REPRESENTAÇÃO DOCENTE NO CONSELHO ESCOLAR E O PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA

Resumo: O trabalho é resultado da pesquisa que teve como objetivo observar como o preceito da gestão democrática, previsto na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394 de 199 e na Lei Distrital nº 4.751/2012, tem sido implementado em uma escola da rede pública de ensino do Distrito Federal. Os dados foram levantados a partir de questionários aplicados aos representantes docentes do colegiado escolar. O referencial teórico adotado na pesquisa centrou-se nos conceitos de gestão democrática, participação e conselhos escolares. Os dados obtidos levam à conclusão de que a participação da representação docente ainda precisa ser melhor efetivada para que se possa afirmar que a democracia é vivenciada na prática da gestão da escola.

Palavras-chave: Gestão Democrática; Conselho Escolar; Professores.


Introdução

A participação dos cidadãos na sociedade é o que se presume ser necessário para que haja a democracia. Seja ela direta ou representativa, a participação é o ponto chave da democratização das instituições e, por conseguinte, da sociedade. Nessa perspectiva, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), o preceito da Gestão Democrática da Educação foi instituído. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394 de 1996 (BRASIL, 1996) ratificou o preceito previsto na Carta Magna e deixou a critério dos sistemas de ensino a criação de estratégias para efetivá-lo.

No tocante ao Distrito Federal (DF), desde a criação do seu sistema de ensino tenta ser um parâmetro para as outras unidades da federação. Anísio Teixeira, mentor do projeto educacional pensado para Brasília, preconizava que cabia à capital federal “oferecer à nação um conjunto de escolas que pudessem constituir exemplo e demonstração para o sistema educacional do país” (TEIXEIRA, 1961). Entretanto, o projeto político sofreu diversas modificações com o passar de mais de cinquenta anos. Muito do que fora proposto não pôde ser realizado devido a conjunturas políticas e estruturais. Apesar disso, a legislação distrital atual, no que se refere à gestão da escola pública, aparece como modelo de avanço ao preconizar a participação da comunidade em diversas instâncias e colegiados. Cabe saber se a lei se materializa na prática.

Este texto é fruto de pesquisa realizada em uma escola da rede pública do Distrito Federal que está afastada da comunidade a que se destina em virtude de interdição do prédio. Apesar de ter sido construída há menos de 10 anos, a estrutura do prédio oferece risco às crianças e aos funcionários porque há vazamento de gás metano. Devido à interdição, os alunos são levados por ônibus escolares até um prédio que se localiza a cerca de 25 km de distância e que não foi construído para servir de escola de anos iniciais de ensino fundamental.

Dentro do contexto exposto, tornou-se pertinente saber como a participação do conselho escolar tem sido empreendida. Optou-se por pesquisar junto aos representantes docentes, partindo do pressuposto que mesmo a escola estando apartada do seu local inicial os professores estariam todos os dias onde quer que a escola estivesse funcionando e não poderiam eximir-se de praticar a participação alegando distanciamento físico.

O texto segue estruturado em cinco partes. Na primeira parte, tecem-se breves considerações sobre os conceitos de Gestão Democrática, Participação e Conselho Escolar. Na segunda parte, são apresentadas as primeiras percepções, sobretudo sobre a localização atual do prédio escolar e o impacto na dinâmica da escola. Na terceira parte, avalia-se a participação dos docentes na construção do projeto político pedagógico da escola (PPP). Na quarta parte, apresenta-se o entendimento dos representantes docentes sobre a função do Conselho Escolar na perspectiva da gestão democrática. Na quinta parte, analisam-se as três partes anteriores concorrendo para a conclusão de que há uma desconfiguração do colegiado escolar.

Gestão Democrática, Participação e Conselho Escolar: breves considerações

Quando se organiza um colegiado, como é o caso do Conselho Escolar, pressupõe-se que ele é um meio de se empreender a participação dos envolvidos. Os Conselhos, baseados na participação representativa, é uma opção quando não há possibilidade de participação direta dos cidadãos. Entende-se que, por meio da representação, a participação se realize e que seja possível democratizar as relações.

Segundo os documentos legais, os Conselhos Escolares se configuram em instâncias mobilizadoras, fiscalizadoras, deliberativas e consultivas que devem assegurar a participação da comunidade escolar na gestão da escola pública (BRASIL, 2004; DISTRITO FEDERAL, 2012a). Em relação ao DF, desde 2012, os membros do Conselho Escolar são eleitos por meio de voto secreto em eleição realizada em conjunto com a eleição de diretores escolares (DISTRITO FEDERAL, 2012a).

Cabe ressaltar que com a lei nº 4751/2012, o Conselho Escolar foi alçado à instância suprema, porque pode recomendar inclusive exoneração de diretores ou, no caso de impedimento destes, indicar substitutos. Ademais, ao Conselho Escolar atribuem-se diversas competências, mas todas se ligam a uma que parece principal, qual seja: auxiliar e fiscalizar a gestão da escola:

[...] analisar, modificar e aprovar o plano administrativo anual  elaborado  pela  direção  da  unidade  escolar  sobre  a programação e a aplicação dos recursos necessários à manutenção e à conservação da escola; (DISTRITO FEDERAL, 2012, art.25, Inc. II).
[...] fiscalizar a gestão da unidade escolar; (DISTRITO FEDERAL, 2012, art.25, Inc. VIII).

Em suma, os colegiados escolares existem na perspectiva de fomentar espaços de participação da comunidade para que se constitua a gestão democrática. Embora a criação de conselhos, de forma geral, não tenha sido forjada nessa perspectiva - mas sim no intuito de manter parte da elite na gestão da coisa pública, ou seja, eram na verdade conselhos classistas (Ramos; Fernandes, 2010)-, é notório o fato de que as legislações brasileiras estão bastante desenvolvidas no sentido de viabilizar a participação da comunidade. Ainda que se questione as razões de fomento desta participação (o que se quer é desconcentrar as tarefas ou verdadeiramente descentralizar as ações?), resta saber como está a ação prática. Os Conselhos Escolares têm sido elevados a instâncias máximas, mas se precisa saber se seus componentes estão conscientes e se eles têm implementado ações de efetivação daquilo que a lei dispõe.

Primeiras percepções e explicações

Como dito anteriormente, a pesquisa teve como intuito observar como uma escola separada do seu local físico, isto é, distante fisicamente de uma parte expressiva da comunidade a que se destina, pode implementar a Gestão Democrática tal como preceituam as legislações educacionais vigentes. Para tanto, recorreu-se ao segmento com mais representação no conselho escolar: os professores. Vale lembrar que os professores, como profissionais da educação, precisam fazer seus trabalhos diariamente, independentemente de onde se localize a escola. Quanto aos alunos, que também estão diariamente na escola, no caso da rede de ensino público do Distrito Federal, eles só passaram a compor o conselho a partir de 2014, o que dificultaria uma avaliação mais consistente de sua atuação caso participassem desta pesquisa.

Para efeitos didáticos, explica-se que as respondentes foram identificadas como Conselheira A, Conselheira B e Conselheira C. Alguns conselheiros não se dispuseram a responder o questionário alegando desconhecimento sobre o assunto ou não se sentiam à vontade para respondê-lo. Tal situação só antecipa alguns pontos das conclusões que seguirão no decorrer do texto.

De início, é importante antecipar a última questão do questionário da pesquisa em que uma das respondentes alega que a situação de distanciamento físico interfere inclusive na atração de profissionais para trabalharem na escola. Quando questionada se a atual situação da escola, dificulta a aplicação da gestão democrática, a conselheira respondeu:

“Com certeza. Principalmente a parte pedagógica pela falta de pessoal (coordenador, supervisão pedagógica e professores)”. (Conselheira C, grifo nosso)

Ainda que a Conselheira não tenha evidenciado o motivo específico que a faz entender que a falta de profissionais interfere negativamente na aplicação de uma gestão democrática, as demais repostas deixam claro que a situação de separação física que a escola vive atualmente gera diversas dificuldades que vão aumentando casos emergenciais para serem resolvidos, o que acaba protelando a discussão de questões pedagógicas.

“Os momentos que me reunir (sic) foi para casos emergênciais (sic) que precisava (sic) assinar a ata para agilizar algo pendente do ano anterior”. (Conselheira C).

O contexto de distanciamento físico somado à experiência de se estar na terceira equipe gestora em menos de um ano, faz da escola um caso singular dentro da rede pública de ensino do DF. Mas também traz à tona reflexões sobre a necessidade de organização coletiva para transformar a realidade posta.

A participação na construção do PPP

A lei nº 4751/2012, conhecida como lei da Gestão democrática do Ensino público do DF, institui em seu art. 25, inciso III, que compete ao conselho escolar:

garantir mecanismos de participação efetiva e democrática da comunidade escolar na elaboração do projeto político pedagógico da unidade escolar (DISTRITO FEDERAL, 2012, art.25, Inc. III).

Porém, quando perguntado aos respondentes se conheciam e participavam da elaboração do PPP, as respostas das professoras contradisseram a resposta da diretora aqui identificada como Conselheira A, que por sua vez é membro nato do conselho. Para esta última, o PPP está sendo construído:

“O PP dessa escola está em construção. Devido à dificuldade da equipe quanto à falta de pessoal, ele não foi concluído”. (Conselheira A).

O que se entende de um processo de construção de um PPP é que ele é feito com a participação de todos. Entende-se que o conselho escolar, representante legal dos segmentos escolares, deva estar em franca participação: articulando, discutindo, contribuindo e, sobretudo, assegurando que todos os segmentos sejam contemplados com um projeto que atenda seus direitos. Porém, as demais conselheiras respondentes afirmam que:

“Não [conhece e participa]. Porém ele já foi repassado, mas por falta de tempo e interesse [...] ainda não o li. O PPP já existia antes de eu chegar à escola, e nesses 2 anos em que estou na instituição só vi apenas o ‘querer’ mexer no ‘PPP’ e não a efetivação de atualização deste”. (Conselheira B).
“Até o momento de 2014 não nos foi passado (sic) as ideias centrais para ser elaborado em conjunto com todo o segmento escolar”. (Conselheira C).

Infere-se das respostas algumas observações interessantes: 1. As conselheiras não participam da elaboração evidenciando que não conhecem o PPP, sendo que a Conselheira B “recebeu” o texto, mas não teve “tempo e interesse” de lê-lo; 2. A Conselheira C diz que não conhece as ideias centrais do projeto; 3. A conselheira B afirma que há apenas o interesse em “mexer” no PPP, mas que não houve ações efetivas de atualização deste.

Observa-se que a prática de repasse de textos sem a devida discussão ainda é presente. O PPP aparece aqui como mais um deles. Repassa-se o que se tem de pronto, sem saber quem de fato o escreveu, para em cima deste que já está pronto, forjar-se um novo, como ranços antigos talvez. De certo que uma reformulação de projeto não esquece o antigo. Mas, quando não se sabe a essência da feitura do anterior, quando não se tem a apropriação do mesmo, escrever sobre esse terreno pode ser construir um prédio em cima de areia movediça. Não se sabe sobre qual estrutura se vai construir.

Ademais, a falta de tempo e de interesse alegada pela respondente concorre para a não efetivação de sua participação como conselheira. Tal fato deixa claro que sua participação no conselho escolar está sendo esbarrada por situações externas, que ela não deixou muito claro quando afirma “necessidade de pesquisa”, e internas: talvez a própria falta de mobilização do Conselho não enseje nela o interesse de participar. E aqui a situação complica-se mais ainda: ser conselheiro é representar seu segmento. Para ser conselheiro deve-se participar e, portanto, tal participação não é só dela enquanto sujeito, é do seu segmento. Não participar, neste caso, revela-se como uma negligência na participação/representação de seu segmento.

A Conselheira C apenas afirma que as ideias centrais não lhe foram repassadas, porém, como representante dos professores, não seria sua função buscar esclarecimentos sobre as “ideias centrais”? Enfim, quais as responsabilidades de um conselheiro enquanto membro de uma instituição colegiada que tem como objetivo assegurar uma gestão democrática? É possível afirmar com base nas legislações existentes (DISTRITO FEDERAL, 2012a; DISTRITO FEDERAL, 2012b; BRASIL, 1996; BRASIL, 2010), que só se fará uma gestão democrática se se assegurar a participação da comunidade escolar. Mas, se seus representantes não atuam de forma a torná-la prática e exequível, fica impossível de se empreender a participação crítica e efetiva. Por conseguinte, cai por terra o princípio da gestão democrática.

Destarte, O PPP da SEDF (DISTRITO FEDERAL, 2012b) afirmar que o Conselho Escolar, como uma das instâncias colegiadas previstas na lei 4751/2012 (DISTRITO FEDERAL, 2012a), deve ter papel preponderante, a gestão democrática só tornar-se-á realidade se os sujeitos incumbidos de representar os segmentos escolares de fato implicarem-se em buscá-la. Sem isso, a lei não passará de letras em um papel.

Essas instâncias têm como objetivo maior efetivar a participação comunitária e, por consequência, tornar a escola cada vez mais pública, mais democrática, mais cumpridora do seu objetivo: formar integralmente seus estudantes. (DISTRITO FEDERAL, 2012b, p. 13).

Infelizmente, pode-se afirmar que o Conselho Escolar da escola pesquisada não está fomentando a participação dos segmentos para além da composição burocrática. Existe um conselho escolar instituído em documento físico, mas não em essência. Infelizmente, o projeto pedagógico não está sendo construído coletivamente.

Percepções sobre a gestão democrática e a função do conselho escolar

Desde 1988, com a promulgação da CF (BRASIL, 1988) discute-se a implantação da gestão democrática nas instituições públicas de ensino. A LDB 9394/96 (BRASIL, 1996) em seu artigo 14, expressa que caberá aos sistemas de ensino definirem as normas da Gestão Democrática. Alguns sistemas de ensino têm engatinhado nas propostas, outros tem definido claramente suas metas como é o caso do sistema de ensino do DF ao promulgar a lei 4751/2012 (DISTRITO FEDERAL, 2012a).

As leis servem para embasar as práticas, mas as práticas não seguem a imposição da lei tão prontamente. Ainda que o entendimento do conceito apareça nas respostas dadas pelas respondentes, existe uma certa contradição com as respostas dadas na categoria anterior.

Quando perguntadas sobre o que cada uma entendia sobre Gestão Democrática e se ela era posta em prática na escola, as respondentes afirmaram que:

“Gestão com a participação de todos os envolvidos nos processos escolares. Acho que a gestão aqui é democrática. TODAS as grandes decisões são tomadas em grupo com o aval do Conselho escolar”. (Conselheiro A)
“Gestar de forma organizada e com participação de todos, mas não perdendo a essência de que a escola é uma empresa e deve ser respeitada uma hierarquia (deveres e obrigações a cumprir) sem deixar de considerar as decisões coletivas”. (Conselheiro B)
“É a participação de todos que compõem o segmento escolar para o bem comum de todos. Em parte existe. Porque nem todos estão por dentro dos acontecimentos que acontece dentro da escola. Vejo que há falta de comunicação em alguns momentos entre o gestor da escola e os demais representantes de cada segmento”. (Conselheiro C)

No tocante à resposta da Conselheira A, percebe-se que esta entende que as decisões mais importantes são tomadas em conjunto, mas deixa subentendido que para ela o Conselho Escolar é uma instância suprema que precisa dar seu aval para se implementar as decisões. A conselheira não incluiu o Conselho Escolar no que chamou de “grupo”. Tal percepção se afasta da concepção de conselho escolar como parte integrante da gestão da escola. Apesar de ser considerada uma instância consultiva e deliberativa, não há como seus membros exercerem dois papéis: ora são professores, ora são conselheiros. Eles são professores e conselheiros. Não há como distanciar-se da função, porque antes de serem representantes, são parte do segmento.

Na resposta da Conselheira B, percebe-se entranhada a ideia de gestão empresarial. Seu friso na questão da hierarquia demonstra contradição com o que preceitua a gestão democrática. A respondente chega a afirmar que a escola é uma empresa e que precisa de ordem. Tal resposta causa preocupação, uma vez que a respondente faz parte de uma instituição que tem como objetivo implementar a gestão democrática em que todos tenham participação e voz na gestão da escola.

A Conselheira C em sua resposta parece entender o conceito de gestão democrática. Atribuiu a ele a ideia de perseguição do bem comum, com todos os segmentos participando. Entretanto, evidencia que a direção ainda não consegue criar meios de fomento da participação por falta de comunicação.

Passando-se ao entendimento do que é um Conselho Escolar e se ele tem contribuído para instituir a gestão democrática na escola, as respostas foram as seguintes:

“[é um]Colegiado”. (Conselheira A)
“É um grupo fiscalizador das atitudes realizadas pela escola em todos os âmbitos, com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar. Este ano está sendo pouco efetivo, acho que estamos cansados da situação atual da escola”. (Conselheira B)
“É o que acompanha e fiscaliza a execução da verba composta por representante de cada segmento escolar”. (Conselheira C)

A Conselheira A, membro nato por ser direção, se limitou a dizer que o Conselho é um colegiado. Já a Conselheira B evidenciou o caráter fiscalizador da instância coletiva, logo emendando que este não está sendo efetivado no ano corrente, devido à situação da escola. Aqui se percebe a menção a um cansaço, que justificaria a não participação ou empenho em participar da gestão da escola. A Conselheira C também enfatizou o caráter fiscalizador do conselho, limitando-se a referir-se a execução da verba que a escola recebe das transferências diretas feitas pelo governo distrital e governo federal. Essas respostas podem ser levadas a uma outra questão posta: Você sabe de onde vem os recursos financeiros que mantêm a escola? Você sabe quais verbas a escola recebe do governo federal e/ou distrital? As respostas foram:

“Sim”. (Conselheira A)
“Sei que é dos governos: federais (PDDE) e distrital (PDAF). Porém, não sei ao certo se esses repasses são anuais”. (Conselheira B)
“Não temos conhecimento de todas as verbas”. (Conselheira C)

É importante dizer que a ausência de um conselho escolar atuante, que fiscalizasse a aplicação da verba como colocado pelas respondentes, levou a escola à seguinte realidade quanto aos repasses de recursos financeiros: 1) desde 2009 não recebe verbas do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) por problemas de prestação de contas; 2) o último recebimento de verbas do Programa de Descentralização Administrativa e Financeira (PDAF) foi suspenso em 2012 e em 2013 só se conseguiu a regularização do repasse no final do ano, após o empenho da gestão de caráter temporão que envidou esforços junto aos órgãos competentes para regularizar a situação. Se o Conselho escolar tivesse desempenhado o papel de fiscalizador (embora haja outras funções), a escola dificilmente estaria nessas condições.

Outras respostas a uma questão ratificaram a percepção da falta de acompanhamento do uso dessas verbas. Quando perguntada sobre o acompanhamento e fiscalização dos recursos, a diretora afirmou que há o acompanhamento por parte do conselho. Em contrapartida, a Conselheira C afirma que não. Já a Conselheira B dá uma clareada no assunto ao afirmar que ainda está se organizando o financeiro da escola:

“Não de forma sistemática, sabemos apenas que a escola

Mais uma questão remete ao caráter de fiscalização do uso das verbas mas, sobretudo, de própria participação na gestão da verba: O Conselho escolar divulga periódica e sistematicamente, informações referentes ao uso dos recursos finan­ceiros?

“Em 2014, isso será feito quadrimestralmente”. (Conselheira A)
“Não”. (Conselheira B)
“Nem sempre”. (Conselheira C)

As respostas precisam ser contextualizadas, sob pena de incorrer em falso juízo sobre a atual gestão da escola. A Conselheira A, diretora da escola, assumiu sua função na direção e no conselho em janeiro de 2014, esta pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2014. Para conseguir manejar as verbas, precisava instituir uma nova direção do Caixa Escolar Instituição de caráter jurídico, sem fins lucrativos, exigida pelas legislações que amparam a transferência direta de recursos às escolas. em que ela passasse a ser a presidente, conforme normatização da SEDF. Feito isso, havia ainda a questão burocrática de registro de atas em cartório e afins. Ademais, a escola aguardava a transferência do valor devido por meio do PDAF que só ocorreu em meados de março. Portanto, a escola não dispunha de verbas para uso. Na nova gestão não havia ainda execução de verba e, assim, não havia prestação de contas. Na gestão anterior, temporão, não houve execução de verba porque não havia saldo em conta corrente para que se fizesse.

Um colegiado desconfigurado

Infelizmente, percebeu-se nas respostas dadas que as reuniões do Conselho têm sido feitas de caráter emergencial, para sanar situações pontuais. Quando perguntado com qual periodicidade o conselho se reúne, as respostas foram:

“Devido à falta dos supervisores, coordenadores e professores em sala de aula, a direção teve dificuldades em organizar as reuniões periódicas. Porém, as decisões como dispensa de turmas, transferências compulsórias, reduções de horário, são tomadas com o aval do Conselho”.  (Conselheira A)
“Não existe periodicidade, apenas nos reunimos no “apaga o fogo” das emergências financeiras. O conselho escolar não está atuante”. (Conselheira B)
“Os momentos que me reunir (sic) foi para casos emergênciais (sic) que precisava (sic) assinar a ata para agilizar algo pendente do ano anterior”. (Conselheira C)

A diretora, ainda que justifique, reconhece que não há reuniões periódicas. As demais respondentes corroboram com sua afirmação. A Conselheira B ressalta a questão das emergências financeiras, já a Conselheira A observa outras questões. Por sua vez, a Conselheira C evidencia uma questão delicada: a de se reunir para assinar atas. Essa prática já foi muito criticada por teóricos que estudam a participação da comunidade (ABRANCHES, 2006; BARROSO, 2005; DEMO, 2009; LIMA, 1995; PARO, 2000; 2011). Tal ação vai de encontro aos princípios da gestão democrática e da participação efetiva, crítica e emancipada que se quer que os sujeitos que fazem parte da realidade educacional empreendam.

Quando perguntado qual a principal dificuldade encontrada na atuação de sua função de conselheiro, as respondentes colocam que:

“A falta de professores regentes”. (Conselheira A)
“Não temos periodicidade e nem pautas de prioridades. Nos reunimos só nas emergências”. (Conselheira B)
“Reuniões para debater com mais calma as atuações do Conselho. O que fazer, como fazer e agir diante das verbas que é repassada (sic)”. (Conselheira C)

Nas respostas percebe-se que a Conselheira A limita-se a reiterar que há falta de professores e não esclarece como isso dificulta sua atuação como membro do conselho. A Conselheira B reforça que as reuniões não acontecem periodicamente e que a ausência de uma pauta de prioridades afeta o exercício de sua função. A Conselheira C, pode-se assim dizer, ratifica o que a Conselheira B afirma, observando que as reuniões parecem se dar de forma apressada e que ela precisaria de mais esclarecimentos no que tange as verbas da escola.

Em poucas respostas apareceu algo que remetesse a função importantíssima que compete ao conselho: assegurar a aprendizagem de todos os alunos (DISTRITO FEDERAL, 2012b). Na questão que se segue percebe-se claramente que a parte pedagógica vem sendo protelada dadas as dificuldades mais latentes pelas quais a escola passa. Quando perguntadas se aspectos pedagógicos são debatidos nas reuniões do conselho escolar, as respostas foram:

“Geralmente os principais pontos tratados voltam-se às questões financeiras. O pedagógico foi tratado para deliberar sobre a falta de professores”. (Conselheira A)
“Não. Apenas pensei, mas não coloquei em prática o acompanhamento que queria realizar em relação aos índices da Prova Brasil da nossa escola”. (Conselheira B)
“Não foi possível”. (Conselheira C)

Embora já se pudesse observar nas respostas anteriores que o Conselho Escolar não estava atuando conforme os pressupostos da Gestão Democrática, perceber que o segmento de professores, que tem o pedagógico como prática, não discute quesitos pedagógicos nas reuniões é, no mínimo, preocupante. A deliberação sobre falta de professores ainda que resvale no pedagógico, configura-se muito mais como um aspecto administrativo do que pedagógico em si.

A última questão do questionário aplicado perguntou: Você acredita que a atual situação da escola, fisicamente distante de seu local de origem, dificulta a aplicação da gestão democrática em que todos tenham participação? De que forma? Explique.

“Muito! O acesso dos pais é dificultado. A comunicação prejudicada”. (Conselheira A)
“Sim, como: acompanhamento da vida escolar dos filhos, direito das crianças a terem reforço escolar, entre outros aspectos”. (Conselheira B)
“Com certeza. Principalmente a parte pedagógica pela falta de pessoal (coordenador, supervisão pedagógica e professores)”. (Conselheira C)

Como se pode perceber, dos dados resultantes da questão proposta foram aventados os seguintes pontos: 1) a comunicação prejudicada com os demais segmentos; 2) o direito a reforço escolar não assegurado; 3) a falta de pessoal por não se querer trabalhar longe de suas residências.

Considerações Finais

Esta pesquisa teve como intuito investigar como os professores participam no intuito de fazer valer o princípio da gestão democrática em uma escola distanciada fisicamente da comunidade a qual se destina. Optou-se por pesquisar junto ao segmento que em termos numéricos é o mais representado, e do qual fazem parte servidores que, independentemente da localização da escola, não podem distanciar-se dela por ser seu local de trabalho.

Infelizmente, os dados apontaram que os professores, por meio de seus representantes, não têm se apropriado do PPP da escola e, principalmente, não participam de sua elaboração. Tal fato é muito preocupante dentro do contexto de uma escola que se quer democrática.

Resultou da pesquisa a constatação de que aquilo que compete ao Conselho em relação à gestão das verbas recebidas não vem sendo implementada pela atual composição do colegiado. Não há divulgação, deliberação e prestação de contas por parte dos conselheiros. Porém, vale ressaltar que a escola passou por dificuldades no recebimento de recursos financeiros em virtude de problemas com a prestação de contas aos órgãos de fiscalização competentes.

Também se observou que as reuniões dos conselhos não têm acontecido como deveriam. Não há pautas ou periodicidade nas mesmas. Os membros se reúnem em caráter emergencial, para sanar problemas pontuais. Esta situação desconfigura o papel de um Conselho Escolar que deve ser uma instituição de caráter mobilizador, fiscalizador, consultivo e deliberativo, como preceituam as legislações em vigor.

Por fim, pode-se concluir que os professores como segmento que mais presente se faz na escola não consegue desempenhar sua função e não podem alegar que o distanciamento físico os atrapalhe. Independentemente do local em que a escola esteja, como servidores públicos que são, os mesmos têm de estar na escola diariamente. Ainda que se possa alegar que a situação se complique por que lhes falam condições estruturais, não se pode, por exemplo, afirmar que se deixou de se elaborar democraticamente o PPP da escola porque a mesma estava distante fisicamente deles.

Em suma, as legislações vêm mostrando desenvolvimento no tocante ao entendimento de que a democracia no interior da escola é premente, mas as práticas não acompanham esse movimento. Ainda se espera demais por um espaço de participação que não se busca. O distanciamento que se percebeu no decorrer da análise dos dados é mais consentido do que físico. Consentiu-se em se estar distante, ainda que todo dia ali presente.

Referências

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DEMO, Pedro. Participação é conquista. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

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<http://www.se.df.gov.br/wp-content/uploads/ppp.PDF>. Acesso em: 28 jul. 2012b.
LIMA, Antonio. Burocracia e participação: Análise da (im)possibilidade da participação transformadora na organização burocrática escolar. Campinas, 1995. 291f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.

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