ELEMENTOS TAYLORISTAS NA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROFESSORES DA REDE ESTADUAL PAULISTA
Resumo: O artigo busca identificar e analisar as intersecções contidas entre os princípios da gerência científica de Taylor e três programas da Secretaria de Educação da rede estadual paulista. A análise permitiu afirmar que as principais noções tayloristas estão contidos na iniciativa da SEE (Programa Qualidade na Escola, Bonificação por Resultados e o São Paulo faz escola) quando analisados de maneira ampla e articulada. Os principais elementos interseccionados foram: controle sobre trabalho docente, planejamento externo da prática do professor (o que fazer e em quanto tempo), metas que orientam o trabalho, gradativo processo de separação entre a concepção e a execução e a utilização da gratificação como forma de incentivo à eficiência.
Palavras-chave: trabalho docente; política de bônus; taylorismo
Nesse artigo analisa-se, a partir de diversos programas da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, elementos tayloristas contidos na organização do trabalho docente de professores da rede estadual paulista. Busca-se compreender intersecções entre as ações que permeiam a gestão dos professores e os princípios organizados por meio da gerência científica de Taylor. A necessidade de reformas constituem, entre outros, um movimento necessário ao capital tanto para sua expansão como para a reprodução de suas bases. São acionados, nesse sentido, mecanismos que buscam ajustar as relações entre os diversos aparelhos aos imperativos estruturais necessários à sua expansão. Conforme Mészáros (2011), o Estado é um pré-requisito para o funcionamento contínuo do capital tanto em seu microcosmo como nas interações das unidades que o compõe, de modo que esta lógica afeta o conjunto deste intercâmbio.
Por sua estreita relação com a formação da força de trabalho a educação tem submetida sua função social à prerrogativas do capital humano. (FRIGOTTO, 2010a, 2010b, FREITAS, 2014) Consequentemente, os processos escolares são reorganizados a partir da subsunção à razão econômica de maneira que a instituição só ganha algum sentido quando é colocada a serviço das empresas e da economia. (LAVAL, 2004) É a partir desta relação e do argumento de que a escola aproxima-se cada vez mais do processo de acumulação (HIPOLYTO, 2011) que se buscou analisar os pressupostos tayloristas que ora permanecem na organização do trabalho dos professores da rede estadual paulista.
A organização do trabalho docente e o taylorismo: pontos de intersecção
O controle sobre o trabalho se origina basicamente da necessidade em gerir a latente contradição entre o trabalho e o capital. A racionalidade econômica predominante do sistema do capital opera objetivamente sobre a gestão do trabalho desenvolvendo formas cada vez mais sofisticadas de regulações, já que:
Do ponto de vista do capitalista, esta potencialidade multilateral dos seres humanos na sociedade é a base sobre a qual efetua-se a ampliação do seu capital. Ele, portanto, empreende todos os meios de aumentar a produção da força de trabalho que comprou quando a põe em ação. Os meios que ele utiliza podem variar desde o obrigar o trabalhador a jornada mais longa possível, como era comum nos inícios do capitalismo, até a utilização dos mais produtivos instrumentos de trabalho e a maior intensidade deste. (BRAVERMAN, 1974, p. 58 grifos meus)
Entretanto, o capitalista ao comprar o tempo de trabalho deposita sua projeção de produção em uma suposta potencialidade da força de trabalho de modo que essa qualidade humana torna-se tanto sua possibilidade de produção como seu maior problema. A situação se apresenta antagônica, uma vez que o trabalhador torna-se obrigado a vender sua força de trabalho a outro e, deste modo, entrega, ao mesmo tempo, seu interesse, sua vontade, deslocando o controle do trabalho ao capitalista.
Torna-se portanto fundamental para o capitalista que o controle sobre o processo de trabalho passe das mãos do trabalhador para as suas próprias. Essa transição apresenta-se na história como a alienação progressiva dos processos de produção do trabalhador; para o capitalista, apresenta-se como o problema da gerência. (IBDEM, p. 59, grifos do autor)
A gerência, portanto, relaciona-se ao controle do trabalho que se volta à produção, todavia, não é intuito aprofundar o debate sobre os pressupostos da organização do trabalho baseado no taylorismo (gerência científica) e fordismo uma vez que há diversos autores que o abordam. (ANTUNES, 2009, 2008; BRAVERMAN, 1974; HARVEY, 1992; HELOANI, 2006; CARVALHO, 2009) Porém, ao longo do texto relacionou-se os princípios desta forma de organização do trabalho – especificamente o taylorismo – aos programas que conformam a gestão do trabalho dos professores da rede estadual paulista.
Brevemente, pode-se destacar que o taylorismo/fordismo constitui-se
fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-mas-sa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. (ANTUNES, 2008, p. 24. grifo do autor)
Ao se comparar o processo de trabalho artesanal, até então predominante, aos novos princípios de Taylor e Ford, se observa uma mudança fundamental: o aprofundamento e a sistematização da cisão entre o pensar e o fazer, ou seja, a divisão do trabalho. Essa mudança possibilitou ao capitalista a apropriação dos saberes dos operários aprofundando a especialização e, consequentemente, a fragmentação do trabalho. O taylorismo (gerência científica), ascende não com propósitos universais para a prosperidade de todos como afirmava Taylor mas, sobretudo, para atender ao interesse do capitalista, pois esta “ciência” busca conhecer não o trabalho em geral, mas a sua conformação às necessidades do capital. (BRAVERMAN, 1974)
A gerência científica representou a forma mais avançada de racionalização do processo de trabalho por longas décadas (ANTUNES, 2009) e ao mesmo tempo em que se pregava a produção em massa defendia-se o consumo em massa que permitiu, para além do aspecto técnico da organização do trabalho, “(...) um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista.” (HARVEY, 1992, p. 121) Os pressupostos da gerência científica inspiraram regulações que transcenderam os muros da fábrica e confirmaram a defesa de Taylor (1985) quando apontava que seu método poderia ser aplicado a todas as classes de trabalho.
A proximidade das políticas educacionais aos pressupostos da razão econômica determinaram a orientação do rumo das reformas educativas no que refere-se à organização do trabalho. Mesmo considerando a crise do modelo de acumulação taylorista/fordista é permitido identificar elementos oriundos desta forma de organização do trabalho na gestão dos professores da rede estadual. Diversos estudos (BARBOSA, 2011; FERNANDES, 2008; RIBEIRO, 2008; RODRIGUES, 2010, 2011; SOUZA, 1999) apontam que a organização do trabalho dos professores da rede estadual paulista adota contornos da perspectiva gerencial. A partir da gerência científica (TAYLOR, 1985) foram relacionados os princípios da obra aos pressupostos que fundamentam alguns programas da SEE – Secretaria de Estado da Educação de São Paulo que, direta ou indiretamente, indicam intersecções, semelhanças e proximidade.
Rodrigues (2010) aponta que as iniciativas da SEE desenhadas a partir de 2007 parecem indicar que os mecanismos de controle e avaliação sobre o trabalho docente foram alinhavados de maneira que a sua sistematização, intensidade e articulação aprofundaram-se resultando em modificações consideráveis para a vida dos professores. A análise destaca alguns pressupostos da gerência científica relacionando, em seguida, aos indícios encontrados nos programas da SEE. Embora a obra de Taylor seja amplamente reconhecida, Braverman (1974) destaca que o autor não criou algo inédito para o período, mas sintetizou uma tendência pré-existente sistematizando de maneira coerente às diversas produções e experiências da época. Ainda conforme o autor 3 princípios são centrais na gerência científica:
- dissociação do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores, ou seja, o processo de trabalho deve se organizar de maneira independente do conhecimento do trabalhador. Isso significa que a gerência científica deve centralizar as informações relativas a melhor forma de desenvolvimento do trabalho;
- separação de execução e concepção, isto é, a organização do trabalho estaria assentada na premissa de que determinados setores planejam (gerência) e outros executam (trabalhadores);
- planejamento prévio pormenorizado de todos os elementos que compõem o processo de trabalho como forma de controle racional; noção de tarefa, uma vez que o trabalho é inteiramente planejado pela gerência restando ao trabalhador a consecução, no tempo estipulado, das atividades previstas.
No entanto, a partir da centralidade dos princípios apontados pelo autor, outros elementos se desdobram como fatores essenciais à gerência e ao controle da força de trabalho objetivando a maior produtividade. Segundo Heloani (2006) destacam-se a relação formal de reciprocidade entre o capital e o trabalho; o discurso de prosperidade assentado na cooperação de classe buscando, ambos, a maior produção com a melhor eficiência; a mudança de atitude dos trabalhadores; a aplicação de estímulos financeiros e outras premiações para sugestões e métodos mais eficientes e a modelização da subjetividade.
Os programas da SEE foram analisados individualmente sendo que ao final buscou-se apontar a articulação das iniciativas e a relação aos pressupostos da gerência científica.
Programa de Qualidade da Escola – PQE; Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo – IDESP (Resolução SE 74 2008) e o Comitê Central de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional (Resolução SE 42 2009);
O Programa de Qualidade da Escola (SÃO PAULO, 2013), lançado em maio de 2008, avalia as escolas anualmente com intuito de verificar a qualidade do serviço oferecido ao mesmo tempo em que propõe metas anuais, no sentido de se aprimorar a qualificação do ensino. A partir do IDESP, que se configura como um indicador que mede a qualidade da escola o programa se propõe a apoiar a equipe pedagógica e permitir aos pais e comunidade a evolução da escola pública paulista (IBDEM, 2013).
O IDESP constitui um dos parâmetros para a determinação de valores para a Bonificação por Resultados (BR) que professores recebem anualmente. O IDESP é um indicador que se propõe avaliar a qualidade do ensino oferecido pela escola e é composto por dois critérios: o Índice de Desempenho (ID) dos alunos em avaliações externas (SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) que verifica o quanto aprenderam e o Indicador de Fluxo (IF), que representa em quanto tempo aprenderam. Já o Comitê Central de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional (2009) parece ocupar o papel da “burocracia gerencial” uma vez que centraliza as informações e estipula regras, normas e diretrizes que o professorado, de modo geral, devem seguir.
Não é recente a tentativa de se mensurar fenômenos essencialmente humanos. A sociologia positivista e os métodos oriundos desta perspectiva foram pioneiros na utilização da medida para compreender as relações humanas (CHAUÍ, 2011). A contabilidade taylorista funda-se nesta perspectiva ao enquadrar a força de trabalho mensurando racionalmente os movimentos segundo a necessidade de maior e melhor produção, o que por sua vez, imprime uma lógica que se materializa em um conjunto de regras e elementos externa e previamente elaborados com a determinação expressa tanto da quantidade como do tempo a ser produzido. Como afirma Taylor (1985, p. 28) “a administração é uma verdadeira ciência, regida por normas, princípios e leis claramente definidos, tal como uma instituição.” De maneira semelhante o PQE defende que avaliará
(…) cada escola estadual paulista de maneira objetiva, a fim de acompanhar a qualidade do serviço educacional prestado, e propõe metas para o aprimoramento da qualidade do ensino que oferecem, a partir do IDESP (…). Nesta avaliação, considera–se que uma boa escola é aquela em que a maior parte dos alunos apreende as competências e habilidades requeridas para a sua série/ano, num período de tempo ideal – o ano letivo. (SÃO PAULO, 2013, p. 1, grifo meu)
Pode-se observar acima alguns elementos da gerência científica manifestados tanto por meio da externalidade das metas impostas às escolas como a determinação do tempo de execução indicado pelo “período de tempo ideal”. A imposição de metas externas corresponde a existência de um corpo de “especialistas” também externos à escola que, baseados em determinadas informações racionais, elaboram e prescrevem o que e em quanto tempo os professores devem executar a ação, ou na compreensão de Taylor, a tarefa.
Outro desdobramento do PQE para a organização do trabalho do professorado aloca-se na perspectiva meritocrática ao mensurar o suposto desempenho do professor (pelo resultado do IDESP) e criar um ranqueamento dos melhores. Parece que o princípio em se estipular um índice que pode ser individualizado, passível de ser comparado, medido temporalmente e transformado em base para a política de bonificação por desempenho, como é o IDESP, assemelha-se ao indicativo da gerência que busca provocar a melhor iniciativa do trabalhador a partir de estímulo individual.
Bonificação por Resultados – BR (LC 1.078/2008)
A partir do resultado da unidade escolar na avaliação externa (SARESP) e a geração de um índice (IDESP) os professores se credenciam ao recebimento da Bonificação por Resultado, o conhecido bônus. A lei seguindo sua lógica baseada na competitividade foi instituída visando a melhoria contínua e o aprimoramento da qualidade do ensino público do Estado de São Paulo. Para efeito da aplicação da BR, são considerados dois fatores: as metas, que sugerem o valor a ser alcançado em cada um dos indicadores e o índice de cumprimento de metas, que se referencia como a relação percentual estabelecida entre o valor que foi alcançado no processo de avaliação e a meta fixada previamente. A BR será paga segundo a proporção direta entre o índice cumprido pelo professor ao longo do ano letivo e a meta estabelecida pela SEE durante o período de avaliação dos resultados.
Embora a gestão atual adote contornos híbridos no que diz respeito à organização do trabalho é possível observar a intersecção, neste caso, entre a gestão atual e os pressupostos da gerência científica. Conforme Taylor (1985, 47)
(...) para provocar a iniciativa do trabalhador, o diretor deve fornecer-lhes incentivo especial, além do que é dado comumente no ofício. Esse incentivo pode ser concedido de diferentes modos, como, por exemplo, (…) salários mais elevados (…) ou por prêmio, ou por gratificações de qualquer espécie a trabalho perfeito e rápido; (…).
Chama a atenção que tanto a gerência científica de Taylor com sua política de incentivos como a BR estão subordinados como elementos integrantes de um processo gerencial mais amplo, ou seja, são elementos que incorporam sentido adequado somente quando articulados a outros mecanismos da organização de trabalho. Nesse sentido, parece que na iniciativa do “bônus”, como é conhecido entre os professores, estão implícitas três “ideias” da gerência científica: a de tarefa, a de incentivo atrelada à tarefa e, por fim, a divisão do trabalho entre a gerência e os trabalhadores.
Para Taylor (1985) a ideia de tarefa, como ele a denomina, é o elemento mais importante da gerência científica uma vez que o trabalho a ser realizado é minuciosamente planejado por uma direção e, geralmente, cada indivíduo recebe as instruções completas contendo a forma de realizá-la, os meios a serem utilizados e o tempo de execução. Como forma de incentivo o trabalhador que atingir os objetivos é laureado via premiações além de seu salário normal. Explicita-se o processo de divisão do trabalho entre a gerência e os trabalhadores.
Traçar um paralelo entre a “racionalização” das formas de organização do trabalho específicas do mundo industrial e o trabalho docente exige certas considerações. A compreensão do processo de trabalho docente tornar-se-á precária caso a opção metodológica e conceitual apenas deslocar de forma mecânica os conceitos oriundos da análise da força de trabalho operária. Coerentemente, concordamos com Jáen (1991) quando afirma que é preciso abordar a problemática da racionalização das profissões considerando, por um lado, as especificidades que há entre cada uma delas e, de outro, “(...) que o controle dos trabalhadores pode variar não só em função dos modos como é exercido (tal como se pode admitir entre os teóricos da proletarização) mas que também há formas distintas de controle vinculadas especificamente aos tipos de decisões controladas pela administração.” (IDEM, p. 77)
Nesse sentido, a intenção é apontar as semelhanças específicas entre a gerência científica de Taylor e as características que dão forma legal à organização do trabalho dos professores da rede estadual segundo o conjunto normativo pesquisado (LC, resoluções, programas da SEE). Com relação às três ideias que se relacionam (de tarefa, de incentivo atrelada à tarefa e, por fim, a divisão do trabalho entre a gerência e os trabalhadores), os trechos selecionados são ilustrativos:
Artigo 1º - Fica instituída, nos termos desta lei complementar, Bonificação por Resultados - BR, a ser paga aos servidores em efetivo exercício na Secretaria da Educação, decorrente do cumprimento de metas previamente estabelecidas, (...). Artigo 6º - Os indicadores globais e seus critérios de apuração e avaliação, bem como as metas de toda a Secretaria da Educação, serão definidos mediante proposta do Secretário da Educação, por comissão intersecretarial, a ser constituída em decreto, (…). Artigo 9º - § 2º - Os servidores de unidades de ensino ou administrativas cujo índice de cumprimento de metas específicas for superior às metas definidas poderão receber um adicional de até 20% (vinte por cento) do valor da Bonificação por Resultados - BR, (...). (SÃO PAULO, 2008, grifo meu)
A ideia de tarefa apresenta-se no Artigo 1º quando afirma que o professor receberá o “bônus” mediante o cumprimento de metas previamente elaboradas. Desse modo, tanto o tempo (ano letivo) como o produto são previamente prescritos (currículo) por instâncias centrais, por “especialistas”. De acordo com Taylor (1985) a administração deve planejar aquilo que será executado pelos trabalhadores com orientações preparatórias oriundas da direção cujo objetivo é a consecução de um trabalho melhor e mais rápido.
Observa-se, no Artigo 6º a clara separação entre a responsabilidade pelo planejamento e a posterior execução das atividades. Por fim, no Artigo 9º, é reforçada a ideia de tarefa associada ao incentivo (uma das principais ações da gerência científica) uma vez que ao professor que atingir a meta lhe é destinado uma gratificação a mais de 20%.
Programa São Paulo Faz Escola – SPfe
A implantação do projeto SPfe justifica-se, segundo a SEE, pela necessidade de melhorar a qualidade do ensino público obedecendo estudos realizados e indicadores apresentados pelos resultados do SARESP. Segundo tais critérios o projeto Spfe tem seu direcionamento voltado para os anos iniciais e finais do ensino fundamental e ensino médioEmbora apenas os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio recebam o Caderno do Professor e do Aluno. Para os anos inciais o projeto elaborou as Expectativas de Aprendizagem e o Programa Ler e Escrever. e tem como objetivos implantar o currículo oficial do Estado de São Paulo unificando sua base. Segundo o sítiowww.saopaulofazescola.sp.gov.br e/ou www.educacao.sp.gov.br. Interessante ressaltar que há dois sítios da SEE com o nome do projeto no qual podemos observar informações variadas. a iniciativa estrutura-se em três frentes: Currículo, Avaliação e Expectativas de Aprendizagem. Entre suas publicações há vários cadernos cuja finalidade é a orientação ao corpo docente nas aulas a serem ministradas pelos professores dos anos finais dos ensinos fundamental e médio.
Esse conjunto de proposições integra o Caderno do Professor e constitui um dos principais eixos deste projeto. Estudos apontam que, entre as várias repercussões para o trabalho docente, o currículo relaciona-se diretamente à questão da autonomia do professor, pois a política dos reformadores educacionais aponta para um perfil técnico à profissão, de sujeito das ações a objeto das mesmas (DIAS DA-SILVA, 2002). Várias aproximações entre a iniciativa da SEE e a gerência científica podem ser destacadas: padronização do processo (unificação curricular); separação entre o planejamento e a execução (prescrição, por especialistas, do conteúdo a ser abordado em sala de aula) e a ideia de tarefa articulada à produtividade e eficiência (melhores desempenhos premiados).
A análise ampla da reforma na rede estadual paulista permite captar a essência da ação, já que o planejamento curricular diz respeito não somente aos pressupostos daquilo que se quer formar, ou em outras palavras, das características que a futura força de trabalho terá. Mas é utilizado também como mecanismo de controle – disciplinador – das ações docentes em sala de aula. Ao adotar a unificação do currículo e assumir que o Caderno do Professor terá como função a orientação da atividade docente a SEE toma como prerrogativa a noção de padronização dos processos, um dos pilares da gerência científica. A noção tem como objetivo a maior produtividade com o menor custo possível. Segundo Taylor (1985, p. 82, grifo meu) a aceleração do trabalho é obtida mediante a “(...) padronização obrigatória dos métodos, adoção obrigatória dos melhores instrumentos e condições de trabalho e cooperação obrigatórias. E esta atribuição de impor padrões e forçar a cooperação compete exclusivamente à gerência.”
Outro aspecto que não poderia ficar de lado se tratando do currículo sob a ótica da gerência científica é a noção de tarefa. Mesmo citado nos eixos anteriores, em relação ao currículo tal noção aparece de forma mais clara. Pode-se afirmar que a ideia de tarefa evidencia-se na articulação entre a meta a ser atingida (critério para o pagamento do “bônus”) e o conteúdo a ser desenvolvido (SPfe). A relação determina o tempo de execução (ano letivo) o “quê e o como fazer” (currículo). A organização do trabalho desenvolvida pela SEE, contradizendo à ideia predominante de trabalho coletivo nos espaços escolares, aponta para um processo individualizante. O pressuposto curricular é verificado através do desempenho dos estudantes no SARESP, que por sua vez, produz um índice – o IDESP – que credencia, ou não, a unidade escolar (etapas avaliadas 5º, 9º do EF e 3º EM) a receber o bônus. O mais eficientes serão premiados e os menos eficientes, punidos.
A organização do trabalho na rede estadual paulista: o controle a partir da articulação dos diversos programas
Na perspectiva do capital humano a educação tornou-se elemento central para maximizar os supostos ganhos de produtividade. O professor, na relação com as reformas educativas, tanto é protagonista, ocupando a função central de formação da futura força de trabalho e como obstáculo, resistindo aos objetivos previstos e prescritos pelas reformas. (SHIROMA, 2007) A saída, portanto, é aprofundar os mecanismos gerenciais de controle sobre o processo educacional e, certamente, sobre o trabalho do professor. Não é sem razão que o Banco Mundial defende para as políticas educacionais mais clareza nos objetivos e maior monitoramento de insumos e resultados enfatizando, principalmente, que as ações se orientem por uma gestão por resultados (LAUGLO, 1997).
Segundo Braverman (1974), Taylor aprofundou os processos de controle quando instituiu para a gerência a responsabilidade na imposição ao trabalhador da maneira como o trabalho deve ser executado. Com base na análise é permitido afirmar que a articulação dos programas da Secretaria citados operam como mecanismos de controle sobre o trabalho do professor na mais clara relação com os inúmeros elementos que compõem os pressupostos da gerência científica taylorista. O quadro ilustrativo abaixo destaca algumas aproximações entre determinados programas desenvolvidos pela SEE e às iniciativas da gerência científica:
APROXIMAÇÕES ENTRE OS PROGRAMAS DA SEE E A GERÊNCIA CIENTÍFICA | |
Programas da SEE |
Princípios da administração científica |
Programa de Qualidade da Educação/IDESP |
Enquadramento do trabalho para uma lógica que se volta para o eficienticismo, controle através da mensuração individual do trabalho, planejamento externo da prática do trabalhador (noção de tarefa), criação de metas que orientam o trabalho. |
Comitê Central de Informação, Monitoramento e Avaliação Educacional |
Organização de um centro gerencial encarregado do planejamento pormenorizado do trabalho. |
São Paulo faz escola |
|
Bonificação por Resultados |
A gratificação subordina-se aos pressupostos mais amplos da gerência científica, ou seja, à tarefa e ao planejamento efetuado pela gerência, evitando utilizá-la de maneira isolada. |
É certo que o conjunto de ações colocadas em prática pela SEE atualmente incorporam elementos gerenciais de outras matizes, porém, o quadro esboça somente a intersecção conceitual a partir do taylorismo. Os diversos programas articulados buscam estabelecer, minimamente, o controle sobre os processos de trabalho do professorado com o objetivo de configurar suas ações a partir de uma lógica racional, produtivista e voltada aos resultados. Logo, as possibilidades de decisão sobre suas ações no trabalho são gradativamente diluídas mediante o advento, na mesma proporção, dos efeitos e objetivos da gerência.
Como consequência, esse trabalhador precisa sofrer uma modelização de sua individualidade e adaptá-la para a assimilação das vantagens da cooperação recíproca entre trabalhador e administração. Dessa forma Taylor esboça um ensaio de modelização do inconsciente, ou seja, penetrar na esfera da subjetividade do trabalhador para reconstruir a sua percepção segundo os interesses do capital. (HELOANI, 2006, p. 20)
As ações articuladas cumprem bem este papel. Por mais que os professores muitas vezes não assumam uma mudança de comportamento estudos apontam (RODRIGUES, 2010; RAVITCH, 2011; CASASSUS, 2007; DARLING-HAMMOND E ASCHER, 2006) que a organização do trabalho propagada pelas reformas educativas alteram a organização do trabalho do professor.
Considerações finais
O profundo controle sobre o processo de trabalho proporcionado pelo taylorismo opera de forma coerente à grande parte das atuais políticas educacionais. A administração científica, portanto, se debruça no problema da maximização da produtividade do trabalhador considerando a manutenção do tempo de trabalho e da tecnologia utilizada. Consequentemente, o aumento da produtividade representa, de fato, um processo de intensificação do trabalho uma vez que a única variável manipulada é a ação do trabalhador (DAL ROSSO, 2008). As políticas de gestão dos professores incorporam os pressupostos da administração gerencial no campo educacional. Porém, buscou-se afastar das análises que deslocam mecanicamente os processos de trabalho do operariado para as relações de trabalho na escola, o que por sua vez, acabam suprimindo especificidades centrais para a real compreensão do que de fato ocorre.
É possível perceber intersecções profundas que nos habilitam a afirmar a proximidade conceitual e operacional entre os programas da rede estadual e os métodos tayloristas. O controle do trabalho, a separação entre execução e planejamento, a noção de tarefa permeada pelo crivo dos incentivos para a maior eficiência e a burocracia gerencial se apresentam claramente nos programam analisados. A aplicação dessas políticas transformam a prática pedagógica e alteram substantivamente a organização do trabalho dos professores. O profissional, para essas políticas, cada vez mais deve se portar como um técnico, passível de cumprir prescrições, perdendo sua capacidade de sujeito e intelectual e adapta-se à lógica competitiva regrada pelos incentivos. É tempo de continuar sendo obstáculo às reformas.
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