A GESTÃO DEMOCRÁTICA E A CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR (ESCOLA DE GESTORES) UFF/SEB/MEC
Resumo: A Lei 13.0005/2014 institui o Plano Nacional de Educação (PNE). Dentre o conjunto das metas que dão substância a este Plano se destaca a de número 19, que regula o estabelecimento da Gestão Democrática nas Escolas. Tendo em vista esta meta e as estratégias a ela concernentes, nos propomos a discutir as relações entre a Gestão Democrática e a (possível) construção de um Sistema Nacional de Educação utilizando como instância empírica a experiência obtida junto ao Curso de Especialização em Gestão Escolar UFF/SEB/MEC (Escola de Gestores) no que tange à formação de diretores responsáveis por escolas públicas. Ao final, discutimos as possíveis relações entre o local e o nacional na efetivação de um Sistema Nacional de Educação administrado com base nos pressupostos da Gestão Democrática.
Palavras-chave: Gestão Democrática; PNE; Sistema Nacional de Educação.
INTRODUÇÃO
Pensar a educação brasileira requer de nós, pesquisadores, olhar para as possibilidades e limites que a legislação educacional nos proporciona e avançar a partir de uma realidade concreta. Diante disso, buscamos compreender como a legislação nos concede espaço para a participação da comunidade nas decisões que interferem no desenvolvimento da educação. O Plano Nacional de Educação (PNE), com diretrizes, metas e estratégias, busca consolidar o papel da escola como indutora de transformação social.
A Emenda Constitucional nº 59 de 2009 altera o artigo 214 da Constituição Federal (CF/88), passando o PNE a se constituir numa exigência constitucional com periodicidade decenal. Essa mudança no ordenamento jurídico possibilitou a construção de estratégias que estimulassem a valorização da escola e do magistério como elemento constituidor de cidadania, democracia e igualdade social. Assim, a Lei 13.0005/2014 institui o PNE, composto por 20 metas nacionais que visam a garantir o direito à educação, à equidade e a valorização do magistério. Dentre o conjunto das metas que dão substância a este Plano se destaca a de número 19, que regula o estabelecimento da Gestão Democrática nas Escolas. Este é um tema que está longe de ser esgotado porém, enquanto princípio consagrado no Artigo 206 da Constituição Federal (CF/88) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Gestão Democrática ainda se encontra longe de ser efetivada na realidade de boa parte das escolas brasileiras. Em parte isto se dá devido à natureza flexível destes princípios enquanto normas programáticas, de maneira que a forma (no sentido aristotélico) colegiada, mesmo sendo indutora de participação e decisão coletiva e dialógica, não necessariamente irá induzir a um conteúdo (ou matéria se preferirmos a terminologia aristotélica) democrático pois a mera existência formal de estruturas de participação não torna automática a atitude democrática dos integrantes destas estruturas (como, por exemplo os conselhos escolares), o que já foi verificado em estudos realizados anteriormente (SANTOS, 2011; 2014-a). Deve ser ressaltado que creditamos que esta dissociação entre matéria e forma no âmbito da gestão democrática parte isto se dá por um efeito de refração política, ou seja, da interferência política no processo de materialização da norma quando passa da instância do texto legal ao contexto da prática concreta, interferência esta que pode não somente modificar como em alguns casos até mesmo anular as finalidades da mesma (SANTOS, 2014-b).
Do ponto de vista do Plano Nacional de Educação e de sua efetivação, isto assume um contorno ainda mais dramático pois o texto da Meta 19 indica a existência de um prazo bastante restrito para sua implantação como estrutura estruturante das relações administrativas no âmbito de escolas e sistemas de ensino. Tal prazo (dois anos) se esgota(ria) em 25 de junho de 2016, porém não há a menor garantia de que escolas e sistemas de ensino atenderão ao mesmo pois a efetivação desta meta prevê mais do que os esforços individuais de gestores e educadores: requer a integração dos sistemas de ensino em um Sistema Nacional de Educação cuja gênese em grande parte depende do estabelecimento (de fato e não somente de direito) de um Sistema Nacional de Educação (SNE).
Tendo em vista as discussões referentes à Meta 19 e as estratégias a ela concernentes, nos propomos a discutir as relações entre a Gestão Democrática e a (possível) construção de um Sistema Nacional de Educação utilizando como instância empírica a experiência obtida junto ao Curso de Especialização em Gestão Escolar UFF/SEB/MEC (Escola de Gestores UFF) no que tange à formação de diretores responsáveis por escolas municipais. Tal discussão é realizada neste trabalho tendo em vista apresentar inicialmente algumas definições que estruturam nosso referencial teórico e nosso viés de análise. De plano cabe indicar que o presente estudo resulta de um ensaio em que nos dedicamos ao estudo das seguintes fontes documentais: a) Constituição Federal de 1988 (CF/88); b) LDB; c) Lei 13.005/2014; Plano de Trabalho do Programa Nacional Escola de Gestores; d) Síntese das atividades vinculadas à Gestão Democrática desenvolvidas no Escola de Gestores UFF. Antes, porém, de seguir para a discussão deste corpus documental, vamos em direção a algumas considerações prévias sobre o PNE e o SNE
O PNE E O SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO: ALGUMAS REFLEXÕES
Em seu artigo 23, a CF/88 determina, dentre outras coisas, que é competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proporcionar os meios de acesso à educação para a população brasileira. Em seu parágrafo único menciona-se que Leis Complementares regularão a cooperação entre estes entes federados. O fato concreto é que após a promulgação da Carta Magna o regime de colaboração não fora regulamentado, mantendo como regra a desarticulação entre os sistemas de ensino.
Num cenário onde a União concentra cerca de 70% da arrecadação do país, a discussão em relação à ausência de um efetivo sistema nacional de educação capaz de redistribuir e suplementar o orçamento de toda e educação brasileira e que permita a colaboração entre os entes federados torna-se premente no debate educacional brasileiro. No artigo 211 da CF/88 estabelece-se o regime de colaboração entre os sistemas de ensino dos entes federados com a finalidade de universalização do ensino obrigatório. Elege-se ainda a educação básica, ao incluir como direito público subjetivo o ensino dos 4 aos 17 anos, faixa etária que engloba a pré-escola ao ensino médio.
Ao escrever sobre o conceito de direito público subjetivo, Duarte (2004) aponta para a necessidade de organização do Estado para consolidação dos direitos sociais:
Assim, no contexto das Constituições do Estado Social, que incorporaram em seu catálogo um extenso rol de direitos sociais, o grande desafio é conter os abusos causados pela inércia estatal no cumprimento do dever de realizar prestações positivas. Estas prestações nada mais são do que as políticas públicas objeto dos direitos sociais reconhecidos constitucionalmente. Em outras palavras, o controle da atuação do Estado não mais está adstrito à exigibilidade de uma conduta negativa e ao respeito aos parâmetros legalmente estabelecidos (não invadir a esfera de liberdade do indivíduo, senão expressamente autorizado em lei), mas deve estar voltado ao cumprimento dos objetivos e programas de ação governamentais constitucionalmente delineados (como os direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, dentre outros previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988). O importante é notar que, nestes casos, o que se busca não é mais uma abstenção, mas a realização de direitos por meio da implementação de sistemas públicos adequados de saúde, educação, assistência social, etc. (DUARTE, 2004, p.114).
Embora ainda não tenha sido criado o Sistema Nacional de Educação e regulamentado o Regime de Colaboração, temos, no cenário educacional brasileiro, experimentado formas de colaboração. Para França (2014, p.420), o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, “institucionalizado pela Emenda Constitucional n°53/2006 e pela Lei Federal n° 11.494/2007 foi o primeiro regime cooperativo consolidado em âmbito de toda a educação básica”. A autora ainda menciona o Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério como importante ação de colaboração entre os entes federados.
A esse respeito, cabe lembrar que no plano da legislação o princípio norteador das relações entre União e entes federados é o de “Unidade na Diversidade”, ou seja, muito embora coordenados por um Poder Central encarnado administrativamente no Governo Federal/União, os entes federados possuem autonomia no que concerne à formulação e implantação de suas políticas, o que de certo modo contrasta com o desequilíbrio orçamentário ora apontado. Não se pode ignorar, igualmente, que a CF/88 e a LDB atribuem à União a coordenação da Política Educacional.
Neste sentido, podemos afirmar que caminhamos possivelmente após intensos debates e defesa dos movimentos organizados da educação (SAVIANI, 2010) para a criação do Sistema Nacional de Ensino e para a efetivação da regulamentação do regime de colaboração a partir da exigência no Plano Nacional de Educação (2014-2024) da criação em seu segundo ano de vigência do SNE.
Todas estas ações e movimentos da Política Educacional, por sua vez, possui como eixo estruturante de boa parte das estratégias que estão previstas no âmbito do PNE (mais de 200 ao todo) outra ação que se origina do Decreto 6.094/07 e que viria a dar origem ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Esta ação com duração prevista para o período 2007-2020 pode ser vista como subsidiária do PNE, na medida em que, para serem efetivadas as 28 metas propostas no âmbito do referido Decreto, desenvolve uma linha de ação cooperativa chamada Plano de Ações Articuladas (PAR).
O PAR se desenvolve como um compromisso firmado entre o Governo Federal (representado pelo FNDE) e os municípios, nos quais são desenvolvidas ações dentro das seguintes dimensões: I - Gestão Educacional; II - Formação de Profissionais de Educação; III -Práticas Pedagógicas e Avaliação; IV-Infraestrutura e Recursos Pedagógicos.
As referidas ações se dividem em ações relativas ao aporte de recurso financeiros e de infraestrutura, e, ações de cooperação e assistência técnica aos municípios e estados. Dentre tais ações, uma merece especial destaque e diz respeito à dimensão da Gestão Educacional: trata-se da formação em nível de Pós-Graduação dos Gestores Escolares, especialmente coordenadores pedagógicos e diretores de escolas. Eis então, o fundamento ao mesmo tempo político e jurídico do Programa Nacional Escola de Gestores, resultante de parcerias entre o Ministério da Educação e as Universidades Federais.
Dentre as várias experiências no âmbito da mencionada parceria, detalharemos os aspectos relativos à Gestão Democrática e à Formação de Gestores desenvolvida na Especialização em Gestão Escolar UFF (MEC/SEB/UFF), tendo em vista as relações entre o local e o nacional, o ente federado, a escola e a Politica Nacional articulada em torno da necessidade de constituir um SNE.
A EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL DA ESCOLA DE GESTORES (MEC-SEB-UFF): FORMAÇÃO DO GESTOR PARA A GESTÃO DEMOCRÁTICA.
BREVE HISTÓRICO DO PROGRAMA
O Programa Nacional Escola de Gestores tem sua origem num conjunto de medidas criadas no âmbito das políticas públicas do Ministério da Educação (através da Secretaria da Educação Básica - SEB) que buscavam a dinamização das ações de fortalecimento e valorização das redes de ensino dos estados e municípios pactuados no Compromisso Todos pela Educação. Nessa perspectiva, essa ação:
objetiva a institucionalização de uma política de formação nacional de gestores escolares, baseada nos princípios da gestão democrática, tendo por eixo a escola como espaço de inclusão social e da emancipação humana (BRASIL, 2009, p.07).
Dessa forma, o programa busca contribuir para os processos de melhoria e concepção da escola, tendo como elemento chave a disseminação das práticas de gestão baseadas na gestão democrática. Assim, o programa busca a articulação entre as redes de ensino, os gestores de rede, as universidades e o ministério na busca de unir esforços que em linhas gerais contribuam com a melhoria da qualidade da educação básica.
Segundo Castro (2012), depois dos anos 90 do seculo XX, duas iniciativas foram pensadas para a formação de gestores antes do Ministério da Educação em 2005: o programa de formação de gestores foi realizada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e o Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares (PROGESTÃO), sendo este pioneiro de educação a distância, tendo como objetivo a capacitação de lideranças escolares. Note que o Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica integrava o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), enquanto uma ação do governo federal de formação e valorização do magistério.
Inicialmente o curso foi desenvolvido como um curso-piloto de extensão em gestão escolar (100 horas), ofertado pelo INEP (2005). Em 2006, o programa passou a ser coordenado pela Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC), se configurando como curso de Pós-graduação (lato sensu) em Gestão Escolar, com carga horária de 400 horas, destinado a diretores e vice-diretores em exercício provenientes de escola pública da educação básica. A princípio, o curso ficou restrito a apenas 10 estados da Federação, tendo sido posteriormente disseminado por todo o país. A Universidade Federal Fluminense (UFF) foi a última IES a aderir ao Programa, tendo o curso de Especialização em Gestão Escolar em sua primeira edição (iniciada em março de 2015).
Através da Portaria Ministerial nº 145 de 11 de fevereiro de 2009, as Diretrizes Nacionais do Programa Escola de Gestores da Educação Básica Pública são, normatizadas. Dentre seus objetivos, a gestão democrática tem papel central:
- aprimorar a formação do gestor escolar das escolas públicas da educação básica;
- contribuir com a qualificação do gestor escolar na perspectiva da gestão democrática e da efetivação do direito à educação escolar com qualidade social;
- estimular o desenvolvimento de práticas e gestão democrática e de organização do trabalho pedagógico que contribuam para uma aprendizagem efetiva dos alunos, de modo a incidir, progressivamente, no desempenho escolar. (BRASIL, 2009, p.10).
É importante observar que o eixo central da formação dos gestores se assenta na gestão democrática. Essa perspectiva fomenta as ações e as concepções de formação do curso (falaremos dela na próxima seção), de modo que o gestor tenha o papel formativo do processo educacional da escola em que atua, contribuindo na formação da cidadania da comunidade ao qual está inserido e na qualidade dos processos colegiados de formação.
CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO
Trata-se de uma proposta curricular que busca uma concepção de formação baseada na autonomia e colegialidade de ações do gestor frente as demandas de sua comunidade escolar.
De acordo com Aguiar (2011), a proposta básica geral do curso buscava incentivar os gestores à reflexão sobre a gestão democrática e a desenvolver práticas colegiadas de gestão que contribuíssem para favorecer a aprendizagem efetiva dos estudantes.
Estruturado em torno de três eixos articulados (o direito à educação e a função social da escola básica; políticas de educação e a gestão democrática da escola), projeto político-pedagógico e práticas democráticas na gestão escolar. Dessa forma,
A formação com qualidade dos gestores escolares requer, interligadamente, aprofundamento teórico que permita a compreensão sobre o alcance, as possibilidades e os limites das práticas de gestão nas escolas públicas, como instituições que compõem a prática social, aliado à possibilidade de oferecer oportunidades para a reflexão a respeito dos aspectos operacionais que lhes são próprios. Assim, pretende-se, também, que os processos formativos impliquem na apropriação de meios, mecanismos e instrumentos que permitam intervenções mais satisfatórias, do ponto de vista pedagógico, no dia-a-dia escolar, a partir da compreensão dos condicionantes sócio-políticos e econômicos que permeiam a organização escolar (BRASIL, 2009, p.04-05).
Composta por sete salas ambientes - Introdução ao Ambiente Virtual do Curso, Fundamentos do Direito à Educação, Políticas e Gestão na Educação, Planejamento e Práticas da Gestão Escolar, Tópicos Especiais, Projeto Vivencial e Oficinas Tecnológicas - o curso visa proporcionar ao gestor ferramentas teóricas que possam colaborar na solução de problemas cotidianos, e que propiciem a toda comunidade escolar a capacidade de refletir, avaliar e problematizar o trabalho pedagógico desenvolvido, na busca da cidadania.
Ao analisarmos o documento relativo a sistematização das diretrizes do programa, podemos perceber o quanto a proposta de formação é inovadora e desafiadora. Inovadora por que constrói uma proposta de formação baseada na figura do gestor mediador de ações e conflitos, e não na figura centralizadora das ações da escola. Além disso, o ambiente virtual de aprendizagem foi construído rompendo a lógica tradicional de um curso de especialização, pois tem a sala ambiente Projeto Vivencial como eixo norteador da aprendizagem. Dito com outras palavras, o projeto vivencial foi construído e pensado como um elemento ordenador e condutor de todo processo de aprendizagem, pois tem suas atividades e problematizações organizadas de modo integrado com as demais salas ambientes. Desafiadora por que parte da realidade concreta dos cursistas os elementos problematizadores para a construção de novos princípios de gestão. Levando-se em conta as realidades tão heterogêneas e as desigualdades sociais e educacionais existentes em âmbito nacional, a proposta se torna desafiadora do ponto de vista da concretização e avaliação dos impactos do programa na melhoria da qualidade da gestão escolar. Soma-se a isso o enorme desafio que os gestores tem com relação a mobilização de suas comunidades escolares e no envolvimento dos mesmos nas atividades propostas nas salas ambientes. As diferentes parcerias e intervenções das secretarias de educação dos municípios do estado do Rio de Janeiro no apoio aos gestores também podem ser entendidos como uma fator limitante.
A formação do gestor (tendo a gestão democrática como princípio da educação nacional) está presente desde antes do novo PNE, pois ele é o eixo central norteador das ações educacionais, organizando um conjunto de procedimentos, comportamentos e atitudes que compõe a construção de uma nova cultura escolar que tem como mote central a formação da cidadania. A LDB em seu artigo 63 determina às instituições formadoras de educação manter programas de educação continuada para os profissionais da educação dos diversos níveis; no 80 dispõe que o “Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”; e no artigo 87, inciso III, das Disposições Transitórias, prevê que os municípios, e supletivamente o Estado e a União, deverão “realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isto, os recursos da educação a distância”. Percebe-se que a LDB referenda a formação continuada, articulada com a EAD, sempre que necessária. Isso se deve ao fato de que o sistema presencial de educação formal apresentava-se insuficiente para atender as novas demandas sociais de formação, bem como de democratização do saber. O PDE (2007), em conjunto com as ações da Universidade Aberta do Brasil (UAB), buscava ampliar os programas de formação em serviço em regime de colaboração entre União, estados e municípios aos professores e a possibilidade de adquirir qualificação de acordo com a exigência da LDB. O PNE (2014-2023), especificamente nas metas 16 e 19, possibilita planejar mais concretamente a articulação entre formação e gestão democrática. Cabe salientar que a Meta 16 fixa um percentual de 50% para formar em nível de pós graduação os professores da educação básica e a garantia a todos os profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação. Já a Meta 19, entre fixa um prazo de dois anos para a efetivação da gestão democrática da educação da educação, prevendo recursos e apoio técnico da União.
De acordo com as diretrizes do curso, a proposta de formação está centrada na concepção de educação como processo construtivo e permanente implicando no (a):
- articulação necessária entre a teoria e a prática (ação/reflexão/ação) e à exigência de que se leve em conta a realidade da escola, da sala de aula e da profissão docente, ou seja, das condições materiais e institucionais em que atua o gestor escolar;
- organização do currículo em blocos temáticos, articulados por eixos norteadores, de modo que os conteúdos das áreas temáticas não se esgotem na carga horária atribuída a cada uma;
- metodologia de resolução de problemas, permitindo que a aprendizagem se desenvolva no contexto da prática profissional do cursista;
- integração e interdisciplinaridade curriculares, dando significado e relevância aos conteúdos e
- favorecimento à construção do conhecimento pelo cursista, valorizando sua vivência investigativa e o aperfeiçoamento da prática.( BRASIL, 2009, p. 02-03).
É interessante observar que a concepção de formação do curso está vinculada a ideia de uma visão sistêmica da educação, tendo como centro desse processo a escola. Forma-se em nível de pós graduação o gestor que tem papel fundamental na conscientização e mudança dos processos educacionais mais tradicionais baseados na autoridade do professor e do diretor escolar. Nesse sentido, o gestor é o multiplicador da experiencia de formação continuada em gestão escolar, envolvendo a comunidade em torno de novas perspectivas de análise e problematização da realidade escolar.
DESAFIOS DA FORMAÇÃO
Após um longo período de tramitação nas instâncias administrativas da universidade, o curso de especialização em gestão escolar do programa escola de gestores iniciou na Universidade Federal Fluminense em março de 2015. Contando com uma equipe multidisciplinar de profissionais, e baseado na plataforma MOODLE no Centro de Educação à Distância (CEAD) da universidade, demos inicio as atividades com uma aula inaugural. A todo momento , buscamos estreitar os laços com os gestores cursistas, como forma de construir uma empatia na comunicação virtual. Nesse momento, estamos na fase final dos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), e em breve iniciaremos as orientações dos trabalhos de conclusão de curso (TCC).
Podemos destacar primeiramente o sucesso do curso no estado do Rio de Janeiro, com um número elevado de inscrições e uma evasão considerada pequena para cursos na modalidade EAD (em torno de 19% de evasão somente). Acreditamos que o trabalho afinado da equipe pedagógica do curso, associada a acréscimos e adequações do conteúdo das AVAs permitiram que os cursistas se sentissem representados nas propostas e aderindo com responsabilidade ao curso. Essa observação é importante se levarmos em conta a enorme diversidade das regiões do estado.
Entretanto, a pouca experiência da maioria dos cursistas no uso de ferramentas tecnológicas é um elemento limitador do desenvolvimento da proposta. Inserir um arquivo na base de dados, gerir um fórum de discussão, são exemplos do pouco conhecimento dos cursistas quanto a utilização de tecnologias computacionais. Outro fator interligado a esse é a interface pouco intuitiva adotada pela equipe CEAD da universidade, em que os alunos precisariam ter um nível mais elevado de conhecimentos de informática. Deve ser salientado que estamos falando do estado do Rio de Janeiro, na região sudeste do país (um grande centro econômico e financeiro, o que a priori nos levaria a pensar que a universalização da informática, bem como seus usos estaria contemplado).
Quanto a concepção de formação, que em nossa visão é inovadora, ao mesmo tempo é um elemento de sucesso e de fracasso. Sucesso por que produz mudança de comportamento, bem como desestabiliza muitas “certezas” construídas no cotidiano escolar e baseadas na reprodução de ações e discursos. O conteúdo problematizador, aliado às atividades propostas em cada sala ambiente, tem produzido interessantes questionamentos nos fóruns de discussão quanto ao papel do gestor enquanto mediador das ações da comunidade escolar, bem como produtor de conhecimento que agrega valor ao trabalho pedagógico da escola.
É interessante observar que o mesmo conteúdo problematizador também é visto como fracasso em nossa experiência, pois a pouca prática de gestão que envolva a comunidade escolar e a precarização do trabalho do gestor, tornam-se obstáculos. As atividades propostas no material instrucional do curso parte da premissa de que esse profissional possui tempo disponível para pesquisa, sensibilização dos professores, construção de propostas coletivas no âmbito da comunidade escolar, etc, produzindo muitas vezes o efeito inverso ao esperado: cursistas que entregam atividades em que a proposta coletiva não se concretiza e/ou não entregam todas as atividades. Dessa forma, o rendimento escolar fica prejudicado. Nossa estratégia foi adequar algumas atividades ao contexto local e a criação de atividades extras de suplementação do rendimento ( o que chamamos de Semana da Recuperação).
Para finalizar, em nossa explanação sobre a experiência do Escola de Gestores UFF, chamamos a atenção para alguns pontos que consideramos importantes no tocante à formação efetiva dos gestores educacionais das escolas públicas, de modo que estes venham dispor de elementos teórico-práticos, baseados nos princípios da gestão democrática, capazes de viabilizar uma educação escolar básica com qualidade social que possa se contrapor as orientações gerencialistas e produtivistas presentes na escola. Destacamos que nossas análises estão pautadas na empiria e em nosso próprio olhar sistêmico do processo de execução do cursos como um todo ( questionários, atividades, análise dos fóruns de discussão, reuniões pedagógicas, etc., foram importantes fontes documentais que nos forneceram elementos da realidade).
Nesse momento, não temos elementos que nos permita afirmar com precisão se efetivamente se o curso alcançará estes objetivos. Contudo, acreditamos que os primeiros passos já foram dados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme é sabido, autonomia difere de soberania pois o autônomo, ainda que possua sempre relativa margem de liberdade, ainda assim não possui as condições necessárias para elaborar suas próprias normas utilizando como referência única o seu juízo (político, moral, administrativo e etc). Assim, a LDB garante autonomia aos entes federados e às instituições de ensino (escolas e instituições de educação superior) públicas e privadas e isso implica no fato de que devem ser preservados os limites no que se refere à regulamentação jurídica e administrativa proposta no âmbito da União pela via da Política Nacional, assim como, não caberá às escolas, IES e sistemas de ensino se organizarem de maneira a ferir os princípios e normas gerais da educação dispostos na CF/88, LDB e legislação dos sistemas de ensino.
A chave para este equilíbrio delicado e dinâmico repousa sob a instituição de um regime de colaboração entre os entes federados, o qual conforme procuramos discutir não se encontra claramente regulamentado, sendo o calcanhar de aquiles da proposta de um SNE que viria a dar suporte a todas as ações conjuntas no âmbito da concretização das metas e estratégias presentes no PNE. No âmbito deste trabalho, o foco se centrou sobre a Meta 19 e a experiencia com os diretores escolares desenvolvida na Escola de Gestores UFF. Nesse sentido, compreendemos que para além da realidade almejada do ponto de vista jurídico (e que se mostra louvável como iniciativa capitaneada pelo Governo Federal em conjunto com a Sociedade Civil), há que ser debatido e efetivado o já mencionado regime de colaboração, bem como compreendemos a necessidade do estabelecimento de algumas ações prioritárias no que concerne à Meta 19 (especialmente no que diz respeito aos diretores escolares dos municípios do RJ), as quais detalhamos a seguir:
- Desenvolvimento de uma concepção republicana de educação, a qual visa ao compromisso político com ações de longo prazo e políticas de Estado e não de Governo. Sem que isto seja desenvolvido as ações ligadas à Gestão Democrática tenderão a estar atreladas aos interesses políticos e locais imediatos.
- Necessidade de incrementar (no nível municipal) ações de formação específicas ligadas ao desenvolvimento de temáticas ligadas tanto à formação política quanto aos aspectos operacionais da docência e gestão pedagógica (noções de direito administrativo, contabilidade, informática).
- Necessidade de fomento a atividades ligadas à análise de dados educacionais (especialmente os IDE) e discussão nas comunidades escolares. Isto teria como consequência ampliar o conhecimento da educação nos níveis regional e nacional, de modo a introduzir os diretores nas discussões relativas ao regime de colaboração
- Reforço ao estudo dos problemas relativos a cada realidade escolar, em especial no que diz respeito à integração entre as micropolíticas locais e a Política Educacional Nacional (em especial no que diz respeito ao PNE e à construção de um SNE).
Resta demonstrado para nós que estas reflexões realizadas após o desenrolar da experiência com o curso Escola de Gestores UFF, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de ações relativas à Meta 19 com diretores escolares, está longe de esgotar a totalidade dos debates que se desenvolvem e se desenvolverão acerca da questão, porém coube no presente trabalho evidenciar estes aspectos que consideramos agonísticos no que diz respeito á Gestão Democrática e sua relação com as políticas de formação de diretores no que tange à operacionalização do SNE e da Meta 19 do PNE.
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