NOVA GESTÃO PÚBLICA E GESTÃO EDUCACIONAL: UM BREVE ESTUDO SOBRE O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR)

Resumo: A ideia de uma nova gestão pública, pautada no modelo gerencial, passou a ser adotada no Brasil a partir da década de 1990. Realizando uma revisão de literatura, este artigo objetivou analisar o PAR inserido no contexto de implementação do modelo gerencial. Para tal, discutiu-se a reforma do aparelho do Estado e a implantação do modelo gerencial na administração pública brasileira, abordaram-se as estratégias gerenciais na educação pública e analisou-se o PAR como planejamento estratégico para atuação dos entes federados na educação. Constatou-se que o PAR ainda está inserido em um contexto caracterizado pela descentralização de recursos e execução de serviços para os governos locais, ao mesmo tempo em que centraliza o poder de concepção e controle da política no governo federal.

Palavras-chave: gestão educacional; modelo gerencial; Plano de Ações Articuladas (PAR).


Introdução

Com o esgotamento do padrão de acumulação capitalista, agravado com a crise do petróleo de 1973 e a crise fiscal, o modelo burocrático se tornou demasiadamente rígido para dar conta do funcionamento interno do Estado. A burocracia passou a ser vista como um modelo de gestão inadequado e ineficiente frente às mudanças socioeconômicas e políticas. Surgiu, então, associada a uma inspiração do modelo gerencial e do pensamento neoliberal, a necessidade de uma nova gestão pública com vistas ao redimensionamento do papel do Estado nos serviços públicos.

O modelo gerencial, após sua maturação, nos anos 1980, nos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, ampliou-se para outras regiões do globo. Na América Latina, passou a ser adotado a partir da década de 1990. Nesse contexto, os organismos internacionais cumpriram um papel ideológico e intelectual na formulação da agenda educacional no continente latino-americano, difundido a ideia de que o sucesso da escola depende do uso de estratégias gerenciais para alcançar uma educação de qualidade. No Brasil, sobretudo a partir do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), propostas para modernizar a gestão educacional foram engendradas com o propósito de elevar os índices de desempenho da educação básica. Mais recentemente, no segundo mandato do Governo Lula, foi criado o Plano de Ações Articuladas (PAR) com a intenção de desenvolver o planejamento estratégico na atuação dos entes federados, isto é, pensar políticas a médio e a longo prazo.

Diante disso, partindo de uma revisão de literatura, este artigo teve como objetivo analisar o PAR inserido no contexto de implementação do modelo gerencial. Para tal, num primeiro momento, discutiram-se a reforma do aparelho do Estado e a implantação do modelo gerencial na administração pública brasileira. Em seguida, abordaram-se as estratégias gerenciais na educação pública. Por fim, analisou-se o PAR como planejamento estratégico para atuação dos entes federados na educação.

Reforma do aparelho do Estado brasileiro: o modelo gerencial na administração pública

No final da década de 1960, os países de capitalismo avançado se viram diante de um cenário de esgotamento do padrão de acumulação capitalista, agravado com a crise do petróleo de 1973 e a crise fiscal do Estado. Na dimensão econômica, entrou em crise as políticas assentadas no keynesianismo. Na dimensão social, o chamado welfare state se tornou incapaz de continuar a produzir políticas públicas universalistas. Na dimensão administrativa, o modelo burocrático se tornou demasiadamente rígido para dar conta do funcionamento interno do Estado. A burocracia passou a ser vista como um modelo de gestão inadequado e ineficiente frente às mudanças socioeconômicas e políticas. Conforme Bresser Pereira (2006, p. 241):

A administração pública burocrática clássica foi adotada porque era uma alternativa muito superior à administração patrimonialista do Estado. Entretanto, o pressuposto de eficiência em que se baseava não se mostrou real. No momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX cedeu definitivamente lugar ao grande Estado social e econômico do século XX, verificou-se que ela não garantia nem rapidez, nem boa qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao público. Na verdade, a administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos.

Apresentou-se, então, como alternativa, a promoção de um conjunto de reformas para redimensionar o papel do Estado, buscando reduzir os gastos públicos e reconfigurar o modelo de administração. Em meados da década de 1980, os governos de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos, de orientação neoliberal, recorreram ao modelo gerencial. Nesse sentido, introduziu-se, na administração pública, estratégias já praticadas na reestruturação produtiva privada, pautada no padrão de acumulação flexível, como a descentralização, o controle sobre o desempenho das atividades e foco na eficiência (ABRUCIO, 1997).

Num primeiro momento, o “gerencialismo puro” (ABRUCIO, 1997) buscou a máxima produtividade dos serviços públicos com eficiência, bem como a avaliação de desempenho e controle por resultados. Entretanto, o gerencialismo puro recebeu inúmeras críticas. Se de um lado, a busca pelo menor custo levou à redução de gastos sociais e com recursos humanos, além da aplicação de técnicas como a avaliação de desempenho dos servidores e das organizações e o controle orçamentário, de outro, mostrou-se inadequado, pois, diferentemente do setor privado – que foca a produção para o mercado, a competitividade, a relação custo-benefício e a lucratividade –, a administração pública deve concentrar-se no atendimento das demandas da sociedade, ainda que este represente um alto custo. Assim, ao priorizar o menor custo, o Estado desconsiderava a avaliação da efetividade dos seus serviços. Reconhecida a necessidade de se observar este aspecto, buscou-se incorporar novos significados ao gerencialismo, estabelecendo, sobretudo, a ênfase na flexibilidade da gestão.

Assim, adveio uma segunda fase, a qual passou a priorizar a qualidade do serviço prestado, baseado nas necessidades de seu usuário, agora considerado como cliente: o consumerism (ABRUCIO, 1997). Este tinha como foco o “consumidor” com o argumento da melhoria da qualidade. Tiveram-se como medidas a descentralização, a competição entre as organizações e um modelo contratual para o setor público. As críticas ao consumerism direcionaram à própria ideia de “consumidor”,  devendo ser substituído pelo de “cidadão”.

Em seguida, surgiu outra reformulação do modelo gerencial, que ficou conhecido como Public Service Orientation (PSO). Este orientava-se pela implantação de novos conceitos, como transparência, accountability e equidade social. O PSO redimensionou o significado da descentralização, em que o governo local torna os cidadãos capazes de participar das decisões que afetam suas vidas. No modelo gerencial puro, a descentralização era valorizada como meio para tornar mais eficazes as políticas públicas. No consumerism, a descentralização era importante porque aproximava o centro de decisões dos serviços públicos dos consumidores. O PSO resgata os ideais de participação política dentro de um conceito mais amplo – o da esfera pública: transparência como proteção contra formas particularistas de intervenção na arena estatal. Além disso, o conceito de competição é repensado, ressaltando mais a possibilidade de cooperação entre as agências de modo a melhorar a oferta dos serviços públicos. O PSO foi pensado dentro dos parâmetros do poder local, onde o cidadão tenderia a controlar a qualidade dos serviços públicos (ABRUCIO, 1997).

O modelo gerencial, após sua maturação nos governos neoliberais dos Estados Unidos e da Inglaterra, ampliou-se para a Europa Ocidental, Leste Europeu e países de capitalismo dependente. O Consenso de Washington, realizado em 1989, teve papel fundamental para discutir reformas neoliberais para a América Latina. Deste Consenso, resultaram cinco eixos principais: redução dos gastos públicos; abertura para o comércio exterior; liberalização para o capital financeiro internacional; desregulamentação das leis econômicas e trabalhistas; e privatização das estatais. O Centro Latinoamericano de Administração para o Desenvolvimento (CLAD, 1999) cumpriu o papel de orientar a reforma do Estado e a modernização da administração pública, através de reuniões, publicações, estudos/pesquisas e implementação de cooperação técnica entre os países membros, prescrevendo o modelo gerencial (CABRAL NETO, 2009).

No Brasil, a ideia de uma administração pública gerencial ganhou força a partir da década de 1990, juntamente com a adoção do neoliberalismo como política de Estado. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), formulado no Governo FHC, buscou implementar políticas neoliberais e gerenciais de Estado mínimo, mais “enxuto” e flexível, fundamentado nos princípios da eficiência, produtividade, descentralização administrativa e avaliação/controle dos serviços públicos.

Para Bresser Pereira (2006), a reforma estatal teve como principais objetivos viabilizar o ajuste fiscal (à curto prazo), e promover uma administração pública mais eficiente e moderna (à médio prazo), buscando atender as demandas dos cidadãos. Com relação ao ajuste fiscal, a reforma pretendia, primariamente, enxugar o quadro de servidores, regulamentar o teto remuneratório dos funcionários e alterar o sistema de aposentadorias, aumentando o tempo de serviço e a idade mínima para se aposentar, além de fixar um tempo mínimo para o exercício profissional e vincular o valor da aposentadoria ao tempo de serviço. Ao tratar da modernização e da maior eficiência da administração pública, Bresser Pereira (2006) expressa que a proposta de reforma estatal visava fortalecer e descentralizar a administração direta, a partir da criação de agências autônomas e organizações sociais, controladas por contratos de gestão. Além de definir quatro setores dentro do Estado:  “a) o núcleo estratégico do Estado; b) as atividades exclusivas do Estado; c) os serviços não-exclusivos ou competitivos e, d) a produção de bens e serviços para o mercado” (BRESSER PEREIRA, 2006, p. 258). Os serviços não-exclusivos e a produção de bens para o mercado – em que se inclui a educação – foram direcionados para o setor privado.

Abrucio (1997) compreende o sistema administrativo brasileiro de forma híbrida, na medida em que setores da administração pública se moldam à burocracia ou ao gerencialismo em função da melhor conveniência para a prestação do serviço público. Abrucio (2007) afirma ainda que o governo Lula deu continuidade à modernização do Estado brasileiro. Portanto, pode-se afirmar que as matrizes conceituais do modelo gerencial têm avançado no aparelho estatal brasileiro, embora ainda existam fortes práticas burocráticas.

Estratégias gerenciais na educação pública: (des)centralização para aumentar a eficiência e a produtividade

O processo de reforma desencadeado no continente latino-americano, em consonância com o direcionamento para o setor público, tinha a intenção de construir consensos regionais e conceber um projeto de educação para a região, no qual o Projeto Principal de Educação (PPE) e o Programa Educação para Todos (EPT) são representativos (CABRAL NETO; RODRIGUEZ, 2007). As orientações para América Latina repercutiram diretamente nas escolas públicas brasileiras, principalmente na nova forma de conceber a sua gestão. Conforme aponta Cabral Neto (2009, p. 196)

O argumento fundante desse movimento de modernização da gestão no setor público, no país, põe em relevo a necessidade de modernizar a gestão educacional em todas as suas instâncias, abarcando os níveis macro (ministérios), intermediário (secretarias estaduais e municipais de educação) e micro (escola) dos sistemas de ensino.

As estratégias gerenciais na educação pública incluíram, de um modo geral, as ideias de empoderamento, responsabilização e descentralização, distribuindo tarefas e delegando poder de decisão a níveis inferiores da escala organizacional. Desse modo, a comunidade escolar passou a ser responsável diretamente por suas decisões no interior da escola, pelo seu sucesso ou pelo seu fracasso. Foram estimuladas instâncias colegiadas a fim de que a comunidade escolar tivesse autonomia para planejar, acompanhar, controlar e avaliar diretamente as ações deliberadas. Cabral Neto (2009, p. 198) expõe que

Constrói-se o argumento de que o modelo gerencial, por suas características (flexibilidade, descentralização e participação dos atores no processo educacional), estrutura-se como um novo paradigma para a gestão pública, apresentando-se, desse modo, como uma forma de responder aos desafios de melhoria da eficácia e da eficiência dos sistemas educativos. Para viabilizar uma gestão com essas características, foram organizadas ou reorganizadas várias estruturas nas instâncias do sistema educacional no país. Foram criados os conselhos escolares e os conselhos de controle social, adotadas as eleições de diretores, reorganizados os conselhos estaduais e municipais de educação e, no nível micro dos sistemas, elaborados os Projetos Político-Pedagógicos.

Segundo Araújo e Castro (2011), algumas críticas fora apontadas ao modelo gerencial no campo da educação, sobretudo pelo fato de algumas responsabilidades terem sido transferidas sem os recursos orçamentários, pedagógicos e humanos que permitissem criar escolas efetivamente autônomas. Além disso, o gerencialismo ressignificou noções também defendidas pela concepção democrática de gestão, esvaziando seu sentido sociopolítico. Autonomia, no enfoque gerencialista, passa a expressar consentimento para construir uma cultura de empresa na escola. A descentralização se tornou em um mecanismo de desconcentração de responsabilidades, e não de poder. A participação se tornou uma técnica de gestão, um fator de coesão e consenso, eliminando o debate e o confronto de ideias. Assim, a organização e a gestão escolar tornam-se despolitizadas e se apresentam como instrumentos técnico-racionais legitimadas pela lógica de modernização da reforma educativa.

Araújo e Castro (2011) observam que há, nesse contexto, uma tendência de retirar cada vez mais do Estado o seu papel executor e transferir para a sociedade a responsabilidade pelos serviços. Além disso, contraditoriamente, simultâneo a esse processo de descentralização, há um reforço da centralização no governo central por meio da fixação de objetivos e a avaliação de resultados.

Porém, como ressalta Castro (2007), apesar das críticas feitas ao modelo gerencial pela apropriação inadequada de termos da concepção democrática (participação, autonomia, descentralização...) é possível utilizar-se dessas estratégias para a superação do modelo e para a implantação de uma gestão efetivamente democrático-participativa (LIBÂNEO, 2013) nas escolas públicas.

Nesse cenário, políticas para implementar o modelo gerencial na educação pública, através do planejamento estratégico, têm sido promovidas pela União. Embora apresentem um discurso de gestão participativa, elas são marcadas pela centralização de poder do governo federal, bem como a desconcentração de recursos e execução de serviços para os governos locais.

Plano de Ações Articuladas (PAR): planejamento estratégico para atuação dos entes federados na educação

O federalismo brasileiro vem se redimensionando ao longo de décadas, com a finalidade de materializar propostas balizadoras para a organização territorial e política do país, inclusive no que se diz respeito às assimetrias regionais. Conforme Abrucio (2010, p. 41), o sistema federativo pressupõe “[...] os princípios de autonomia dos governos subnacionais e de compartilhamento da legitimidade e do processo decisório entre os entes federados”, de modo a garantir a colaboração entre os níveis de governo a fim de implementar políticas públicas com vistas a reduzir as desigualdades.

Uma das fragilidades encontrada pelo federalismo corresponde ao não cumprimento de sua função redistributiva e supletiva, ocasionando ainda mais desigualdades. Um dos impasses na institucionalização de um regime federativo corresponde ao enfraquecimento das relações constituídas entre o governo nacional e os governos subnacionais. Dessa maneira, busca-se efetivar o regime de colaboração, de modo que os entes federados possam superar as fragilidades financeiras e técnicas.

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer em seu art. 211 que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino” (BRASIL, 1988), dispõe para cada ente federado responsabilidades acerca da organização de suas instituições escolares, buscando definir formas para assegurar a universalização do ensino. No sistema educacional, a organização é proposta no plano político e administrativo. Dourado (2014), porém, ressalta que um dos embates da educação hoje diz respeito à conexão entre os entes federados. Cabral Neto (2014, p. 50), ao falar do federalismo brasileiro, deixa claro que

Esse modelo inclui a descentralização do poder e repartição das competências entre a união, os estados, o distrito federal e os municípios. A sua concretização, entretanto, se depara com substanciais desafios porque, como já assinalado, o Brasil tem uma tradição de demarcada pela hipertrofia do papel da união e pela debilidade dos outros entes federados (principalmente dos municípios). Há de se considerar, ademais, que outro problema que enfrenta a viabilização do regime federativo, no país, é tradição de práticas centralizadoras que foi a marca mais presente na nossa trajetória.

O referido autor ressalta que um dos problemas que a educação encontra atualmente é a centralização de poderes. No Brasil, prevalece uma autonomia relativa dos subgovernos nacionais, em que os entes federados são responsáveis pela execução das políticas, centralizando-se no Estado central a avaliação das políticas. Assim, fragiliza-se a autonomia dos entes federados.

Atendendo às demandas do mercado, base fundamental do sistema neoliberal, o modelo de administração passa de burocrático para gerencialista. Nesse modelo “[...] a educação adota na realização dos seus serviços, e tem, como estratégia, a descentralização das atividades, tradicionalmente desenvolvidas pelo Estado [...]” (FRANÇA, 2015, p. 198). Dessa forma, o Estado transfere suas responsabilidades para a sociedade civil a qual se torna responsável de gerir os planos, programas e projetos sob princípios de descentralização.

Entende-se descentralização no sistema federativo como “[...] saída mágica para todos os problemas, tem sido frequentemente definida pelos governos subnacionais [...]”, sendo estes os que mais sofrem as consequências do “[...] excesso de centralização que se revelam em dependências financeiras e técnico-administrativa” (LOBO, 1990, p. 7). Nesse sentido, a descentralização tem caracterizado as relações intergovenamentais na medida em que os governos estaduais e municipais tornam-se subordinados às políticas de assistência técnica e financeira do governo federal.

Conforme Lobo (1990), os estados e municípios vem perdendo sua capacidade de atuar como agentes de governo e defendem a descentralização como alternativa para resolução dos problemas. Esse processo de descentralização desdobra-se nas seguintes vertentes: financeira, através da distribuição de receitas; e político-institucional, por meio de novos arranjos nas relações intergovernamentais.

Várias propostas e ações têm se materializado em programas que, em conjunto do regime de colaboração, têm se desenvolvido em plano local a fim de melhorar a qualidade da educação brasileira. Nesse contexto, no segundo mandato do Governo Lula, foi elaborado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que, articulado ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), tem buscado uma nova realidade socioeconômica para o país. O PDE é constituído por programas que abrangeram as diversas etapas e modalidades da educação básica até à educação superior.

O PDE foi instituído como uma política de governo com o objetivo de substanciar programas e ações em um planejamento maior na busca do avanço no modelo educacional vigente. Um dos eixos do PDE para melhorar a educação básica é o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, estabelecido pelo Decreto n° 6.094/2007, que prevê os esforços da União, estados, municípios e Distrito Federal, através do regime de colaboração, da participação da família e da comunidade para melhorar a qualidade da educação.

A adesão dos estados e municípios ao Plano de Metas é voluntária, sendo que cada ente federado torna-se responsável por promover melhorias na qualidade educacional, tendo em vista o cumprimento das vinte e oito diretrizes fixadas no Compromisso, que serão aferidas através do rendimento dos estudantes em avalições externas (BRASIL, 2007).

Decorrente do Plano de Metas surgiu o Plano de Ações Articuladas (PAR), pensado como instrumento de planejamento para atender a proposta de subsidiar ações e programas direcionadas à educação básica, na busca de melhorias e fortalecimento na atual conjuntura política educacional. O PAR é um programa elaborado pelo MEC na instância da União, responsável por prestar assistência técnica e financeira às redes públicas de ensino estaduais e municipais. Quanto à função da União, Farezena (2012, p. 14) afirma que

O esperado da União, por meio da assistência, não é um mero apoio, ou qualquer apoio, mas apoios capazes de suplementar as capacidades estaduais e municipais, bem como oferecer recursos técnicos e financeiros que tenham poder e efeito redistributivo, com a baliza de oferecer garantias colocadas num patamar elevado: equidade e padrão de qualidade da Educação [...]

Para elaboração do PAR, o Ministério da Educação disponibilizou os seguintes instrumentos que permitem uma análise da realidade educacional dos estados e municípios: Indicadores Demográficos e Educacionais (IDE), Instrumento Diagnóstico, Manual de Elaboração do PAR Estadual, Instrumento Diagnóstico, Manual de Elaboração do PAR Estadual, Instrumento Diagnóstico do PAR Municipal e o Guia Prático de Ações do PAR Municipal. Estruturalmente, o PAR está dividido em quatro dimensões: Gestão Educacional; Formação de Professores e de Profissionais de Serviço e apoio Escolar; Práticas Pedagógicas e Avaliação; e Infraestrutura Física e Recursos Pedagógicos. As dimensões são divididas em áreas e estas, por sua vez, em indicadores.

O PAR é um instrumento de planejamento plurianual (quatro anos). Seu mecanismo de avaliação utilizado pelo MEC para julgar a qualidade do ensino nas escolas da rede pública de ensino, com expectativas a atender as demandas postas no plano de acordo com série/ano, são os resultados previstos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Vale ressaltar que o IDEB é um indicador de avaliação da qualidade do ensino muito criticado pelos educadores, visto que isoladamente não é uma ferramenta capaz de avaliar o ensino em sua amplitude. “[...] o IDEB não aborda questões fundamentais capazes de aferir com maior eficiência os níveis de qualidade do ensino” (CAMINI, 2010, p. 545). Corroborando com a autora, a avaliação da educação não se restringe apenas a meros dados quantitativos, pontuados em larga escala. Cabe uma avaliação mais ampla do sistema, em que outros aspectos – como infraestrutura, situação socioeconômica dos alunos, salário e condições de trabalho de professores, participação dos pais na escola etc. – sejam pontos a serem acrescidos.

A construção do diagnóstico do PAR é realizado por uma equipe local, que avalia a educação nas redes ensino de acordo com os indicadores presentes no PAR. Nessa fase do diagnóstico, a equipe irá pontuar de 1 a 4 os indicadores de cada dimensão. As pontuações 1 e 2 descrevem uma situação crítica ou inexistente, sendo necessário ações que poderão receber assistência técnica ou financeira do MEC. As pontuações 3 e 4 apresentam uma situação mais positiva ou satisfatória, não sendo previstas ações do MEC, mas podem contar com ações implementadas pelo estado ou município.

O PAR se constitui em um planejamento estratégico que busca melhorias nas instâncias mais frágeis de cada governo local, tendo ainda como propósito aniquilar as desigualdades entre estados e municípios através do regime de colaboração e diminuir a centralização de poder na União. A assistência técnica e financeira proporcionou uma ampliação para melhoria da qualidade do ensino, visto que vários setores melhoraram com a adesão ao Plano, como infraestrutura, formação de professores, efetivação de práticas de gestão democrática, dentre outros. Diante disso, é possível afirmar que ocorreram avanços, porém ainda existem obstáculos encontrados pelos sistemas que precisam ser superados. Entre essas dificuldades, são apontadas a avaliação focada no IDEB e as práticas de centralização por parte da União, em que os subgovernos não participam da construção do diagnóstico e não podem modificá-lo.

Dessa maneira, percebe-se que

Esta política de governo federal constitui-se em um plano estratégico, de ordem desenvolvimentista com fundamentos gerenciais, acentuados ao reclamar performance aos entes federados na gestão da educação de seus sistemas escolares. Esta característica leva o PDE a se focar estritamente nos resultados positivos mensurados a partir do IDEB, entendido dentro da lógica do governo federal como um quantitativo de sinônimo de qualidade. (SOUSA, 2015, p. 126).

Assim, percebe-se que a política educacional ainda é marcada, por um lado, pela descentralização de recursos e execução de serviços para os governos locais e, por outro, pela centralização de poder no governo federal. O regime de colaboração, contudo, possibilita uma nova configuração na implementação de política públicas, que busca a colaboração dos entes federados na criação e execução de ações, como no caso do PAR, que visa instituir uma dinâmica de colaboração entre os entes federados na educação, sendo a União responsável para promover apoio técnico e financeiro aos municípios. Contudo, o regime de colaboração prevê que todos os entes federados devem colaborar para promoção da qualidade da educação básica, desse modo estados e municípios podem auxiliar técnica e financeiramente entre si.

Considerações finais

As transformações socioeconômicas e políticas ocorridas, ao longo dos últimos trinta anos, configuraram um quadro de mudanças estruturais, que incluiu a reforma do aparelho de Estado dos países capitalistas. Inspirando-se no ideário neoliberal – primeiro nos países de capitalismo avançado e, posteriormente, no restante do globo, incluindo a América Latina –, o modelo gerencial foi paulatinamente dando forma à nova gestão pública. No geral, o Estado, reduzindo seu papel, assumiu um caráter descentralizador das responsabilidades, focando os serviços prestados no princípio da eficiência.

Ressalta-se, porém, que, no Brasil, a administração pública gerencial não rompeu radicalmente com as práticas burocráticas. De todo modo, a tendência tem sido o incentivo às parcerias, a adoção de mecanismos de avaliação de desempenho, a maior autonomia em todos os níveis hierárquicos, a descentralização, a adoção do planejamento estratégico, a flexibilização das regras que regem a burocracia pública, a profissionalização do servidor público e o desenvolvimento de habilidades gerenciais.

Esse modelo gerencial tem sido a matriz inspiradora da gestão educacional que se tem buscado implementar no Brasil. Nesse contexto, inseriu-se o PAR, como parte do Compromisso. O PAR tem se constituído em um planejamento estratégico que busca melhorias nas instâncias mais frágeis de cada governo local, tendo ainda como propósito erradicar as desigualdades entre estados e municípios através do regime de colaboração.

No entanto, as políticas educacionais ainda estão caracterizadas, por um lado, pela descentralização de recursos e execução de serviços para os governos locais e, por outro, pela centralização de poder no governo federal. Diante disso, cabe aos defensores da gestão educacional participativa assumirem o protagonismo na reflexão crítica e se engajarem na difusão de valores democráticos, exigindo que todos os entes federados colaborarem para a construção de uma educação básica de qualidade, empoderando efetivamente os governos locais e a comunidade escolar.

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