GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJOVEM URBANO EM VITÓRIA DA CONQUISTA (BA)
Resumo: O artigo apresenta o Projovem Urbano como carro-chefe das políticas públicas de juventude. O objetivo desta pesquisa foi compreender como ocorreu o processo de implementação do Programa no município de Vitória da Conquista (BA). Os sujeitos foram um membro do comitê gestor local, dois membros da coordenação local e seis educadores do programa. Conclui-se que o Programa vem sendo implementado no município envolto em uma correlação de forças político-partidárias na composição do governo, que bem alinhado interfere positivamente na execução da política. Se mal alinhado, interfere de forma negativa, pois as relações de poder se sobrepõem às demandas sociais e isso interfere na execução das políticas.
Palavras-chave: Gestão; Políticas Públicas; Projovem Urbano.
INTRODUÇÃO
A Reforma do Estado ocorrida aqui no Brasil, na década de 1990, ele (o Estado) não perde importância, mas, sim, desloca seu papel primordial da implementação para a regulação e controle. Nesse sentido, o Estado Salientamos que neste estudo entendemos o Estado como “o complexo das atividades práticas e teóricas com o qual a classe dominante não somente justifica e mantém a dominação como procura conquistar o consentimento ativo daqueles sobre os quais ele governa” (GRAMSCI, 1971, p. 244). deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social e passa a desempenhar o papel de promotor e regulador desse desenvolvimento. Como estrutura organizacional propõe a descentralização e redução de níveis hierárquicos, cabendo ao Governo Federal a função de regulador e coordenador e aos seus entes federados (estados e municípios) a função de executor das políticas públicas. Essa reforma moldou o pensamento, a formulação e a implementação das políticas públicas de juventude no Brasil.
Atualmente, dados de 2013, são 51 milhões de jovens (entre 15 e 29 anos), o que representa pouco mais de 26%, dos quase 200 milhões de habitantes do Brasil (IPEA, 2013). Essa “onda jovem” contribuiu para que o segmento juvenil entrasse, mesmo que tardiamente, na agenda governamental na década de 1990 e, em especial, a partir da década de 2000. Porém somente a partir de 2005 o Brasil construiu uma experiência no campo das políticas públicas de juventude. Destacam-se, no período: a criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) e do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Outro aspecto importante para o fortalecimento da institucionalidade das políticas públicas de juventude foi a promulgação, em julho de 2010, da Proposta de Emenda à Constituição 42/2008, a chamada “PEC da Juventude”, que insere o termo “juventude” e estabelece a faixa etária de 15 a 29 anos para essa população (CARRANO, 2011), e a aprovação do Estatuto dos Direitos da Juventude, em 05 de outubro de 2011 (PAPA; FREITAS, 2011).
Em 2007, após uma avaliação do Projovem Original, o Governo Federal reorganizou os programas e projetos e lançou em 2008 o Projovem Integrado. Sua finalidade primordial é proporcionar a inclusão social e educacional de jovens considerados em vulnerabilidade social, amplia a faixa etária para 18 a 29 anos e apresenta como exigência para o ingresso no programa que o jovem saiba ler e escrever e não tenha concluído o ensino fundamental.
O Projovem Urbano, uma das modalidades do Projovem Integrado, caracterizou-se como o carro-chefe das políticas públicas de juventude, o que, segundo a Secretaria Nacional de Juventude (BRASIL, 2011), ampliou a visão do governo federal sobre a importância da juventude na construção da democracia, e permitiu ao Estado avançar na superação da visão de “jovem problema” para o reconhecimento dos “jovens como sujeitos de direitos”.
METODOLOGIA
Este estudo configura-se como uma pesquisa exploratória e descritiva, pois, segundo Gil (2008, p. 47), esse tipo de pesquisa vai “além da simples identificação da existência de relação entre variáveis, pretendendo determinar a natureza destas relações”, ou seja, tem como objetivo, além de descrever as características de determinada população ou fenômeno, levantar as opiniões, as atitudes, as crenças e as práticas desse grupo.
Fizeram parte da pesquisa as seguintes sujeitos: 01 (um) membro do comitê gestor local, 02 (dois) membros da coordenação local e 06 (seis) educadores do programa. Todos os sujeitos foram escolhidos por terem participado das duas entradas Cabe esclarecer, o termo “Entrada” é utilizado, pela coordenação nacional, para definir o grupo de turmas que iniciou as atividades do programa em determinado momento. Por exemplo, a entrada referência para este estudo é a 1ª Entrada e a 2ª entrada, ou seja, trata-se do primeiro grupo de municípios/ turmas do Projovem Urbano, que começou a funcionar em Setembro de 2008 e terminou em abril de 2010 e o segunda turma que teve início em maio de 2010 e terminou em novembro de 2011. Salientamos, porém, que no município convencionou-se chamar de primeira etapa (2008/2010) e segunda etapa (2010/2011) respectivamente. do programa. De acordo com a natureza da nossa investigação, utilizamos as seguintes técnicas de coleta de materiais: o grupo focal e a entrevista guiada e análise documental.
Especificamente, as entrevistas guiadas foram realizadas: com um membro do comitê gestor local, o secretário da Agência de Desenvolvimento, Trabalho e Renda (ADTR), pois, além de ser o coordenador do comitê gestor, estava à frente da Secretaria e tinha uma articulação mais próxima com a coordenação local do programa; e com os membros da coordenação local – coordenador pedagógico e coordenador executivo.
O grupo focal foi escolhido como técnica a ser aplicada com os educadores do programa por dois motivos: primeiro, para que esses agentes implementadores pudessem interagir, trocar experiências, compartilhar a sua atuação no programa, além de deixarem transparecer suas inquietações, frustrações e expectativas; o segundo, pela possibilidade de criar um clima de descontração e troca de experiências.
Para a análise dos materiais coletados, utilizamos a técnica de análise de conteúdo referenciada por Laurence Bardin. A análise de conteúdo, segundo Bardin (1977, p. 42), “é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”.
REFERENCIAL TEÓRICO
Ao analisarmos as políticas educacionais, em especial o Projovem Urbano, no processo de descentralização / centralização, percebemos um forte conteúdo gerencial, pois se apresenta como uma política de inclusão que tem como foco a elevação da escolaridade de forma aligeirada com enfoque na certificação e não na qualificação, na preparação do jovem para as novas demandas do mercado de trabalho, além do desenvolvimento de ações comunitárias protagonizadas pelos jovens. Nitidamente uma ação do Estado para o controle da pobreza, mas, sobretudo, a serviço do capital na medida em que preza pela certificação e qualificação do jovem para um mercado de trabalho precário.
Nessa perspectiva, Rua (2009) apresenta a análise de políticas públicas como uma importante ferramenta tanto para melhorar o entendimento acerca da política e do processo político (formulação, implementação e avaliação) em sua função descritiva, quanto apresentar proposições para o aperfeiçoamento das políticas públicas assumindo uma função prescritiva ou propositiva. Secchi (2013, p. 55) aponta a fase de implementação como “aquela em que regras, rotinas e processos sociais são convertidos de intenções e ações”. Nessa etapa são produzidos os resultados concretos da política.
Rua (2009) afirma que a implementação consiste em um conjunto de decisões a respeito da operacionalização das decisões tomadas que deixam de ser consideradas intenções e passam a ser intervenção da realidade. Mainardes (2006), inspirado nos trabalhos de Stephen Ball e Richard Bawe, nomeia essa fase de contexto da prática, a política está sujeita à interpretação e recriação por parte dos agentes implementadores. Nesse contexto, a política produz efeitos e consequências que podem representar mudanças significativas na política original. Nessa fase, então, os educadores e demais profissionais exercem, por exemplo, um papel ativo no processo de interpretação e reinterpretação das políticas, ou seja, os valores, as crenças dos atores executores interferem no processo de implementação das políticas públicas.
Assim, a implementação de políticas públicas “não se traduz apenas em problema técnico ou problema administrativo, mas sim em um grande emaranhado de elementos políticos que frustram os mais bem-intencionados planejamentos” (SECCHI, 2013, p. 56). Portanto, a importância de se estudar essa fase é justamente pela possibilidade de visualizar os obstáculos e as falhas, além de enxergar erros anteriores à tomada de decisão, a fim de detectar problemas mal formulados, objetivos mal traçados e otimismos exagerados.
Frey (2000) aponta alguns obstáculos práticos para a implementação das políticas públicas em âmbito local. Ele afirma que diante da fragilidade e precariedade das instituições democráticas, observadas em países em desenvolvimento, como é caso brasileiro, de democracia não consolidada e não institucionalizada, mas que tem caráter persistente de democracia delegativa Democracia delegativa é caracterizada pela fraqueza e reduzida densidade de suas instituições, nas quais a influência sobre as decisões políticas fica reservada a uma elite classista (FREY, 2000)., forças institucionalizadas não formais desempenham a função de sustentáculos do poder oligárquico que exercem influência decisiva no processo político administrativo, sobretudo o clientelismo, o patrimonialismo e a corrupção. Nesse âmbito, o Estado “se baseia em formas clientelistas de interação, visa o caso individual e não soluções coletivas” (FREY, 2000, p. 249). Ainda segundo esse autor, o exercício de poder empreendido pelas elites políticas e econômicas, no caso brasileiro, parece determinar os rumos do país, mais do que quaisquer arranjos, independente do quão institucionalizados sejam. Ainda hoje, no Brasil, encontramos tempos da oligarquia, ou seja, as influências particulares e as ações individuais têm uma influência relativamente maior sobre os acontecimentos políticos.
Para Frey (2000), o caráter fluído das estruturas institucionais, que caracteriza o sistema político brasileiro, é mais evidente em nível municipal, no qual podemos observar uma efervescência de experimentações democráticas. No que se refere à análise das políticas públicas no município, isso significa que teremos que levar em consideração, além da fragmentação e setorialização do processo político, mas acima de tudo a interferência de padrões peculiares de comportamento político como o clientelismo, o populismo e o patrimonialismo que exercem influência na definição e execução das políticas públicas maiores que as instituições formais.
Outra dificuldade seria a falta de orientação ideológica – programática da população e ou dos partidos. Como exemplo, Frey (2000) assinala que o carisma de um candidato, como político singular, pesa bem mais do que a orientação programática de seu partido. Com isso, conjectura esse autor que também a rede dos atores políticos pode determinar o processo político. Por isso, na análise de política pública devem-se levar em consideração as interdependências recíprocas entre as instituições políticas, os processos políticos e os conteúdos concretos da política.
As dificuldades encontradas na análise de políticas públicas sociais em âmbito municipal, segundo Frey (2000), também tem a ver com a cultura política e administrativa, pois estas são responsáveis pela configuração específica das estruturas, dos processos e funções de cada instituição. Por essa razão, a análise de políticas públicas deve levar em consideração não apenas as instituições em si, mas também os próprios atores políticos. Sobre cultura política, Inojosa (2001, p. 103) conjectura que há também no aparato governamental uma herança de “hierarquia verticalizada, piramidal, em que os processos percorrem vários escalões, mas as decisões são tomadas apenas no topo, não na base próximo a população”.
Nesse mesmo sentido, Rua (2009) apresenta alguns impedimentos práticos para a implementação das políticas públicas no Brasil, entre eles um dos aspectos mais recorrentes nas políticas públicas brasileiras é a fragmentação. Embora as demandas da sociedade impliquem a articulação e a cooperação entre diversos agentes setoriais, o que percebemos é uma forte separação e demarcação na atuação de cada um dos agentes. Por exemplo, um programa como o Projovem Urbano que demanda a cooperação de diversos setores administrativos do poder executivo municipal, se esses setores não conseguirem se articular e dialogar para realizar ações conjuntas isso trará danos para a implementação do projeto no município. Nesse percurso, as secretarias seriam ilhas que trabalhariam isoladamente e não conseguiriam executar a política de forma intersetorial. Inojosa (2001) também informa que o aparato governamental é todo fatiado por conhecimentos, por saberes, por corporações, e em virtude dessa visão disciplinar da gestão pública, não enxerga as pessoas e suas famílias como a totalidade que são.
Devido à fragmentação dos setores administrativos, como consequência temos a competição interburocrática, movida muitas vezes pela incapacidade dos gestores (burocratas e políticos) compreenderem a necessidade de se articularem ações e decisões em prol de um interesse comum (RUA, 2009). A prática tradicional, arraigada, de centralização de ações dentro das agências impossibilita o diálogo e a articulação de ações conjugadas que atendam as demandas sociais independente de onde os projetos estejam alocados. A prática de “tomar conta apenas do que é meu”, do que lhe é atribuído (tarefas, ações, programas) faz com os gestores (burocratas) apenas unam esforços para resolver e agir sobre o que está sob a responsabilidade da sua secretaria, já que os louros serão atribuídos a ele. Essa prática produz competição entre as agências, entre os burocratas, com implicações políticas, visto que possibilitam possíveis ascensões, premiações e prestígio no cenário político local para aqueles que se destacarem.
Neste sentido, Inojosa (2001, p. 104) argumenta que o aparto governamental “é objeto de um loteamento político partidário e de grupos de interesse”. Ou seja, todas as estruturas, em todos os níveis de governo e a cada governo, a cada nova gestão, são novamente loteadas para os partidos e para os grupos de apoio. Desse modo, cada uma das fatias – que já é campo de uma dada corporação e de um grupo de interesses que extrapola a corporação setorial – passa por um novo loteamento partidário (INOJOSA, 2001). Ainda para o autor, estas escolhas político-ideológicas contribuem para o que Rua (2009) chama de concorrência interburocrática, ou seja, a estrutura governamental que deveria ser cooperativa se torna competitiva.
Rua (2009) ainda aponta outra regularidade recorrente, a descontinuidade administrativa, isto é, a constante interrupção formal ou informal das políticas, o frequente abandono e ou substituição das políticas. Em consequência da mudança de dirigentes as políticas e programas são redimensionados, reorientados, suspensos ou deixam de concentrar as atenções no quadro da agência. Muda-se o gestor, mudam-se as prioridades, muda-se também a forma de se pensar e executar a política. Isso ocorre porque existe uma fragilidade nas concepções de missão institucional, as agências envolvidas nas políticas públicas são fortemente influenciadas pelas convicções, valores, compromissos políticos e pelas idiossincrasias pessoais daqueles que ocupam os mais altos cargos. Outro aspecto que merece destaque é o fato de que esses cargos, na sua grande maioria, são preenchidos segundo critérios políticos, e isso causa certa instabilidade nas agências e em seus respectivos agentes políticos.
Ocorre também nas políticas públicas, em especial nas políticas sociais, das decisões e ações adquirirem uma tendência a serem pensadas com base na oferta e muito raramente são consideradas as demandas (RUA, 2009). Exemplo disso é quando o poder público municipal adere a programas e projetos federais pelo simples fato de serem oferecidos sem avaliar se são realmente necessários e se atendem às demandas locais, ou simplesmente por representarem a vinda de recursos financeiros para os cofres municipais ou pelo fato de fazerem parte do mesmo partido político ou da base aliada.
Rua (2009) considera outra regularidade, a nítida separação entre formulação/decisão e implementação. Uma visão funcionalista e tecnicista que separa a fase de formulação/decisão, considerando-a uma fase de alta complexidade, enquanto a fase de implementação seria então um conjunto de tarefas de baixa complexidade. Essa característica tem como consequências uma centralização de poder dos formuladores de políticas em detrimento da pouca autonomia, a baixa adaptabilidade dos modelos adotados e fragilidade dos agentes implementadores. Seria essa uma centralização de poder e uma descentralização de tarefas entre os atores políticos (formuladores de políticas) e os atores responsáveis pela implementação da política. Esse distanciamento entre os que formulam e os que apenas executam dá margem a várias interpretações, outras leituras por parte dos agentes implementadores, o que muitas vezes distancia o real do ideal. Como consequência, a execução equivocada dificulta o cumprimento dos objetivos propostos pelo texto oficial. Rua (2009, p. 123) aponta que “a maior parte das agências e de seus quadros ainda exibem reduzida eficiência/eficácia gerencial”. Soma-se a isso a desarticulação entre as agências e sua frequente constituição de nichos de interesses políticos personalizados. Além disso, cargos técnicos são ocupados por atores políticos que nem sempre possuem competência técnica para assumirem o cargo, mas demonstram grande articulação político-partidária.
Por fim, ainda hoje é recorrente a hegemonia do economicismo na decisão/formulação de políticas públicas, especialmente das políticas sociais, que nesse aspecto é percebida como ação reparatória, de correção de desvios (RUA, 2009). Mesmo caindo por terra a noção de que se a economia fosse bem, em consequência, as demandas sociais naturalmente seriam atendidas, ainda hoje as políticas públicas não chegam sequer a expressar concepções de prevenção de problemas e muito menos investimento consciente na formação do capital humano. Outro aspecto interessante é a transferência de valores éticos da economia para as instituições estatais, trazendo para dentro dessas instituições valores de mercado como individualismo, concorrência, gerenciamento e gestão descentralizada na busca da eficiência e eficácia dentro da lógica de qualidade imposta pelo mercado. Isso implica dizer que na formulação/tomada de decisão sobre a política e sua implementação as questões econômicas conduziriam para a negociação a respeito da viabilidade das políticas ou não.
TRAJENTÓRIA PPJ NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA
Situado no Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista tem uma população de 306.866 habitantes, e é o terceiro município mais populoso da Bahia (IBGE, 2010). No “Mapa da Violência 2013 – Homicídios e Juventude no Brasil”, no ranqueamento Vitória da Conquista aparece na 13ª posição referente ao número de homicídios de jovens na Bahia e na 54ª a nível nacional. O documento apresentou os seguintes dados, em 2011: a população total do município era de 310.129 habitantes, desse número 57.879 era de jovens na faixa etária de 14 a 25 anos, o que representa 18,66% da população do município (WAISELFISZ, 2013).
A trajetória da institucionalização das políticas públicas de Juventude (PPJ) no município se deu a partir da promulgação da Lei Municipal nº 1461/2007 que dispõe sobre a criação do Conselho Municipal de Juventude, vinculado à Agência de Desenvolvimento, Trabalho e Renda (ADTR). Essa Lei foi alterada em outubro de 2013 pela Lei nº 1942/2013 e desde então o Conselho Municipal de Juventude passou a ser vinculado à estrutura administrativa da Secretaria Municipal de Trabalho, Renda e Desenvolvimento Econômico de Vitória da Conquista (SEMTRE) no âmbito da Coordenação Municipal de Juventude; da realização da I Conferência de Políticas Públicas de Juventude no ano de 2007; da execução em 2008 do Projovem Urbano, uma das modalidades do Projovem Integrado; e da criação da Coordenação Municipal de Juventude pela Lei Municipal nº 1873/2013 que dispõe da criação da Secretaria Municipal de Trabalho, Renda e Desenvolvimento Econômico de Vitória da Conquista (SEMTRE) em substituição a ADTR e cria também essa coordenação.
A PERCEPÇÃO DOS SUJEITOS/ATORES SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJOVEM URBANO EM VITÓRIA DA CONQUISTA
Para melhor compreendermos a análise das concepções e práticas dos sujeitos da pesquisa, apresentaremos, a seguir, as regularidades encontradas nas falas e que demonstram como os entes executores veem a gestão do Programa e sua implementação. Elencamos cinco subcategorias que representam os problemas de gestão mais recorrentes.
I. Falta de comprometimento da gestão municipal para com o programa
Para o diretor presidente da ADTR, a causa de uma das maiores fragilidades do Projovem Urbano foi a falta de comprometimento do gestor do município, em suas palavras:
Notamos também, como houve, o programa ele foi concebido numa gestão com um gestor, com um prefeito, e ele foi executado com outro prefeito, os níveis de compreensão e de comprometimento do primeiro e do segundo prefeito eram diferentes. E isso causou em determinados momentos, limitações já que o prefeito da gestão posterior à gestão que concebeu o programa não tinha o mesmo nível de comprometimento (Dir. Pres. ADTR).
Notamos na fala do Dir. Pres. da ADTR uma regularidade recorrente na execução de políticas públicas, no âmbito local, a descontinuidade administrativa apresentada por Rua (2009). Essa descontinuidade é caracterizada pela fraca consolidação da missão institucional, o que possibilita a constante interrupção formal ou informal da política. No caso de Vitória da Conquista, a troca de governo implicou, segundo o dir. pres. da ADTR, a falta de comprometimento com o Programa do prefeito que assumiu o poder. Segundo Rua (2009, p. 121), “as agências envolvidas nas políticas públicas são forte e diretamente afetadas pelas preferências, convicções, pelos compromissos políticos e pelas idiossincrasias pessoais diversas dos seus escalões mais elevados”. Basta, então, a política ter um papel central em um governo para que no outro tenha menos centralidade nas suas atenções. Isso de fato parece ter ocorrido no município, visto que, como dito anteriormente, o termo de adesão ao Programa foi assinado por um prefeito e seis meses depois outro prefeito assumiu o cargo.
Essa descontinuidade administrativa é fruto de cultura política que tem como herança uma hierarquia verticalizada, piramidal e que, segundo Inojosa (2001), faz com que as decisões sejam sempre tomadas no topo da pirâmide e não na base, junto à população. Ou seja, quem decide como e qual o grau de importância de cada política pública executada em âmbito municipal é o gestor do executivo municipal.
Outro problema levantado pela educadora “Orquídea” é a questão do formato da gestão das políticas sociais, segundo ela o Projovem Urbano “enquanto política pública que ainda tem algumas falhas é por que é um projeto que já vem pronto”. A fala da entrevistada aponta o que Dalila Oliveira (2011) nos chama atenção sobre a formulação das políticas públicas nos países latino-americanos que tem sido “definido pela formulação no nível central e a descentralização na execução em nível local” (OLIVEIRA, 2011, p. 82). Esta separação entre a formulação/decisão e execução proporciona entendimentos diferenciados entre aqueles que formulam a política e aqueles que implementam tal política. Rua (2009) ainda aponta que essas interpretações equivocadas podem dificultar o cumprimento das metas e objetivos da política pública. Soma-se a isso o fato de que muitos municípios e suas agências não possuem corpo técnico preparado para gerenciar tais políticas, além da visível desarticulação entre as agências e, também, a frequente constituição de nichos de interesses políticos personalizados.
No depoimento do Dir. Presidente da ADTR fica claro que o problema da rejeição das escolas da rede municipal era muito mais pela falta de entendimento da metodologia do Programa por parte da Secretaria de Educação do que propriamente uma rejeição da escola em si. Atribui-se a esse problema a falta de comunicação entre os membros do comitê gestor do município, haja vista que e gestão do Programa teoricamente é compartilhada com as secretarias de Educação, Desenvolvimento Social e ADTR, mas que na realidade esbarra na velha prática da gestão fragmentada e centralizada, ou seja, a responsabilidade de execução fica a cargo somente da secretaria na qual o programa está lotado.
Rua (2009) atribui essa dificuldade de relacionamento à competição interburocrática. Segundo a autora, as políticas muitas vezes emperram por conta desta competição, pois são estabelecidas superposições que levam à baixa racionalidade e ao desperdício de recursos. Como esses cargos são, na sua maioria, preenchidos conforme critérios políticos, o que gera uma certa instabilidade em seus ocupantes, nem sempre se estabelecem formas cooperativas de ação entre as agências. Para Inojosa (2001), o aparato governamental é objeto de um loteamento político partidário, no qual os cargos, a cada gestão, a cada governo, são fatiados entre os partidos políticos e seus grupos de interesse. No município isso acontece, pois a cultura política e administrativa está assim organizada, ou seja, os secretários municipais são nomeados com base em acordos políticos entre os partidos e o executivo municipal. O que de fato parece acontecer entre os secretários de Educação, Trabalho e Renda é esta concorrência interburocrática, e isso implicou mais um problemas para a implementação do Projovem Urbano no município.
II. Ineficiência administrativa
Ao analisarmos o processo de implementação do Programa na percepção da gestão municipal, da coordenação local e dos educadores, todos concordam que o processo licitatório lento e burocrático é um fator de impedimento do bom andamento do Programa no município.
O diretor presidente da ADTR aponta como um dos grandes problemas, enfrentados por ele na condição de gestor do Projovem Urbano a burocracia e lentidão na realização das licitações realizadas pelo setor de compras da prefeitura. Segundo ele, “o modelo estrutural da prefeitura, muito engessado, e muito segmentado não ofereceu as melhores condições para a execução do programa”. O diretor ainda aponta que esse modelo dificulta a interlocução entre os setores da prefeitura, em especial o setor de compras e a secretaria responsável pelo Programa. Segundo Bresser Pereira (2000), o modelo burocrático tradicional é o responsável pela ineficiência e ineficácia do Estado, pois engessa os serviços públicos com o excesso de normas, formalismo e rigidez de procedimentos. Como possível solução apresenta-se o modelo gerencial. Ainda segundo esse autor, o gerencialismo combate práticas como o clientelismo, o populismo e o patrimonialismo, já que contém os princípios de eficiência, eficácia e qualidade nos serviços públicos.
Nesse sentido, o novo modelo de gestão solucionaria esse excesso de burocracia relatado neste trabalho pelos sujeitos como um impedidor da política vir a ser executada com eficiência e eficácia. No entanto, percebemos que, primeiro, tanto o modelo burocrático quanto o modelo gerencial são similares e não antagónicos, além do mais o que muda é a entrada de estratégias utilizadas na gestão empresarial e a visão de política pública que passa a ser encarada como um serviço de responsabilidade tanto do Estado quanto da sociedade civil, e, segundo, enxerga o beneficiário como cliente e se preocupa mais com a racionalidade técnica, por meio da qual pretende reduzir gastos e ter melhores resultados, uma visão meramente mercadológica que desconsidera a participação popular na formulação/decisão e implementação de políticas sociais. Propomos, aqui, que a gestão societal ou social (REIS, 2013; PAULA, 2005) seria a mais adequada para tentar resolver os problemas referentes à lentidão e excesso de formalismo na execução de políticas sociais, já que esta gestão tem a função de controle das ações do Estado.
A fragmentação das políticas públicas sociais, por envolver aspectos sociais, econômicos e culturais, não tem tratamento baseado na integração de esforços entre as agências setoriais. Ao contrário, o que ocorre é “a existência de linhas rígidas, nem sempre consensuais e respeitadas, de demarcação das áreas de atuação de cada uma delas” (RUA, 2009, p. 120). Wanderley (2013) aponta a setorialidade da gestão pública como uma das fragilidades das políticas. Como desafio, a mesma autora aponta a intersetorialidade como possibilidade de superação da fragmentação de serviços que muitas vezes se encontram fechados nos muros das políticas setoriais. Segundo ela, a autora citada, a necessidade da intersetorialidade tem sido recorrente como imperativo entre documentos oficiais.
CONCLUSÕES
Em geral, as políticas de juventude ainda surgem com iniciativas pontuais, frágeis e até mesmo descontínuas. Há pouca institucionalidade no âmbito local, ou seja, muito discurso e pouca prática. Muita burocracia e pouca ação, muita centralização e pouco diálogo entre as secretarias envolvidas nas ações de juventude. Falta boa vontade política para a execução dos programas em âmbito local, existe uma descontinuidade de agentes implementadores e gestores locais, faltam recursos materiais e estrutura para realização das atividades inerentes aos programas. Sem contar com a pouca autonomia do poder local a fim de gerir os programas e suas muitas atribuições, além da responsabilidade lançada sobre o poder executivo municipal com contrapartidas difíceis de serem cumpridas em virtude da escassez de recursos do próprio município. A função gerencialista do Estado falha no controle e avaliação dos projetos e não dá conta do acompanhamento técnico das equipes locais, que na maioria das vezes não têm competência técnica para executar tais projetos.
Diante do exposto, todos os depoimentos coadunam no entendimento de que as práticas da gestão local se distanciaram da proposta teórica do Programa, visto que a cultura administrativa e política da gestão apontaram práticas cristalizadas e enraizadas como a fragmentação, descontinuidade administrativa, frágil institucionalização, e uma gestão centralizada e verticalizada. Também a fraca institucionalização na gestão das políticas públicas de juventude no município possibilita que os agentes implementadores imprimam sua visão de mundo, seus valores e crenças na execução da política. Como a organização política do município é preponderante em relação à institucionalização da política em âmbito local, entendemos que os pressupostos se complementam e se articulam.
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