; 2,2%) | |
Quanto à forma de nomeação ao cargo de diretor de escola, você defende | Concurso público | 85,7 | (79,6% ; 90,2%) |
Eleição direta pela comunidade escolar | 13,7 | (9,3% ; 19,7%) | |
Indicação pela Secretaria de Educação | 0,6 | (0,1% ; 3,3%) |
Na Tabela 2, apresentam-se os percentuais para cada uma das questões, bem como os intervalos de confiança. Avaliando a tabela, observa-se:
- a grande maioria (63,3%) acha a participação da comunidade muito importante e 34,9%, importante;
- a quase totalidade considera que a participação da comunidade contribui (73,8%) ou ajuda (25,0%);
- 81,7% acreditam que a participação da comunidade é fundamental para a qualidade da educação;
- as opiniões para a questão “A legislação sobre gestão democrática é mais uma tarefa a que o diretor tem de atender” foram dispersas; no entanto, sugerem que o diretor vê a gestão democrática como mais uma demanda burocrática, uma vez que 16,6% não concorda com a afirmação, 17,3% concorda um pouco, 36% diz que concorda e 30,1% concorda plenamente;
- na questão “A consolidação da gestão democrática da escola pública esta diretamente relacionada com o modelo político vigente no país”, as opiniões também foram mais dispersas, com a maior concentração em concordo (37,0%) e concordo um pouco (27,3%);
- 76,2% dos respondentes acham uma gestão democrática na escola pública de fundamental importância (37,5%) ou muito importante (38,7%);
- a grande maioria (85,7%) defende o concurso público como forma de nomeação ao cargo de diretor de escola.
A leitura desses dados remete a uma observação logo de início que é a questão da legislação sobre gestão democrática ser mais uma tarefa que o diretor tem de atender, observe-se que 66,1% dos diretores de escola responderam que concordam ou concordam plenamente. Isso demonstra que não há por parte desse diretor de escola, um princípio democrático próprio, apesar da pesquisa verificar a contradição, pois ao mesmo tempo que esse diretor concebe a gestão democrática como mais uma tarefa a ser atendida, ele crê que é importante a participação da comunidade escolar. Buscou-se nesse questionário justamente essas contradições, pois parece haver um consenso sobre a importância e necessidade da gestão democrática, no entanto, essa democracia aparece ao longo da pesquisa apenas como um instrumento legal e burocrático, sem efetividade nas relações no interior da escola. Fato que fica claro na questão sobre a consolidação da gestão democrática da escola pública estar diretamente relacionada com o modelo político vigente no país, novamente, o diretor busca o entendimento da gestão democrática fora do seu contexto interno, parece estar bastante atento ao que vem de fora e pouco olha para o interior de sua comunidade, para sua realidade. Observe-se que apenas 20% responderam que a consolidação da gestão democrática não esta relacionada com o modelo vigente no pais. Parece ficar evidente que a grande maioria esta atenta ao que ocorre fora da escola e não necessariamente possui um entendimento de sua realidade escolar. O resultado dessa situação parece apontar para uma gestão burocratizada, insegura e sem autonomia.
CONCLUSÃO
Esses são alguns dos resultados que estão sendo analisados nesta pesquisa, também estamos analisando as respostas sobre conselho de escola e participação da comunidade escolar. O que podemos concluir, mesmo que inicialmente, é que o diretor de escola compreende formalmente a importância de uma gestão democrática, no entanto, não consegue implementá-la efetivamente, isso ocorre por circunstâncias políticas e conjunturais mais amplas. O diretor de escola esta inserido em uma ou outra perspectiva política em nível de município, que por sua vez, defende determinadas concepções de democracia e participação, ou seja, estamos constatando, que o diretor de escola ainda mantém um alto grau de dependência das diretrizes legais e governamentais. A participação efetiva depende muito da postura do diretor de escola, fato extremamente complicado, pois a gestão democrática deve ser pensada do ponto de vista de política pública e não da vontade de um indivíduo.
Neste sentido, a pesquisa aponta que o diretor de escola não compreende politicamente o conceito de democracia, o que vem ao encontro da nossa discussão bibliográfica, que aponta o termo democracia como um conceito em disputa ideológica, travada no cerne das concepções filosóficas e sociológicas, como bem observa Coutinho, “disputas existiram e existem ainda hoje em torno do conceito de democracia, cuja definição continua a ser um dos temas mais candentes na batalha de ideias entre as diferentes forças sociais em contraste”. (COUTINHO, 2002, P. 11). Ou como bem escreveu um (a) diretor (a) de escola na pesquisa realizada: “Há necessidade de se rever o conceito de democracia, uma vez que não fomos educados na democracia. Trata-se de um termo vago, confuso para muitas pessoas que confundem democracia com libertinagem”.
REFERÊNCIAS
AGRESTI, Alan. Categorical data analysis. New York: John Wiley & Sons, 1990.
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