O FEDERALISMO BRASILEIRO E A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Resumo: O objetivo deste artigo é discutir os desafios da coordenação federativa nas políticas educacionais brasileiras. Com este intuito, apresenta-se uma síntese da origem e do conceito de federalismo; as características das relações federativas no Brasil; e as nuances do federalismo cooperativo frente à coordenação das políticas educacionais. A partir de levantamento de literatura e análise documental, constata-se que a coordenação federativa no âmbito dos programas educacionais Pnaic e Pacto com os Municípios pela Alfabetização, executados pelos sistemas municipais e estadual na Bahia, nos período de 2013 a 2015 tem se mostrado frágil, diante de um cenário de superposições de políticas educacionais.

Palavras-Chave: Federalismo; Coordenação Federativa; Políticas Públicas Educacionais.


INTRODUÇÃO

O federalismo no Brasil foi instituído juntamente com a República (1889) como forma de preservar a unidade territorial em contraposição à centralização unitária do período colonial e imperial que atravancava o desenvolvimento das bases econômicas e políticas. Desde esse período, em particular com seu assento formal através da Constituição de 1891, o federalismo consiste em um dos balizadores mais importantes do processo político no Brasil e tem influenciado, dentre outros fatores, o desenho das políticas sociais, inclusive as educacionais.

Compreende-se que o sistema federativo está fundado em uma parceria estabelecida por um pacto entre as partes componentes, que formam uma nação unitária, porém, com autonomia e interdependência entre seus membros. Neste escopo, situam-se as relações intergovernamentais, que se caracterizam por meio de diferentes configurações, conforme cada realidade histórica e suas condições econômicas, políticas e sociais.  

A Constituição Federal de 1988 reconhece o Brasil como uma República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal. Ao se estruturar assim, faz-se sob o princípio da cooperação de acordo com os artigos 1º, 18, 23 e 60 (BRASIL, 1988).

Para Abrucio (2005a), o federalismo brasileiro constitui-se como um dos casos mais ricos e complexos entre os sistemas federais existentes. Dessa forma, o federalismo tem suscitado no Brasil o interesse de vários estudos no campo educacional, dentre esses os desenvolvidos por Cury (2006) e Araújo (2013a). Embora tais trabalhos comportem vários temas e interpretações diversas, alguns elementos são comuns, na maioria deles. Grosso modo, os estudos privilegiam a análise do embate entre o governo federal e os entes subnacionais, evidenciando a desigualdade de condições econômicas e de distribuição de competências entre esses. Apesar da importância do foco analítico, esta abordagem não esgota o entendimento sobre o federalismo, nem mesmo conduz, solitariamente, a uma maior compreensão sobre a configuração das relações intergovernamentais na perspectiva federalista.

Logo, torna-se relevante discutir outros elementos menos explorados nos estudos sobre federalismo e educação, a exemplo da coordenação federativa, entendida por Abrucio (2005b) como forma de integração, compartilhamento e decisão conjunta entre os entes federativos no processo de elaboração e execução das políticas educacionais.

Nessa perspectiva, este trabalho de caráter exploratório contempla uma pesquisa bibliográfica e documental e tem o objetivo de discutir os impasses e os desafios da coordenação federativa nas políticas educacionais no Brasil atual. Situa-se, de modo geral, no contexto da reforma do Estado; na convivência de tendências conflituosas no federalismo (cooperação e competição); e nas mudanças nas relações intergovernamentais e seus efeitos no setor da educação.

Para tanto, organiza-se a discussão em torno dos seguintes pontos: breve síntese da origem e do conceito de federalismo; principais características e trajetória das relações federativas no Brasil; o federalismo cooperativo e a coordenação das políticas educacionais; e a coordenação federativa no âmbito de dois programas educacionais executados pelos sistemas públicos de ensino municipais e estadual na Bahia, nos anos 2013 e 2014, a saber, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), do governo federal, e o Pacto com os Municípios pela Alfabetização, do governo do Estado da Bahia.

BREVE SÍNTESE DA ORIGEM E DO CONCEITO DE FEDERALISMO

Remonta o século XVIII o surgimento do termo federalismo para designar a forma de organização implantada nos Estados Unidos, resultante da união territorial do poder das colônias para formar um Estado (EGLER; MATTOS, 2003). Com a vitória na guerra de independência, foi criada uma confederação de Estados livres e independentes, mas logo começaram a se manifestar os problemas relativos à necessidade de certa força do poder central a qual permitisse estabelecer a lei e a ordem, regulasse o comércio, as dívidas e a negociações externas do país. Então, surgiu uma solução conciliatória, pactuada, estabelecida em convenção entre os entes confederados a qual, do ponto de vista da organização política e administrativa, manteria a autonomia das unidades territoriais, ao mesmo tempo em que asseguraria a unidade nacional: federação.

Os Estados federativos e os unitários distinguem-se com relação às formas de distribuição da autoridade política dos Estados nacionais. Lijphart (1999 apud ARRETCHE, 2002, p. 26) define Estados federativos como “[...] forma particular de governo, dividido verticalmente, de tal modo que diferentes níveis de governo têm autoridade sobre a mesma população e território”. Por sua vez, Rodden (2005, p. 17) afirma que “[...] acordos formais e contratos implicam reciprocidade: qualquer que seja o propósito, os envolvidos devem cumprir alguma obrigação mútua”. Já o regime de Estado Unitário, segundo Cury (2006, p. 116), se dá dentro de um governo central, com autoridade exclusiva de um Estado e com jurisdição integral em todo o país, de forma que “[...] não há autonomia das divisões administrativas, assim, estas são diretamente subordinadas à autoridade do poder central mediante delegação”.

Estudos sobre o federalismo dão conta de que, em contextos marcados por pluralidade territorial e diversidade de natureza econômica, étnico-linguística, religiosa etc., o federalismo pode ser visto como a melhor forma de organização para garantir, por meio da distribuição do poder político territorial, as condições necessárias para a construção da unidade e do Estado nacional (ARRETCHE, 2002; OLIVEIRA, 2007; CURY, 2006).

O princípio federativo se apresenta como perspectiva viável para acomodar as divergências existentes, garantir o equilíbrio entre as competências e autonomia dos entes federativos e assegurar a unidade nacional. Dessa forma, o federalismo é constituído de uma divisão do poder territorial entre uma esfera central, que corresponde ao governo federal, e outra descentralizada, que abriga os Estados-membros, para unir e assegurar a formação/organização do Estado nacional.

Entende-se, ainda, que o federalismo pode ser caracterizado como um pacto de um determinado número de unidades territoriais autônomas com vistas a finalidades comuns. Como dito, trata-se de uma organização político-territorial do poder cuja base é sistematizada em dois grupos: entes federados (governos subnacionais) e governo central (União). Os primeiros têm autonomia para gerir questões locais, e o segundo tem a finalidade de representar e fazer valer os interesses de toda a população do país, interna e externamente.

Destarte, a forma federativa de organização do Estado, na sua concepção clássica, é a reunião (união) de Estados/regiões em um espaço nacional, articulados e com seus interesses soldados, através de um “pacto”, que tem como avalista, uma instância superior – o Governo Central ou Federal –, mas com os entes/esferas que dele participam sendo dotados de autonomia nos campos constitucional, político, econômico, tributário etc. (OLIVEIRA, 2007).

A afirmação do ideário federativo como proposta de coalizão de pluralidades autoriza inferir que a aspiração federal no Brasil não é apenas uma simples imitação dos Estados Unidos da América, mas sua razão reside também em atentar para as características sociais, econômicas, políticas e culturais peculiares à realidade brasileira. Para atender a esta necessidade, tomam-se como referência as formas de relações entre os entes federados.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E TRAJETÓRIA DAS RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO FEDERALISMO BRASILEIRO

A discussão sobre as características das relações entre as esferas de governo se constitui em um elemento basilar nos estudos sobre federalismo. Anderson (1960 apud TEDESCHI, 2003, p. 28) define relações intergovernamentais como “um importante contingente de atividades ou interações que tem lugar entre unidades de governo de todo tipo e nível dentro de um sistema federal”.

Cada realidade histórica dá forma a um modelo de federalismo de acordo com suas condições econômicas, políticas, sociais, as quais são modificadas no tempo. Assim, as relações intergovernamentais se caracterizam por meio de diferentes configurações a depender do modelo de federação. Lijphart (2003, p. 18) declara que as variações históricas nos países que adotaram o federalismo concorreram para muitos conceitos, de maneira que é possível identificar três matrizes segundo o nível das relações intergovernamentais entre os entes federados: 

  1. O federalismo dual, modelo original dessa forma de organização elaborada e implementada nos EUA; 
  2. O federalismo centralizado, transformação do modelo dual em que as unidades subnacionais se tornam, praticamente, agentes administrativos do governo central, como no período das medidas de intervenção do New Deal e; 
  3. O federalismo cooperativo, em que as unidades subnacionais e o governo nacional têm ação conjunta e capacidade de autogoverno, como na Alemanha.

O federalismo dual tem por característica elementar uma rígida separação de competências entre a entidade central, representada pela União, e os demais federados. Estas instâncias se constituem soberanias distintas e atuam de forma separada e independente, nas esferas que lhes são próprias, conforme se adota nos Estados Unidos da América. Por sua vez, o federalismo centralizado implica a transformação dos governos estaduais e locais em agentes administrativos do governo federal, que possui forte envolvimento nos assuntos das unidades subnacionais, primazia decisória e de recursos. Finalmente, o federalismo cooperativo, a exemplo do Brasil, comporta graus diversos de intervenção do poder federal e se caracteriza por formas de ação conjunta entre instâncias de governo em que as unidades subnacionais guardam significativa autonomia decisória e capacidade própria de financiamento.

Cury (2006, p. 115) identifica no contexto político brasileiro três tipos distintos em que o federalismo se caracterizou:

  1. O federalismo centrífugo se remete ao fortalecimento do poder do Estado-membro sobre o da União, em que, na relação concentração/difusão do poder, prevalecem relações de larga autonomia dos Estados-membros;
  2. O federalismo centrípeto se inclina ao fortalecimento do poder da União, em que, na relação concentração/difusão do poder, predominam relações de subordinação dentro do Estado Federal;
  3. O federalismo de cooperação busca um equilíbrio de poderes entre a União e os Estados-membros, estabelecendo laço de colaboração na distribuição das múltiplas competências por meio de atividades planejadas e articuladas entre si, objetivando fins comuns.

De acordo com o referido autor (2006), no caso do Brasil, pode-se associar o federalismo centrífugo ao período da Velha República, especialmente entre 1898-1930. Já o modelo de federalismo centrípeto ganha fôlego no Brasil entre os anos 1930 e 1980, embora com acentos diferenciados para os períodos específicos, como o de 1946-1964. Por sua vez, o federalismo cooperativo é o registro jurídico de nossa atual Constituição, conforme os artigos 1º, 18, 23 e 60, em que os entes federados podem exercer seu poder de forma conjunta através da colaboração e gozam de autonomia em determinadas situações.

Percebe-se que os condicionantes de cada período histórico, juntamente com as medidas de ajustamento/aprimoramento do arranjo, diante de várias situações em dadas realidades, dão forma ao modelo de federalismo. No caso brasileiro, segundo Oliveira (2007), a CF/88 cria as condições para a passagem de uma dinâmica de relações intergovernamentais hierárquicas para não-hierárquicas, via modelo de federalismo cooperativo.

O desenho institucional adotado por cada país, no caso do Brasil, o federalismo cooperativo, influencia fortemente a trajetória das políticas públicas. Percebe-se que essa relação tem sido mais evidente com a redemocratização e a descentralização de políticas públicas, período em que a provisão dos serviços públicos e as demandas sociais cresceram e as relações intergovernamentais tornaram-se mais complexas.

FEDERALISMO COOPERATIVO E COORDENAÇÃO FEDERATIVA

Conforme assinalado na seção anterior, o federalismo de cooperação busca um equilíbrio de poderes entre a União e os Estados membros, estabelecendo laço de colaboração na distribuição das múltiplas competências por meio de atividades planejadas e articuladas entre si, objetivando fins comuns.

De acordo com Oliveira (2007), pode-se afirmar que a Constituição Federal do Brasil de 1988 cria as condições para a passagem de uma dinâmica de relações intergovernamentais hierárquicas que prevaleceu no período militar para não-hierárquicas, em que se fazem presentes traços de confronto-competição e de negociação-cooperação. Emerge, por conseguinte, um modelo de federação com uma peculiaridade que singulariza o Brasil de forma marcante no contexto internacional, a qual significa a definição explícita do Município como ente federado no próprio texto constitucional (art. 18 da CF/88).

O modelo cooperativo, assumido no Brasil pela Constituição de 1988, substitui a rivalidade entre as esferas de poder (central e descentralizada) pela colaboração e acentua o espírito de solidariedade para atenuar/corrigir desigualdades inter-regionais, de modo a garantir um melhor equilíbrio federativo (OLIVEIRA, 2007). Destarte, no plano ideal, o referido modelo procura unir as distintas esferas de governo para promover o bem comum coletivo e manter coesa a federação, minimizando as desigualdades entre suas unidades.

Portanto, para alcançar esse modelo federado e cooperativo, a CF/88 instituiu um ordenamento jurídico complexo de repartição de competências e atribuições, dentro de limites expressos, reconhecendo a autonomia dos entes federados, na qual coexistem competências privativas e competências concorrentes entre os entes federados.

Dado o princípio do federalismo cooperativo, a competência concorrente tem papel proeminente na CF/88. Dessa forma, a tendência seria a de um entrosamento entre as competências concorrentes, tendo em vista formas de colaboração na prestação dos serviços à população brasileira.

Diante disso, no plano da educação, o art. 211 da Constituição Federal, no seu § 4º prevê que, na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, no seu art. 8º, determina, entre outras ações, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino.

O principal limite para a operacionalização desse desenho constitucional pautado na cooperação recíproca entre os entes federados, apontado por Cury (2006), advém da omissão de nossos parlamentares em não terem ainda elaborado a legislação complementar, exigida pela Constituição em seu parágrafo único do artigo 23: “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem estar em âmbito nacional”.

A partir da década de 1990, na contramão do princípio de cooperação entre os entes federados, ganha força, com a reforma do Estado, uma nova perspectiva nos moldes das relações intergovernamentais: o movimento de descentralização das políticas públicas, como meio de aumentar a concorrência entre as esferas governamentais.

Assim, esse período foi marcado pela focalização e intensificação de ações voltadas à reformulação da educação, principalmente nos aspectos financeiros, com a instituição da política de fundos, incentivando novos arranjos federativos nas responsabilidades assumidas pelas diferentes esferas governamentais no provimento da educação básica.

Com isso, a questão do novo padrão a ser buscado nas relações entre União e Estados foi marcada pelas tentativas de re-enquadramento destes pelo poder central. Então, muda expressivamente a correlação de forças entre governo federal, Estado e Municípios. Reforma do aparato estatal e integração competitiva na ordem econômica internacional globalizada passam a ser palavras de ordem, afetando consideravelmente o formato das relações intergovernamentais.

Nessa mesma tônica contudo, já na segunda década do século XXI, buscaram-se outras formas de regramento do regime de colaboração a exemplo do Arranjo de Desenvolvimento da Educação (Resolução CNE n. 01 de 23 de janeiro de 2012), com o objetivo de aproximar os entes políticos, visando a um projeto regionalizado de incremento da educação. Estes arranjos possuem uma forte característica intermunicipal, logo, horizontal, e contam com a participação do Estado, da União e de instituições privadas, configurados normalmente no modelo de consórcios.

Para Araújo (2013b), essas ações e proposições, apesar de bem intencionadas, estão muito distantes dos princípios de equalização, enquanto equilíbrio de forças entre os entes federados, e não sanam a falta de regulamentação do regime de colaboração, em conformidade com a legislação brasileira.

Passadas algumas décadas dos anos 90 o que se percebe é que ainda não se torna nítido o atual desenho institucional de relações intergovernamentais no contexto do federalismo brasileiro. O que se constata com clareza, por outro lado, é a ausência de mecanismos cooperativos mais eficazes nas relações entre os entes federados.

Qualquer que seja o modelo de relações federativas é de comum acordo entre estudiosos sobre federalismo (ABRUCIO e FRANZESE 2008; ARRETCHE, 2002) a relevância da influência das estruturas federativas sobre as políticas públicas, compreendidas, segundo Höfling (2001), como as de responsabilidade do Estado quanto à implementação e à manutenção a partir de um processo de tomada de decisões.

Em se tratando das políticas públicas educacionais, espécie de políticas públicas, a concentração de autoridade no governo federal caracteriza as relações federativas na gestão das políticas, pois à União cabe o papel de principal financiador, bem como o de normatização e o de coordenação das relações intergovernamentais. Todavia, na prática, a ausência de mecanismos de coordenação política nas relações dos três entes federativos prejudica as relações de cooperação.

A coordenação federativa é essencial, em qualquer federação, para garantir a necessária interdependência entre governos, que, por natureza constitucional, são autônomos. Tomando como base as características da federação, conclui-se que o melhor desempenho das políticas públicas em um Estado federal depende da capacidade de instaurar mecanismos de controle mútuo e de coordenação entre os níveis de governo.

A COORDENAÇÃO FEDERATIVA NO ÂMBITO DE DOIS PROGRAMAS EDUCACIONAIS

No caso do federalismo brasileiro, a autonomia dos entes federativos aliada a um vasto rol de competências compartilhadas possibilita que União, Estados e Municípios se omitam diante de uma questão e a população permaneça sem uma ação governamental. Dessa forma, tem-se um processo de responsabilização difusa, que permite que cada esfera de governo culpe a outra pelo problema, sem que qualquer ação efetiva seja adotada.

Outra possibilidade é que as diferentes esferas de governo efetivem, ao mesmo tempo, iniciativas de políticas públicas sem qualquer integração. Esta prática faz com que os recursos públicos de cada ente sejam aplicados isoladamente, atacando de maneira sobreposta praticamente os mesmos problemas. Com isso, perde-se uma oportunidade de potencializar recursos que são escassos e de articular ações de maneira a gerar melhores resultados. Nesse cenário, os problemas de coordenação tendem a se tornar mais difíceis, ocasionando superposição de competências e competição entre os diferentes níveis de governo.

Considerando esse debate, apresenta-se a seguir, de forma sucinta, um quadro contendo informações gerais de dois programas educacionais destinados à melhoria do processo de alfabetização de crianças, nos sistemas públicos de ensino municipais e estadual na Bahia, no período de 2013 a 2015, com a finalidade de ilustrar uma situação de ausência de coordenação das políticas educacionais. Os programas são: o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), no âmbito da União, sob orientação do Ministério da Educação (MEC), e o Pacto com os Municípios pela Alfabetização, na esfera estadual, sob a responsabilidade da Secretaria de Educação do Estado da Bahia.

Quadro 1 – Características gerais dos programas educacionais PNAIC e Pacto com os Municípios pela Alfabetização, destinados à melhoria do processo de alfabetização de crianças nos sistemas públicos de ensino municipais e estadual na Bahia, 2013-2015
Fonte: Elaboração própria a partir de informações extraídas da Portaria MEC n. 867, de 4 de julho de 2012 que institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa; do Decreto do Governo do Estado da Bahia n. 12792 de 28 de abril de 2011 que institui o Programa Estadual Pacto pela Educação; e do site institucional da Secretaria de Educação do Estado da Bahia http://municipios.educacao.ba.gov.br/pacto.
Questões

PNAIC

Pacto com Municípios pela Alfabetização

O que é?

Compromisso entre o Ministério da Educação (MEC) e as secretarias estaduais, distrital e municipais de educação para alfabetizar as crianças com até, no máximo, oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental.

Parceria do Estado com os Municípios baianos para melhorar a educação básica nas escolas públicas estaduais e municipais da Bahia com foco na alfabetização de crianças com até 8 anos de idade.

Quando foi instituído?

Em 2012, com a Portaria MEC n. 867, de 04 de julho.

Em 2011, com o Decreto Estadual n. 12.792, de 28 de abril (Pacto Estadual).

Em que contexto surgiu?

Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação/Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007. O art. 2º, inc. II, deste documento prevê a alfabetização de crianças com até, no máximo, oito anos de idade. O Programa buscou inspiração no Programa de Alfabetização na Idade Certa do Estado do Ceará, iniciado em 2007.

Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação/Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007. O Programa buscou referências na experiência do Programa de Alfabetização na Idade Certa do Estado do Ceará.

 

Qual é o objetivo?

O art. 1º, inciso I, da Portaria MEC n. 867/12 estabelece como objetivo alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, ao final do 3º ano do ensino fundamental, garantindo que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino estejam alfabetizados, em Língua Portuguesa e em Matemática.

O art. 2º do Decreto Estadual n. 12.792/11 apresenta, como primeira diretriz, a alfabetização da totalidade dos estudantes até os 08 (oito) anos de idade, com pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo.

Quais as principais ações?

Formação continuada de professores alfabetizadores, materiais didáticos e tecnologias educacionais; avaliação; gestão, controle e mobilização social.

Formação continuada de professores e coordenadores; distribuição de materiais didáticos, acompanhamento pedagógico e avaliação.

Qual é o público alvo das ações?

Professores alfabetizadores e professores orientadores.

Professores alfabetizadores e professores formadores municipais.

Ainda que se reconheçam os limites de uma análise breve e não exaustiva de determinado fenômeno, não é difícil observar, a partir das principais características dos programas PNAIC e Pacto com os Municípios pela Alfabetização, elencadas no quadro I, um cenário de superposições e, principalmente, fragmentação das políticas educacionais. Com objetivos, estratégias, focos e contextos semelhantes, além de abrangência territorial comum, os programas foram desenhados e instituídos por níveis diferentes de governos de maneira desarticulada, com o intuito de atacar os mesmos problemas.

Outro elemento que se pode apreender com as evidências apresentadas diz respeito ao papel destinado aos Estados no arranjo federativo brasileiro. O que se percebe no esboço desse arranjo é que a esfera estadual apresenta dificuldades em termos de uma participação mais efetiva no processo de planejamento e coordenação de políticas educacionais destinadas aos Municípios do seu território. Esta constatação se coaduna com os estudos de Abrúcio (2005a) e Aristides Neto (2014) sobre a perda de importância relativa dos governos estaduais na federação brasileira, ou melhor, com a situação de maior fragilidade do governo estadual no quadro federativo brasileiro, resultando no estreitamento de suas capacidades de orientar e coordenar o desenvolvimento em seus territórios.

Portanto, a coordenação federativa permeada de diálogo integrado e constante entre as esferas de governo se constitui possibilidade para evitar não somente a implementação de políticas públicas desarticuladas como também uma postura meramente executora por parte dos Estados e Municípios, diante de decisões tomadas em nível federal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das discussões, conclui-se que a construção de uma estrutura federativa forte, baseada na autonomia e interdependência de seus membros depende, dentre outros fatores, de uma efetiva parceria entre os integrantes no pacto federativo, a fim de soldarem ações capazes de enfrentar as profundas desigualdades sociais e regionais, como é o caso do Brasil.

As relações intergovernamentais no âmbito do federalismo brasileiro revestem-se de particular complexidade, uma vez que tanto a União como os Estados e os Municípios são entes federados com autonomia relativa, pois atuam de acordo com interesses e prioridades específicas. Consequentemente, as políticas que necessitam de ações articuladas das diferentes instâncias administrativas podem alimentar comportamentos não cooperativos.

Em que pesem as limitações intrínsecas a este trabalho em relação à impossibilidade de esgotar todo o assunto e a breve análise ilustrativa de dois projetos educacionais, verifica-se que o sistema de coordenação das políticas educacionais entre entes federativos tem se mostrado frágil. Nesse contexto, cabe indagar se existe, como prática constante, o esforço de formulação de estratégias comuns e significativas para o desenvolvimento das políticas, ou se os governos estaduais apenas adaptam suas políticas aos estímulos emitidos pelas políticas federais. O nível intermediário de governo, ou seja, os Estados, por sua dimensão político-institucional, poderia ter um papel mais relevante para a agenda de desenvolvimento educacional territorial do que o observado no presente trabalho.

Os novos rumos do federalismo brasileiro não foram suficientes para combater os principais entraves do complexo marco institucional em que se processam as relações intergovernamentais no Brasil, na atualidade, o que reforça os desafios e as tensões para o enfrentamento de velhos problemas, como o da coordenação das políticas públicas, especialmente as educacionais.

Um melhor desempenho das políticas educacionais em um Estado federal depende da capacidade de se instaurarem mecanismos de controle mútuo e de coordenação entre os níveis de governo. Os princípios de autonomia e de interdependência, bem como as noções de controle mútuo e de coordenação intergovernamental se constituem garantia na prestação de serviços de bem-estar social à população.

Assim, o grande desafio da atual agenda federativa brasileira, no setor da educação, consiste na construção de mecanismos institucionais de coordenação e cooperação que incluam Estados e Municípios não apenas na operação dessas políticas, mas na elaboração de proposições que sejam mais equitativas em relação à distribuição de responsabilidades e competências educacionais.

Esta proposição pode ser alcançada com a instituição de arenas de discussão, negociação e deliberação entre os entes federados, preservando-se a autonomia dos mesmos, de forma a construir um equilíbrio de forças baseado no diálogo e na busca de consensos possíveis. As discussões atuais em torno da configuração de um sistema nacional de educação a ser implantado até junho do presente ano, conforme estabelece o Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, talvez possam conduzir a elaboração de estratégias consistentes de modo a equacionar ou minimizar esses impasses e dilemas.

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