ANÁLISES ACERCA DO SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE RENDIMENTO ESCOLAR DO ESTADO DE SÃO PAULO (SARESP)

Resumo: Este estudo teve como objetivo delinear novos encaminhamentos para as pesquisas no âmbito das políticas educacionais, em especial, aquelas que tratam do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Para a exposição das reflexões, inicialmente, tecemos algumas considerações acerca da criação dos sistemas de avaliação da educação básica nacional e paulista. Na sequência, apresentamos um panorama das pesquisas que tiveram o sistema de avaliação paulista como foco de investigação. Por fim, com base nos trabalhos de Stephen Ball e colaboradores, sinalizamos uma nova perspectiva de análise no sentido de ampliar o conhecimento acerca do desenvolvimento do SARESP (em particular) e das políticas educacionais (em geral) nas escolas.

Palavras-chave: política educacional; SARESP; sistema de avaliação. 


Introdução

Este texto é fruto de reflexão conjunta realizada com o objetivo de delinear novos encaminhamentos para as investigações no âmbito das políticas educacionais, em especial, aquelas que tratam do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). O interesse em desenvolver o presente estudo originou-se da constatação de que pesquisadores que estudaram o sistema de avaliação paulista dedicam parte considerável de suas atenções aos impactos causados pelos SARESP nas escolas e não buscam compreender como os sujeitos envolvidos lidam com essa avaliação.

De acordo com Bonamino e Franco (1999), as primeiras ações voltadas à institucionalização de um sistema de avaliação da educação básica para verificar a cobertura e, principalmente, o desempenho dos alunos foram iniciadas no final da década de 1980. A origem do sistema nacional de avaliação da educação básica, conforme os autores, relaciona-se à demanda do Banco Mundial (BM) de desenvolvimento de um sistema de avaliação do impacto do Programa Nordeste, realizado mediante um acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Tal demanda, aliada ao interesse do MEC em instituir um sistema mais amplo de avaliação da educação, levou a iniciativas que redundaram na criação do Sistema de Avaliação do Ensino Público de 1º Grau (SAEP).

Bonamino e Franco (1999) explicam ainda que, após algumas alterações realizadas em meados dos anos 1990, o referido sistema passou a ser denominado Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Sua consolidação, segundo os autores, estimulou o desenvolvimento de sistemas avaliativos no âmbito dos estados e, gradativamente, em alguns municípios do país.

A trajetória paulista, conforme Gatti (2009), teve início em 1992 quando foi realizada uma avaliação dirigida aos alunos das Escolas Padrão, projeto de inovação curricular promovido em algumas escolas com vistas a abranger aos poucos toda a rede estadual de ensino. Tal avaliação, segundo a autora, pretendia ser longitudinal, mas foi descontinuada por mudança na administração da SEE/SP.

Paralelamente, acrescenta Gatti (2009), entre 1992 e 1994, outra proposta de avaliação, de caráter amostral, também foi desenvolvida nas escolas estaduais: o Projeto de Avaliação de Impacto do Ciclo Básico e da Jornada Única na Área Metropolitana de São Paulo. E, finalmente, no ano de 1995, como parte das diretrizes políticas formuladas pelo governo paulista para o setor educacional a partir daquele período, foi criado o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP).

Vale registrar que, desde a primeira edição do SARESP, realizada em 1996, até o momento o estado de São Paulo tem sido comandado por governadores pertencentes ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), são eles: Mário Covas (1995-1998); Mário Covas/Geraldo Alckmin (1999-2002); Geraldo Alckmin/Cláudio Lembo (2003-2006); José Serra/Alberto Goldman (2007-2010); e novamente Geraldo Alckmin (2011-2018). Em decorrência dessa continuidade político-partidária e devido a pouca rotatividade de responsáveis pela SEE/SP, o sistema de avaliação paulista adquiriu certa estabilidade no estado e os processos avaliativos têm sido desenvolvidos de forma permanente nas escolas, embora com delineamentos distintos ao longo das edições.

Entre 1996 e 1998, o SARESP foi realizado no início do ano letivo com o intuito de coletar informações sobre o desempenho dos alunos relativo à série anterior. Em 1999, a avaliação não foi aplicada e, a partir de 2000, o sistema de avaliação paulista passou a ser realizado ao final do ano letivo com a finalidade de verificar habilidades e competências adquiridas pelos alunos na série cursada durante aquele ano. No ano de 2001, os resultados do SARESP foram utilizados para a decisão sobre o encaminhamento dos alunos para a continuidade dos estudos ou para a recuperação de ciclos. Devido a uma série de críticas, tal medida foi extinta na edição do ano seguinte. Em 2003, 2004 e 2005, diferentemente das edições anteriores que avaliaram apenas algumas séries do ensino fundamental e médio, o SARESP abrangeu todas as séries da rede estadual de ensino paulista. No ano de 2006, a avaliação foi novamente suspensa e retomada em 2007, quando voltou a ser aplicada somente em algumas séries. A partir desse ano também, o SARESP foi adequado à escala do SAEB de modo a permitir a comparação entre os resultados de ambas as avaliações. No ano de 2008, a SEE/SP introduziu uma base curricular comum a todas as escolas, que passou a ser utilizada como referência para o sistema de avaliação. Nesse ano ainda, foram instituídos o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP) e a Bonificação por Resultados (BR). A partir de 2010, o desempenho dos alunos no SARESP e os aspectos socioeconômico e de infraestrutura passaram a ser utilizados como critérios para a identificação das escolas nas quais haveria prioridade na intervenção e no monitoramento.

Com base no percurso descrito acima, é possível observar que o SARESP tornou-se um elemento importante da política educacional desenvolvida no estado de São Paulo a partir de meados dos anos 1990. Neste sentido, consideramos que o sistema de avaliação paulista pode ser um importante suporte para investigação da maneira como os profissionais das escolas se organizam, compreendem e lidam com as diretrizes propostas para a educação. Antes de apresentar o referencial que pode subsidiar esse tipo de investigação, no entanto, convém examinar de forma pormenorizada as análises realizadas por diferentes pesquisadores que estudaram o sistema de avaliação paulista, destacando as principais críticas e reflexões presentes nesses estudos.

Panorama das pesquisas sobre o SARESP

Mediante a realização de um levantamento junto aos bancos digitais de teses e dissertações e às bibliotecas dos Programas de Pós-Graduação em Educação das principais universidades paulistas São elas: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)., identificamos um volume considerável de trabalhos acadêmicos relacionados à temática. Com base na leitura dos resumos, no entanto, observamos que boa parte das pesquisas tratou o sistema de avaliação paulista de forma tangencial e utilizou seus dados e provas para discutir questões pedagógicas ou curriculares.

Sendo assim, a revisão de literatura concentrou-se apenas nos trabalhos acadêmicos (quinze dissertações de mestrado e três teses de doutorado) produzidos entre 1998 e 2013 e que focalizam o SARESP como um elemento da política educacional desenvolvida no estado de São Paulo.

Em algumas pesquisas analisadas (SILVA, 2006; RIBEIRO, 2008; ALCANTARA, 2010, NALLO, 2010), notamos que a tendência entre os pesquisadores é se deter em questões mais amplas, relacionadas aos aspectos contextuais que envolvem a criação do SARESP, e apresentar considerações acerca dessa avaliação de fora das escolas e do sistema de ensino.

Silva (2006) destaca que a criação de sistemas de avaliação está inserida no bojo das medidas governamentais de ajuste das despesas com políticas sociais, realizadas no Brasil especialmente a partir da década de 1990. A autora argumenta que “[...] a avaliação deve configurar-se numa experiência negociada, a qual, envolvendo toda a comunidade escolar, proporcione reflexões quanto aos princípios filosóficos, políticos e éticos perseguidos pela escola enquanto instituição formativa.” (SILVA, 2006, p. 72). Em suas conclusões, a pesquisadora afirma que os instrumentos avaliativos e as análises efetuadas com base no sistema de avaliação paulista apresentam caráter marcadamente reducionista.

De acordo com Ribeiro (2008), os sistemas de avaliação de nível nacional e estadual constituem mecanismos de regulação da educação. O SARESP, no entendimento da autora, vem favorecendo uma política educacional que coloca a educação a serviço do capitalismo, em detrimento da constituição de uma escola pública voltada aos reais interesses da população que a frequenta.

Alcantara (2010), inicialmente, analisa documentos oficiais e legislações que norteiam algumas ações adotadas pela SEE/SP a partir de meados dos anos 1990, são elas: o SARESP, a Bonificação às classes docente e de suporte pedagógico do magistério paulista, o Programa de Qualidade da Escola (PQE) e o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP). Esse conjunto de ações, em sua concepção, representa uma nova forma de gestão educacional voltada para a satisfação do mercado econômico e das determinações das agências internacionais de financiamento da educação. Entre outras questões, a autora alerta que o discurso meritocrático de valorização do magistério paulista exclui aqueles que apresentam desempenho aquém do esperado, “[...] desconsiderando por completo fatores que são determinantes para o sucesso ou fracasso do processo pedagógico.” (ALCANTRA, 2010, p.84).

Nallo (2010) sustenta que as reformas educacionais promovidas no país nos anos 1990 e a criação de sistemas de avaliação buscaram atender as exigências das agências internacionais, que há várias décadas vêm influenciando a definição de políticas para a educação brasileira. Após apontar as principais características dos sistemas nacionais de avaliação da educação básica, a autora concentra sua atenção no SARESP com o intuito de refletir sobre como a SEE/SP vem se apropriando dos resultados dessa avaliação. Em sua concepção, a criação do IDESP e o estabelecimento da meta que cada escola deve cumprir para que seja contemplada com o bônus financeiro, revelam uma visão produtivista de educação e uma concepção de avaliação pautada no modelo de responsabilização que transfere a responsabilidade pela qualidade da educação somente para as escolas. Neste sentido, argumenta que “[...] não é coerente utilizar os resultados das avaliações externas para acirrar competições entre escolas ou para premiar os professores em função dos resultados aferidos pelos alunos.” (NALLO, 2010, p.98).

Repetindo algumas discussões desenvolvidas nas pesquisas anteriores, as análises e reflexões presentes em outro conjunto de trabalhos acadêmicos (OLIVEIRA, 1998; MACHADO, 2003; CAMBA, 2011), ficam circunscritas aos relatórios produzidos no interior das escolas e Diretorias de Ensino ou a outras produções acadêmicas que abordam a temática.

Oliveira (1998) efetua uma análise focada na viabilidade funcional e nas possibilidades de efetivação do SARESP na rede estadual de ensino paulista. Inicialmente, a autora apresenta a transcrição de diversos trechos de textos legais e documentos oficiais utilizados na divulgação, treinamento e implantação do SARESP e destaca que o principal argumento constante nesses materiais é o de que, com resultados da avaliação, as escolas podem redirecionar o seu trabalho pedagógico em busca da melhoria da qualidade do ensino. Na sequência, ao analisar os relatórios elaborados pelas escolas nas duas primeiras edições da avaliação, conclui que os profissionais das escolas apresentam uma série de dificuldades na análise e interpretação dos resultados do SARESP. Para Oliveira (1998, p.72), a fragilidade dos relatórios se deve a ausência de orientação nos treinamentos realizados pela SEE/SP, que subsidia as equipes das unidades escolares somente na organização dos dados da avaliação e não orienta como analisá-los e interpretá-los.

Machado (2003) destaca que as iniciativas de avaliação no Brasil e no estado de São Paulo apresentam consonância com o movimento mundial de reformas, empreendidas a partir dos anos 1990, com o objetivo de reestruturar o papel do Estado. Em seguida, a autora discute a política educacional paulista proposta no primeiro ano da gestão Mário Covas e destaca que tal política tem como diretriz principal a racionalização do uso de recursos públicos. Mediante a análise das propostas de ações formuladas com base nos resultados do SARESP/2000 no âmbito das Diretorias de Ensino e sistematizadas nos relatórios de avaliação, a pesquisadora conclui que as ações formuladas não são fundamentadas em evidências avaliativas e também não são levantadas hipóteses explicativas para os resultados alcançados pelas escolas. Sendo assim, afirma que é preciso oferecer uma melhor orientação às Diretorias de Ensino no que diz respeito à análise e à interpretação dos resultados da avaliação.

Camba (2011) também explica que as políticas de avaliação educacional, intensificadas no Brasil nos anos 1990, estão associadas ao movimento de abertura para o mercado e foram influenciadas por instituições financeiras internacionais. Para refletir acerca da política de avaliação desenvolvida no estado de São Paulo, a pesquisadora examina cinco produções acadêmicas que tiveram como foco o sistema de avaliação paulista (CAMARGO, 2007; HERNANDES, 2008; OLIVEIRA, 1998; RIBEIRO, 2008; SILVA, 2006). Apoiando-se nesses estudos, pontua que apesar de o nível socioeconômico ser uma variável relevante na análise dos resultados da avaliação, o SARESP continua a ter a mesma condução na divulgação de seus resultados e na responsabilização de alunos, professores e escolas quanto ao desempenho alcançado.

Em um último grupo, o qual reúne o maior número de pesquisas (ESTEVES, 1998; FELIPE, 1999; KAWAUCHI, 2001; TÚBERO, 2003; HERNANDES, 2003; BAUER, 2006; CARVALHO, 2008; ARCAS, 2009; RODRIGUES, 2011; PEIXOTO, 2011; COSSO, 2013), os pesquisadores analisam dados reunidos por meio de observação, entrevistas e questionários realizados em diversas instâncias que integram o sistema estadual de ensino paulista. Com efeito, apesar da incorporação de um conjunto de informações reunidas juntos aos atores envolvidos com o SARESP, as análises tendem a enfatizar como as escolas são afetadas pela avaliação e pelas medidas governamentais ligadas a ela e não levam em conta as diferentes respostas formuladas no ambiente escolar.

Esteves (1998), com o intuito de verificar se os resultados do SARESP induziram os professores, particularmente os de Língua Portuguesa, a modificar suas práticas com vistas à melhoria da qualidade do ensino, realizou observações, questionários e entrevistas com diversos segmentos (diretores, professores-coordenadores, professores e supervisores de ensino) de cinco escolas. Com base no estudo efetuado, a autora pontua que as informações fornecidas pela equipe escolar são geralmente contraditórias e que “[...] o contato com as informações do SARESP se dá somente no período em que as atividades relativas ao processo avaliativo se desenvolvem e depois elas são esquecidas ou desconsideradas.” (ESTEVES, 1998, p.105). Conforme a autora, a análise das entrevistas realizadas junto aos supervisores de ensino confirma essa ideia, pois sugere que eles também “[...] têm problemas para aprofundar a discussão sobre os resultados dessa avaliação, esperando que a Secretaria de Educação indique os caminhos a serem trilhados pelas equipes escolares.” (ESTEVES, 1998. p.106).

Felipe (1999), valendo-se do estudo de documentos produzidos pela SEE/SP que tratam do SARESP, destaca que esse tipo de avaliação é apresentado como um instrumento a serviço da melhoria da qualidade da educação, pois possibilita a comparação entre os resultados obtidos pelos alunos e os objetivos definidos inicialmente e contribui para aumentar o poder da escola de analisar seus problemas e buscar meios para superá-los. Entretanto, com base na realização de questionários e entrevistas com a dirigente regional, supervisores de ensino e diversos segmentos (diretores, professores, alunos e pais) de quatro escolas, observa que as respostas são permeadas de contradições. Segundo Felipe (1999, p.47), embora todos afirmem que a avaliação é importante, depois que o SARESP termina “[...] seus resultados são esquecidos e tudo volta ao ‘normal’.” Em sua concepção, os relatos dos professores, diretores e dos profissionais da Diretoria de Ensino apresentam visões de avaliação, de escola e de mundo que precisam ser repensadas.

Kawauchi (2001) discute as possíveis implicações dessa avaliação. A mais grave delas, em sua concepção, é a possibilidade de as escolas substituírem um projeto pedagógico adequado à realidade de seus alunos por outro que esteja em consonância com as avaliações externas. Para analisar em que medida as intenções do SARESP de promover o repensar a prática pedagógica foram compreendidas por professores de História, a pesquisadora realiza entrevistas com profissionais responsáveis pela disciplina em escolas da Grande São Paulo. A análise dos dados coletados evidencia que o sistema de avaliação paulista foi percebido e vivenciado de diferentes formas pelos entrevistados. Entretanto, ao invés de estudar com maior profundidade esses diferentes pontos de vista, a autora argumenta que as questões trazidas à tona nas entrevistas “[...] refletem um contexto mais amplo, de caráter internacional, no qual o SARESP e os professores também estão inseridos.” (KAWAUCHI, 2001, p.101). Nas conclusões, pontua que, a exemplo do que tem ocorrido em outros países, o SARESP parece caminhar em direção a uma situação futura na qual o desempenho dos alunos nas avaliações externas seria vinculado aos ganhos salariais dos educadores.

Túbero (2003), ao analisar a porcentagem de acertos nas provas de Língua Portuguesa de doze escolas, identifica que o desempenho dos alunos negros foi inferior ao dos alunos brancos e, desse modo, argumenta que a variável “cor da pele” não pode ser ignorada na análise dos resultados da avaliação. Em sua concepção, um dos aspectos que tem interferido negativamente no rendimento escolar de alunos negros é a maneira como a população negra tem sido representada nos livros didáticos. Mediante entrevistas realizadas com professores, a autora identifica que a maioria dos entrevistados não reconhece o preconceito e a discriminação no ambiente escolar e alega que os baixos resultados no SARESP são decorrentes de problemas financeiros e de estrutura das famílias dos alunos. De acordo com a pesquisadora, apesar das diferenças de desempenho no sistema de avaliação paulista entre alunos brancos e negros, não houve mudanças curriculares, reuniões para discutir as variáveis que interferiram nesses resultados e os professores não receberam orientações de como tratar o preconceito e a discriminação em sala de aula.

Hernandes (2003) destaca que a criação de sistemas de avaliação em larga escala no país está diretamente vinculada às determinações de agências financeiras internacionais. Em decorrência dessa vinculação, segundo a autora, os processos avaliativos são mais voltados ao atendimento das necessidades econômicas do que das demandas educacionais. Na sequência, a autora explica as alterações promovidas na edição do SARESP/2001, foco de sua análise. Para o trabalho analítico, realiza entrevistas com pais, alunos, professores e diretor de uma determinada escola e com uma profissional da equipe de avaliação da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). Ao analisar esses dados, concentra-se, sobretudo, no impacto que a iniciativa da SEE/SP de utilizar os resultados do SARESP para decidir acerca da aprovação/reprovação dos alunos teve sobre a escola. Neste sentido, os relatos apresentados, de um modo geral, destacam as insatisfações, os descontentamentos, as reclamações, os desconfortos provocados pela mudança de procedimento introduzida naquela edição e não exploram como os atores escolares enfrentaram essa mudança no ambiente escolar.

Bauer (2006), para realizar a avaliação da política avaliativa da rede estadual de ensino paulista, analisa documentos oficiais que tratam do SARESP e aos programas de formação de professores produzidos no período de 1995 a 2005. Segundo a autora, apesar da intenção de utilizar os resultados do sistema de avaliação paulista na orientação de programas de formação de professores ser amplamente divulgada nos documentos oficiais, tais publicações não apresentam informações acerca da utilização que tem sido feita dos resultados das avaliações. Na sequência, realiza entrevistas com supervisores de ensino, assistentes técnico-pedagógicos (Língua Portuguesa), coordenadores da oficina pedagógica e dirigentes de ensino de cinco Diretorias de Ensino. Além desses profissionais, entrevista também técnicos da Fundação Para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP). Após a análise descritiva dos relatos, a autora pontua que a articulação entre os resultados do sistema de avaliação paulista e as políticas de formação contínua de professores, da forma como vem sendo realizada, parece pouco efetiva.

Carvalho (2008), para investigar o direcionamento dado ao SARESP/2005 em uma escola, descreve e analisa dados reunidos por meio de observação de reuniões e atividades escolares relacionadas ao sistema de avaliação, documentos disponíveis na escola, questionários aplicados aos professores e discussões realizadas com os professores, diretor, vice-diretor e coordenador pedagógico. Após traçar um paralelo entre o previsto nos documentos oficiais em relação ao SARESP e a forma como o referido sistema de avaliação paulista foi desenvolvido na referida escola, conclui que a unidade escolar não se utilizou da avaliação da forma esperada.

Arcas (2009) sustenta que existem lógicas conflitantes entre a concepção de avaliação formativa, inerente à progressão continuada, e a avaliação externa, que tem seu foco no desempenho dos alunos em testes padronizados. Para investigar como a Progressão Continuada e o SARESP têm influenciado a avaliação escolar, o autor analisa dados reunidos por meio de questionários e entrevistas realizadas com professores-coordenadores de  um conjunto de escolas. Entre outras considerações, destaca que a tensão que poderia ser criada pelos dois modelos de avaliação (formativa e externa) não tem a força esperada nessas escolas. Em suas palavras, “[...] a tendência é que as escolas optem por perseguir as metas estabelecidas pela avaliação externa, em detrimento da avaliação feita em seu interior.” (ARCAS, 2009, p.161).

Rodrigues (2011) argumenta que há uma carência de estudos que se proponham a examinar os usos dos resultados do SARESP no cotidiano da sala de aula. Com o intuito de preencher parte dessa lacuna, realiza a coleta de dados por meio de questionários aplicados junto a professores de diferentes unidades escolares. De acordo com o pesquisador, entre outras questões, os professores relatam que a maneira como os resultados da avaliação são apresentados dificulta a interpretação e não contribui para o planejamento do processo de ensino. Segundo ele, os professores criticam ainda o uso dos resultados feito pela SEE/SP, que efetua o pagamento de bônus aos servidores das escolas que atingem a meta estabelecida. Tal lógica, na visão de Rodrigues (2011, p.73), “[...] cria um descompromisso com o currículo em vista de um treinamento dos alunos para os exames, reduzindo a aprendizagem efetiva a critérios superficiais de atendimento à avaliação”.

Peixoto (2011), após citar e comentar brevemente os diversos sistemas de avaliação externa criados no país, centraliza as atenções no SARESP e critica as iniciativas mais recentes da SEE/SP de padronizar o currículo e estabelecer metas para as escolas. Em sua concepção, tais inciativas retiram a autonomia do professor que se torna mero executor e é culpabilizado quando os alunos apresentam resultados negativos nas avaliações. Na sequência, ao analisar os dados coletados por meio de observação, questionários e entrevistas, aponta que as repercussões do SARESP na prática pedagógica dos professores observadas foram as seguintes: 1) mudança no currículo de modo a enfatizar os conteúdos das provas; 2) foco no ensino apenas para tirar boas notas; 3) sentimento de pressão nos professores; 4) uso dos resultados apenas para a divulgação e superação da meta; 5) pressão nos alunos para terem boas notas. Em sua concepção, associar o desempenho dos alunos ao bônus, por exemplo, é uma medida que precisa ser revista, uma vez que “[...] vincular resultado a dinheiro é um convite a prezar apenas o resultado.” (PEIXOTO, 2011, p.87).

Cosso (2013) destaca que, quando o SARESP foi introduzido nas escolas, parecia ter uma finalidade diagnóstica. Entretanto, a partir do momento que passou a ser utilizado para classificá-las, o sistema de avaliação paulista revelou sua função reguladora do aparato governamental. Para investigar os fatores que podem influenciar uma escola a obter resultados diferenciados nos indicadores educacionais, a pesquisadora utiliza os seguintes instrumentos de coleta de dados: análise documental, questionário, entrevista e observação. Após uma descrição minuciosa dos dados reunidos, conclui que o fio condutor da organização do trabalho pedagógico na escola pesquisada é a avaliação. Sendo assim, tal trabalho consiste na “[...] adequação dos conteúdos impostos pelas avaliações externas vigentes no país, como a Prova Brasil (nível nacional) e o SARESP (nível estadual), deixando de lado importantes assuntos para a formação humana de nossas crianças.” (COSSO, 2013, p.213).

Em linhas gerais, observamos que nas diferentes pesquisas inseridas na revisão sistemática, inclusive naquelas em que há dados coletados junto aos sujeitos envolvidos com o sistema de avaliação paulista, as atenções dos pesquisadores concentram-se apenas nos impactos provocados pelo SARESP no ambiente escolar e não levam em conta as respostas locais formuladas com a chegada dessa avaliação às escolas.

Em decorrência desse encaminhamento, na maioria das vezes, apresentam conclusões e/ou recomendações dissociadas da vida das escolas e de seus profissionais que, ao interagirem diretamente com sistema de avaliação paulista, criam dinâmicas e produzem respostas não previstas e que precisam ser explicitadas.

Na sequência, com base nos trabalhos de Stephen Ball e colaboradores, sinalizamos uma nova perspectiva de análise no sentido de ampliar o conhecimento acerca do desenvolvimento do SARESP (em particular) e das políticas educacionais (em geral) nas escolas.

Novos delineamentos para a análise do SARESP e das políticas educacionais

Embora seja recorrente no meio acadêmico a ideia de que são poucos os estudos que procuram estabelecer maior aproximação com a escola e com o sistema de ensino, verificamos que a maioria dos trabalhos acadêmicos inseridos na revisão sistemática adota o ambiente escolar como lócus central de investigação. A ênfase na base onde são desenvolvidas as políticas educacionais, no entanto, não vem acompanhada da compreensão desse espaço como um local marcado por dinâmicas produtivas e heterogêneas. Como consequência, tais pesquisas são caracterizadas pela desconsideração do papel ativo exercido pelos profissionais que atuam nas escolas.

A necessidade de criar modelos analíticos por meio dos quais a trajetória das políticas educacionais possa ser investigada como um processo complexo e dinâmico são algumas das principais preocupações presentes nos trabalhos desenvolvidos por Stephen Ball (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994; BALL; 2009).

De acordo com Ball (1994) as investigações no âmbito da política educacional não podem se limitar à óptica do controle estatal e precisam contemplar as interpenetrações entre as dimensões macro (Estado) e microcontextuais (processos locais). Segundo o pesquisador inglês também, as políticas educacionais não são simplesmente implementadas nas escolas:

Quero rejeitar completamente a ideia de que as políticas são implementadas. Eu não acredito que políticas sejam implementadas, pois isso sugere um processo linear pelo qual elas se movimentam em direção à prática de maneira direta. Este é um uso descuidado e impensado do verbo. (BALL apud MAINARDES; MARCONDES, 2009, p.305).

Em seu entendimento, o reconhecimento do papel ativo exercido pelos profissionais envolvidos com determinada política educacional nas escolas e demais instâncias do sistema de ensino é fundamental para a apreensão da complexidade e da dinamicidade que envolve sua trajetória.

Em síntese, consideramos que, ao colocarem no centro do debate os processos micropolíticos e destacarem a necessidade de articular as perspectivas macro e microanalíticas nas investigações, as formulações desenvolvidas pelo pesquisador inglês e seus colaboradores oferecem ferramentas conceituais originais para a análise do SARESP e das políticas educacionais.

Referências

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