RELAÇÕES DE CONVIVÊNCIA E SITUAÇÕES DE CONFLITOS: DESAFIOS NA GESTÃO DE ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Resumo: Este trabalho integra investigação denominada “Conflitos no espaço escolar: a gestão de escolas públicas em contextos vulneráveis”, que analisa o programa de governo implementado pela Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, em 2010. O objetivo é analisar a opinião de diretores escolares sobre situações de conflito e relações de convivência no cotidiano das escolas públicas estaduais, com base em dados obtidos em estudo exploratório realizado em colaboração com Diretorias de Ensino Regionais, envolvendo profissionais das escolas e alunos. Identificou-se certa contradição nas respostas dos diretores, embora seja perceptível que a maior parte deles reconhece a importância da função do Professor Mediador Escolar e Comunitário na redução e mediação das situações de conflitos na escola.

Palavras-chave: política pública; sistema de proteção escolar; conflitos escolares.


INTRODUÇÃO

Os dados analisados neste trabalho se inserem na pesquisa “Conflitos no espaço escolar: a gestão de escolas públicas em contextos vulneráveis”, cujo propósito é identificar e compreender os motivos pelos quais escolas públicas da rede de ensino estadual paulista - localizadas em regiões consideradas vulneráveis -, aderem ao Programa Sistema de Proteção Escolar (SPE) e de que forma enfrentam situações de conflito e violência. O SPE foi instituído pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP) por meio da Resolução SE 19, de 12/02/2010 e possui o objetivo instaurar na rede pública de escolas do estado de São Paulo ações para prevenir, mediar e solucionar conflitos. O programa foi implantado de forma descentralizada e gradativa e, para operacionalizá-lo, a SEESP criou a função do Professor Mediador Escolar e Comunitário (PMEC), responsável pela mediação de conflitos na rede pública de ensino paulista.

Oportuno destacar a relevância de estudos e pesquisas que, no âmbito dos estudos sobre políticas educacionais, exploram objetivos e minúcias de programas de governo. As pesquisas que investigam agendas de governo, especialmente em relação aos seus aspectos legais, são preponderantes para a construção do campo crítico de teorias e debates, por meio do exame e levantamento de fontes oficiais, podendo ser agrupados sob a denominação de “estudos normativos”. Observa-se o crescimento significativo do número de pesquisas em políticas educacionais que se baseia em metodologias que integram enfoques diversos, o que permite captar o que ocorre efetivamente nas redes de ensino, no espaço escolar e nas interações dos profissionais que neles atuam, bem como essas práticas afetam a implementação dos programas de governo (VILLANUEVA, 1996).

Os procedimentos de campo originados na antropologia e na sociologia tais como a realização de observações (participantes ou não), de entrevistas semiestruturadas e de aprofundamento, de painéis de entrevistas e/ou de dinâmicas de grupo e de grupos focais, dentre outros, aliados à análise de documentos oficiais e medidas legais, constituem uma possibilidade mais flexível e capilar de realização de pesquisas na área.

Os modelos mais dinâmicos de pesquisa sobre as políticas educacionais podem ser pensados tendo em vista os redirecionamentos e reorientações das diretrizes e dos programas da área. Embora as pesquisas dos processos de implementação estejam relacionadas a estudos de grande amplitude (surveys), invariavelmente preocupados em fornecer feed-back aos policy makers para que as políticas públicas sejam reorientadas, esse desenho pode ser adequado a estudos de caso múltiplos, desde que estes se cerquem de cuidados redobrados na exposição de resultados que não podem ser generalizados sem as devidas ponderações metodológicas. Ressalte-se que a comparação multicasos se dá quando há o enquadramento dos dados a várias unidades de análise. A necessidade de compreender diferentes níveis de uma mesma organização (escola), em nível local, pode ser desenvolvida pelo estabelecimento de uma relação com elementos dessa mesma organização pertencentes a níveis mais amplos da realidade, permitindo identificar as condições contextuais de funcionamento (HÉBERT-LESSARD, GOYETTE, BOUTIN, 2008).

Assim, a pesquisa original que este trabalho integra partiu do pressuposto que as escolas configuram um campo de disputas expressas ou dissimuladas e, como em qualquer outra organização, as pessoas e os grupos reúnem-se em torno de interesses imediatos ou que se podem materializar em curto prazo de tempo, particularmente quando diretrizes legais de mudanças são preconizadas pelos órgãos centrais. Nessa direção, a investigação maior foi realizada em parceria com Diretorias de Ensino Regionais do Estado de São Paulo (DERs), com a participação de equipes técnicas centrais desses órgãos, professores mediadores comunitários, diretores e alunos. Registre-se que a adesão cada vez maior de escolas da rede estadual de São Paulo ao Sistema de Proteção Escolar chama a atenção pela rápida ampliação do referido Programa. Atualmente, a rede estadual de ensino de São Paulo possui quase três mil Professores Mediadores Escolares e Comunitários, um aumento de quase 50% desde seu início em 2011, o que mostra a centralidade que as questões de conflito e violência vêm logrando na implementação de políticas educacionais. Este trabalho analisa os dados obtidos junto a diretores de escolas da rede estadual paulista, na região Metropolitana da baixada santista, busca responder à questão: qual a opinião dos diretores sobre as relações de convivência, as situações de conflitos e o papel do PMEC na mediação destas situações?

BREVE INCURSÃO NA LITERATURA SOBRE CONFLITO E VIOLÊNCIA

Os estudos realizados em torno do tema apresentam diferentes delineamentos, com predominância de textos argumentativos em detrimento de pesquisas de campo. Destes, extrai-se que o significado da palavra conflito, do latim conflictus, traz embutida a ideia de violência ao unir a raiz fligere, que significa bater, golpear, atacar ao prefixo com que significa junto. Assim, o sentido da palavra conflito está próximo dos termos embate, combate, luta etc, sugerindo violência. Entretanto, são atos distintos, embora uma situação de conflito mal resolvida possa redundar em agressões físicas, muitas vezes, graves.

Análises conduzidas por Abramovay e Rua (2002) informam que, em geral, na literatura contemporânea os especialistas têm privilegiado a análise da violência entre alunos ou a violência desses para com a escola e, em menores proporções, a violência que ocorre entre alunos e professores. Identificaram, ainda, as autoras que é comum o esforço de pesquisadores em tentar delinear uma definição, o mais abrangente possível, para os diferentes tipos de violência que ocorrem nas escolas. No entanto, as especificidades dos trabalhos realizados com abordagens diferenciadas acabam enfatizando alguns aspectos em detrimento de outros, exigindo que cada um construa a sua definição sobre violência mais adequada.

Destaque-se que nos anos de 1980, os estudos focavam o debate em torno da questão da segurança nas escolas, especialmente envolvendo o patrimônio; nos anos de 1990, a análise apresentava como eixo as interações entre alunos ou destes com os adultos, o que culminou na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Gradativamente, o campo da análise se ampliou para a compreensão da dinâmica escolar, tomando por base interações entre professores, alunos, direção e pais e, a partir da aprovação do ECA, as situações de conflito e violência envolvendo adolescentes e crianças passaram a ser amplamente divulgadas pela mídia (LOPES, 2004).

Ampliando o debate, Martuccelli (1999) esclarece que as sociedades modernas padecem de uma constante sensação de insegurança por motivos diversos. As movimentações econômicas, como instabilidade na economia, no emprego, no custo de vida; os avanços tecnológicos que aceleram as informações de todos os tipos e gêneros; a agressividade cada vez maior dos acidentes ambientais e climáticos; os riscos à saúde pública com novas epidemias fragilizam continuamente as organizações sociais. Além disso, os meios de comunicação estão mais eficientes na exposição das mazelas sociais, levando as pessoas a perceberem a violência em maior grau do que efetivamente ocorre e no campo educacional não é diferente.

Ocorrências de situações de conflito e violência, nos espaços escolares, podem ser vistas a partir de múltiplos fatores, especialmente quando parte-se do reconhecimento das especificidadese singularidades de cada escola, como é o caso deste estudo. Assim, implica levar em consideração os contextos sociais nos quais estão localizadas; a dinâmica de organização e funcionamento pedagógico e administrativo; as demandas configuradas pelo escopo normativo de órgãos centrais e os fatores econômico-sociais e culturais. Contudo, é possível identificar uma convergência nos estudos que aliam o debate sobre o temacom foco nas escolasno que se refere à constatação da ausência de preparação adequada de professores e gestores para enfrentar situações de conflito que podem redundar em violência verbal e física (CECCON et al., 2009).

Neste sentido, discussões centradas nas relações de ensino e de aprendizagem, com ênfase nos aspectos que dificultam a permanência de alunos no fluxo dos sistemas e redes, vêm cedendo espaço para a necessidade de compreensão das relações mais amplas entre alunos e suas famílias, diretores, professores e funcionários. Dessa forma, as escolas precisariam se preparar para enfrentar contextos adversos, pois são inúmeras as dificuldades para implementar posturas mais adequadas no enfrentamento de conflitos e violências, estas últimas, geralmente oriundas de situações não resolvidas ou, no limite, mal resolvidas, provocando (re)ações que podem chegar a agressões físicas (CECCON et al., 2009; CHARLOT, 2002; CARDIA, 1999). Este contexto delineado impele os governos a adotarem ações que possam enfrentar ou pelo menos concorrer com o desafio posto pelas relações cada vez mais conflituosas e intolerantes. No estado de São Paulo, visando enfrentar este contexto foi criado o Sistema de Proteção Escolar.

PERCURSO METODOLÓGICO

Este trabalho apresenta e analisa dados obtidos em oficina realizada com 37 diretores das escolas da DER Santos. Nesta oportunidade foi solicitado que os diretores respondessem a um instrumento semi-estruturado eorganizado em quatro blocos: a) o primeiro bloco contém questões referentes ao perfil do respondente e busca contextualizar a formação, tempo na rede e cargos ocupados pelos respondentes; b) no segundo bloco de questões foi solicitado que os entrevistados assinalassem se as afirmações feitas aconteciam na sua escola frequentemente, às vezes ou nunca em relação aos alunos, professores, funcionárias e às regras estabelecidas, além de identificar os três espaços físicos ou temporais onde as ocorrências de violência mais aconteciam na sua escola; c) no terceiro bloco, solicitou-se que os diretores apontassem quais órgãos ou atores eles acionam para solucionar alguns problemas específicos e, d) no quarto bloco, com questões especificas em relação às funções do PMEC, solicitou-se que eles as descrevessem apontando se a presença do professor mediador gerou mudanças na escola, quais ações ele desenvolve e quais as principais dificuldades no desempenho do trabalho. Para uma melhor organização do texto as respostas dos diretores nos blocos informados anteriormente foram agrupadas em quatro categorias: 1) Quem são os diretores?; 2) Relações humanas e profissionais no cotidiano escolar; 3) Gestão escolar e rede de ajuda e 4) PMECs e possíveis implicações na dinâmica escolar.

QUEM SÃO OS DIRETORES?

Do total de 37 participantes, a grande maioria, 31são mulheres, apena s6 são homens; 28 deles apresentam idades entre 41 e 60 anos e, mais da metade, 19 se identificam como brancos, 13 como pardos e 4 como pretos; 1 diretor não respondeu a questão.

Os diretores possuem grande experiência na função, 23 deles afirmam ter mais de 21 anos no cargo e 7 diretores têm de 16 a 20 anos. Apesar disso, apenas 1 diretor disse estar há mais de 21 anos na mesma escola e 8 entre 10 e 15 anos; 11 afirmam ter menos de uma na escola e 7 entre 1 e 3 anos, denotando possível rotatividade no exercício da função. Mais da metade dos gestores é efetiva no cargo, 21 diretores nesta condição; desenvolvem esta atividade de forma exclusiva, 30 diretores afirmam não atuar em outros cargos.

A formação predominante é em pedagogia, e, em alguns casos possuem, também, licenciatura em áreas específicas como letras, história, educação física, biologia, dentre outras. Apenas 2 diretores afirmaram ter formação em gestão educacional.

RELAÇÕES HUMANAS E PROFISSIONAIS NO COTIDIANO ESCOLAR

O segundo bloco do questionário solicitou que os diretores assinalassem frequentemente, às vezes ou nunca para algumas afirmações que versavam sobre as relações humanas e profissionais na escola sob sua responsabilidade. As afirmações os alunos prestam atenção nas aulas e esforçam-se para tirar boas notas foram assinaladas como frequentemente por 22 e 23 diretores, respectivamente. Quando questionados se os alunos fazem as lições de casa, menos da metade assinalou a mesma alternativa anterior, 15 diretores optaram por frequentemente. Ainda 27 diretores afirmaram que frequentemente os alunos gostam dos seus professores e 32 disseram o mesmo sobre a afirmação se eles sentem-se seguros na escola.

No que diz respeito ao observado nas relações estabelecidas, 24 diretores apontam que os alunos tratam frequentemente os colegas com respeito e 28 afirmam isso se repetir com professores e funcionários. Os alunos também tratam frequentemente os demais com respeito independentemente da cor da pele (28 respostas), independentemente da religião (29 respostas) e independentemente da opção sexual (27 respostas).

Com relação às sanções e recompensas aplicadas aos alunos, 27 diretores apontam os alunos às vezes são muito punidos pela escola e 29 apontam que os alunos são elogiados frequentemente. Para 19 diretores os estudantes são às vezes recompensados por serem bons alunos. Quase a totalidade dos diretores, 35 afirma que os alunos frequentemente recebem regras claras da escola sobre como devem se comportar e 20 asseveram que os alunos frequentemente se comportam de acordo com elas.

Os diretores afirmam que os professores frequentemente tratam os alunos com respeito independentemente da cor da pele, religião e opção sexual, respectivamente, para cada opção, 36 diretores assinalaram esta alternativa, 35 e 34.  Para 26 deles, os professores frequentemente escutam os alunos quando eles têm problemas, para 30 diretores os professores frequentemente gostam de seus alunos e 33 frequentemente esclarecem quais os comportamentos consideram adequados para o relacionamento em sala de aula. Os professores frequentemente ajudam os alunos a resolver os conflitos entre eles para 25 diretores, para 26 frequentemente os professores têm atenção especial com alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem e 16 deles afirmam que frequentemente o professor recompensa as turmas por bom comportamento em sala de aula.

Quando perguntados sobre o tratamento dado aos alunos pelos funcionários, todos os diretores entrevistados apontam que estes tratam frequentemente os alunos com respeito independente da cor da pele, religião ou opção sexual. Contudo, com relação a esclarecer aos alunos quais são os comportamentos considerados adequados nos ambientes comuns da escola, 27 apontam que os funcionários o fazem frequentemente e 10 às vezes. Para 25 diretores os funcionários frequentemente ajudam os alunos a resolver os conflitos entre eles e para 12 às vezes os ajudam.

Com relação às regras escolares, todos os diretores afirmam que elas são frequentemente conhecidas pelos alunos e 32 deles afirmam que frequentemente estas são justas. Para 20 diretores as regras frequentemente são elaboradas com a participação dos alunos e para 16 às vezes. Segundo 20 deles, as regras são obedecidas frequentemente. Quando as regras são quebradas, para 27 diretores, frequentemente tem consequências, destes, 25 mandam os alunos para a diretoria. Nestes casos, 33 diretores afirmam que frequentemente os pais são chamados, 25 afirmam que frequentemente há uma conversa coletiva e 33 afirmam que frequentemente os alunos são chamados para conversas individuais. Ainda é indicado por 25 dos entrevistados que, nessas ocasiões, às vezes os alunos são postos para fora da sala e para 8 isso acontece frequentemente.

Com relação aos três principais lugares onde são registrados os maiores números de ocorrências sobre violência na escola, 17 dos diretores apontam a sala de aula como o principal local onde estas ocorrem, seguido pelo momento de saída da escola (15 respondentes), nos corredores entre uma aula e outra (10 respondentes), no momento das refeições (9 respondentes), na recreação (8 respondentes) e no momento de entrada na escola (8 respondentes). Nenhum dos diretores cita a sala dos professores, a sala dos gestores ou a secretaria da escola como espaços conflituosos. Do total de entrevistados, 8 afirmam que esses problemas não acontecem em suas escolas.

GESTÃO ESCOLAR E REDE DE APOIO

No terceiro bloco de questões, foram descritas algumas situações-problemas ou conflituosas, assim, solicitou-se que os diretores informassem quais órgãos ou quem eles acionariam para solucionais tais problemas. As respostas eram dadas de forma aberta, ou seja, um diretor podia indicar vários órgãos.

Nos casos de Depredação/pichação das dependências externas e/ou internas da escola são acionados, nesta ordem, responsáveis, polícia Neste trabalho, trata-se genericamente por polícia todo órgão com poder de controle e repressão como polícia militar, polícia civil e/ou ronda escolar. e mediação. Em relação aos casos de Roubo/furto de equipamentos e/ou a profissionais e alunos, o primeiro órgão a ser acionado é a polícia, seguido de responsáveis e em terceiro lugar a maioria das respostas indicou que esses casos não ocorrem nas escolas pesquisadas. Nas situações de Consumo/porte/tráfico de drogas nas dependências e/ou proximidades da escola são acionados a polícia, responsáveis, e mediação. Casos de consumo de álcool nas dependências e/ou proximidades da escola não ocorrem para 11 diretores e, nas escolas onde ocorrem, a polícia é acionada por 16 diretores e os responsáveis por 11.

Casos de agressões verbais entre alunos a grande maioria dos diretores aciona os responsáveis, a mediação e os próprios alunos e/ou a gestão da escola. Já nos casos de agressão física, os dois primeiros órgãos são iguais aos anteriores e o terceiro é o Conselho Tutelar. Quando acontece agressão verbal de aluno contra profissionais da escola os diretores afirma acionar os responsáveis, a mediação e a gestão da escola. Quando acontece agressão física, em terceiro lugar, a polícia é assinalada como órgão acionado.

Nos casos de agressão verbal contra os alunos por profissionais da escola os órgãos acionados são os mesmos nos casos de agressão verbal cometida por alunos, ou seja, os responsáveis, a mediação e a gestão da escola. Já quando perguntados sobre a ocorrência de agressão física de profissionais da escola contra alunos 12 diretores afirmam que isso não ocorre, para 10 diretores são acionados os responsáveis e para 8 a mediação.

Quase a metade dos diretores afirma registrar frequentemente as ocorrências nos Registros de Ocorrência Eletrônica (ROE), 16 assinalam sim para esta alternativa, e para 12 às vezes, no entanto, quando perguntados se as ocorrências são registradas manualmente em livro próprio 32 diretores afirmam que frequentemente o fazem.

PROFESSORES MEDIADORES COMUNITÁRIOS: POSSÍVEIS IMPLICAÇÕES NA DINÂMICA ESCOLAR

No quarto bloco, com questões especificas em relação às funções do Professor Mediador Escolar e Comunitário (PMEC), de acordo com 20 diretores, a maior mudança observada após a criação da função dos PMECs foi a redução de conflitos. Para 9 diretores há maior contato com os responsáveis pelos alunos e comunidade escolar; 5 afirmam que foi a criação de mais uma função na equipe pedagógica; 5 apontam melhor acompanhamento da frequencia dos alunos e redução da evasão escolar; 5 indicam maior disciplina e organização da escola; 3 atribuem ao PMEC o aumento do rendimento acadêmico dos alunos, além de citarem melhor contato com o Conselho Tutelar e redução das depredações patrimoniais;1 diretor aponta que não houve mudança significativa com a criação da função.

Quando questionados sobre quais ações o PMEC realiza em cada escola, 15 dos diretores afirmam que sua principal ação é a mediação de conflitos e o atendimento dos alunos; para13 diretores sua principal ação é o desenvolvimento de projetos e organização de palestras para os alunos e comunidade escolar. Para outros 9 diretores, o PMEC é responsável pelo contato com os responsáveis pelos alunos e com a comunidade, além de auxiliar nas ações da equipe gestora, citado por 6 gestores. O Professor Mediador ainda é responsável por entrar em contato com o Conselho Tutelar para 5 diretores, por controlar a frequencia e evasão dos alunos para 3 deles, por trabalhar com justiça restaurativa e orientar a equipe de professores para 2 e por atuar como professor substituto em caso de faltas, respondeu 1 diretor.

Em relação às principais dificuldades que o Professor Mediador Escolar e Comunitário enfrenta para realizar o seu trabalho, 11 diretores apontaram o trabalho com os responsáveis pelos alunos, que muitas vezes não comparecem ou não atendem às demais solicitações da escola. Para 9 diretores, a sobrecarga de trabalho e a falta de tempo são o principal desafio do PMEC, seguido pela resistência da equipe escolar às ações que o PMECdesenvolve, conforme 3 respondentes e 2 diretores citam dificuldade no trato com o Conselho Tutelar e falta de formação do PMEC. Do total de diretores entrevistas, 8 deles afirmam que não há dificuldades para o exercício da função em sua escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando a pergunta instigadora deste trabalho: qual a opinião dos diretores sobre as relações de convivência, as situações de conflitos e o papel do PMEC na mediação destas situações?, com o objetivo de concluir este debate, cabe destacar com base nos dados coletados e descritos uma razoável contradição nas respostas dos diretores.

Na dimensão Relações humanas e profissionais no cotidiano escolar; referentes às frequências das afirmações feitas em relação aos alunos, professores, funcionários e às regras estabelecidas, os dados demonstram que, embora a maioria dos diretores afirme que frequentemente os alunos prestam atenção nas aulas, esforçam-se para tirar boas notas, gostam dos seus professores, sentem-se seguros na escola, tratam colegas, professores e funcionários com respeito, independentemente de questões de diversidade; estes são muito punidos pela escola às vezes. O que nos leva a refletir sobre as razões das punições uma vez que, em geral, pelo que afirmam os diretores, os alunos demonstram bom comportamento. Quando perguntados sobre os espaços físicos ou temporais onde as ocorrências de violência mais acontecem na escola, o primeiro lugar é citado é a sala de aula, o que também surpreende, uma vez que em respostas anteriores os diretores afirmaram existir conhecimento e adesão às regras e respeito entre os alunos e profissionais da escola.

No que tange à existência de regras de convivência no espaço escolar, pode-se afirmar que os alunos requerem clareza sobre elas, o que possibilita negociar com a direção, mesmo que suas expectativas não sejam exatamente atendidas, mas pelo menos, ouvidas e levadas em consideração, na medida do possível. Alunos sabem a margem de manobra que podem ter em relação ao perfil da gestão da escola, pois “diferentemente de outras atividades de trabalho na indústria ou nos serviços, o grupo de alunos não é uma equipe de colaboradores: ele constitui, para o professor (e para a direção da escola), ao mesmo tempo, o espaço de seu trabalho (...) e seu material” (TARDIF, LESSARD, 2005, p 69).

No tocante à dimensão Gestão escolar e rede de apoio, relativa à quais órgãos ou atores os diretores acionam para solucionar alguns problemas específicos, têm-se como principais atores envolvidos na resolução dos problemas os responsáveis pelos alunos, a polícia e a mediação escolar. Este quadro aponta que, ainda que a mediação tenha papel importante na diminuição dos conflitos, as escolas tendem a envolver ou delegar a atores externos à escola na resolução dos conflitos escolares. Em poucos casos foram registradas resoluções por parte da escola diretamente com os sujeitos envolvidos nos casos.

Já na dimensão PMECs e possíveis implicações na dinâmica escolar, com questões específicas sobre o papel do professor mediador, destaca-se a opinião dos diretores sobre a diminuição dos conflitos gerada pelo trabalho destes professores na escola, bem como a melhora da relação da escola com os responsáveis e comunidade escolar. Contudo, é importante salientar a quantidade de respostas que pontuam o excesso de trabalho e a falta de tempo como os principais entraves ao desenvolvimento da função.

Como se disse no início deste texto, o estudo aqui analisado buscou compreender a opinião de diretores de escolas da rede estadual de São Paulo sobre situações de conflito. Partiu-se do pressuposto que diretores (assim como professores) também são construtores de políticas, pois influenciam fortemente a interpretação que se faz das diretrizes e programas governamentais, envolvendo-se em questões políticas quando decidem aceitá-las, modificá-las, rejeitá-las em seu cotidiano de trabalho, com todas as peculiaridades, possibilidades e limites que configuram as redes de escolas. Em última instância, são os responsáveis pela materialização das diretrizes e programas do governo do qual são parte integrante, (re) interpretando o conjunto legal e normativo.

Identificou-se que a maior parte dos diretores reconhece a importância da função do PMEC na redução e mediação das situações de conflitos na escola. Embora os resultados não possam ser generalizados à rede estadual paulista - que possui 5.500 escolas - os dados indicam tendências apontadas em estudos da área, que merecem atenção, especialmente sobre as formas pelas quais a mediação das situações de conflito vem sendo tratadas. É sabido que muitos diretores se vêem frente a situações de conflitos semelhantes e as enfrentam de formas diferentes. Não há receituário ou livro didático orientando sobre o que fazer nesses confrontos, pois as atividades de gestão são impregnadas da experiência individual e social em contextos nos quais interagem aspectos pessoais e profissionais: é a descoberta de si no trabalho; a constituição de processos identitários; a emergência do sentimento de impotência nas situações vicenciadas (MARTINS, 2005).

Nessa perspectiva, casos amplamente divulgados pela mídia sobre comportamento de adolescentes e jovens, considerados como casos de indisciplina, por exemplo, poderiam ser melhor equacionados se as políticas públicas de educação investissem em ações de prevenção, que fossem capazes de suscitar nos profissionais da escola mudanças de atitudes e de valores por meio de atividades de formação continuada que incluíssem a discussão, reflexão e análise de situações conflituosas e as medidas adotadas.

REFERÊNCIAS

ABRAMOWAY, M.; RUA, M. G. (Coords.). Violência nas escolas. Brasília: Unesco, 2002.

CARDIA, N. Pesquisa sobre atitudes, normas culturais e valores em relaçãoà violência em 10 capitais brasileiras. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 1999.

CECCON, C. et al. Conflitos na escola: modos de transformação: dicas para refletir e exemplos de como lidar. São Paulo: CECIP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009.

CHARLOT, B. A violência na escola: como sociólogos franceses abordamessa questão. Sociologias, Porto Alegre, Ano 4, n. 8, p. 432-443,jul./dez. 2002.

HÉBERT-LESSARD, M.; GOYETTE, G.; BOUTIN, G. Investigação qualitativa: fundamentos e práticas. Lisboa: Instituto Piaget, 2008.

LOPES, R. B. Significações de violências na perspectiva de professores que trabalham em escolas “violentas”. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2004.

MARTINS, A. M. A gestão de uma escola técnica: desafios pedagógicos. In: Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: psicologia da Educação, PUC/SP. (Org.). Ensino médio e ensino técnico no Brasil e em Portugal. 1 ed. Campinas: Autores Associados, 2005, v. 01, p. 111-136.

MARTUCCELLI, D. Reflexões sobre a violência na condição moderna. Tempo Social. Revista de Sociologia, USP, n. 1, p. 157-175, maio 1999.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Resolução SE nº 19, de 12/02/2010. Institui o Sistema de Proteção Escolar na rede estadual de ensino de São Paulo e dá providências correlatas. São Paulo: CENP/DRHU, 2010.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Seminário de Proteção Escolar – debate temas como bullying e prevenção de conflitos. Disponível em:<http://www.educacao.sp.gov.br/spec/seminario-protecao-escolar-debate-temas-bullying-prevencao-conflitos/>. Acesso em: 20 jul. 2015.

TARDIF, M, LESSARD, C. O trabalho docente – elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.

VILLANUEVA, L. F. A. Problemas públicos y agenda de gobierno. México, 1996.