AS REFORMAS EDUCACIONAIS NO BRASIL E OS IMPACTOS NA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA

Resumo: O presente artigo parte dos estudos iniciais que estamos desenvolvendo para a pesquisa de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA. A partir de uma pesquisa bibliográfica tem-se como objetivo analisar o contexto da mundialização do capital, e consequentemente a reestruturação produtiva e seus impactos nas reformas educacionais propostas pelos organismos internacionais, cujas recomendações propõem modelos gerencialistas para a gestão dos sistemas e das escolas. Enfoca-se o princípio da gestão democrática disposto na Constituição Federal de 1988 e na LDB 9.394/96 que tem como maior desafio a sua efetivação, através de práticas que incentivem a participação como ato político e democrático.

Palavras-chave: Gestão democrática; política educacional; reformas educacionais.


INTRODUÇÃO

A mundialização do capital, apoiada pela reestruturação produtiva tem adentrado nos mais variados setores sociais: econômico, político, social, cultural e, também no campo educacional com o objetivo de impor suas determinações em prol de um crescimento econômico, pautado no lucro e no desenvolvimento de um Estado mínimo através da privatização dos bens públicos e do limite ao acesso as políticas públicas. Esses ditames afetam a escola e consequentemente a formação dos alunos que passa a está direcionada a preparação de mão de obra qualificada por meio de uma racionalidade técnica e alienadora.

É no ensino público tanto na educação básica como no ensino superior que se observa uma forte influência dos organismos multilaterais no que diz respeito às políticas regulatórias fruto de acordos estabelecidos em escala nacional, regional e mundial, o que impacta nas formas de gestão, organização, financiamento, até mesmo na regulação da função social dessas instituições, que passam a atender a lógica privatista da educação, criando no imaginário da população que os serviços públicos em geral e especificamente o educacional são de má qualidade, incentivando desta forma a privatização do público.

Mendes (2009) lembra que:

De acordo com Saviani (1992), a partir do final da década de 1980 a orientação política (neoliberal) assume o discurso do fracasso da escola pública como se tal fato não decorresse da incapacidade do Estado em atender às demandas e necessidades da população. Essa postura, de acordo com o autor, “possibilita que se advogue, também no âmbito da educação, a primazia da iniciativa privada regida pelas leis do mercado (SAVIANI, 1992, p. 11 apud MENDES, 2009, p. 83).

A iniciativa privada toma cada vez mais força no âmbito educacional onde todos os que podem pagar por uma educação particular o fazem na busca de uma suposta qualidade, cabendo aos setores populares procurarem as instituições públicas de educação por não possuírem condições econômicas e sociais de consumir os bens produzidos coletivamente. Logo a educação pública brasileira fica estigmatizada como sendo de péssima qualidade, uma escola para os pobres.

Desta forma, constantemente propagam-se discursos em prol da centralidade na educação básica para a formação dos indivíduos, com objetivos de desenvolver competências que atendam a preparação para o mercado de trabalho, ou seja, dentro de um novo contexto da mercantilização da produção, o cidadão passa a ser compreendido como cliente que pode e deve ser preparado para consumir e vender sua força de trabalho. Esses discursos são propagados pelos organismos internacionais que enfatizam o importante papel que a educação vem ocupando nesse contexto neoliberal (Banco Mundial, FMI, Unesco, Comissão Econômica para América Latina e Caribe – CEPAL). Esta seria uma forma de melhorar a educação brasileira, oferecendo uma educação básica que prepare e dê condições ao indivíduo de entrar ou se manter no mercado de trabalho cada vez mais competitivo.

A educação passa a ser um forte mecanismo de perpetuação e disseminação das orientações estabelecidas pelos organismos internacionais principalmente nos países emergentes como o Brasil, onde a desigualdade, a pobreza são elevadas assim como os péssimos indicadores educacionais. Logo as reformas estabelecidas tendo por base a centralidade na educação básica, mais especificamente no ensino médio têm como objetivo principal preparar para o mercado de trabalho atendendo aos interesses dos capitalistas sob o falso discurso da empregabilidade.

Nesse contexto Oliveira (2010) enfatiza:

Tornou-se lugar comum na última década referir-se à centralidade na Educação Básica como condição necessária para o ingresso das populações no terceiro milênio, a partir do domínio dos códigos da Modernidade. O argumento fundamenta-se no caráter indispensável que essa modalidade de ensino tem para todos os indivíduos em geral. As referências variavam desde a afirmação de que este grau de instrução seria o mínimo exigido à inserção dos trabalhadores no processo produtivo, no mercado de trabalho, até a argumentação de que seria necessária a assimilação dos conhecimentos adquiridos com a Educação Básica, para uma real participação cidadã na sociedade. Em todos os casos, percebe-se a preocupação com a educação, enquanto um mecanismo que propicie melhor distribuição de renda (p. 118)

O discurso da centralidade na educação básica tomou força nos anos 90 do século passado, pois a educação tornou-se um meio fundamental para a consolidação dos ditames do capital, sendo necessária sua adequação às exigências da mundialização e da geração de lucro, a educação básica volta-se para suprir uma necessidade de preparação de mão de obra barata, pois a baixa taxa de escolaridade nos países emergentes requer uma preparo rápido com o objetivo de contribuir para o aumento da produtividade, através de menos burocratização e centralização, onde prevaleçam o estabelecimento de medidas de avaliação excludentes e classificatórias, com enfoque no cumprimento de metas por parte dos docentes e a implantação de uma gestão escolar pautada no gerencialismo neoliberal, focada na eficiência, eficácia, no controle dos recursos e na produtividade tanto dos professores como dos alunos.

Desta forma, observa-se um rápido crescimento de investimentos privados na educação, sobretudo no ensino superior que, tem se tornado negócio de baixa qualidade nas mãos das instituições de ensino particulares que, na sua grande maioria não estão preocupadas com uma formação sólida e fundamentada no ensino, pesquisa e extensão. Muito menos em proporcionar uma educação que emancipe e liberte o homem das amarras da alienação do capital.

Dourado (2011) enfatiza que:

A década de 1990 consolida a lógica privatista da educação superior, por meio da intensificação dos processos de diversificação e diferenciação institucional nesse nível de ensino, num cenário marcado pela reforma do Estado, ancorada na perspectiva de minimização do papel do Estado diante das políticas públicas (p. 56).

Observa-se um crescimento de instituições de ensino superior não universitárias, restritas ao ensino, o que marca o embate entre os defensores de um ensino público de qualidade abrangendo ensino, pesquisa e extensão e aqueles que defendem um ensino superior focado no ensino com ênfase em avaliações classificatórias e nos resultados em detrimento dos processos. Esse tipo de ensino não forma um aluno crítico e participativo. Chauí bem destaca essa questão, quando ressalta que este tipo de universidade

Não forma e não cria pensamento, despoja a linguagem de sentido, densidade e mistério, destrói a curiosidade e a admiração que levam à descoberta do novo, anula toda pretensão de transformação histórica como ação consciente dos seres humanos em condições materiais determinadas (CAHUÍ, 1999, p. 222 apud DOURADO, 2011, p. 56).

Este tipo de educação não alicerçada em uma postura crítica, e sim na mera apropriação de conhecimentos técnicos direcionados a reprodução social e a venda de serviços educacionais torna-se natural a expansão do setor privado, impactando nas instituições públicas que passam a perder sua autonomia, seus recursos estando submetidas a pressões no sentido de adequar suas pesquisas em favor das necessidades do mercado.

Frente a essa realidade de alienação e coisificação humana, a formação de outro homem faz-se necessária e pertinente. Formação no sentido pleno, completo em todos os sentidos: social, cultural, educacional e econômica e que assegure uma participação mais efetiva na sociedade. E a educação tem uma importante contribuição na consolidação desse processo de mudança.

A GESTÃO ESCOLAR NO CONTEXTO DAS REFORMAS EDUCACIONAIS.

Os anos 90 marcados por fortes reestruturações no setor econômico e educacional fundamentados no paradigma neoliberal trouxeram diversas mudanças para a gestão educacional, que deveria acompanhar as orientações capitalistas colocadas a nível mundial, principalmente para o campo educacional que visava uma formação específica do trabalhador.

Uma das ações principais era tornar o Estado mais ágil e eficiente, toma conta desse contexto ações direcionadas para um serviço público mais eficaz, flexível, descentralizado, menos burocrático e mais gerencial, com racionalização técnica e humana. A gestão escolar passou a ser organizada tendo por base os princípios do gerencialismo e da qualidade total.

De acordo com Fonseca e Oliveira (2009):

As mudanças que orientaram a Reforma do Estado brasileiro tiveram efeitos imediatos na gestão do sistema educacional. Na década de 1990 foram desenvolvidas modalidades de gestão que prometiam a melhoria dos indicadores de evasão e repetência, além do rendimento dos alunos, a autonomia e a participação da família, da comunidade educacional e da sociedade em geral em decisões afetas à escola. Compreendia-se, assim, a gestão escolar eficiente como aquela capaz de produzir mais com menor custo, inclusive buscando fontes alternativas para o financiamento da escola (p. 235).

 É importante destacar que o Brasil vem sofrendo grande influência dos organismos internacionais, mais especificamente do Banco Mundial que desde da década de 70, através do financiamento de grandes projetos industriais que tinham por objetivo modernizar a infraestrutura no país, contribuindo assim para uma grande concentração de renda e destruição da flora brasileira. A partir dos anos 80 o Banco Mundial, além de realizar empréstimos sob novas condições, passou a interferir nas políticas sociais dos países em desenvolvimento, dentre os quais o Brasil, sendo um dos principais responsáveis pela implantação de políticas de cunho neoliberal, baseadas em condições mais adequados ao desenvolvimento.

Soares (1998) bem destaca:

O Banco Mundial exerce profunda influência nos rumos do desenvolvimento mundial. Sua importância hoje deve-se não apenas ao volume de seus empréstimos e à abrangência de suas áreas de atuação, mas também ao caráter estratégico que vem desempenhando no processo de reestruturação neoliberal dos países em desenvolvimento, por meio de políticas de ajuste estrutural (p. 15).

Compreende-se a importância e a força que o Banco Mundial exerce no contexto neoliberal de modernização dos chamados países emergentes. Observa-se que ocorrem transferências de práticas aplicadas no setor privado para o contexto da esfera pública, com o objetivo de tornar esse último mais competitivos dentro da reestruturação produtiva capitalista.

Destaco nesse contexto o Banco Mundial por ser uma das agências financiadoras com ação direta no campo da educação, sendo responsável por financiar diversos projetos propostos pelas políticas educacionais do Brasil de cunho neoliberal.

De acordo com FONSECA e OLIVEIRA (2009):

Na década de 1990, os organismos internacionais tiveram presença marcante no Brasil, dentre eles a Unesco, o Unicef, o Pnud e o Banco Mundial (BM). Na educação básica, este último projetou-se como a principal agência internacional de cooperação, seja pela amplitude territorial e temporal de seus projetos, seja pela magnitude dos financiamentos (p. 235).

Buscava-se produzir no sistema educacional e especificamente na gestão escolar maior eficiência, menos burocratização e maior produtividade com menor custo. Desta forma a administração pública precisava ser repensada tomando uma nova configuração menos burocrática e centralizada, baseada no gerencialismo eficiente e eficaz, preocupado com os resultados quantitativos em detrimento do aspecto qualitativo, ou seja, não com o processo educacional que para nós é o cerne da questão.

Nesse contexto de Reforma do Estado Brasileiro, um novo modelo de gestão escolar passa a ser implementado nas escolas brasileiras fundamentado em uma administração gerencial, técnica, seguindo modelos empresariais.

Barreto (2007) ressalta:

Seguindo a linha de pensamento de Bresser Pereira (2005), os sistemas educacionais encontravam-se obsoletos, ineficientes, ineficazes, em face da baixa produtividade e de sua estrutura centralizada e burocrática, diante das demandas empresariais. Daí a necessidade de modernizar e adotar, nos sistemas de ensino modelos gerenciais que ajustassem a educação às emergentes exigências da economia e do mercado de trabalho. O mercado exigia a formação de um novo tipo de trabalhador capaz de se adequar às transformações ocorridas no modo de produção (p.39).

Pautada na concepção destacada acima que os sistemas educacionais e a gestão escolar passaram a se reorganizarem com o intuito de obedecer aos parâmetros organizacionais e administrativos impostos por essa nova configuração mercantil. O discurso da modernização das escolas e consequentemente da gestão escolar toma força e se fundamenta no aspecto da racionalidade econômica, que se transformou na referência principal para análise das políticas educacionais, comparando a instituição escolar a uma empresa.  Para que a escola se adapte as novas reestruturações mercantis, sua organização sofreu modificações que afetaram a forma de conceber a gestão escolar, a relação entre professores e alunos, o currículo escolar, o processo ensino-aprendizagem, as formas de avaliação, enfim os aspectos próprios da realidade educativa.

Logo faz-se necessário repensar esse modelo de gestão adotado pelas escolas públicas brasileiras, com objetivo de promover mais racionalidade de recursos materiais e humanos em busca de uma suposta qualidade educacional.

No âmbito dos sistemas de ensino, encontramos dois modelos opostos de gestão escolar: De um lado está uma gestão baseada nos princípios democráticos e do outro lado uma gestão pautada no gerencialismo mercadológico neoliberal.

Com os organismos internacionais direcionando as políticas educacionais dos países da América Latina de modo especial o Brasil, o setor educacional precisava se adaptar a esse contexto político, econômico e social que estava imperando na década de 90, vinculando a educação a formação de mão de obra especializada para atuar em um mercado cada vez mais exigente e competitivo.

Dinair Leal da Hora (2010) enfatiza que:

O governo federal iniciado em 1995, desde o seu início, realizou amplas mudanças no arcabouço normativo da educação escolar, no conteúdo curricular e na forma de gestão dos sistemas educacionais e das unidades escolares, utilizando-se majoritariamente da determinação autoritária e, também, recorrendo ao emprego de mecanismos de busca do consenso (p. 67).

A escola passa a ser compreendida como espaço de execução das políticas estabelecidas pelo MEC, atendendo aos ditames da política neoliberal para educação de cunho privatista, mercantil, reproduzindo a nova ordem mundial capitalista, influenciada pela lógica de mercado, transformando valores, posturas, o currículo, a formação e atuação dos professores, a avaliação, assim como a forma de administrar o espaço escolar, que passa a valorizar a racionalização de recursos, o trabalho técnico em detrimento do humano.

O trabalho do gestor toma outro direcionamento com o discurso de acompanhar as mudanças ocorridas no Brasil e no mundo, especificamente no perfil dos profissionais da educação. Logo a escola não poderia ficar de fora dessas mudanças, cabendo a esta se adequar na dinâmica das organizações privadas, adotando uma administração mais flexível, descentralizada com foco na produção, na redução de números de alunos evadidos e reprovados. Nesse contexto o fundamental é o cumprimento de metas e não o processo a ser construído.

No que se refere ao aspecto da descentralização tão destaca nessas políticas de cunho neoliberal, Oliveira (et al, 2014) coloca:

A descentralização administrativa, financeira e pedagógica e a flexibilidade na organização e funcionamento das escolas são importantes aspectos das reformas educacionais iniciadas nos anos 1990, que trouxeram maior autonomia à gestão das unidades escolares. A autonomia representa um ganho significativo para os profissionais da educação no sentido de que passam a ter maior liberdade para organizar seu trabalho e os tempos escolares. Implica, por outro lado, de modo geral, a ampliação de funções e maior responsabilização destes pelo sucesso educacional (p. 534).

A descentralização passa a ser utilizada como forma do governo tirar sua responsabilidade sobre a qualidade da educação, incumbindo total responsabilização pelo sucesso dos seus alunos, a instituição escolar, o que tem trazido sobrecarga de tarefas e responsabilidades aos profissionais da educação, especificamente ao gestor, que passa a ser alvo principal da toda comunidade. Essa medida na maioria das vezes é imposta pelos órgãos centrais e sem proporcionar uma adequada estrutura material e física para as escolas.

O Banco Mundial também propõe uma sistemática de avaliação pautada nos resultados da aprendizagem, que ganha relevância nessa circunstância, pois a avaliação externa é uma das formas mais eficazes de mensurar os resultados da aprendizagem dos alunos, assim como o que foi gasto por aluno formado, ou seja, o foco está no produto final, o que tem gerado grande impacto no trabalho docente, que passa a está condicionado a avaliações classificatórias, padronizadas e excludentes.

Sobre esse tipo de avaliação Oliveira (et al, 2014) ressaltam:

Os resultados dos exames de avaliação passam a ser utilizados como instrumento de comparação entre sistemas de ensino, e a qualidade e a eficácia do sistema educativo passam a ser medidas pelos resultados obtidos pelos alunos. Essas comparações têm sido largamente utilizadas tanto em âmbito nacional quanto internacional para criticar os sistemas educativos, seus currículos e forma de organização e justificar mudanças de políticas educacionais, inclusive em relação aos docentes (p. 536)

O conceito de avaliação processual, formativa, como construtora do conhecimento e da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, não é considerado nessa concepção neoliberal de enfoque consumista e gerencial. O que afeta radicalmente a escola e suas práticas, impactando na organização curricular, nas práticas docentes, no perfil e na formação dos alunos, no trabalho do gestor e nas relações construídas no chão da escola.

GESTÃO DEMOCRÁTICA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO CONTEXTO DAS REFORMAS EDUCACIONAIS.

Dois projetos antagônicos de educação estão em voga no país. De um lado encontram-se os que defendem uma educação privada, mercantil, eficiente, flexível, avaliações classificatórias de desempenho de professores, alunos e gestores em busca de padrões de excelência educacional, mais responsabilização das famílias e comunidades no processo educativo, redefinindo assim o papel do Estado perante as políticas públicas sociais. Por outro lado, tem-se os defensores de uma educação mais democrática, participativa no sentido pleno, autônoma, onde o Estado é o responsável em oferecer educação de qualidade para toda população, sem distinção de classe, ou condição social, e não uma participação onde setores privados adentrem a esfera educacional como defendem os organismos internacionais.

O projeto que defendemos aqui é de uma educação mais democrática, contrário ao proposto pelo Banco Mundial que enfatiza de acordo com Torres (1998) que “o Banco Mundial propõe uma redefinição do papel tradicional do Estado em relação à educação, uma redefinição dos parâmetros e prioridades da despesa pública, e uma contribuição maior das famílias e das comunidades nos custos da educação” (TORRES, 1998, p. 137).

Fica evidente que o Banco Mundial propõe para a educação uma redução do papel do Estado e mais responsabilidades para as famílias, dando espaço para entrada de ONGs na administração escolar. É nessa perspectiva que este organismo defende a democratização, a descentralização da gestão escolar de cunho empresarial e privatista. Tendo como base um modelo de escola que valorize a quantificação, a mensuração, os resultados com menos custos, e não o processo, não a formação de alunos críticos que tenham acesso a uma educação de qualidade no sentido social e não comercial, direcionada exclusivamente para a preparação de força de trabalho.

O gestor deixa de ocupar um espaço de pensador, condutor do processo educativo em suas variadas instâncias e passa a ser um técnico, cumpridor de tarefas pré-estabelecidas e pensadas por outros profissionais que estão fora ou nunca estiveram dentro de uma sala de aula.

Torres (1998) evidencia muito bem o que foi colocado acima:

O discurso econômico chegou a dominar o panorama educativo a tal ponto que o discurso propriamente educativo, o das realizações na escola e no sistema educativo como um todo, o das relações e dos processos de ensino-aprendizagem na aula, o da pedagogia, o da educação como tal e seus portadores, professores, pedagogos, especialistas em educação e áreas afins, são apenas considerados nesse discurso e na sua formulação. Tanto na esfera nacional como internacional, a política educativa encontra-se em geral e principalmente nas mãos de economistas ou de profissionais vinculados à educação mais a partir da economia ou da sociologia do que relacionados ao currículo ou à pedagogia. Boa parte de quem opina hoje sobre o que tem ou não tem de ser feito em educação, tomando importantes decisões neste campo, tanto no âmbito local como mundial, carece do conhecimento e da experiência necessários para lidar com os campos sobre os quais se pronuncia e decide (p. 139).

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN n° 9.394/96 trouxeram princípios básicos para a educação brasileira de modo específico para a gestão escolar. Na Constituição Federal de 1988 no artigo 206, Inciso VI, destaca “Gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. A LDB 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996 ressalta no artigo 3° VIII: “ Gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino. Também, em seu Art. 14, coloca:

Art. 14. Os sistemas definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

  1. Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola.
  2. Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Fica evidente que o princípio da gestão democrática da escola pública marco legal garantido em leis, tem como maior desafio a sua concretização no âmbito das instituições escolares, através de um trabalho coletivo e de políticas educacionais direcionadas para uma educação que liberte e emancipe.

Para consolidar práticas democráticas dentro da escola e consequentemente da gestão, é necessário compreender o conceito de democracia, onde estão imbricados uma série de valores que por anos estiveram ocultos e mal compreendidos pela comunidade escolar. A escola pública brasileira é fruto de um sistema opressor e escravocrata que durante anos perpetuou a dualidade educacional em função de duas classes antagônicas. De um lado valorizava-se a continuidade dos estudos através do ensino superior para as elites e para o outro lado restava o ensino profissionalizante destinado a formação da força de trabalho para a classe oprimida.

A maioria da população continuava sem acesso à educação de qualidade, o que contribuía para estarem a margem da participação e das decisões coletivas que ocorriam na sociedade e na escola de modo específico. Sem uma participação plena da comunidade escolar não existirá de fato uma gestão democrática.

Desta forma não se pode pensar em gestão democrática da escola, sem refletir no conceito de homem, como construtor da sua realidade, ou seja, de sua própria história. Como é possível esse homem existir numa sociedade capitalista e excludente como a brasileira?

Mendes (2009) nos traz a seguinte reflexão: “O homem é um ser histórico. Ele não reinventa tudo a cada nova geração. O conceito de homem, no sentido histórico, é naturalmente o de um ser de vontade, por isso, sujeito” (p. 35).

O homem é sujeito da sua história, pois possui capacidade de pensar, refletir, atuar, mudar, criar a sua realidade, participando ativamente dela e não apenas reproduzindo mecanicamente tudo que está a sua volta e a educação é um dos meios que fortalecerá a formação dessa concepção de homem cidadão.

A escola sendo uma instituição social que forma cidadãos deve ser um espaço para participação de educadores, alunos, pais e comunidade em geral, com objetivo de construir uma cultura da informação sobre os processos decisórios ali realizados.

Hora (2010) destaca muito bem essa questão:

Para garantir que uma escola seja verdadeiramente democrática, é preciso considerar dois elementos fundamentais:

  1. A criação de estruturas e processos democráticos pelos quais a vida escolar realiza-se, representada pela participação geral nas questões administrativas e políticas, pelo planejamento cooperativo na escola e na sala de aula, pelo atendimento a preocupações, expectativas e interesses coletivos e pela posição firme contra o racismo, a injustiça, o poder centralizado, a pobreza e a quaisquer formas de exclusão e desigualdade presentes na escola e na sociedade.
  2. O desenvolvimento de um currículo que ofereça experiências democráticas aos estudantes, cujas características estejam na multiplicidade das informações; no direito de se expressar e de se fazer ouvir na construção social do conhecimento; na formação de pessoas críticas da realidade; no processo criativo de ampliação dos valores democráticos e experiências de aprendizado organizado em torno da problematização e do questionamento (p. 50).

Uma gestão democrática perpassa por todos esses elementos elencados acima, pois não se constrói uma participação significativa sem se pensar em um currículo escolar crítico, que contemple tanto os conhecimentos científicos como também os saberes escolares, na criação de espaços onde os sujeitos têm voz e vez, onde são informados e chamados para participar dos rumos da escola e das suas decisões, não apenas como meros expectadores das opiniões prontas e colocas de cima para baixo.

É preciso compreender e consolidar a gestão democrática como mudança nas questões administrativas e burocráticas da escola, onde o gestor não é o único a tomar decisões, todos devem ser chamados começando pela eleição de diretores e consequentemente na formação dos conselhos escolares que é uma das formas de efetivação da gestão democrática participativa dentro das escolas públicas.

Esse paradigma quebra a ideia de um gestor centralizador, autoritário, individualista, focado no trabalho burocrático que pouco ou quase nada contribua para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, devido ao seu trabalho não ultrapassar as barreiras do fazer controlador de pessoas e horários, do cumpridor de metas estabelecidas não pela comunidade escolar e sim impostas pelos órgãos oficiais, distantes da realidade em que atua.

Pensar em uma gestão democrática não é algo simples e fácil, sobretudo para os gestores adeptos de uma postura burocrática e centralizadora, pois a participação dos profissionais que estão envolvidos com o processo educacional causa espanto. Logo é importante compreender que consolidar práticas participativas dentro desse contexto é algo difícil e complexo.

Estabelecer uma concepção de participação plena dos que fazem a escola não é um objetivo a ser alcançada a curto prazo, é pelo contrário um objetivo que requer dedicação, força de vontade daqueles que acreditam nesse aspecto como transformação de uma escola mais forte e democrática.

Mendes (2009) esclarece bem essa questão quando afirma que:

No caso de uma política participativa, em que as prioridades ou os princípios são definidos pelos cidadãos, faz-se necessário um processo de reflexão organizado que leve os sujeitos envolvidos na definição da política a perceberem a necessidade de ruptura com uma determinada estrutura escolar, o que não é tarefa trivial, sobretudo em situação de pouca tradição participativa (p. 93).

Um dos entraves para a participação plena dos cidadãos está na sua conscientização diante da sua realidade, como ele se vê enquanto sujeito que pensa e pode transformar. O sistema capitalista aliena, e inculca nas pessoas um modo de vida cruel excluindo-o do acesso às produções construídas coletivamente pela humanidade. Desta forma estando marginalizado o homem se sente incapaz, distante e sem forças para lutar pela sua própria mudança. Essa alienação causada pelo sistema capitalista dificulta que as pessoas reflitam o quanto são exploradas e desrespeitadas em sua vida social, política, cultural e material, tornando-se objetos facilmente manipulados pelo sistema dominante.

Logo uma gestão democrática que garanta a participação dos cidadãos na construção de uma escola melhor, de um currículo mais libertador, não atende a pedagogia dominante, que usa de estratégias cada vez mais audaciosas para manter seu status quo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da educação brasileira tem se mostrado como campo de grandes disputas de duas propostas antagônicas de educação. De um lado observa-se os que lutam pela perpetuação da opressão e pela manutenção do atual estado de alienação imposto pelo capital. De outro lado temos os defensores de uma educação que emancipe e respeite o homem no seu sentido pleno, como ser pensante e construtor dessa história.

As reformas educacionais impostas pelos organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, Unesco, Cepal) tem demonstrado a serviço de quem a educação está sendo moldada através do estabelecimento de metas a serem cumpridas que perpassam pela formação de mão de obra (força de trabalho), a implantação de uma gestão escolar pautada no gerencialismo, na eficiência, eficácia e na racionalização dos recursos. Em todos os casos observa-se uma preocupação com a educação básica mais especificamente com o ensino fundamental com o discurso de propiciar uma melhor participação na sociedade, e com uma distribuição de renda mais igualitária.

Contra essas condições de alienação, luta-se por uma educação consolidada nos princípios da teoria crítica que venha combater uma falsa cultura, direcionada ao consumo e a coisificação do homem, onde a liberdade intelectual deste acaba sendo tolhida e distanciada do seu contexto histórico-social, tornando-o um reprodutor da dominação existente no mundo capitalista.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em: 9 fev 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Planalto Central. Lei nº 9394/96. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm> Acesso em: 9 fev 2015.

BARRETO, Maria do Socorro Vieira. A formação continuada de gestores escolares em dois municípios mineiros: do Procad ao Progestão. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, maio de 2007.

DOURADO, Luís Fernandes. Política e gestão da educação superior no Brasil: múltiplas regulações e controle. In Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE) / Associação Nacional de Política e Administração da Educação: Maria Beatriz Luce. – Porto Alegre: ANPAE, 1997-.V. 27, n. 1 (jan/abr. 2011).

FONSECA, Marília. OLIVEIRA, João Ferreira de. A gestão escolar no contexto das recentes reformas educacionais brasileiras. In Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE) / Associação Nacional de Política e Administração da Educação: Maria Beatriz Luce. – Porto Alegre: ANPAE, 1997-.V. 25, n. 2 (mai/ago. 2009).

HORA, Dinair Leal da.  Gestão educacional democrática. 2°ed. Campinas SP, Alínea, 2010.

MENDES, Valdelaine. Democracia participativa e educação: a sociedade e os rumos da escola pública. São Paulo: Cortez, 2009.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. VIEIRA, Lívia Fraga. AUGUSTO, Maria Helena. Políticas de responsabilização e gestão escolar na educação básica brasileira. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 20, n. 43, p. 529-548, set/dez. 2014.

OLIVEIRA, Dalila Andrade. Educação Básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis: Vozes, 2000.

SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: política e reformas. In TOMMASI, Livia de. WARDE, Mirian Jorge. HADDAD, Sergio (orgs). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 2° ed. São Paulo, Cortez, 1998.

TORRES, Rosa María. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. (trad.) CORULLÓN, Mónica. In TOMMASI, Livia de. WARDE, Mirian Jorge. HADDAD, Sergio (orgs). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 2° ed. São Paulo, Cortez, 1998.