INTERFACES DA GESTÃO NO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (PDE): RASTREANDO PRINCÍPIOS E CONCEPÇÕES
Resumo: este artigo objetiva analisar o modelo de gestão do PDE para compreender as mudanças em curso no campo da educação. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica e documental sobre a gestão no contexto da reforma educativa. Utilizamos a Análise do Discurso para captar o contexto sócio-político-econômico que influencia e determina a política educacional. O trabalho está organizado em duas seções, nas quais apresentamos, inicialmente, um panorama da política e gestão da educação e, em seguida, discutimos o PDE e suas interfaces com a gestão gerencial. Nas considerações finais foi possível apontar que o PDE traz princípios e discursos em prol das práticas gerenciais no campo da gestão educacional.
Palavras-chave: gestão; política educacional; gerencialismo.
INTRODUÇÃO
As práticas de gestão educacional expressam as determinações sociais do seu tempo histórico. Na organização econômica e social capitalista a escola tem assumido o papel de produzir a capacidade de trabalho, por isso, a discussão sobre a sua reestruturação e gestão ganha cada vez mais espaço na agenda política dos governos e dos organismos internacionais do capital e atualiza a luta histórica dos movimentos sociais pela construção da democratização da sociedade e da educação.
Todavia, a efetivação da gestão educacional, sobretudo por meio das políticas públicas educacionais, não deve estar vinculada meramente à lógica e ao ritmo do mercado de trabalho e ao processo de circulação de mercadorias, pois sua função social precisa extrapolar a reprodução do modo de produção capitalista, para vincular-se a um projeto social e político de transformação qualitativa da sociedade.
Embora o capitalismo seja “estruturalmente antitético em relação à democracia” (WOOD, 2006, 382), ele acaba por concebê-la de maneira formal, ou seja, permite a existência de uma democracia limitada ao invés de uma democracia substantiva. Isso porque no capitalismo,
As concepções dominantes de democracia tendem a: substituir a ação política com cidadania passiva; enfatizar os direitos passivos em lugar dos poderes ativos; evitar qualquer confrontação com concentração de poder social, particularmente se for com as classes dominantes, e finalmente, despolitizar a política. (WOOD, 2006, p. 383-4).
A incorporação do discurso democrático pela classe dominante se deu, de certa forma, pela impossibilidade de continuar negando direitos sociais e políticos à classe trabalhadora e pelo entendimento de que “a esfera política concebida como o espaço no qual as pessoas se comportam em seu caráter de cidadão – antes que como trabalhadores ou capitalistas - está separada do âmbito econômico” (WOOD, 2006, p. 387). Com isso, existe a possiblidade dos sujeitos gozarem de certos direitos como cidadãos na medida em que essa ação não afetará de maneira substantiva o poder do capital no setor econômico.
Com efeito, o campo da gestão educacional apresenta as contradições sociais no tocante a gestão democrática versus gestão gerencial. A política educacional atualmente em curso denominada PDE, apresentada de maneira formal a defesa pela efetivação da democratização da gestão. E nas entrelinhas do discurso oficial quais são as intencionalidades? Quais são os princípios e concepções de gestão educacional no PDE?
O objetivo principal desse artigo consiste em analisar o modelo de gestão presente no PDE para compreender as mudanças em curso no campo da educação. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica e documental sobre a gestão no contexto da reforma educativa em curso nos últimos anos. Utilizamos a Análise de Discurso para captar o contexto sócio-político-econômico que influencia e determina a política educacional em curso.
O presente artigo está organizado em duas seções, nas quais apresentamos inicialmente um panorama da política e gestão da educação e, em seguida, discutimos o PDE e suas interfaces com a gestão gerencial. Nas considerações finais foi possível apontar que no plano formal há por parte do governo federal a intenção de construir consenso em torno de seu plano para educação, para tanto, utiliza os princípios e discursos da gestão democrática para mascarar suas intencionalidades em prol das práticas gerenciais no campo da gestão educacional.
Política e gestão da educação: cenários atuais
No campo educacional os últimos anos têm sido marcados por uma série de medidas e práticas por parte do governo federal que vêm contribuindo para um novo modelo de gestão das políticas públicas, como resposta à reforma do Estado e da educação, que segundo Oliveira (2000, p. 331) visa “introjetar na esfera pública as noções de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista”. Para tanto, mudanças no campo da gestão educacional tem sido promovidas em nível nacional, atingindo os sistemas de ensino e as unidades escolares.
De acordo com Dourados (2007, p. 295), desde o período de redemocratização do País, houve mudanças acentuadas na educação brasileira de ordem jurídico-institucional, sobretudo em decorrência da promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/1996 (LDB), da Emenda Constitucional nº. 14/1996 - que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) - e da Lei nº. 10.172/2001, que buscaram dar organicidade a política traçada em âmbito federal, historicamente marcada por descontinuidades e ausência de um planejamento de longo prazo.
O governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), durante seus dois mandados – 1995-1998 e 1999-2002 – buscou concretizar a racionalização e a modernização do Estado brasileiro. No campo educacional promoveu mudanças estruturais, sobretudo com a promulgação da LDB n° 9.394/1996 e iniciou “o processo de concretização da política educacional conforme às diretrizes de agentes financeiro multilaterais, como o Banco Mundial, cujas orientações se fizeram presentes na reforma educacional brasileira”. (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2012, p. 186).
Assim, o governo de FHC viabilizou mudanças em aspectos importantes da educação nacional, tais como: financiamento, formação de professores, currículo, avaliação e gestão. No programa de governo denominado “Acorda Brasil: Está na Hora da Escola”, foram destacados cinco pontos principais para as mudanças almejadas, sendo eles: descentralização das verbas – destinadas diretamente para as escolas; melhoria da qualidade do livro didático; formação de professores por meio da educação à distância; reforma curricular e; avaliação das escolas com foco no desempenho dos estudantes. (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2012).
A reestruturação da educação formal, segundo Oliveira (2009, p. 200), “era justificada pela necessária modernização do país, que carecia de força de trabalho mais bem qualificada e adequada aos novos processos de reestruturação produtiva”. Assim, alterações de caráter focalizado nos níveis e modalidades de ensino, sem organicidade entre si, foram implementadas desconsiderando as propostas político-pedagógicas das escolas e dos sistemas de ensino e os anseios dos educadores.
Dessa assertiva podemos destacar algumas ações na área da gestão da Educação Básica que representaram o quadro de mudanças, segundo Dourado (2007, p. 927):
As políticas focalizadas propiciaram a emergência de programas e ações orientados pelo governo federal aos estados e municípios, destacando-se: a disseminação de Parâmetros Curriculares Nacionais, a implantação do Plano de Desenvolvimento da Escola pelo FUNDESCOLA, a criação do Programa Dinheiro Direto na Escola e a implementação de uma política de avaliação fortemente centralizada, em detrimento de um sistema que propiciasse a colaboração recíproca entre os entes federados.
A dinâmica da política instalada a partir dessas ações e programas foi caracterizada pela descentralização administrativa, financeira e pedagógica, que dentre outros aspectos, atribuiu grande relevância a gestão educacional. A ênfase na transferência de responsabilidades para o nível local com apelo a participação dos atores sociais passou a ser condição indispensável para o êxito da educação formal. Assim, durante o governo de FHC foi se configurando uma nova regulação para a política educacional, que segundo Oliveira (2009, p. 202), esteve “assentada na descentralização e maior flexibilidade e autonomia local, acompanhando tendência verificada em âmbito internacional”.
Dentre as críticas feitas ao governo de FHC, podemos destacar a racionalidade técnica como mecanismo orientador da política social, a centralização das decisões no âmbito do governo federal e direcionamento das ações governamentais voltadas a grupos específicos em detrimento da garantia universal dos direitos sociais. Diante disso, estava lançado para o governo sucessor de FHC o desafio de romper com essa lógica. No entanto, o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou, no campo educacional, mais permanências que rupturas em relação ao governo anterior.
Segundo Oliveira (2009, p. 198),
Tendo sido herdeiro de uma reforma educacional de longo alcance e complexidade, que durante os dois mandatos do governo que o precedeu – FHC – mudou os rumos da educação brasileira do nível básico ao superior, restava a esse governo re-reformar a educação ou conservar e manter as iniciativas anteriores. A opção parece ter sido pelo segundo caminho.
De acordo com Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), o programa para a educação denominado “Uma Escola do Tamanho do Brasil”, do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), trouxe a proposição de garantir a educação como direito, por meio da efetivação de três eixos orientadores, sendo eles: a) democratização do acesso e garantia de permanência; b) qualidade social da educação; c) instauração do regime de colaboração e da democratização da gestão.
Embora, tais eixos demonstrassem semelhanças com as reivindicações históricas no campo educacional, ao final do primeiro mandato foi possível verificar que o foco de sua ação política na área social, foram os programas de transferências de renda com caráter compensatório e focalizado em determinados grupos sociais, tais como o Bolsa-Família, criado pelo Decreto nº 5.209/2004; e programas voltados para a juventude, como o ProJovem e o Programa Primeiro Emprego. A educação nesse processo apareceu como coadjuvante, ou seja, como espaço de distribuição dessas políticas. Dentre as metas atingidas pelo governo no primeiro mandato, Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 191), destacam o Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (FUNDEB).
No segundo governo o carro-chefe da política educacional foi o PDE, lançado em abril de 2007 pelo Ministro da Educação, Fernando Haddad. Esse Plano integrou o programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato (2007-2010) e continua em plena execução no governo da Presidente Dilma Rousseff (2011-2014). A justificativa oficial para o lançamento do PDE apontou a necessidade de enfrentamento das questões ligadas a melhoria da qualidade da educação.
Segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 192) o PDE foi apresentado à sociedade brasileira “como um plano de Estado e não de partido ou governo”. No entanto, é importante frisar que no período de lançamento do PDE no Brasil ainda estava em vigor o PNE 2001-2010, ou seja, o país ainda contava com um Plano de Estado para a educação nacional. Para Saviani (2009, p. 25), o PDE não possui caráter de Plano, mas sim de um conjunto de programas e ações com características e naturezas distintas entre si.
Assim, teoricamente, como um “Plano” que iria viabilizar as metas do PNE e composto por um conjunto de ações e programas com o propósito de enfrentar os problemas da educação brasileira o PDE foi anunciado. A preocupação governamental em enfrentar os problemas educacionais e buscar a melhoria da qualidade da educação, foi uma das justificativas para a sua implementação. Notadamente que a questão da qualidade da educação tem ganhado centralidade nas ações e políticas públicas educacionais, de um lado como parte dos enfrentamentos necessários para a efetivação da reforma da educação e, por outro, como resposta as reivindicações históricas.
O Plano de Desenvolvimento da Educação: qual modelo de gestão?
De acordo com Saviani (2007), o PDE obteve recepção favorável por parte da sociedade brasileira e foi amplamente divulgado pela imprensa. O ponto principal para a aceitação da opinião pública foi à questão da qualidade do ensino. No documento “O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas”, a questão da melhoria da qualidade da educação, sobretudo a da educação básica pública, é tratada como um dos imperativos nacionais. (BRASIL, 2007, p.11). Assim, “o PDE foi saudado como um plano que, finalmente, estaria disposto a enfrentar esse problema”. (SAVIANI, 2007, p. 1232).
O PDE fez parte do Plano Plurianual (PPA) para o período de 2008 a 2011, lançado pelo governo federal para responder ao desafio de acelerar o crescimento econômico, promover a inclusão social e reduzir as desigualdades. As ações do governo foram organizadas em três eixos fundamentais que compõem o PPA (2008-2011), são eles: crescimento econômico, agenda social e educação de qualidade. Na perspectiva governamental esses eixos precisam ser estimulados para tornar o País competitivo economicamente no cenário internacional, bem como promover a inclusão social e a educação de qualidade.
Pelos seus eixos básicos e relações entre si o PPA (2008 – 2011) apresentou uma concepção de educação de qualidade vinculada aos interesses econômicos, capaz de estimular o desenvolvimento, ou seja, a educação assumiu papel de destaque para garantir o desenvolvimento econômico e a inclusão das pessoas na dinâmica da produção e do consumo. Notadamente que essa perspectiva apresenta a educação com caráter salvacionista, como “um instrumento de desenvolvimento econômico, de diminuição das diferenças entre os indivíduos, de permeabilidade das classes sociais dentro de cada sociedade e de estreitamento das distâncias entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos”. (ROSSI, 1980, p. 17).
O PDE é entendido como elemento estratégico e essencial para alcançar as intenções proclamadas no PPA (2008-2011). Na Mensagem Presidencial enviada ao Congresso Nacional, podemos identificar as intenções do governo federal:
Com o PDE, pretendemos construir um início de um novo tempo, capaz de assegurar a primazia do talento sobre a origem social e a prevalência do mérito sobre a riqueza familiar. A busca pela melhoria da qualidade da educação representa conjugação de esforços das Unidades da Federação atuando em regime de colaboração com as famílias e a comunidade. (MENSAGEM PRESIDENCIAL, 2007, p. 1).
Para viabilizar o modelo de desenvolvimento traçado pelo governo central para o Brasil, o PPA (2008-2011), teve como agenda prioritária para as políticas públicas: a Agenda Social; o PDE e; o PAC. De acordo com Camini (2009, p. 119), no pré-lançamento do PDE, que ocorreu no Palácio do Planalto, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, declarou que o PDE tinha relação direta com o PAC e, portanto, poderia ser considerado como o PAC da educação. Ambos, PAC e PDE, na avaliação do Presidente tiveram como referência a Carta Constitucional de 1988, e buscam colocar em evidência os seus conceitos e princípios, dentre eles, o regime de colaboração e a gestão democrática.
A aproximação entre o PAC e o PDE trouxe, nas entrelinhas do discurso oficial, a proposição de vincular, de maneira subordinada e pragmática, a educação ao crescimento econômico. Assim, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que “este governo está trabalhando vigorosamente para remover os obstáculos normativos e administrativos ao crescimento, estimular o investimento privado e reforçar o movimento crescente de inversão pública em infraestrutura”. (MENSAGEM PRESIDENCIAL, 2007, p. 1).
Consoante com a reforma do Estado e da educação, a proposta governamental para educação por meio da política educacional que viabilizou o PDE, buscou na iniciativa privada as diretrizes para a sua tarefa de garantir a educação como direito social. “Para o alcance dos resultados do Plano, o governo irá aprofundar o trabalho cooperativo, cruzando as fronteiras ministeriais e estabelecendo parcerias com o setor privado e os Governos Estaduais e Municipais”. (MENSAGEM PRESIDENCIAL, 2007, p. 2).
O alinhamento da política educacional com os interesses privados e a centralização das decisões foram elementos que surgiram quando buscamos analisar a conjuntura política que definiu o PDE.
Com a ascensão do PT ao poder federal, sua tendência majoritária realizou um movimento de aproximação com o empresariado, ocorrendo certo distanciamento de suas bases originárias. Talvez isso explique, de certo modo, por que o MEC, ao formular o PDE, o tenha feito em interlocução com a referida parcela da sociedade e não com os movimentos dos educadores. (SAVIANI, 2009, p. 32).
A principal interlocutora do MEC no momento da elaboração do PDE foi a Organização Não-governamental (ONG) denominada “Compromisso Todos pela Educação”, que propaga como sendo sua missão, “contribuir para a efetivação do direito de todas as crianças e jovens à Educação Básica de qualidade até 2022” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2006). Para tanto, de sua agenda foram definidas cinco metas, conforme destaca Saviani (2009, p. 32):
1. Todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos deverão estar na escola; 2. Toda criança de 8 anos deverá saber ler e escrever; 3. Todo aluno deverá aprender o que é apropriado para sua série; 4. Todos os alunos deverão concluir o ensino fundamental e o médio; 5. O investimento necessário na educação básica deverá estar garantido e bem gerido.
Ao privilegiar o empresariado reunido no Movimento Todos pela Educação como interlocutor, o MEC desconsiderou as entidades educacionais, como por exemplo, os sindicatos, as associações de educadores e pesquisadores e as universidades no processo de elaboração do PDE. Gestado pelo governo executivo federal em parceria com a iniciativa privada, em especial, com os grupos empresariais reunidos no Movimento Todos pela Educação, o PDE traz marcas da presença empresarial na definição da política educacional. A esse respeito a presidente da Associação Nacional de Formação de Professores (ANFOPE), Helena Freitas (2007), nos diz que:
O Ministério da Educação (MEC), ao eleger seus interlocutores válidos na construção do plano atual, afasta outros interlocutores que há mais de duas décadas vêm participando dos diferentes fóruns de definição das políticas, tanto em nível do próprio Ministério, quanto da própria sociedade. Ao eleger os segmentos envolvidos no movimento Todos Pela Educação como os interlocutores válidos, indica que serão estes segmentos da sociedade civil organizados nas ONGs, empresariado, Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e Undime, que passarão a orientar as ações e dirigir programas nas escolas de educação básica. (FREITAS, 2007, p.1).
Na perspectiva da gestão gerencial o modelo ideal de condução e organização dos serviços sociais, sobretudo no campo educacional, encontra respaldo na iniciativa privada, ou seja, é no modo de gerenciar as empresas que a educação pública precisa se referenciar para obter qualidade, eficiência e eficácia. Talvez essa assertiva ajude a explicar a presença do Movimento Todos pela Educação no diálogo com o MEC no delineamento do PDE, pois o governo apresenta no encaminhamento de suas ações e políticas as características da reforma gerencial do Estado e da educação. Para Castro (2007, p. 134), “os novos delineamentos à gestão no campo empresarial fornecem as bases para o modelo de gestão educacional formulado no âmbito das diretrizes políticas da educação para os países da América Latina”.
Quanto à formatação do PDE podemos dizer que ele reuniu os diferentes programas e ações que já vinham sendo desenvolvidos pelo MEC e, posteriormente, foi inaugurando outros, questão que demonstra seu caráter dinâmico e passivo de mudanças e acréscimos. As ações e programas desenvolvidos, em andamento ou previstos que integram/integraram o PDE, foram, em geral, divulgados no site do MEC. A forma de apresentação dos programas foi criticada pelos educadores, na medida em que sua socialização se deu, segundo Camini (2009, p. 130), “em forma de desenhos, pacotes, figurinhas ilustrativas, objetivando facilitar a identificação, leitura e interpretação do seu conteúdo”. Esse fato pode guardar relação com o estilo de propaganda dos produtos e mercadorias e sua imediata necessidade de circulação e aceitação na sociedade capitalista. Sobre isso, destacamos que:
Essa forma de divulgação um tanto superficial, com pouca fundamentação, assegura a rápida assimilação de sua mensagem, assemelhando-se às estratégias de propaganda e marketing adotadas nas atividades de mercado, cujo objetivo é a aceitação e o consumo sem necessidade de conhecimento do processo de construção. (CAMINI, 2009, p. 130).
No esforço de mostrar as vinculações e aproximações dos programas e kits educativos que fazem parte do PDE com os interesses do mercado capitalista, destacamos também as tecnologias educacionais adotadas. Na perspectiva de auxiliar os demais entes federados na seleção dos programas e tecnologias disponibilizados pelo governo federal, que podem ser acessados por meio das ações do PAR, o MEC apresentou aos sistemas de ensino o Guia de Tecnologias Educacionais, compreendido como “uma ferramenta a mais que os auxilie na decisão sobre a aquisição de materiais e tecnologias para uso nas escolas brasileiras de educação básica pública” (BRASIL, 2013, p. 9). Tal ferramenta “traz informações que podem auxiliar os gestores a conhecer e a identificar tecnologias educacionais que possam contribuir para a melhoria da educação em suas redes de ensino” (BRASIL, 2013, p. 10).
Embora o Guia de Tecnologias Educacionais destaque que o uso das tecnologias se “torna desprovido de sentido se não estiver aliado a uma perspectiva educacional comprometida com o desenvolvimento humano, com a formação de cidadãos, com a gestão democrática, com o respeito à profissão do professor e com a qualidade social da educação” (BRASIL, 2013, p. 10), é importante mencionar que a proposta político-pedagógica dos sistemas de ensino passa então a ocupar papel secundário, na medida em que terá que se adaptar ao “produto/pacote” planejado e objetivado previamente sem a participação democrática dos sujeitos da escola, pois em geral, as soluções inovadoras estão ancoradas por conhecimentos e métodos de ensino elaborados por “especialistas”, quase sempre distantes do contexto escolar.
Quanto aos objetivos anunciados a intenção proclamada no PDE é de instituir ações sistêmicas e articuladas em todo o território brasileiro, envolvendo cada sistema de ensino, efetivar o regime de colaboração entre os entes federados e melhorar a qualidade da educação, sua aprovação quase unânime ignorou algumas manifestações contrárias que alertavam que o PDE, tal como apresentado, não poderia garantir o efeito pretendido e esperado. Saviani (2007) criticou a falta de clareza por parte dos mecanismos de controle, permanecendo a possibilidade de que as administrações municipais manipulassem os dados para garantir o recebimento dos recursos, apresentando estatísticas que não correspondem ao desempenho efetivo, em detrimento da melhoria da qualidade da educação.
De acordo com Saviani (2007), a configuração do PDE não garante êxito para esse Plano, pois elementos da “pedagogia dos resultados” e da “qualidade total” foram imputados como forma de atender aos anseios dos empresários financiadores do Compromisso Todos pela Educação. A pedagogia dos resultados está presente na política de avaliação externa a escola e ao sistema de ensino, pois a criação do Índice de Desenvolvimento de Educação (IDEB), considerado como instrumento medidor dos avanços na qualidade da educação básica, pode ser compreendido como uma estratégia de controle do desempenho do sistema educacional e do direcionamento de seus objetivos.
Com efeito, o IDEB caracteriza-se como um modelo de avaliação centralizado no nível federal, responsável em aplicar testes padronizados no campo educacional. Assim, os responsáveis pela gestão da educação passam a incorporar em suas práticas e discursos a ideia de que para se alcançar a qualidade e o sucesso escolar é necessário adotar mecanismos de controle dos “produtos” e resultados educacionais capazes de serem medidos pelos exames nacionais padronizados. Sobre isso, Sousa (2009, p. 265) destaca que tal modelo de gestão atribui “ao poder público a aferição da produtividade, por meio de aplicação de provas de rendimentos dos alunos”.
Assim, a avaliação do rendimento escolar tem sido tratada pela política educacional como um instrumento para resolver o quadro crítico da realidade do setor. Os argumentos dos responsáveis pela gestão têm atribuído à educação o papel de fomentar o desenvolvimento econômico no contexto de reestruturação produtiva. Com isso, a política de avaliação assume a função de estimular a “qualidade capaz de responder às demandas decorrentes das transformações globais nas estruturas produtivas e do desenvolvimento tecnológico”. (SOUSA, 2009, p. 264).
A qualidade da educação, apresentada como “qualidade total” se converte em um elemento propulsor da produtividade, eficiência e eficácia na perspectiva de atender os interesses do mercado, abandonando progressivamente a ideia de democratização. De acordo com Gentili (1996, p. 115), “no campo educativo, o discurso da qualidade foi assumindo a fisionomia de uma retórica conservadora funcional e coerente com o feroz ataque que hoje sofrem os espaços públicos (democráticos ou potencialmente democráticos), entre eles, a escola das maiorias”.
A “qualidade total” nesse sentido se apresenta como finalidade da educação escolar. Segundo Gentili (1996, p. 116), a retórica conservadora da qualidade na educação busca em sua dinâmica a “transferência dos conteúdos que caracterizam a discussão sobre qualidade no campo produtivo-empresarial para o campo das políticas educativas e para a análise dos processos pedagógicos”. Ao tempo em que se busca por meio da reforma da educação ajustar a gestão educacional aos moldes gerenciais, a avaliação do sistema de ensino ganha visibilidade O PDE apresenta os seguintes programas e políticas de avaliação: Provinha Brasil, Prova Brasil, Pisa, SINAES., tanto para pôr em prática a “pedagogia dos resultados”, quanto estimular a “qualidade total” da educação sob o direcionamento e o controle do poder público orientado pelo mercado.
Merece destaque nesse contexto a função do Estado brasileiro em avaliar - preservando a centralização desse processo - os sistemas e as escolas. Conforme Freitas (2007, p. 187), tal ação é “conduzida segundo princípios políticos-administrativos e pedagógicos que enfatizam a administração gerencial, a competição e a accountability, na perspectiva de uma lógica de mercado”. (grifos nossos).
A competição como elemento da gestão gerencial precisa ser fomentada, pois nessa lógica a centralidade do processo de avaliação é estimular práticas administrativas e pedagógicas capazes de gerar as respostas ou “produtos” desejados pelo sistema educacional. Segundo Sousa (2009, p. 279), o aprimoramento da gestão via mecanismos de competição poderá ser alcançado mediante as “respostas que a própria escolar vier buscar frente aos resultados por ela obtidos quando da comparação de seu desempenho com o de outras”, bem como por meio de “ações diferenciadas que o poder público desencadear nas mesmas”, traduzidas em punições ou premiações.
A accountability no contexto do Estado avaliador pode ser compreendida como fator importante para o controle do poder público sob o desempenho escolar e a função social da educação. Assim, o Estado apesar de anunciar a descentralização da gestão com o PDE por meio do estímulo e efetivação do regime colaboração entre os entes federados que poderiam nos indicar a possibilidade de construção de uma gestão democrática, traz uma ideia de avaliação que se alinha as características da gestão gerencial, uma vez que a accontability se apresenta como estratégia de prestação de contas e vigilância do poder central.
Para Oliveira (2009), o PDE busca a sua legitimação trazendo a necessidade de garantir certos direitos inscritos constitucionalmente, como: regime de colaboração, padrão de qualidade educacional e direito à educação. No entanto, na contramão do propagado oficialmente, o PDE apresenta traços de centralização das tomadas de decisão no âmbito federal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos inferir que o PDE, desde o seu nascedouro, apresentou traços gerenciais, na medida em que foi elaborado por um núcleo estratégico do governo federal em parceria com a iniciativa privada, nesse caso o grupo de empresários reunidos no Movimento Todos pela Educação. O alinhamento aos grupos de empresários, na definição dos rumos da educação do país, mostrou que o governo federal apostou nas recomendações empresariais para delinear o modelo de plano para a educação, num movimento de ajuste da gestão educacional aos moldes gerenciais.
O PDE foi apresentado à sociedade brasileira pelo governo federal como o “PAC da Educação” em analogia ao plano de desenvolvimento econômico implementado no governo de Luís Inácio Lula da Silva. Diante disso, foi possível constatar no discurso oficial e em sua política o alinhamento da educação com a promessa de crescimento econômico do País, laçando mão da educação como estratégia propulsora do desenvolvimento econômico.
O governo brasileiro ao elaborar o PDE, em harmonia com a iniciativa privada, demostrou que é o modelo de gestão empresarial que deve guiar a educação pública, da Educação Básica à Educação Superior. Com efeito, a educação vai ganhando status de fator produtivo, distanciando-se de processo de formação humana.
Os objetivos do PDE estão em consonância com o PAC do governo de Luís Inácio Lula da Silva, num claro alinhamento da educação ao desenvolvimento econômico, tal qual preconiza os conservadores neoliberais. No entanto, o governo anunciou amplamente para sociedade brasileira que seu propósito com o PDE era operacionalizar as metas do PNE 2001-2010, por meio de uma visão sistêmica de educação e da efetivação do regime de colaboração, capazes de promover a qualidade da educação.
Para tanto, o governo federal tem buscado a participação da sociedade para o cumprimento do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação que, segundo o discurso oficial, irá amenizar os contrastes sociais e educacionais e, ainda, levará assistência técnica e financeira para os demais entes federados. Notadamente que, o sentido dado à participação está voltado para uma ação reducionista, qual seja, a participação na perspectiva da responsabilização dos sujeitos, sobretudo, por meio das avaliações em larga escala.
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