EFEITOS DO ACORDO DE RESULTADOS NA GESTÃO DAS ESCOLAS ESTADUAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Resumo: O artigo fundamenta-se numa pesquisa qualitativa com estudo de caso da contratualização de resultados de escolas estaduais de Minas Gerais com a SEE. Aponta os efeitos previstos da 2ª Etapa do Acordo de Resultados nos processos da Gestão Escolar: GpR, responsabilização, bonificação, alinhamento da escola às estratégias do governo, desconcentração de ações da SEE para as unidades de ensino, planejamento estratégico, publicidade e controle por resultados; efeitos não previstos: gaming, distorção de incentivos, ampliação do controle burocrático e hierárquico, inclusão do controle social e; efeitos de accountability: vinculação dos resultados da equipe à ADI e à “avaliação de produtividade da equipe”, ao controle hierárquico do trabalho docente e à obrigatoriedade de produzir resultados.
Palavras-chave: 2ª etapa do AR; gestão das escolas mineiras; efeitos de contratualização de resultados.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo descrever a analise dos efeitos da contratualização de resultados sobre os processos da Gestão Escolar Democrática de escolas estaduais com a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE), órgão da Administração Direta, do Poder Executivo do Estado, no período de 2008 a 2014. A pesquisa propôs entender os pressupostos da Nova Gestão Pública (Bresser Pereira, 1998; Levy, 2002), consolidada em Minas Gerais através das Políticas Públicas Integradas do Choque de Gestão (2003-2014) (Vilhena et al., 2006), buscando os efeitos da implementação dos mecanismos da Gestão para Resultados (GpR), no caso a 2ª Etapa do Acordo de Resultados (2ª Etapa do AR), na gestão escolar “democrática”.
Na Gestão Pública do Estado de Minas Gerias, o Acordo de Resultados (AR) foi concebido como um instrumento de contratualização da Gestão para Resultados (GpR), integrado à política que se tornou conhecida como Choque de Gestão (2003-2014). A primeira contratualização de resultados entre o Governador do Estado e a SEE foi oficializada, em 2007, por meio da assinatura do termo de 1ª Etapa do Acordo de Resultados. A partir de 2008, por determinação legal do Governo mineiro, a 1ª Etapa do AR do Sistema da Educação passou a ser desdobrada em 2ª Etapa do AR, “Termo Acessório” ao AR de 1ª Etapa, reconhecido como Contrato de Resultados, pactuado entre a SEE e os responsáveis pelas unidades administrativas, incluindo as escolas estaduais. (OLIVEIRA, ALVARENGA, 2015)
A pesquisa norteou-se pelas seguintes questões investigativas: quais os efeitos da contratualização de resultados das escolas estaduais com a SEE? Após a pactuação de metas, por meio da 2ª Etapa do AR, houve mudanças na autonomia pedagógica, administrativa e financeira das escolas estaduais? A equipe gestora das escolas mineiras passou a gozar de maior autonomia nos processos da gestão? Houve ampliação da participação da comunidade escolar nos processos pedagógico, administrativo e financeiro da gestão escolar? Ou apenas houve responsabilização da equipe de trabalho pelos resultados acordados?
Após esta introdução, na seção 2 descreve os procedimentos metodológicos da pesquisa, na seção 3 expõe os efeitos da 2ª Etapa do AR sobre os processos da gestão escolar democrática e na 4 aponta as conclusões.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O Governo do Estado de Minas Gerais para fins estratégicos de planejamento, no período de 2003 a 2014, dividiu o Estado em dez regiões, Mapa 1:

Fonte: Instituto de Geociências Aplicadas (IGA).
Como consta no Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado de 2007 (PMDI), essas dez Regiões de Planejamento foram definidas com o objetivo de direcionar políticas públicas para diminuir as diferenças regionais. Na área educacional, os PMDI (2003, 2007 e 2011) prevê indicadores qualitativos e quantitativos para melhorar a qualidade da educação. (ALVARENGA, 2015)
Portanto, a seleção da região geográfica para a pesquisa, entre as dez Regiões de Planejamento de Minas Gerais, justificou-se, no próprio desenho da política pública educacional prevista no PMDI e na associação entre os indicadores socioeconômicos e os resultados educacionais das regiões no Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (Simave). Os critérios utilizados para seleção do campo de pesquisa, os instrumentos de coleta de dados e os sujeitos da pesquisa estão apresentados na Figura 1.

Fonte: Elaboração própria.
Ao confrontar os dados socioeconômicos da região Norte com os resultados do Simave, notou-se um paradoxo, a despeito de a região Norte mostrar desempenho econômico, em 2008, de 4%, por meio da participação no Produto Interno Bruto (PIB) do estado - idêntico às regiões do Alto Paranaíba (4%) e Centro-Oeste de Minas (4,5%), que detêm os melhores resultados no Simave, e superior ao do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (1,9%) e do Noroeste de Minas (1,8%), o Norte apresenta o pior resultado educacional no Simave, Tabela 1.
Regiões | 3º ano EF | 5º ano EF | 9º ano EF | 3º ano EM | |||
Leitura | Língua Portuguesa | Matemática | Língua Portuguesa | Matemática | Língua Portuguesa | Matemática | |
Centro-Oeste de Minas | 90,2 | 53,8 | 73,0 | 41,5 | 34,0 | 45,8 | 7,1 |
Alto Paranaíba | 87,1 | 51,2 | 70,0 | 40,8 | 34,5 | 45,2 | 6,6 |
Sul de Minas | 88,0 | 49,5 | 68,2 | 38,1 | 31,4 | 39,7 | 4,9 |
Mata | 88,0 | 44,9 | 63,8 | 36,1 | 28,1 | 40,1 | 5,2 |
Triângulo | 88,4 | 44,2 | 60,7 | 36,1 | 25,5 | 38,7 | 4,1 |
Rio Doce | 86,8 | 44,8 | 61,1 | 33,2 | 25,7 | 38,4 | 4,2 |
Central | 85,3 | 42,0 | 56,4 | 35,3 | 24,0 | 39,6 | 3,7 |
Noroeste de Minas | 83,2 | 39,1 | 55,3 | 29,8 | 22,7 | 27,2 | 2,2 |
Jequitinhonha / Mucuri | 84,4 | 36,8 | 53,4 | 27,7 | 21,2 | 29,3 | 3,0 |
Norte de Minas | 84,2 | 37,2 | 51,1 | 24,2 | 17,3 | 24,7 | 1,7 |
Tabela 1 - Percentual de alunos dos Ensinos Fundamental e Médio, com nível de proficiência recomendável nos exames Proalfa e PROEB, nas Regiões de Planejamento de MG, em 2010. |
Com base na associação do percentual de participação da Região Norte no PIB do Estado com os resultados do Simave, a investigação dos efeitos do “Acordo de Resultados” na gestão de escolas estaduais recaiu no contexto de geoplanejamento da Região Norte de Minas.
Para atender ao critério de maior indicador social e econômico das cidades-sede de Superintendência Regional de Ensino (SRE), levantaram-se os índices socioeconômicos das cidades onde as regionais do Norte estão sediadas, apresentados na Tabela 2.
Cidade | População | Densidade demográfica habitantes por km2 |
Produto interno bruto – PIB per capta a preços correntes 2009 |
Pessoas de quinze anos ou mais que não sabe ler e escrever |
Rendimento mensal domiciliar Renda per capta nominal R$ |
Incidência da pobreza 2003 |
IDH-Município / 2000 | IDEB – EF 2011 | |||
Total | Urbana | Rural | 5ºanoo iNICIAIS nicais |
9ºanos | |||||||
Janaúba | 66.803 | 90,7% | 9,3% | 30,63 | 7.445,01 | 14,2% | 408,00 | 54,70% | 0,716 | 5.6 | 4.0 |
Januária | 65.463 | 63,1% | 36,9% | 9,83 | 4.960,88 | 17,4% | 336,00 | 50,17% | 0,699 | 5.1 | 3.7 |
M. Claros | 361.915 | 95,2% | 4,8% | 101,41 | 10.503,35 | 6,3% | 568,00 | 31,37% | 0,783 | 6.0 | 4.5 |
Pirapora | 53.368 | 98% | 2% | 97,12 | 16.716,63 | 7% | 492,00 | 42,25% | 0,758 | 6.2 | 4.2 |
Fonte: Elaboração própria com base em dados do IBGE, INEP e PNUD. Com exceção dos anos identificados no corpo da tabela, os demais são do Censo Demográfico de 2010. |
Obedecendo aos critérios estipulados na Figura 1 e nos dados apontados na Tabela 2, a seleção incidiu sobre as SRE situadas nos Municípios de Montes Claros e de Pirapora.
A definição das cidades seguiu critérios socioeconômicos, baseados no banco de dados do IBGE (2010): na SRE situada no Município com maior índice de desenvolvimento foi indicada uma cidade, igualmente, com os maiores indicadores socioeconômicos da regional; na segunda SRE a cidade com o menor índice socioeconômico A pesquisa não teve objetivo de fazer a análise comparada entre as escolas pesquisadas, os diferentes critérios estipulados para a escolha dos municípios de localidade das unidades de ensino poderá demonstrar se os efeitos do AR depende do nível socioeconômico do município de localização da escola.. A partir desses procedimentos, definiu-se os dois Municípios da região Norte do Estado: um na SRE de Montes Claros e o outro na SRE de Pirapora.
Para selecionar as escolas utilizou-se como critérios: maior número de alunos e maior número de profissionais Com base em Nóvoa (1998), a estrutura física, administrativa e social da escola influi e diferencia na complexidade dos processos da gestão escolar.. Com base no número de alunos matriculados em 2012, definiu-se o porte das escolas: de 0 a 500 alunos - porte pequeno; de 501 a 999 alunos - porte médio e; acima de 1000 alunos - porte grande.
A pesquisa nas escolas selecionadas foi autorizada pelos Diretores das SRE e das escolas, com assinatura do consentimento da “Anuência Institucional”. O primeiro contato com os Ex-diretores, Diretores, Vice-Diretores, EEB e membros dos Colegiados Escolares foi para explicar os objetivos da investigação, convidá-los a participar da pesquisa e entregar-lhes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para leitura, assinatura e, posterior, devolução da segunda via. Os próximos contatos com os sujeitos da pesquisa foram para entrevista e reunião focal, no período de setembro a dezembro de 2013.
A classificação, leitura e análise dos conteúdos dos documentos oficiais do Estado de Minas Gerais se deram no período de julho de 2012 a agosto de 2013. Nas escolas, a análise documental ocorreu durante os meses de dezembro de 2013 a março de 2014. Os documentos utilizados estão sintetizados no Quadro 1. Para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1999), a análise de documentos constitui-se numa técnica de coleta de dados a partir de qualquer registro escrito que permita o seu uso como fonte de informação. A análise documental nas unidades de ensino buscou evidências Segundo Sebba (2007), evidências significam “Meios de provar um fato desconhecido, a sustentação de uma opinião, o uso de testemunhos e testemunhas” (p. 46). de autonomia e de participação da comunidade na gestão escolar, no período anterior à implantação do “Acordo de Resultado”, de 2005 a 2007, e sua ampliação a partir de 2008.
Unidade de análise | Documentos e materiais de análise |
Acordo de Resultados |
PMDI 2003-2020 (MINAS GERAIS, 2003a); PMDI 2007-2023 (MINAS GERAIS, 2007a); PMDI 2011-2030 (MINAS GERAIS, 2011a); Plano Plurianual de Ação Governamental (2004c, 2008e, 2014); Caderno de Indicadores: Indicadores da Gestão por Resultados (MINAS GERAIS, 2009c); Caderno de Indicadores da Gestão para Cidadania (MINAS GERAIS, 2011b); Acordos de Resultados de 1ª Etapa do Sistema de Educação (MINAS GERAIS, 2007c, 2008c, 2009a, 2010a, 2011c, 2012d, 2013a); Acordos de Resultados de 2ª Etapa do Sistema de Educação (MINAS GERAIS, 2008d, 2009b, 2010b, 2011b, 2012e, 2013b); Decreto n. 43.238/2003 (MINAS GERAIS, 2003c); Decreto n. 43.506/2003 (MINAS GERAIS, 2003f); Decreto n. 43.674/2003 e Decreto n. 43.675/2003 (MINAS GERAIS, 2003g); Decreto n. 43851/2004; Decreto n. 44.447/2007; Decreto n. 44.873/2008 (MINAS GERAIS, 2008b); Decreto n. 45.191/2009; Decreto n. 45.182/2009 (MINAS GERAIS, 2009e); Decreto n. 45.121/2009; Decreto n. 45.849/2011 (MINAS GERAIS, 2011e); Decreto n. 45.941/2012 (MINAS GERAIS, 2012c); Lei Delegada n. 49/2003 (MINAS GERAIS, 2003b); Lei Delegada n. 112/2007 (MINAS GERAIS, 2007b); Lei Complementar n. 7/2003 (MINAS GERAIS, 2003e); Lei n. 14.694/2003 (MINAS GERAIS, 2003d); Lei n. 14.694/2003 (2003d); Lei n. 15.275/2004; Lei n. 15.293/2004 (MINAS GERAIS, 2004b); Lei n. 17.007/2007/MG (MINAS GERAIS, 2007d); Lei n. 17.600/2008/ (MINAS GERAIS, 2008a); Lei n. 17.347/2008; Lei n. 19.417/2011; Lei n. 19.481/2011 (MINAS GERAIS, 2011f); Lei n. 20.008/2012 (MINAS GERAIS, 2012b); Resolução conjunta SEPLAG/SEE n. 7.110/2009 (MINAS GERAIS, 2009d); Resolução SEE/MG n. 916/2007; Resolução SEE/MG n. 2.197/2012 (MINAS GERAIS, 2012e). |
Gestão Escolar Democrática |
Documentos oficiais: CF/1988 (Brasil, 1988), LDB/1996 (Brasil, 1996), PNE/2001(Brasil, 2001), PNE/2014 (Brasil, 2014) e CE/1989 (MINAS GERAIS, 1989), PDEMG/2011 (MINAS GERAIS, 2011f). |
Documentos das escolas: Projeto Político Pedagógico (PPP), Plano Curricular, Regimento Escolar (RE), Atas de reunião do Colegiado Escolar, Demonstrativo de Prestação de Contas. |
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2ª Etapa do Acordo de Resultados na Gestão Escolar. |
Documentos das escolas: PPP, Plano Curricular, RE, Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), Plano de Intervenção Pedagógica (PIP), Atas de reunião do Colegiado Escolar, contrato de 2ª Etapa do AR, Plano de Metas, Demonstrativo de Prestação de Contas. |
Fonte: Elaboração própria. |
Os dados coletados nas entrevistas, no grupo focal e na análise documental foram trabalhados através da análise de conteúdo. O Esquema 1 fundamentado em Bardin (1977) foi elaborado de forma a representar os componentes teóricos conceituais da técnica e a práxis da análise da pesquisa em categorização desenvolvida na pesquisa. Analisou-se os documentos oficiais do Estado de Minas Gerais publicados no período de 2003 a 2013, confrontando as categorias relativas ao Acordo de Resultados com os estudos empíricos realizados por Campos (2006); Soares (2010); Augusto (2010); Gomes (2009); Bragança (2011); Segatto (2011) e Prado (2012), com o aporte teórico de Bresser Pereira (1998, 2002); Marini (2004, 2007, 2008); Martins (2001); Trosa (2001); Abrucio (1998, 2006, 2007); Levy (2002); Pacheco (2004); Vilhena e Athayde (2005); Vilhena et al. (2006); Serra (2008); Pinto e Saraiva (2010); Newman e Clarke (2012).
O cotejamento dos fenômenos levantados na análise, do período pré-Acordo de Resultados (2003-2007) e do período pós-Acordo de Resultados (2008-2012), foi feito por meio da “análise comparada”, com a utilização do “modelo somente depois com grupo de comparação”. (COHEN; FRANCO, 2008)
O AR em Minas Gerais consiste num processo que conecta todas as instituições públicas estaduais às estratégias do governo por meio da contratualização de resultados. Na área educacional, todas as escolas estaduais formalizaram o contrato de resultados a partir de 2008. Essa conjuntura impossibilitou a formação de um grupo de controle para a “análise de efeito” Por análise de efeito entende-se toda conduta ou acontecimento que se pode dizer que sofreu determinada influência de algum aspecto de programa ou de um projeto. (COHEN; FRANCO, 2008), por meio de comparação dessa política pública educacional nos processos da gestão das escolas. A fim de dirimir esse impasse, utilizou-se a análise comparada, entendida como estudo de controle das generalizações, previsões ou normas com traços de imprecisões. (SARTORI, 1981)
Na falta de um grupo testemunha de escolas para comparação, utilizou-se o “modelo somente depois com grupo de comparação” como alternativa capaz de eliminar os efeitos exteriores não atribuíveis ao Acordo de Resultados. Este modelo de comparação, apresentado por Cohen e Franco (2008), considera somente o grupo objeto de um projeto ou programa. Nesta pesquisa, o grupo “somente depois” foi formado pelas escolas signatárias da 2ª Etapa do Acordo de Resultados e o grupo de comparação foi formado a partir da reconstituição das condições da gestão escolar do período de 2005-2007.
A comparação das semelhanças e diferenças entre a análise dos dados de 2008-2012 com as de 2005 a 2007 permitiu interpretações sobre os efeitos do Acordo de Resultados sobre os processos de gestão escolar. Os passos da análise comparada estão representados no Esquema 2.
Para validar os fenômenos analisados, lançamos mão da triangulação dos métodos utilizados na pesquisa: entrevista, grupo focal e análise documental. Com base em Flick (2004), a triangulação consiste na combinação de diferentes metodologias na pesquisa dos mesmos fenômenos observados, em um processo capaz de validar evidências de diferentes tipos de dados ou métodos de compilação de dados com vista a assegurar a precisão do estudo. Segundo o mesmo autor, não se obtêm as informações precisas de uma única fonte, um único indivíduo ou um único processo de compilação de dados. Os dados coletados nas entrevistas semiestruturadas foram cruzados com os registros dos debates no grupo focal e com a análise de documentos, o que possibilitou a condução coesa da descrição dos dados investigados e a validação da compreensão global dos efeitos da “2ª etapa do Acordo de Resultados” sobre os processos da gestão das escolas pesquisadas.

Fonte: Elaboração própria.

Fonte: Elaboração própria.
OS EFEITOS DA CONTRATUALIZAÇÃO DE RESULTADOS NOS PROCESSOS DA GESTÃO ESCOLAR
No que concerne à investigação do grau de autonomia (conceituada por Barroso, 1996, 2004, 2008; Azanha, 1993; Bobbio, 1998; Reale, 2001; Di Pietro, 2005; Adrião, 2006; Zatti, 2007; Graizer, 2010) e de participação (definida por Bordenave, 1983 e Bobbio, 1998) da comunidade nos processos da gestão das escolas pesquisadas, no período de 2005 a 2007, e da análise da Gestão Escolar Democrática (Alvarenga, 2015), no período de 2008 a 2012, após a formalização da 2ª Etapa do AR com a SEE, apresenta-se no Quadro 2 o resultado da análise comparada do grau de autonomia e de participação da comunidade escolar na gestão das escolas estaduais pesquisadas, antes e depois da 2ª Etapa do AR.
Dimensão da gestão escolar |
Autonomia |
Participação |
||
2005-2007 |
2008-2012 |
2005-2007 |
2008-2012 |
|
Pedagógica |
Regulada |
Heteronomia |
Elaboração de planos |
Informação |
Administrativa |
Heteronomia |
Heteronomia |
Consulta Obrigatória |
Consulta Obrigatória |
Financeira |
Regulada |
Regulada |
Informação |
Consulta Obrigatória |
Classificação geral |
Regulada |
Heteronomia |
Informação |
Consulta obrigatória |
Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa realizada. |
O resultado da pesquisa revelou que a 2ª Etapa do AR nos processos da gestão escolar, como prerrogativa legal para instrumentalizar a equipe gestora com autonomias gerencial, financeira e orçamentária, e assim expandir a democratização da gestão escolar, foi nulo. Essa imviabilidade foi provocada pela condição da escola como órgão hierárquico da SEE/MG, incapaz juridicamente de dispor de autonomia gerencial, financeira e orçamentária. O que comprova o uso do termo autonomia nas políticas públicas educacionais do Estado mineiro como tecnologia de governo, bem como procedimento tático e operacional, haja vista a incapacidade jurídica de a SEE, como entidade da administração direta, descentralizar poder para órgãos executores. Isto poderia ser possível com a Caixa Escolar, associação jurídica de direito privado, mas até o momento a SEE tem regulado a organização e o funcionamento dessa associação.
Paradoxalmente aos aspectos teóricos da condição da gestão democrática, após a contratualização de resultados, mesmo com a inexistência da autonomia da equipe gestora, as escolas pesquisadas demonstraram ampliação da participação da comunidade escolar nos processos gerenciais. A ampliação da participação se deve à obrigação de obter os resultados acordados e à desconcentração de ações administrativas e financeiras para a responsabilidade da gestão escolar, o que tornou obrigatórias a formação de várias comissões permanentes e/ou temporárias no âmbito da escola e a realização de reuniões e assembleias. Além do Colegiado Escolar e do Conselho de Classe, que já existiam anteriormente às propostas de contratualização de resultados, as escolas constituíram a Comissão de Licitação e a Comissão de Avaliação de Desempenho Individual (comissões permanentes compostas por membros da comunidade escolar), assim como as comissões temporárias (formadas de acordo com as demandas da SEE/MG), além das que foram formadas antes do contrato de resultados, como a Comissão para Eleição dos membros do Colegiado Escolar e a Comissão para organização do processo de indicação de candidato ao cargo de Diretor e à função de Vice-Diretor. Após a 2ª Etapa do AR foram formadas a Comissão para Baixa Patrimonial e a Comissão para acompanhamento das avaliações do Simave/PROEB. Afora as comissões, a partir de 2008, a SEE determina a realização de Assembleia Geral para eleição anual do Conselho Fiscal da Caixa Escolar; a instituição do dia “D” – “Toda a Escola Pode Fazer a Diferença” e “Toda Comunidade Participando” - para análise dos resultados do Simave/PROEB; a obrigatoriedade de os professores cumprirem parte do horário de trabalho para o planejamento individual e coletivo no ambiente da escola. As comissões, a realização de assembleias com a comunidade escolar e as reuniões de planejamento docente foram mecanismos determinados para as escolas pela SEE, de modo a ampliar as possibilidades de participação instrumental da comunidade nos processos da gestão escolar. Consequentemente, a ampliação da participação não foi uma participação real, mas simbólica; não uma participação de tipo voluntário-afetiva, mas voluntário-provocada. A participação ampliada, após as escolas acordarem os resultados com a SEE, não teve o objetivo de liberação e igualdade para conquista de uma participação real, mas para a manutenção de uma posição de controle decomposta no aspecto mais elegante do poder: a propagação de democracia participativa sem garantia do princípio de autonomia. A obrigação de participação passiva da comunidade escolar em órgãos, comissões, reuniões e assembleias, para execução de atividades atreladas às decisões governamentais, ganha contorno de controle, arquitetado como princípio democrático, e de desconcentração de ações da SEE para órgãos hierarquicamente inferiores – apenas executores de ações.
O confronto conceitual da Gestão Escolar Democrática (Nóvoa, 1998; Cury, 2005; Souza, 2009) com a análise da Gestão de escolas estaduais, no movimento de democratização da gestão escolar mineira, no período de 1983 a 2002, com a proposta de implementação e consolidação da GpR no sistema educacional mineiro, a partir de 2003, com as políticas integradas ao “Choque de Gestão” , a análise da gestão de escolas estaduais no Norte de Minas Gerais antes do AR, no período de 2005 a 2007, e, por fim, com a real condição autônoma e participativa das escolas pesquisadas no período de 2008 a 2012, após a contratualização de resultados (ALVARENGA, 2015), possibilitou relacionar os efeitos da 2ª Etapa do AR aos processos gerenciais das escolas pesquisadas. A análise dos efeitos da 2ª Etapa do AR foi apresentada como efeitos previstos no conteúdo das políticas públicas educacionais, evidenciados nos processos da gestão das escolas pesquisadas; efeitos não previstos na configuração dos instrumentos de contratualização, mas identificados como mudanças ocorridas após a pactuação de metas pelas escolas estaduais pesquisadas.
Como efeitos previstos têm-se: o novo modelo de gestão escolar – a GpR, com foco nos resultados e não nos meios e processos pedagógicos; a formalização coletiva de contrato de resultados entre a SEE e as escolas estaduais, por meio da 2ª Etapa do AR; a pactuação de indicadores finalísticos da SEE com as escolas, por meio da assinatura do Plano de Metas pelo Diretor; o uso dos resultados do Simave para responsabilizar os profissionais, calcular a bonificação e compor a Avaliação Individual de Desempenho (ADI); o emprego do Prêmio por Produtividade como estímulo ao comportamento profissional para alcance ou superação das metas acordadas; o alinhamento das atividades da escola às estratégias do governo, por meio da implantação dos projetos estruturadores da SEE nas unidades escolares; a desconcentração de ações da SEE para a gestão escolar, como a avaliação de desempenho institucional/individual, o controle da vida funcional dos servidores lotados na escola e a aplicação dos recursos financeiros; o planejamento estratégico, por meio da elaboração anual após a divulgação dos resultados do Plano de Intervenção Pedagógica (PIP); a publicidade da pactuação e dos resultados alcançados - fixação de placa com os resultados do IDEB das escolas pelo Governo do Estado; o controle por resultados por meio da pactuação de metas e de monitoramento das ações do PIP por Analistas Pedagógicos do PIP II/CBC da SEE e das SRE, in-loco nas escolas.
Considerando os riscos de distorção dos benefícios da contratualização de resultados pelas organizações implementadoras, o Prêmio por Produtividade, no conjunto de efeitos denominado gaming, causou os seguintes efeitos não previstos: estreitamento do currículo quanto aos conteúdos avaliados no Simave/PROEB - Língua Portuguesa e Matemática, com o uso da matriz de referência do PROEB; “treinamento” sistemático dos alunos com base nos descritores do PROEB; monitoramento do trabalho dos professores de Português e de Matemática, do 9º ano do Ensino Fundamental, pelos Analistas Pedagógicos do Programa de Intervenção Pedagógica (PIP II/CBC), da SEE e das SRE, para garantir o foco da equipe nos resultados pactuados; uso de itens das avaliações externas nas avaliações internas com o objetivo de “treinar” os alunos para os testes do PROEB; premiação e tratamento diferenciado e especial dos alunos para realização dos testes.
No conjunto de risco das políticas públicas educacionais baseadas na contratualização, premiação e accountability, denominado “distorção de incentivos” (Fernandes e Gremaud, 2009), tem-se o efeito mais ultrajante da contratualização de resultados nas escolas pesquisadas no Norte de Minas: a seleção de alunos para matrícula na escola. A escolha de alunos foi um efeito causado, especialmente, pelo Prêmio por Produtividade, quando os chamados clientes – usuários da escola pública, como denominados nos PMDI (os quais, na região Norte, são quase totalmente vulneráveis, marginalizados social e politicamente) - passaram a ser selecionados dentro do próprio sistema de ensino público estadual, como garantia de maiores e melhores resultados, e, consequentemente, no recebimento de maior percentual do bônus pela equipe de trabalho em município onde há mais de uma escola estadual.
Todavia, a partir de 2011, e no decorrer de 2012 e 2013, o Prêmio por Produtividade, nas escolas pesquisadas, perdeu o seu valor como mecanismo de estímulo e passou a causar mal-estar ou indiferença nos profissionais da Educação em relação à sua proposta de estímulo devido a fatores como: descontinuidade das políticas públicas da SEE; imposição de metas pela SEE/MG, ao invés de negociação com a equipe de trabalho das unidades escolares; desconhecimento, pelos acordados, das fórmulas de cálculo para pagamento do Prêmio; independência entre os resultados do PROEB e os resultados alcançados no IDEB para o cálculo do bônus pago pelo Estado; insignificância do valor do Prêmio frente ao sentimento de desvalorização e das condições precárias de trabalho dos profissionais da escola; uso dos resultados pelo Governo como propaganda política nos meios de comunicação; indefinição de data para pagamento e parcelamento do bônus.
A publicação dos resultados educacionais, que no conteúdo das políticas públicas educacionais acarretaria o compromisso social da comunidade escolar com uma maior participação nos processos da gestão escolar - na prática, a fixação da placa do IDEB na escola, pelo Governo do Estado em 2012 -, e a divulgação dos resultados educacionais na mídia funcionaram como uma espécie de afronta aos profissionais da Educação. Para a equipe gestora das escolas pesquisadas, a publicação dos resultados manifesta a indiferença e a irresponsabilidade estatais com a educação no Norte mineiro, visto que os resultados quantitativos do IDEB, do Proalfa e do PROEB mostram que a educação pública estadual no Norte mineiro é, reconhecidamente, desprovida de investimento na formação e valorização financeira dos seus profissionais e na garantia de infraestrutura das escolas condizentes com a realidade geográfica da região, e não pela falta de responsabilidade de seus profissionais, como apontam essas políticas.
Além dos efeitos previstos e não previstos, ligados aos mecanismos de gestão contidos na contratualização de resultados pela SEE/MG com as escolas estaduais pesquisadas (como os do Prêmio por Produtividade e da publicação dos resultados), tem-se a ampliação do controle estatal e social do trabalho pedagógico das escolas. O controle estatal ocorre por meio da ampliação do controle burocrático/normativo da gestão pedagógica pela SEE/MG através da padronização curricular (CBC), sua conexão com as avaliações externas (Simave/PROEB), normatização da avaliação contínua e progressiva como garantia dos resultados no IDEB; ampliação do controle hierárquico, além do Inspetor Escolar, faz-se através do monitoramento in loco por Analistas Pedagógicos e Educacionais; controle por resultados, por meio da vinculação das avaliações internas às externas por meio do Programa de Avaliação da Educação (PAAE); definição de metas de proficiência e nível de desempenho dos alunos sem a participação da equipe de trabalho das unidades escolares. O controle social advém da presença obrigatória da comunidade escolar em órgãos colegiados, comissões, assembleias e reuniões.
O controle estatal da dimensão pedagógica das escolas pesquisadas, como mecanismo da GpR pela SEE/MG, implica efeitos secundários, como o planejamento pedagógico formal e controlador; o determinismo pedagógico: apregoa que o diagnóstico e a intervenção são fatores proeminentes para a melhoria dos resultados da escola; a demissão passiva dos profissionais da Educação Básica da luta pela autonomia pedagógica; o esvaziamento da função da escola como espaço de reflexão e formação crítica; a “alienação” do trabalho educativo - o professor deixa de ser o sujeito ativo do processo de ensino/aprendizagem e passa a ser “tarefeiro”; a educação como reprodução - a SEE como elite pensante e a equipe de trabalho nas escolas como unidades executoras; a nova proposta de educação baseada no tripé: avaliação, intervenção e resultado; o esvaziamento do PPP como documento político da escola, dando espaço para o planejamento estratégico como solução imediata da falta de resultados da escola. Na dimensão administrativa, têm-se os seguintes efeitos da 2ª Etapa do AR: redução do quadro de recursos humanos; obrigatoriedade da autoavaliação, com a utilização do instrumento de avaliação do Prêmio Nacional de Referência em Gestão Escolar; ampliação da participação instrumental da comunidade nos processos da gestão escolar, por meio de criação legal de espaços de participação pela SEE; responsabilização da gestão da vida profissional dos funcionários sem capacidade de decisão dos processos de seleção e gerenciamento da carreira.
Quanto ao objetivo secundário da pesquisa de compreender os efeitos da responsabilização prevista no instrumento de gestão da 2ª Etapa do AR sobre a gestão das escolas selecionadas, a pesquisa indicou que a responsabilização, em decorrência da contratualização dos resultados, dos profissionais das escolas estaduais pesquisadas apresentou os seguintes efeitos: vinculação dos resultados da equipe de trabalho à Avaliação de Desempenho Individual (ADI), levando o profissional a obter bons resultados de aprendizagem dos alunos evidenciados pelas avaliações do PROEB; vinculação da Avaliação de Desempenho Individual à “avaliação de produtividade da equipe”, referente aos resultados pactuados na 2ª Etapa do AR; monitoramento in loco das escolas estaduais pesquisadas por meio de cobrança de resultados realizada pelo monitoramento aos docentes que trabalham com os conteúdos curriculares de Português e Matemática das turmas a serem avaliadas no ano em curso pela equipe do PIP II/CBC; responsabilidade social, uso da comunidade escolar para manter os serviços e os funcionários públicos sob controle; obrigatoriedade de produzir resultados com eficácia, eficiência e efetividade.
CONCLUSÕES
O Governador de Minas, em 2007, estabeleceu a GpR como novo modelo de gestão pública para todas as instituições e órgãos da administração direta e indireta do Estado de Minas Gerais. A GpR caracteriza-se pelo alinhamento de expectativas traduzidas em resultados e metas a serem atingidos entre o agente externo e interno; pela concessão de autonomia aos implementadores das políticas públicas; pela formalização de contratualização de resultados, contendo as autonomias, premiações e sanções; pela avaliação dos resultados; pelo fortalecimento da participação e de accountability mensurado a partir de indicadores de resultados; pela substituição da conduta autorreferida da burocracia pela atenção a metas claras e contratualizadas.
No área educacional, a GpR consolida as diretrizes da Nova Gestão Pública Gerencial (NGP) na gestão das escolas estaduais, implantadas oficialmente em 2008, por meio da 2ª Etapa do AR, termo que formaliza a contratualização de resultados entre as escolas estaduais e a SEE.
A pesquisa apontou que a 2ª Etapa do AR, como desdobramento das estratégias do governo previstas nos PMDI para as escolas estaduais - mesmo tratando-se de um forte instrumento de responsabilização, incentivo, ampliativo de autonomia gerencial contida nas premissas da New Public Mangement -, demonstrou-se ineficaz para ampliar a autonomia dos gerentes educacionais, assim como incentivar e responsabilizar a equipe de trabalho nos processos da gestão escolar. A falta de autonomia da gestão escolar, anterior à contratualização de resultados; o contexto socioeconômico do Norte Mineiro; e as condições precárias de trabalho dos profissionais das escolas pesquisadas, podem ser, prováveis, impeditivos para os efeitos de carácter prático de processo (input) das política centradas na prática de contratualização de resultados, accountability e premiação nas escolas pesquisada.
A contratualização de resultados das escolas estaduais pesquisadas com a SEE, não conduziu a equipe gestora e a comunidade escolar à condição autônoma, por meio da descentralização, mas responsabilizou a equipe gestora e a comunidade escolar pelos resultados de desempenho da escola e alcance das metas pactuadas. Ao contrário, houve supremacia da autoridade no modelo de heterogestão do Estado, por meio da SEE, sobre os processos da gestão escolar: maior controle burocrático (poder normatizador); controle estatal (avaliações externas, projetos estruturadores), máximo controle hierárquico (serviço de inspeção acrescido do PIP II/CBC), expansão do controle social (participação instrumental e publicação dos resultados); inclusão do controle por resultados (acordo de resultados).
REFERÊNCIAS
ALVARENGA, Eldaronice Queiroz de. Efeitos do acordo de resultados na gestão das escolas estaduais da região norte do estado de Minas Gerais. 2015. 278 f., enc, il.
Dissertação - (Mestrado em educação) - UFMG, Faculdade de Educação.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
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BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. (Pensamento crítico, 63).
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