FEDERALISMO E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS: A UNIÃO ENQUANTO ENTE NORMATIZADOR
Resumo: Este artigo busca refletir sobre as interações do modelo federativo na política pública da educação básica brasileira e os reflexos da organização do Estado por meio de sistema federativo. Para tanto buscamos refletir sobre a influência deste sistema sob três instrumentos de elaboração e execução da política pública educacional. Duas já instituídas: o Plano Nacional de Educação e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. A terceira, ainda em processo de construção e elaboração o Sistema Nacional de Educação, que será analisado primeiramente por seu caráter singular. A análise terá como eixo a União enquanto ente regulador mediante esses três instrumentos citados e às intervenções de atores societais na política educacional.
Palavras-chave: Federalismo, Plano Nacional da Educação; Sistema Nacional de Educação e Financiamento da Educação.
Introdução
O Brasil com seu desenho institucional e sua estrutura organizacional definida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB 1988) em seu artigo primeiro “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” (BRASIL CRFB art.1.1988) apresenta-se como uma federação. Essa organização administrativa o caracteriza como uma República Federativa instituída por um sistema federativo, que segundo Soares (1998 p. 138) pode ser “definido como uma forma de organização do Estado Nacional caracterizada pela dupla autonomia territorial do poder político, ou seja, duas esferas autônomas de poder: uma central, governo federal e outra descentralizada, governos-membros”.
De acordo com Souza há várias formas ou ênfases a serem dadas às características dos sistemas federativos, aqui neste artigo, trabalharemos apenas com uma perspectiva que diz respeito ao federalismo entendido como pacto e como estrutura organizacional cooperativa. Para Bobbio uma federação só se constitui quando de fato todos os poderes são submetidos à lei constitucional. (Bobbio, 1998, p. 482), o que se concretiza no caso do Brasil pela CRFB 1988. Temos uma carta Magma que orienta todas as outras legislações tanto em âmbito nacional quanto local, não podendo, outra legislação, se sobrepor a carta Magma.
O federalismo, entendido como pacto, não deriva de um simples contrato entre entes individuais, como nos Estados unitários, mas entre governos soberanos. A concepção do federalismo como pacto traz elementos importantes para a compreensão da estrutura do regime brasileiro. De acordo com Souza (2008):
Essa conceituação traz enormes contribuições e captura um dos elementos importantes do sistema federativo, qual seja, regras partilhadas entre os governos constitutivos que convivem com regras próprias de cada nível de governo; por outro lado, ao enfatizar as interações entre entidades coletivas abstratas, ou seja, os estados, seja o nacional ou as esferas subnacionais, obscurece as divisões políticas e os conflitos no interior dessas entidades (SOUZA, 2008 p. 31).
Esse ideário do federalismo como pacto deu origem ao do federalismo cooperativo que pressupõe uma gestão compartilhada associada a uma gestão independente. Para Franzese (2010) essa abordagem:
... é uma alternativa à abordagem norte-americana do federalismo dual, a teoria do federalismo cooperativo afirma a existência de uma necessária interação entre as esferas de governo no âmbito da matriz federativa. Nesse sentido, o federalismo não significa apenas a afirmação de autonomia entre os entes federados, mas uma combinação de autonomia (self rule) com interdependência (shared rule) (FRANZESE, P.21. 2010).
A República Federativa do Brasil está organizada em três esferas governamentais: a União, os Estados e os Municípios, que respondem por políticas públicas para a mesma base territorial, diferindo de outros países federativos, pois, segundo Arreteche (2012), a maioria dos países federativo têm apenas dois entes federados, no caso do Brasil essa estrutura ganha outro ente federado o município. Essa configuração de divisão de responsabilidades remete ao objetivo de evitar justaposições que dificultem o desenvolvimento de políticas para o bem-estar público (CRUZ, 2006, p. 48).
Já no âmbito educacional a divisão de competência na educação é mais complexa, pois é subdividida em alguns momentos e uni forças em outros para atender a demanda da sociedade. Segundo (Martins, 2011, p.6) essa divisão está associada ao equilíbrio do pacto federativo. Segundo o autor, ao delegar a cada ente federado o seu papel, sua função na oferta da educação e estipular níveis de colaboração o Estado brasileiro consolida o federalismo e o caracteriza como federalismo cooperativo. Essa divisão pode ser observada no art.211 da CRFB de 1988
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva,(...);
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. (CRFB art. 211.1988.)
Para além dessas competências os percentuais que cada ente federado deverá investir na educação também são tratados: a União deverá investir 18% (dezoito por cento), os estados, o Distrito Federal e os municípios (25%) vinte e cinco por cento no mínimo, da receita resultante de impostos, e proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino No caso a complementação da união para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), instituída pela lei 11.494 de 2007. ” (CRFB art. 212.1988). Outras regulamentações também estão presentes na lei de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDBN 1996), aspectos como organização e gestão são comtemplados nessa legislação.
Secchi (2013) entende que uma política pública é uma diretriz pensada e organizada para enfrentar um problema de ordem pública e normalmente está composta por dois elementos fundantes: o primeiro está relacionado a intencionalidade pública e o segundo procura responder a um problema público. Secchi (2013) ainda pontua que definir política pública é complicado devido aos diversos entendimentos teóricos metodológicos do que venha a ser políticas públicas. Aqui neste trabalho, tomamos como políticas públicas toda a materialização de programas públicos, projetos, campanhas entre outros instrumentos que dão forma a ação pública educacional.
As discussões em torno das políticas públicas e as formas como essas são elaboradas e implementadas é recorrente nos estudos das ciências da educação e são provenientes das diferentes áreas que compõem as ciências sociais. Porém, as análises de políticas públicas perpassam por diversas vertentes teóricas, desde as conceituações clássicas formuladas por Laswell (1936) e Thöenig (1992) (Davies 1994 e Souza 2006). Souza (2006) sintetiza o campo de estudos das políticas públicas como:
...campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006).
Nessa perspectiva e de acordo com Lascoumes e Le Galés (2012, p. 47), os estudos sobre políticas públicas focam predominantemente no papel do Estado e dos governantes na organização e condução da sociedade. Ao tratar políticas públicas, enquanto ação pública, esses autores analisam mais que as ações governamentais em si, suas análises abrangem, também, interações e sentidos que lhes são conferidos por múltiplos atores.
Para tratar sobre a influência do modelo federativo na política educacional perpassaremos por três instrumentos das políticas públicas. Duas já instituídas que são: o Plano Nacional de Educação (PNE) e a constituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB (LEI 11. 494/2007). A terceira, ainda em processo de construção, a elaboração do Sistema Nacional de Educação (SNE). A analise desses três instrumentos em especial o plano Nacional de educação aponto a parcerias como instrumento de execução do plano, tendo como ator o setor privado.
Sistema Nacional de Educação
De acordo com Saviani (2010, 2014) a normatização da educação brasileira está vinculada a construção de um SNE. O fato de termos na CF 1988 os artigos de 205 a 214 (CF 1998) e uma lei especifica para educação a LDBN (9394/96) já nos oferece elementos para constituir um sistema, uma vez que temos legislações em âmbito nacional, para todo o território. A primeira oportunidade de organizar o SNE ocorreu em 1930 com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. (XAVIER, 2004). Mas com o decorrer dos anos e com as mudanças na elaboração e normatização das políticas públicas de educação a força política para constituição do SNE foi oscilando e ganhando outros contornos.
Apenas na Conferência Nacional de Educação em 2010 (CONAE 2010) é que o movimento volta a se estruturar e ganhar linearidade e força nos debates educacionais em especial com na CONAE 2014. A CONAE 2010 teve como discussão central a construção do “Sistema Nacional Articulado: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação”, já na CONAE 2014 com as discussões mais articuladas o SNE foi tratado no primeiro eixo do documento final, junto ao PNE buscando a consolidação de um debate sistêmico entre as duas políticas.
Os preceitos normativos do SNE estão presentes tanto na CRFB 1998 (art. 214) quanto na LDNB, e também na legislação que tratam sobre o PNE (art. 13, meta 20.9) e nos documentos finais da CONAE 2010 e 2014.
A constituição e normatização do SNE por força de lei, se torna imprescindível, essa normatização requer mudanças não só na LDBN 9394/96, mas também na CRFB 1998, espera-se que as alterações nas legislações supracitadas diminuam os impactos e as lacunas encontradas na legislação educacional. Uma mudança urgente e que está em curso é a regulamentação do regime de colaboração presente no art.23 da CF1988.
Segundo documento publicado pela Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) com contribuições de Abicalil et al a organização dos sistemas de ensino (Nacional, estadual e municipal) deverão seguir as orientações e cumprir os preceitos constitucionais. (BRASIL, SASE, 2015). Levando em consideração essa regra a SASE “entende que quando as regras de cooperação estiverem postas com caráter vinculante, restará colocá-las em prática e o caminho a ser percorrido deverá ser o regime de colaboração, presente no art. 211 supracitado (BRASIL, SASE, 2015).
A fragilidade na construção do SNE pode ser observada no próprio PNE que trata em seu artigo 13, mas não cria metas e estratégias especificas a sua construção. Essa lacuna na legislação poderia ser justifica pela existência da A Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) que foi criada em 2011 como uma demanda CONAE 2010 (MEC, 2015). Mas essa justificativa não se consolida uma vez que no mês de dezembro de 2015 a mesma secretaria foi extinta pelo governo, em um processo de reestruturação não só organizacional, mas também fiscal, conforme manifesto de repudio publicado em 29 de novembro de 2015 pela diretoria da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) em relação a extinção da SASE. Esse movimento enfraquece não só o processo democrática e a constituição do SNE e execução do PNE, mas também vai contra a concepção de federalismo como pacto.
Apesar da fragilidade observada na construção do SNE a organização da educação em formato de um sistema nacional está pautada nos princípios do federalismo, pois se constitui em torno de um governo central, buscando estabelecer um regime de colaboração, com os seus entes federados e se articulam em torno de uma questão central a organização da educação nacional e local.
Plano Nacional de Educação: aspectos de planejamento e financiamento
A união ao exercer o seu poder normativo instituiu em 2001 o primeiro Plano Nacional de Educação que teve em 2014 uma nova versão aprovada pela lei Nº 13.005, de junho de 2014 (BRASIL,2014). De acordo com Curry (2013. p.32) o que difere um plano do outro é a participação da sociedade na elaboração e sua concretização. O plano com vigência de 2001 a 2010 deve pouca ou nem uma participação da sociedade civil, já o atual plano 2014 - 2024 passou por um processo maior de discussão e logo de participação da sociedade civil organizada, representado pelos fóruns de defesa da educação, por instituições privadas como o movimento Todos Pela Educação (TPE) e bem como os conselhos nacional e estaduais de educação.
Segundo Curry (2013 p. 25), existe um plano nacional de educação em nosso país “para que o direito à educação seja devidamente ofertado e assegurado, já que estamos falando de um direito juridicamente protegido. Mas como o PNE foi constituído de forma participativa a política também sofreu disputas durante sua tramitação apresentando uma correlação de força inerente às políticas públicas entendidas enquanto ação pública (Lascoumes e Le Galés, 2012). Um dos aspectos mais polêmicos onde a correlação de forças foi expressiva foi o financiamento da educação, debate que prolongou o tramite do projeto nas instâncias responsáveis e dificultou a sua aprovação.
Autores como Cara (2012), Araújo (2012 e Castro e Carvalho (2013) reiteram a defesa de maiores recursos para a educação pública e advogam pela ampliação de recursos direcionados para a implementação das políticas públicas educacionais. Araújo (2012) e Cara (2012) no contexto de formulação do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024, BRASIL, 2014) defendem a meta de aplicação na educação pública, de valores que aproximem a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Castro e Carvalho (2013), afirmando que além do aumento de percentuais do PIB aplicado às políticas de educação, também é preciso que se busquem outras possibilidades de financiamento para a educação (CASTRO e CARVALHO, 2013).
Por outro lado, Davies (2014) afirma que, mesmo com a aplicação integral de 10% do PIB no financiamento público para a educação básica pública, ao final da vigência do Plano, essa conquista é ainda muito frágil. De acordo com o autor essa fragilidade se encontra no cálculo do PIB e na forma como está organizado o aumento do PIB na meta 20 (vinte) do PNE 2014-2024 Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio (BRASIL, 2014). Não é estipulado percentual para os anos que estão no intervalo do 5o e 10 o ano. (DAVIES, 2014, p. 198). Este pesquisador aponta, ainda, como questão central a eficácia na fiscalização do uso desses recursos.
Essa eficácia na fiscalização se torna um fator delicado quando analisamos o PNE na perspectiva do financiamento e observamos que as parcerias entre o setor público e privado foram reconhecidas no PNE 2014-2024 (BRASIL, 2014). Ao analisar o PNE constata-se que o termo parceria é recorrente no documento, mas o mesmo se configura em três formas. A primeira se caracteriza como colaboração horizontal – entre os entes federados e entre as áreas das políticas públicas como saúde e assistência social. A segunda configuração das parcerias está instituída pelos convênios – entre o poder público e instituições educacionais comunitárias, confessionais e filantrópicas. E a terceira se constitui com as chamadas públicas à participação de organizações da sociedade civil. Essas parcerias estão presentes na oferta da educação infantil (Meta 1/1.7), profissional (Meta 8/8.4; 10/10.8) e na oferta da educação especial (Meta 4/4.17 á 4.19) Essas parcerias também estão presentes nas metas 11, 12 e 14 que tratam sobre a expansão do ensino superior (BRASIL, 2014). . O financiamento dessas possíveis parcerias é contemplado no parágrafo 4ºdo art.5 da Lei 13.005/2014:
O investimento público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, (...) (BRASIL,2014).
O art. 5 do parágrafo 4º da lei 13.005/2014 (BRASIL, 2014) ao incluir a expansão de recurso a serem aplicados na educação profissional e o financiamento da educação infantil e especial conforme o art. 213 da Constituição Federal/1988 (CRFB/1988) legitimam, por meio das metas e estratégias acima citadas o financiamento de serviços prestados por instituições privadas ao setor público na área educacional. O estabelecimento de parcerias e o uso de recursos públicos para financiamento de projetos e programas, instituídos pelas PPPs, se apresentam como uma tendência de atuação do Estado, que merece aprofundamentos teóricos e práticos. Entretanto, apresentamos a seguir algumas experiências de parcerias identificadas no decorrer da análise do PNE.
As parcerias Público Privadas “são formas contratuais inovadoras que completam a realização de investimentos e a prestação de serviços de interesse da administração diretamente aos usuários ou à própria administração” (Althuon e Landi, 2015 p. 642). Os entes federados são atraídos por esse mecanismo de execução de serviços alterando em alguns casos a própria legislação.
A normatização das Parcerias Público-Privada (PPP), por força de lei (BRASIL, LEI 11.079, 2004), institucionalizou as parcerias e impôs regras e formas sobre como devem ser firmadas. A regulamentação definiu dentre outros aspectos a duração máxima desses acordos, as exigências de contrapartida do parceiro privado, a necessidade de critérios de avaliação de desempenho, entre outros e, as diferenciou conceitualmente das práticas de concessão dos serviços públicos.
Autores como Gonçalves Junior (2004), Vera Peroni (2012), Andrade (2011), Camillo e Morgenstern (2012), Azevedo e Gonzalez (2013), analisam alguns programas: Programa Moto Perpétuo desenvolvido pela Fiat Automóveis no âmbito do Programa Federal Acorda Brasil; Programa Nacional de Educação Reforma Agrária (PRONERA); Programa Acelera Brasil; Núcleo Avançado em Educação (NAVE), Programas Gestão Nota 10 e Escola Campeã. Esses autores ao analisarem esses programas demonstram as características top down desses programas em duração, e designando-o nos mesmos termos de seus formuladores e denominando-os como terceirização da educação.
Prado (2013) caracteriza a parceria a PPP como sendo uma forma de privatização da educação e conclui que essa ação leva o poder público a investir menos na educação pública, deixando o poder público refém do setor privado (PRADO, 2013, p. 73).
Os estudos analisados entendem as parcerias público/privado (PPP) como concessões de serviços do poder público ao setor privado. Nessa perspectiva, as PPPs são consideradas por esses autores como estratégias de privatização e terceirização dos serviços públicos e representam a diminuição da participação do Estado na oferta da educação pública.
No caso da educação essas parcerias são legitimadas pelo Estado (União) em suas normatizações e estarão presentes durante todo o período de vigência do PNE 2014-2024, com vista à expansão, conforme metas um, quatro, oito e dez e suas estratégias de execução. No que tange o financiamento da educação básica pública, a relação entre o setor público e o privado suscitam outras questões, em especial, a mudança nos modos operantes do poder público em atender a demanda da sociedade, nos serviços que giram em torno das políticas educacionais. O repasse de recursos públicos para instituições de direito privado seja por meio das instituições confeccionais filantrópicas e comunitárias (art.213 CF/1988 e art.77 da Ldbn/1996) ou por meio de programas de expansão do ensino, instituídos por parcerias entre o setor público e privado, conforme disposto do PNE 2014-2024, necessidade de estudo que nos auxiliam a mensurar o impacto dessas parcerias no financiamento da educação básica brasileira.
De forma paradoxal à literatura que discute (Arelalo 1999; Cara 2012 e Castro e Carvalho 2013) da educação básica no país e que defende mais recursos públicos a escolas públicas, maior fiscalização com os recursos, as parcerias com o setor privado, são atualmente, uma das formas ferramentas de execução de política pública.
Na análise do sistema federativo essa participação por meio de transferências de recursos do setor público para o setor privado na educação é normatizada pelo poder central dando aos poderes locais legitimidade para exercer esse tipo de atividade, dificultando ainda mais o processo de fiscalização, pois a formas de transferências são diversas.
FUNDEB: enquanto concretização de relações federativas
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb foi criado pela emenda Constitucional nº 53/2006 e regulamentado pela Lei nª 11.494/2007 e pelo Decreto nª6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, que vigorou de 1998 a 2006. (MEC/ FNDE, 2015). 20% dos recursos vinculados (vinte por cento) vão para o fundo e são redistribuídos para os respectivos responsáveis (estados e municípios).
A destinação dos investimentos é feita de acordo com o número de alunos da educação básica, com base em dados do censo escolar do ano anterior. O acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos do programa são feitos em escalas federal, estadual e municipal por conselhos criados especificamente para esse fim. (BRASIL, MEC/FNDE, 2015).
A composição do Fundo conta com repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp), Desoneração das Exportações (LC nº 87/96), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Cota parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios, manutenção e desenvolvimento da Educação Básica e remuneração digna dos profissionais da educação. Sendo assim Estados e Municípios devem destinar parte de seus recursos de acordo com o art.212 da CRFE 1988 a um fundo de natureza contábil, o Fundeb se constitui por meio um fundo contábil (conta) para cada estado e uma para o distrito federal, contabilizando 27 contas ao todo. (LEI nº 11.494/2007).
O aspecto federativo encontrado no FUNDEB está no princípio de distribuição de recursos conforme as responsabilidades e atendimento de cada governo de acordo com o artigo 60 da Disposições Constitucionais Transitórias da (CRFE 1988 art.60). Essa divisão é organizada pelo número de alunos matriculados na educação básica ( Todos os níveis e modalidades), conforme dados do censo escolar do ano anterior, com base em uma escala de inclusão, são em 18 categorias de valores diferenciados de cálculo para o repasse.(MEC/FNDE). Sendo 60% (sessenta por cento) do recurso destinado a remuneração dos profissionais do magistério e os outros 40% (quarenta por cento) destinado a despesas de com manutenção e desenvolvimento da educação básica. Neste repasse está previsto também o repasse de recurso para algumas instituições privadas conforme art.8 § 1º § 1º - Será admitido, para efeito da distribuição dos recursos previstos no inciso II do caput do art. 60 do ADCT, em relação às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público, o cômputo das matrículas efetivadas.
Para além da organização e da distribuição a ação supletiva e apoio técnico da união para com seus entes federados que pode ser observada no quadro de evolução histórica de investimento e mudanças de percentuais na composição do Fundeb, também caracteriza essa relação federativa instituída pelo sistema federativo como a organização centralizada na união conforme pontuada por Arretche (2012). A união tendo o poder de normatizar as políticas executadas pelos governos subnacionais sendo orientadora de regras homogêneas no território nacional demonstra o poder normativa e centralizador no que diz respeito a organização da educação, isso é alcançado quando constituição obriga os governos subnacionais a determinados comportamentos. No caso Fundeb união coordena recursos fiscais e os emprega como instrumento de indução das escolhas dos governos subnacional dinamizando e buscando equalizando a distribuição de recurso. (ARRETCHE, 2012).
Considerações Finais
Os três instrumentos de execução de política pública de educação aqui analisados são formatados de acordo com o sistema federativo, pautados no pacto e em um modelo e cooperação. O SNE apesar de não está ainda constituído normativamente sua concepção e elaboração está pautada em pacto em prol de um bem comum, de diretrizes e normatização educacional para todo o território nacional. O que acontece com também com o PNE 2014-2024 uma vez que o plano está formatado como um mecanismo não só de planejamento nacional da educação, mas também de colaboração na execução desse plano. O terceiro e último instrumento analisado foi a política de fundos por meio do FUNDEB, cauterizado como instrumento de cooperação financeira interestadual e com complementação da união quando necessário. Todos esses instrumentos de elaboração e execução da política pública de educação quando analisado com a teórica do regime federativo e com a organização administrava evidencia o papel de regular da união na estrutura federativa e demostra a importância do sistema federativo, mas também demonstra escolha admirativa em delegar a outras a execução de parte dessas politicas. Segundo Arretche (2012). O papel redistributivo do governo federal parece ser uma condição para reduzir desigualdades, e o seu papel de regular “parece ser uma condição rara “amarar” subunidades independentes em torno de um dado objetivo nacional”. Mas o papel redistributivo da União está também associado a uma escolha de gestão que segundo Secchi (2014) e lascoumes e Le Gales(2012) deve considerar as redes de políticas públicas que podem ser compostas tanto por atores público como privado.
Apesar das fragilidades observadas tanto no SNE e PNE não se pode desconsiderar o papel importante da união enquanto ente federado regulador central e que busca uma ação compartilhada e colaborativa alinhada com o sistema federativo do qual fazemos farte. Outro ponto que deve ser considerado é análise das políticas públicas e seus instrumentos de execução, já que a atual configuração da administração pública que sofre constantemente a intervenção de outros adores públicos e privados.
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