TEORIA DO DISCURSO E A ANÁLISE SOBRE GESTÃO DEMOCRÁTICA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA REDE ESTADUAL DE MATO GROSSO
Resumo: O objetivo do artigo foi analisar os sentidos construídos pela rede estadual do Mato Grosso, em seu Plano Estadual de Educação, sobre gestão democrática. A partir da Teoria do Discurso, demonstramos que assim como o Plano Nacional de Educação pôde, a partir de articulações específicas, construir diretrizes diferentes daquelas contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o documento estadual apresenta especificidades as quais nos permitem não encerrar este significante em torno dos elementos exaustivamente trabalhados pelas pesquisas acadêmicas. O documento ressalta a necessidade de trabalhar com a pluralidade (e no plural) dos órgãos e instituições de ensino e de se dedicar às particularidades do espaço geográfico, constituído por uma diversidade de sujeitos políticos.
Palavras-chave: Gestão escolar democrática; Teoria do discurso; Plano Estadual de Educação do Mato Grosso.
INTRODUÇÃO
A produção e vivência sobre democracia e gestão da escola não são assuntos novos. Há tempos, pesquisadores vêm se debruçando sobre estas questões. Citando alguns (mesmo sabendo das limitações desta tarefa) que se dedicaram aos estudos sobre democracia, temos Norberto Bobbio (2007) e Jürgen Habermas (2004), já sobre gestão escolar no Brasil temos Querino Ribeiro (1968), Myrtes Alonso (1976) e Vitor Paro (1986), dentre outros. Situando especificamente essa discussão no Brasil, a partir da Constituição de 1988 (ou aproximadamente nesta data), as pesquisas sobre gestão escolar e educacional têm assumido hegemonicamente o significante gestão democrática como central e estabilizante para a qualidade da educação escolar pública.
A partir desse momento, percebemos uma estabilização quanto às pesquisas sobre gestão democrática. Este significante passa a aglutinar múltiplas demandas em torno de si promovendo uma equivalência de sentidos ao que podemos denominar por gestão democrática. Dessa maneira, participação da comunidade escolar, eleição de direção, constituição de conselhos, autonomia financeira passam a significar o que deve ser a gestão democrática, provocando uma estagnação nas pesquisas sobre a questão. Dizemos estagnação porque, para nós, a escola também pode pensar e fazer outras formas de gestão democrática, outras democracias, criar outras significações dentro destes mesmos significantes.
A construção deste texto é fruto do desenvolvimento de um projeto de pesquisa integrado cujo objetivo central é analisar a (re) configuração da área da Administração educacional/escolar no Brasil após período crítico dos anos 1980, cotejando o desenvolvimento teórico e os desdobramentos práticos na gestão dos sistemas e unidades escolares. Como referencial teórico-metodológico, utilizamos ferramentas conceituais que nos destacam das teorias tradicionais (no caso da gestão, da teoria geral da administração) e das teorias críticas (no caso da gestão, da teoria prescritiva da gestão democrática) na medida em que nos afastamos “de explicações universais” e buscamos “explicações e narrativas parciais”, situadas no local e no particular. Sobretudo, questionamos o conhecimento e seus efeitos de verdade e de poder (PARAÍSO, 2004).
Nossa pesquisa apresenta como proposta, por um lado, o aprofundamento teórico-conceitual no campo da gestão, aspecto indicado como pouco explorado por diversos autores, entre eles, Souza (2006), e, por outro, a tentativa de apreensão e análise da realidade da gestão escolar e/ou educacional nos diferentes sistemas e escolas públicas.
Neste texto, temos como objetivo analisar quais sentidos foram construídos pela rede estadual do Mato Grosso, especificamente, em seu Plano Estadual de Educação, aprovado em 2015. Não abandonando aqui a importância de se pensar os significantes já construídos na área da gestão escolar, problematizamos, a partir da Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (1986), a possibilidade de desestabilizar cristalizações que giram em torno dessa questão, pois acreditamos que a gestão não é mediação de políticas, mas sim, ela mesma uma política em que se constrói a partir de práticas discursivas permanentemente.
Para isto, apresentamos, inicialmente, algumas categorias teóricas que subsidiam a análise e, em seguida, analisamos o documento da rede estadual do Mato Grosso no que tange às significações sobre gestão e democracia.
OUTROS MOVIMENTOS PARA PENSAR A GESTÃO DEMOCRÁTICA: A TEORIA DO DISCURSO
Ao apresentarmos a Teoria do Discurso como um movimento que possibilita outra leitura de gestão democrática, colocamo-nos no espaço tempo de quem não pretende estabelecer uma nova verdade absoluta, mas sim em pensar outras verdades possíveis, já possíveis de outros questionamentos. Nesse sentido o nosso conceito de gestão se desloca de uma ideia também estabilizada como mediação política (PARO, 1986) para gestão como articulação, como prática discursiva, pensando agora a gestão como política cultural, que passa então a ser pensada como significações, negociações e hibridações (HALL, 2008; BHABHA, 2010; CANCLINI, 2008; LACLAU, 2011).
A Teoria do Discurso possibilita uma leitura da realidade social pensando-a como significação discursiva no via-a-ser social. Esse arcabouço teórico-metodológico nos permite compreender o movimento de produção da gestão e não em postular uma verdade absoluta sobre as suas condições, tais como as pré-estabelecidas em torno do significante vazio gestão democrática. Fato que permite nos retirarmos do caráter universalista pretendido no movimento democrático representativo (que é falho) e nos deslocarmos para pensar como os sujeitos negociam discursivamente a feitura de suas próprias gestões democráticas, e como eles negociam e fazem outras formas de conselhos, outras formas de participação, outras formas de organização da direção escolar, dentre outras questões. Reforçamos aqui que a ideia não é abandonar as categorias que construíram e se estabilizaram no significante vazio gestão democrática, mas sim de potencializar a visualização das fissuras presentes e as possibilidades outras de se fazer gestão.
Tal arcabouço teórico-metodológico foi apresentado primeiramente na obra Hegemonia e estratégia socialista: por uma democracia radical e plural (2011) em que Ernesto Laclau e Chantal Mouffe criaram toda uma rede conceitual para entendermos os movimentos da política como um vir-a-ser-política. Tal rede é constituída por muitos conceitos que se articulam para a compreensão do social discursivamente. Discurso, articulação, diferença, equivalência, significante vazio e flutuante, ponto nodal, dentre outros conceitos, formam o arcabouço teórico-metodológico que pode nos permitir uma análise da gestão democrática para além das estabilizações que temos visto na área.
O discurso aparece como central no start da significação social. Para Laclau e Mouffe (2011), o discurso não assume um caráter apenas linguístico, os autores não separam o que é discursivo e não discursivo, pois tudo se constitui discursivamente nas relações sociais, ou seja, por discurso entendemos a intrínseca relação entre o material e o simbólico. Dessa maneira, podemos dizer que o discurso sobre gestão democrática não é constituído apenas no que esteja escrito ou falado pelos diversos sujeitos que estão nesse espaço tempo político e pedagógico, uma vez que as ações desenvolvidas traduzidas em práticas de gestão também configuram a realidade social, ou seja, é uma espécie de junção, de articulação que impede a polarização do sentido de discurso como linguístico e extralinguístico.
A partir dessa noção de discurso, podemos dizer que a gestão democrática está marcada por sentidos que são provisórios e contingentes, pois o discurso articula um emaranhado de posições de sujeitos no jogo político que disputam o que venha a ser gestão democrática. É notório que a comunidade epistêmica da gestão escolar e educacional no Brasil vem se fundando em torno do discurso de democracia, contudo, para nós, este tem sido um discurso estabilizador que tenta fechar um possível fluxo de significações que emergem nas articulações dos sujeitos em torno da luta por outros espaços tempos democráticos.
A articulação discursiva sinalizada por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe acontece constantemente entre os sujeitos, pois a identidade se constitui como um vir-a-ser-identidade, sem plenitude, sempre cindida (LACLAU; MOUFFE, 2011). Isso significa dizer que não assumimos uma posição fixa acerca de determinada demanda social, que somos sujeitos diferentes e nos diferenciamos a cada momento de nossas vidas dados os discursos que nos atravessam, provocando assim um eterno movimento de articulações discursivas em torno do que acreditamos ser melhor para atender nossas demandas, sempre articuladas com demandas de outros sujeitos. Dessa maneira, a articulação é uma prática que estabelece relações, fruto de permanentes negociações entre os sujeitos (LACLAU; MOUFFE, 2011).
Sendo práticas de relações, a articulação é feita entre elementos que se tornam momentos dentro de uma cadeia discursiva, sempre precária e contingente. Os elementos se articulam em torno de uma demanda e isso se configura como um momento de significação. Os elementos são as práticas discursivas estabelecidas por um sujeito político, que se configura como uma diferença, ou seja, cada sujeito pode significar o que venha a ser gestão democrática de uma forma, tais significações flutuam nas relações sociais, sendo que em determinado momento elas podem se aglutinar, se tornarem equivalentes, se tornarem diferentes e iguais. Para hegemonizarem-se os sujeitos apagam algumas de suas diferenças, mas não totalmente. As articulações são marcadas por negociações para se firmar o que é e o que não é melhor para atender as demandas flutuantes. Sendo assim, cabe uma questão para nossa reflexão: como podemos afirmar que para uma determinada comunidade a melhor gestão democrática é aquela que está hegemonizada? A resposta para nós é que não podemos, pois as articulações e negociações políticas dos sujeitos são o que dirão o que é melhor ou não dentro do jogo político.
Não estamos aqui apagando as relações sociais entre particularismo e universalismo, pois isso seria ingênuo, apenas acreditamos que pensar a gestão democrática no jogo articulatório entre a diferença e a equivalência discursiva pode ser mais profícua para analisarmos e compreendermos as relações sociais em movimento, fugindo assim das totalizações universalizantes e dos fechamentos significativos sobre gestão democrática.
Dentro do jogo articulatório, essas lógicas de diferença e equivalência nos permitem dizer que somos sujeitos descentrados e que não nos fixamos cegamente em torno de uma demanda exclusiva, pois nos movimentamos no jogo político pela significação social. A diferença nos permite ter uma posição sobre uma dada questão e não a formação de um gueto discursivo em torno de uma demanda, ou seja, o que acreditamos dentro da nossa diferença acerca do que é democracia pode ser mudado a qualquer momento com a entrada de novas e outras negociações discursivas. Esse movimento nos permite uma aglutinação com outros discursos para a defesa de outras questões, assim podemos nos equivaler em determinado momento da luta política para defendermos alguns sentidos que acreditamos como verdadeiros contingencialmente.
É dentro desta cadeia de equivalência que estabelecemos provisoriamente a hegemonização de certos sentidos sobre gestão democrática. Estes sentidos por sua vez podem ser desestabilizados a qualquer momento no jogo político, pois este é configurado por um movimento constante. Equivaler-se aqui é apagar parte da sua diferença e defender coletivamente determinada demanda. É quando o sujeito político que defende a eleição do diretor como sendo a própria gestão democrática da escola apaga provisoriamente sua diferença para defender coletivamente que antes da eleição os candidatos deverão passar por uma prova especifica para provar que estão preparados para serem diretores para que se garanta a gestão democrática. O movimento das lógicas da diferença e equivalência permite compreender o jogo por significação na constituição da política de gestão escolar e educacional.
Essa equivalência gira em torno de significantes que se hegemonizam. Para Ernesto Laclau e Chantal Mouffe dentro das práticas discursivas existem os significantes flutuantes e os significantes vazios. O significante flutuante é aquele que produz sentidos específicos dentro das práticas discursivas, é aquele que nos permite certa nitidez (é a nossa diferença na significação social), mesmo perdendo sua clareza de significação quando entra na relação com o significante vazio, que por sua vez é aquele que esvazia seus sentidos plenos, sendo quase impossível sabermos o seu significado (LACLAU; MOUFFE, 2011).
Na diferença mantemos várias posições e nelas muitas significações também diferentes que no jogo político flutuam nas práticas discursivas entre os sujeitos. Em determinado momento, há uma aglutinação em torno de um significante, sendo este capaz de hegemonizar determinados sentidos, essa aglutinação se faz mediante uma série de outras significações flutuantes, nesse momento, um significante pode esvaziar-se tanto a ponto de aglutinar vários sentidos, que muitas vezes não conseguimos dizer o que ele significa. Nos estudos que estamos desenvolvendo, a gestão democrática, por exemplo, pode ser configurada como um significante vazio que tem aglutinado significantes como participação, eleição de diretores, construção de conselhos, autonomia financeira, dentre outros. Isso implica dizer que nas margens e no interior da gestão democrática escolar e educacional possam estar presentes outras significações importantes para a configuração democrática, uma vez que a hegemonização vista pode estar cristalizando outras práticas de gestão que estão além destas significações. Quando um significante chega a este esvaziamento temos um ponto nodal, um momento de hegemonia provisória, o que no caso da gestão democrática no Brasil já se configura de forma estável, há muitos anos. A hegemonia na área em torno do significante em destaque não é provisória, pois vem sendo compreendida (e defendida de forma absoluta) como a participação da comunidade em conselhos escolares, a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político-pedagógico, eleição direta pela comunidade escolar para diretores escolares.
Aqui chegamos aos outros modos democráticos que sinalizamos inicialmente. Nesse movimento político democrático, defendemos o que Ernesto Laclau e Chantal Mouffe chamam de Democracia Radical e Plural, uma dentre outras possibilidades de se pensar e fazer democracia. Aqui as negociações são constantes e as significações também. A pluralidade de diferenças é negociada e não apagada. O jogo antagônico não é apagado, pois as lutas por significações é que movem outras formas de fazer uma gestão democrática. Democracia constituída num terreno de indecidibilidade política. Nela, não se coloca no front um inimigo a ser aniquilado, mas sim um adversário para se disputar sentidos. A política não está fora do sujeito, mas no sujeitos, pois seu caráter ontológico político o faz produtor de política e não consumir de políticas (MOUFFE, 1996, 2003). A gestão democrática plural e radical reconhece sua própria limitação no jogo político e permite outras possibilidades de se fazer gestão como política cultural.
Na próxima sessão deste artigo, nos dedicamos a analisar os discursos sobre gestão democrática na rede estadual de educação de Mato Grosso, operando com a Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe.
DISCURSOS SOBRE GESTÃO DEMOCRÁTICA DA REDE ESTADUAL DE MATO GROSSO
Segundo informações contidas no Plano Estadual de Educação do Mato Grosso, este estado foi um dos dez que aderiram ao PNE (2001-2011) e o pioneiro na atualização do Plano Estadual de Educação de acordo com as diretrizes estabelecidas no PNE (2014-2024).
O Plano está dividido em seis partes principais – Prefácio, Apresentação, As metas do Plano Estadual, O Plano Estadual, Metas do Plano Nacional de Educação e, por fim, o Plano Nacional de Educação.
O prefácio do documento foi escrito por um professor da rede pública de ensino do referido estado. O autor justifica a constituição do documento se subsidiando no primeiro artigo da LDBEN (1996) que define a abrangência e os locais em que há praticas de educação e, portanto, de formação. Segundo Abicalil (2014, p.7), estamos perpassando por um momento politico “[...] marcado pela democratização, pelo aprofundamento das exigências de transparência e de controle social sobre os poderes públicos, de expansão das oportunidades educacionais, de elevação dos patamares de exigência de qualidade social, de eficiência e de superação de privilégios”.
Nesse sentido, o autor apresenta o Plano Estadual e o Plano Nacional de Educação como documentos equivalentes, pois, neles, estão sendo reunidas as articulações necessárias à educação, portanto, nestes documentos está a “condensação de demandas e capacidades de respostas, conflitos de interesse e de poder, aspirações e limites que apontam a referência para a materialidade da ação, intervenção organizada do estado frente à sociedade e à nação” (ABICALIL, 2014, p.7).
Durante todo o prefácio, prevalece o discurso que busca dar PNE e o PEE o significado de instrumentos que visa garantir a qualidade da educação e o direito de todos à educação, mas, ao mesmo tempo, se colocam como documentos que devem nortear a organização e gestão do sistema de ensino estadual e dos sistemas de ensino municipais. Infere-se nesse sentido que o PNE é um significante que possui diversos significados flutuantes ora qualidade, ora garantia de direitos, mas, ao mesmo tempo, institui normas e diretrizes a serem cumpridas.
O autor faz uso do artigo nono Art. 9º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestão democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade (PNE – 2014-2024). do projeto de lei do PNE (2014-2024) que diz respeito à gestão democrática, mas não aprofunda a discussão, deixando claro que os “destinatários dos planos, por dever, somos todos os agentes institucionalmente responsabilizados por colocá-lo em curso e, por direito, cada cidadã e cidadão na plenitude de sua igual dignidade” (ABICALIL, 2014, p.7).
Essa afirmação pode gerar muitas discussões, já que ela pode nós levar a compreender que é responsabilidade de todos profissionais da educação (institucionalmente) planejarem e cumprirem o documento, mas, de forma concomitante, chama a responsabilidade dos sujeitos sociais de controlar e avaliar de acordo com seus direitos de cidadãos a execução de tal plano.
No prefácio e na apresentação do documento não há o indicativo da concepção de gestão do estado e o indicativo de como vai se constituir a construção da lei especifica sobre gestão democrática, significada no artigo nono do documento nacional, que fora utilizado como argumento para justificar a importância da utilização da “mesma linguagem e/ou modos de compreender e organizar os processos de gestão e organização do ensino”.
A apresentação do documento, realizada pela Secretária de Estado da Educação, reforça o papel importante dos dois documentos. A autora utiliza-se de Anísio Teixeira sobre a importância da educação na constituição de um país democrático e articula seu discurso sobre o significante democracia ao Plano Nacional e Estadual de Educação e a garantia dos direitos.
Como dito anteriormente, o discurso do PEE não menciona de forma direta a gestão democrática, constatação que o distingue do PNE Nacional que traz em seu bojo ainda que de forma breve e pontual discussões sobre gestão democrática e uma meta com estratégias especificas para essa temática.
Não há na publicação analisada o projeto de lei do Plano Estadual de Educação, há somente a indicação da lei nº10. 111 de 06 de junho de 2014, que altera o anexo 1 da lei nº8.806 de 10 de janeiro de 2008. A publicação traz apenas as metas e estratégias da atualização do “novo plano”.
Há dezessete metas estabelecidas e nenhuma se refere especificamente à gestão democrática. A gestão aparece como estratégia em quatro metas estabelecidas: ora ela é um instrumento de implementação do Sistema Único de Ensino, ora da qualidade, ora dos recursos financeiros e da formação dos profissionais da educação.
META 1 - Promover, continuamente, o Sistema Único de Ensino. Indicador – número de municípios que cumprem o Art. 11 da Lei Complementar nº 49/98 em relação ao número total de municípios.
META 2 - Aferir a qualidade da educação em 100% (cem por cento) das unidades de ensino do sistema estadual de educação até 2015. Indicador - número de escolas com qualidade aferida por número total de escolas do sistema estadual (pública e privada).
META 3 - Garantir, imediatamente, a aplicabilidade integral dos recursos financeiros públicos, conforme previsto em lei, destinados à educação.
META 5 - Oportunizar formação específica inicial e continuada, de modo que todos que atuam na educação possuam formação em nível superior até 2017.
A meta três e a meta cinco são as que se utilizam brevemente da gestão, no entanto, a meta três ainda que de forma breve traz uma discussão que vem sendo desenvolvida há muito tempo nas pesquisas: autonomia e descentralização da educação. Nesta meta, é indicado que a gestão deve ser organizada de modo eficiente para que haja eficácia na aprendizagem dos alunos. O vocabulário utilizado nos leva a essa constatação, já que o que se busca é um “padrão de gestão”, muito próximo à discussão sobre qualidade total apropriado da gestão empresarial (MELLO, 1993).
Estratégia 6. Implantar um padrão de gestão que priorize a destinação de recursos para as atividades-fim, a descentralização, a autonomia da escola, a equidade, o foco na aprendizagem dos alunos e a participação da comunidade.
A meta dois é a que utiliza a gestão em diversas estratégias para alcançar o seu objetivo, qual seja, a “qualidade da educação”. Observamos que o PEE se apropriou de diversos indicativos do PNE (2014-2024), entre eles, aquele que a gestão é relacionada à organização dos recursos financeiros (estratégia nove), formação e forma de provimento da gestão da escola (diretor, coordenador pedagógico e assessor pedagógico), constituição e formação dos órgãos colegiados.
Diferentemente do PNE, o PEE apresenta uma estratégia especifica do uso de mídias para chamar a atenção e convencer a comunidade a participar dos processos de organização da escola, em bases democráticas. Interessante é ressaltarmos que os órgãos e instituições coletivas aparecem com siglas específicas do estado (como, por exemplo, CDCE) e no plural (grêmios estudantis, conselhos diretores). Esses dados nos indicam as possibilidades de construções diferentes daquelas que se fazem hegemônicas em âmbito nacional e da literatura da área. Dizemos isto porque não há pesquisas que contemplam as relações da mídia com o desenvolvimento da gestão democrática e também, de forma hegemônica, nacionalmente, a gestão democrática é associada à participação da comunidade no Conselho de Escola – este singular, único, e não no plural (LUCE; MEDEIROS, 2006).
Em relação à forma do provimento do gestor escolar, constatamos que o documento estadual, também diferentemente do nacional que indica “nomeação, critérios técnicos de mérito e consulta a comunidade escolar”, orienta para a eleição direta pela comunidade escolar. Cabe destacarmos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) que indica a gestão democrática como princípio da educação escolar pública, descentraliza para os sistemas (entre eles o do Mato Grosso) as decisões sobre como ela será compreendida e vivenciada. No entanto, não homogeneíza a forma de provimento do gestor escolar, o que permitiu, historicamente desde sua publicação, uma multiplicidade entre os estados e municípios. O PNE, ao optar por indicar a forma de provimento, acaba por anular as diferentes vivências que foram construídas. Mas, para nós, neste artigo, esta constatação é bastante rica porque nos permite inferir que mesmo estando determinada a forma, os sujeitos que compõem o estado do Mato Grosso e construíram seu PEE articularam-se de forma específica em torno desta decisão.
Seguem as metas destacadas em nossa análise:
2. Garantir instrumentos legais que assegurem eleição direta de gestores pela comunidade, em todas as unidades escolares públicas de Mato Grosso, para os cargos de Diretor, Coordenador e Assessor Pedagógico, a cada 02 (dois) anos com direito a uma reeleição.
5. Realizar campanhas contínuas de mídia promovidas pelo órgão mantenedor visando otimizar a participação da comunidade escolar nos CDCE, grêmios estudantis, conselhos diretores.
6. Capacitar os membros dos conselhos escolares, conselhos diretores e conselhos municipais de educação para que possam exercer seu papel de controle social.
9. Apoiar técnica e financeiramente a gestão escolar mediante transferência direta de recursos financeiros escola, garantindo a participação da comunidade escolar no planejamento e na aplicação dos recursos, visando à ampliação da transparência e ao efetivo desenvolvimento da gestão democrática.
Por fim, a gestão aparece como estratégia na meta um, que possui o mesmo objetivo do PNE, qual seja, constituir um Sistema Único de Educação. Nesta estratégia, a gestão aparece como uma das diretrizes que o estado e os municípios devem seguir para manter uma unicidade, o que acaba por colocar em xeque a meta três quando trata da descentralização e autonomia das escolas. A questão que se coloca é: Como os municípios devem se orientar, com suas especificidades, diante de uma meta que trata da descentralização como possibilidade de autonomia das escolas em termos financeiros e pedagógicos e o estado pretende constituir um Sistema Único de Educação?
1. Estabelecer, por intermédio de instrumentos legais, cooperação entre o Estado e a totalidade dos municípios, explicitando claramente os objetivos e as responsabilidades comuns no atendimento da escolarização básica, na sua universalização, na qualidade do ensino e na gestão democrática, objetivando a implantação do Sistema Único de Educação.
Apesar de não haver uma discussão aprofundada sobre gestão democrática no Plano Estadual de Educação do Mato Grosso, percebe-se que ela se apresenta como um instrumento para se atingir um fim. E esse fim é compreendido como a qualidade de educação e/ou a utilização eficaz dos recursos financeiros e/ou a constituição de um Sistema Único de Educação. No documento, há poucos indícios de novas possibilidades que emanem das especificidades das escolas que compõem a rede estadual, mas, ao mesmo tempo, a rede se mostra com articulações próprias, diferentes daquelas que se fizeram presentes em âmbito nacional. Um dos exemplos é a preocupação do PEE com a garantia de direitos de grupos específicos da sociedade – negros, quilombolas, indígenas, homossexuais, etc.
CONSIDERAÇÕES
Sendo parte integrante de uma pesquisa cujo objetivo é analisar a (re) configuração da área da Administração educacional/escolar no Brasil após período crítico dos anos 1980, cotejando o desenvolvimento teórico e os desdobramentos práticos na gestão dos sistemas e unidades escolares, este artigo teve o objetivo de analisar quais sentidos foram construídos pela rede estadual do Mato Grosso, especificamente, em seu Plano Estadual de Educação, aprovado em 2015, sobre o significante gestão democrática.
Não abandonamos a importância de se pensar os significantes já construídos na área da gestão escolar, mas problematizamos, a partir da Teoria do Discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (1986), a possibilidade de desestabilizar algumas de suas cristalizações. Nossa análise demonstrou que assim como o PNE pôde, a partir de articulações específicas, construir diretrizes diferentes daquelas contidas ou omitidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), o PEE apresenta especificidades sobre a gestão democrática as quais nos permitem não encerrar este significante em torno dos elementos exaustivamente trabalhos pelas pesquisas acadêmicas. O documento do estado do Mato Grosso expressou em seu discurso a necessidade de a gestão trabalhar com a pluralidade (e no plural) dos órgãos e instituições de ensino e também de se dedicar às particularidades de seu espaço geográfico, constituído por uma diversidade de sujeitos políticos que se articulam para a construção da escola pública brasileira.
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