POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS PARA A JUVENTUDE: DISTINTAS FORMAS DE INTERVENÇÃO

Resumo: Este texto analisa dentro das políticas públicas educacionais a Instituição do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) desenvolvido pelo Governo Federal por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação (MEC), executado com os sistemas públicos de ensino dos estados, do Distrito Federal e dos municípios brasileiros. A juventude é um tema cada vez mais presente nas agendas das políticas públicas. Nesta comunicação, vamos ponderar como são categorizados os termos “juventude” e “políticas públicas” no desenvolvimento e instituição do Projovem Urbano.

Palavras-chaves: Juventude; Políticas Públicas; Estado.


Esta comunicação faz um recorte da pesquisa de doutorado O projeto  vincula-se ao projeto denominado “Planejamento da Educação em Municípios Sul-Mato-Grossenses: implicações para a gestão democrática e o direito à educação”, aprovado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT/MS), do Grupo de Pesquisa Políticas Públicas e Gestão da Educação (GEPPE), na Linha 1 Políticas Educacionais, Gestão da Escola e Formação Docente, do Programa de Pós-Graduação em Educação -  Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Com a orientação da professora Doutora Regina Tereza Cestari de Oliveira. que busca analisar as políticas públicas educacionais desenvolvidas para jovens de 18 a 29 anos, por meio do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem Urbano) promovido pelo Governo Federal e realizado em municípios de Mato Grosso do Sul, por meio da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul no período de 2012 a 2014.

Especificamente neste texto, vamos ponderar como são categorizados os termos “juventude” e “políticas públicas” no desenvolvimento e instituição do Projovem Urbano. Também tenho a consciência que existem muitas outras fontes que tratam do mesmo tema com diferentes pontos de vistas

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) a Juventude compreende a faixa de idade entre 15 e 24 anos de idade. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a juventude vai dos 12 aos 18 anos O “Estatuto da Criança e do Adolescente” (ECA), Lei n.º 8.069/1990, define a adolescência entre 12 e 18 anos (e 18 a 21 anos em situações especiais) e estabelece diretrizes de Política Pública para esse segmento. (BRASIL, 1990).. A lei n.º 12.852 de 05 de agosto de 2013 que institui o Estatuto da Juventude, considera-se “jovem” a população entre 15 a 29 anos Essa faixa é subdividida nas categorias jovem-adolescente, 15 a 17 anos; jovem-jovem, 18 a 24 anos e jovem-adulto, 25 a 29 anos (BRASIL, 2013).. (BRASIL, 2013). As pesquisas da população brasileira demonstram nos últimos anos como “jovens”, pelo grupo etário de 15 a 29 anos e referendado pelo Estatuto da Juventude de 2013.

As pesquisas sobre juventude nas ciências humanas (a temática passa a ser objeto de estudos no Brasil a partir dos anos de 1970) Inúmeros trabalhos acadêmicos sobre “juventude” no Brasil foi pesquisada por Marília Sposito. Ver mais, SPOSITO, Marilia. Estado do conhecimento: juventude. Brasília: INEP, 2000. é recente, mas são diversas correntes teóricas que procuram compreendê-la em meio às transformações sociais ocorridas no século vinte e início do XXI. Nesse sentido, “juventude” está no campo das convergências e divergências teóricas os quais se revelam contraditória, complexa, por isso, necessitam de suportes teóricos e metodológicos para compreendê-las.

O termo “juventude” aponta como uma espécie de idade de transição, não estando situada na fase da idade da infância e nem completamente imersa no mundo adulto e que teria como principal característica momentos de instabilidade, típicos de uma espécie de “idade do vir a ser”.

De acordo com o documento oficial intitulado “Estação da Juventude conceitos fundamentais: ponto de partida para uma reflexão sobre políticas públicas de juventude” (BRASIL, 2014), organizado pela Secretária Nacional de Juventude (SNJ), documento esse que defende que na etapa da juventude se definem possibilidades e impossibilidades de inserção na vida produtiva e social, de desenvolvimento de projetos pessoais e sociais.

Na concepção da sociedade ocidental moderna, a etapa da juventude tem sido associada a um tempo de “moratória social”, de passagem entre a infância e o mundo adulto e, assim, de preparação para a inserção no mundo do trabalho e para a constituição de nova família. A ideia de “moratória social” tem sido entendida como um crédito de tempo concedido ao indivíduo para que ele protele sua entrada na vida adulta, favorecendo suas experiências e experimentações, formação educacional e aquisição de treinamento, o que pressupõe a presença do Estado provedor na garantia de acesso ao sistema educacional público. (BRASIL, 2014, p. 14, grifo meu).

De acordo com o documento elaborado pela Secretária Nacional de Juventude (BRASIL, 2014), a etapa da juventude tem sido associada a um tempo de “moratória social”, ou seja, de passagem entre a infância e o mundo adulto. Conforme o documento, “cada geração incorpora novos códigos da sociedade em que está inserida. Pertencer a uma ou a outra geração significa acionar diferentes repertórios e dimensões da memória social”. (BRASIL, 2014, p. 14). A ideia de “moratória social” tem sido entendida como um crédito de tempo concedido ao indivíduo para que ele protele sua entrada na vida adulta, favorecendo suas experiências e experimentações, formação educacional e aquisição de treinamento. Portanto o intitulado “jovem moratória” não carrega grandes responsabilidades, para os jovens, há neste período certo descompromisso, “não está pronto ainda para a vida”, um período da vida que a sociedade dá para projetar o futuro, de acordo com o documento o “jovem moratória” é ainda um objeto de investimento.

O “jovem moratória” conforme o documento faz a referencia de um “tempo doado” pela sociedade para seus jovens, uma espécie de crédito social. Segundo o documento elaborado pela SNJ o conceito de moratória ajuda a compreendermos os mecanismos através dos quais a juventude e sua imagem são construídas e reconhecidas.

Nesse sentido, conforme o documento (BRASIL, 2014) a juventude é compreendida como um tempo de construção de identidades e de definição de projetos de futuro. Por isso, a juventude é a fase da vida mais marcada por ambivalências. “Ser jovem é viver uma contraditória convivência entre a subordinação à família e à sociedade, ao mesmo tempo, grandes expectativas de emancipação”. (BRANDÃO, 2015, p. 2).

De acordo com Marcílio Dantas Brandão a abordagem da juventude em termos de classe etária está sempre subordinada a esta noção de passagem, de transição, de efêmero, de preparação, “para a vida adulta e representa o período em que o indivíduo sofre as consequências da moratória do trabalho em benefício da educação”. (BRANDÃO, 2015, p. 2).

O termo utilizado para a juventude como um momento de “moratória Moratória é um termo do jargão econômico e que indica “dilatação “justa” de prazo para pagamento de dívida em circunstâncias excepcionais” (BRANDÃO, 2015, p. 3). No dicionário Aurélio, o verbete Moratória, indica: “Ato de adiar os vencimentos das dívidas, suspendendo os pagamentos e ação da justiça, decretado pelo governo de um país que passa por circunstâncias excepcionalmente graves (guerra, revolução, crise econômica, calamidade pública)”. (FERREIRA, 2013). ”, que no vocabulário dos economistas, significa a “prorrogação do prazo concedido pelo credor ao seu devedor para o pagamento de uma dívida” (BRANDÃO, 2015, p. 3). A juventude, sob esta concepção, são os indivíduos para o qual a sociedade deve conceder um prazo maior de preparação para a plena integração à vida social. De acordo com Brandão, “desenvolveu-se a noção de moratória que, em síntese, implica em suspender o exercício de muitas outras atividades dos jovens em benefício de sua preparação para a vida adulta”. (Ibid., p. 3).

Conforme o documento elaborado pela Secretária Nacional de Juventude os problemas que envolvem qualquer estudo acerca da juventude, “consistem menos em definir a idade a partir da qual os sujeitos tornam-se (ou deixam de ser) jovens, e, muito mais, na reconstituição dos processos através dos quais os indivíduos são socialmente reconhecidos como jovens” (BRASIL, 2014, p. 24). Nesse sentido, a questão é menos “com quantos anos ou a partir de que idade se pode identificar os jovens” e mais “QUEM no conjunto dos sujeitos de determinada faixa etária tem o direito de fazer pleno uso desta designação” (Ibid., p. 24). Ou seja, quem é reconhecido imediatamente como jovem e quem não é.

O documento (BRASIL 2014) propõe que a juventude seja pensada primeiramente como um período da vida em que se está de “posse de um excedente temporal”. Uma espécie de “potencial energético”, um sentido também “biológico”, daquele que está distante da morte e tem “toda a vida pela frente”. De acordo com o documento, essa “disponibilidade para a vida” é condição geral e necessária para todos aqueles que se consideram e são considerados jovens.

A realidade biológica (Jovem é aquele que tem toda a vida pela frente) não é igual à realidade social (Jovem é todo aquele que se pode adequar à imagem que se faz da juventude). A modificação está no fato de que aquilo que era uma condição geral deixa de ser geral e passa a ser posse de alguns conjuntos de jovens, mas não de outros. (BRASIL, 2014, p. 26).

O documento enfatiza que a realidade biológica (jovem físico) não é igual a realidade social (imagem simbólica), nesse sentido, a condição geral deixa de ser geral e posse de alguns de “conjuntos” e não de “todos”. O conceito de moratória, uma espécie de possibilidade de ócio para as classes médias que definiria o que seria a condição de ser jovem para alguns, não explica outros fenômenos e situações. Ser jovem, mulher e de classe média são condições que revelam o desenvolvimento de uma série de características que fazem com que essa pessoa tenha uma experiência distinta de um jovem, homem e pobre, por exemplo. Portanto, o jovem moratória é uma imagem projetada de uma condição de vida restrito a poucos.

Por isso que é importante determinar quem é jovem? Quem é quem? Quais juventudes? Quem não se enquadra como jovem? Quem cabe neste modelo de imagem projetada? Quem não cabe de maneira nenhuma?

“A juventude é apenas uma palavra”, afirmou Pierre Bourdieu, “somos sempre o jovem ou o velho de alguém” (BOURDIEU, 1983, p. 113). Para o autor, os cortes, em classes de idade ou em gerações, teriam uma variação interna e seriam objetos de manipulação e por isso arbitrário. Segundo Pierre Bourdieu a fronteira entre a juventude e a velhice é um objeto de disputas em todas as sociedades pelo poder.

Na divisão lógica entre os jovens e os velhos, trata-se do poder, da divisão (no sentido de repartição) dos poderes. As classificações por idade (mas também por sexo, ou, é claro, por classe...) acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde cada um deve se manter em relação à qual cada um deve se manter em seu lugar (BOURDIEU, 1983, p. 112).

A sociedade do trabalho definiu a autonomia a partir de seu sentido econômico. Ser adulto, neste modelo, é ser alguém economicamente sustentável. Ser jovem, pelo contrário, é ser alguém que ainda não conseguiu a autonomia. Para Pierre Bourdieu juventude e velhice não seriam dados, mas construções sociais oriundas da luta entre os jovens e os velhos pelo poder. Nesse sentido, questionar a categoria juventude significa conhecer sua historia, seus movimentos, sua inserção social. As idades cronológicas e as expectativas que as sociedades constroem sobre seus jovens variam de sociedade para sociedade. Para a juventude o mundo do trabalho é um elemento importante na transição para a fase adulta. Nesse caso, muito mais do que uma descrição das delimitações etárias, as gerações se vinculam às experiências sociais e históricas.

Questionar a universalidade da categoria juventude significa reconhecer sua historicidade. Variam as idades cronológicas e as expectativas que as sociedades constroem sobre seus jovens. De fato, definições sobre infância, juventude e maturidade foram ganhando conteúdos, contornos sociais e jurídicos ao longo da história, no bojo de disputas econômicas e políticas.

Nesse sentido, é importante compreender o que são as politicas públicas. De acordo com o documento oficial organizado pela Secretária Nacional de Juventude (SNJ) que tem como título, “Estação da Juventude conceitos fundamentais: ponto de partida para uma reflexão sobre políticas públicas de juventude” (BRASIL, 2014), define as políticas públicas assim:

As políticas públicas são definidas com base em diferentes fatores: 1) o que um governo decide fazer - ou não - diante de uma situação; 2) a capacidade de pressão de grupos que levam suas necessidades e demandas ao espaço público; 3) os recursos disponíveis; 4) presença e força política de outros grupos que disputam os mesmos recursos; 4) contexto global. (BRASIL, 2014, p. 50).

Cada uma destas concepções permite estabelecer uma relação com diferentes propostas de políticas públicas (Programas e Ações) voltadas para a juventude. Nesse sentido, estas concepções informam diferentes desenhos e objetivos das políticas públicas voltadas para a juventude, em especial o Projovem Urbano.

As políticas públicas se destinam a solucionar problemas políticos, que são as demandas que conseguiram ser abrangidas na agenda governamental. As políticas públicas se situam no campo das disputas entre os diferentes atores, tanto por orientações ideológicas quanto por recursos destinados para a sua realização.

Mas para definir o que são políticas públicas eu tenho que definir também o que é Estado ou Estado para quem?

De acordo com Sanfelice (2008) o Estado moderno é assentado ao modo de produção capitalista desde a Revolução Francesa que produziu a Declaração dos Direitos do Homem e nesse interstício garantiu “a propriedade privada”. Ou seja, a partir deste princípio o Estado é capitalista e o Estado está a serviço do capital.

Desta ótica, historicamente se torna impossível desvincular o denominado Estado moderno da ordem burguesa e suas contradições subsequentes. Assim sendo, passa, então, a ser cada vez mais visível que o Estado é capitalista e, mais do que isso, é do capital. O controle do poder político-econômico é exercido pelos proprietários dos meios de produção, não importando aqui o modo como estes estejam aglutinados, cabendo ao Estado fundamentalmente garantir a propriedade privada, entendida como fundamento da liberdade individual. O Estado, portanto, e um participe intrínseco da lógica do capital. (SANFELICE, 2008, p. 162).

O Estado desde o século XVIII cumpre o papel de garantir a propriedade privada, o princípio de liberdade individual e ter o direito de ser proprietário. Segundo Sanfelice (2008), o Estado moderno começou a organizar e a reorganizar espaços da vida social, principalmente quando o modo produção capitalista passou a ficar ameaçada pela deterioração da força de trabalho.

Enquanto Estado capitalista e do capital, esta instituição vem demonstrando ter um folego razoável, pois atravessou o século XX sobrevivendo às crises do modo de produção capitalista e renovando suas políticas sociais. Veja-se, como exemplo, a atuação dos chamados Estados “benfeitores” no contexto europeu, a atuação dos estados populistas no contexto latino-americano e as reformas a que se vêm submetendo os Estados, incluindo aí suas políticas sociais, neste contexto de globalização econômica sob a regência da ideologia neoliberal. São inúmeras as ações e intervenções do Estado no sentido de garantir a desnacionalização da economia ou do capital, no intuito de reorientar a pesquisa cientifica, as inovações tecnológicas, as reestruturações industriais, as políticas de educação saúde, de assistência social e outras mais. (SANFELICE, 2008, p. 163).

Sanfelice chama a atenção para um problema de fundo nas políticas públicas brasileiras, que é necessário compreender as políticas sociais desenvolvidas no Brasil não no ponto de vista “assistencialista”, mas no ponto de vista do “econômico” e do “político”. Segundo Sanfelice os “instrumentos usados pelo Estado para manter as bases de funcionamento do sistema de acumulação. Não são políticas voltadas para os “carentes”, mas políticas que se voltam para a força de trabalho” (SANFELICE, 2008, p. 164).

A Reforma do Estado se torna a palavra de ordem predominante em todo o mundo contemporâneo. A nova ordem mundial: Estado mínimo. Mercado máximo. O Estado moderno está a serviço do capital para garantir os seus lucros, nesse sentido, a democracia e a cidadania plenas são incompatíveis com o Estado capitalista.

De acordo com Libâneo (2014), não é possível compreender a história da educação contemporânea sem entender a história do capital, pois estão relacionadas e internacionalizadas.

Conforme estudiosos do assunto, as reformas gestadas nos organismos multilaterais e adotadas mediante acordos internacionais com os países pobres compõem a estratégia neoliberal de redefinição do papel do Estado nas políticas públicas dando mais poder ao mercado. Desse modo, as políticas públicas são subordinadas ao critério econômico, que passa a regular e monitorar essas políticas. (LIBÂNEO, 2014, p. 13).

Segundo Libâneo (2014) são as agências internacionais que regulam e controlam as políticas públicas de países pobres e emergentes como o Brasil. Entre os temas que as agências exigem em seus programas se destacam.

Adaptação à globalização econômica, combate à pobreza, impactos das tecnologias da informação e comunicação na educação, des­centralização, privatização, obrigação de resultados e presta­ção de contas, qualidade da educação, gestão, reformas cur­riculares, padrões educacionais, profissionalização docente, responsabilização dos professores pelos resultados de desem­penho dos alunos. (LIBÂNEO, 2014, p. 13).

Percebe-se por meio desses documentos, organizados por meio dessas agências internacionais, que muitos temas que se encontram na ordem do dia nos programas de educação, são reformas “gestadas” pelo Estado em consonância com o modelo neoliberal. Por isso é importante compreender a origem, a natureza e as intenções das políticas e orientações vindas dos organismos e agências multilaterais do mundo globalizado. As agências internacionais principais são a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento ou Banco Mundial (BIRD), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), as quais em conjunto ou isoladamente realizam conferências e reuniões para definir e difundir polí­ticas educacionais para países do capitalismo periférico.

Nesse sentido, o Estado a serviço do capital promove a desestatização e desregulação da economia nacional dos países pobres e emergentes. Conforme Libâneo (2014), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como as corporações transnacionais pressionam estados nacionais a “promoverem reformas políticas, econômicas e sociais, culturais, envolvendo amplamente instituições políticas, jurídicas, destinadas a favorecer a dinâmica das forças produtivas e relações capitalistas de produção”. (LIBÂNEO, 2014, p. 19).  O Estado moderno está em constantes transformações pela nova ordem mundial. O projeto neoliberal articula em todo o globo “orientações” para que as políticas públicas articulem em favor do capital em todas as instituições e também nas escolas brasileiras.

A análise do impacto da internacionalização das políti­cas educacionais na qualidade social e pedagógica da escola pública requer, antes de tudo, que seja mostrada a lógica das relações entre pobreza, desenvolvimento econômico e escola, tal como expressada nos documentos internacionais. A lingua­gem desses documentos aparenta um discurso humanitário em que estão presentes termos “politicamente corretos” como satisfação de necessidades básicas de aprendizagem, educa­ção para todos, pobreza, vulnerabilidade social, desenvolvi­mento humano, inclusão, qualidade de ensino, diversidade cultural. No entanto, esses termos precisam ser compreen­didos no contexto da formulação das políticas educacionais para os países pobres por parte dos organismos internacionais (LIBÂNEO, 2014, p. 19, grifos meus).

Libâneo (2014) aponta que os documentos organizados por essas agências internacionais, apresentam um discurso humanitário, principalmente com linguagem do politicamente correto, “exclusão / inclusão”, “pobreza”, “vulnerabilidade social”, “educação para todos”, mas que são apenas políticas de reparos, reformas paliativas, que servem somente para não resolver de fato os problemas sociais.

De acordo com Libâneo (2014), os sucessivos relatórios do Banco Mundial, associando o combate à pobre­za com ações do sistema educacional, coincidem com as trans­formações do capitalismo e a formulação dos princípios do neoliberalismo. Para Libâneo esses relatórios do Banco Mundial expressam claramente a tese de que os financiamentos do “Banco devem estar centrados em programas de alívio à pobreza e de redução da exclusão social, como condição para o aumento da produtividade em função do desenvolvimento na ótica do liberalismo econômi­co”. (LIBÂNEO, 2014, p 19).

Conforme Sanfelice (2008) e Libâneo (2014) sinalizam que parte das questões nacionais relacionadas com a educação brasileira não pode ser tratada isoladamente de outros fatores que ocorrem para além das fronteiras do Brasil, mas que faz parte da internalização das políticas públicas contemporâneas.

A internacionalização das políticas educacionais é um movimento gerado pela globalização em que agências inter­nacionais, financeiras ou não, formulam recomendações so­bre políticas públicas para países emergentes ou em desen­volvimento, incluindo formas de regulação dessas políticas em decorrência de acordos de cooperação entre esses países. Deste modo, agrupam as principais pautas das políticas educativas neoliberais: ênfase na qualidade da educação, protagonismo do setor privado, a autonomia da escola e dos agentes, a avaliação e prestação de contas, a competência e a eficiência. Tais pautas foram sendo assimiladas por vários governos latino-americanos, operacionalizadas em cada país em ações mais compatíveis com a his­tória de suas políticas e da composição de interesses políticos da sociedade civil. (LIBÂNEO, 2014, p.16).

Ou seja, nas sociedades de classes, o Estado tem sempre uma função social a cumprir, em assegurar a coesão da sociedade de classe vigente, mantendo-se em controle o conflito entre as classes antagônicas impedindo uma luta que deságue na destruição desse modelo de sociedade e como missão máxima, o Estado deve garantir a reprodução e produtividade do sistema do capital. A elaboração de políticas e planos de ação referentes às demandas nascidas da juventude pressupõe uma reflexão em torno de conceituação do tema.

As políticas públicas educacionais contemporâneas brasileiras estão alinhadas a determinação dos bancos mundiais e do modelo neoliberal de Estado mínimo, dando maior poder para o mercado. São diversas, diferentes e insistentes as pressões externas e internas destinadas a provocar a reestruturação do Estado. Portanto, com as políticas impostas pelos neoliberais, de acordo com Libâneo o Estado se transformou em mera província do capitalismo mundial, sem condições de realizar sua soberania, amplamente determinado pelo jogo das forças produtivas predominantes em escala mundial, dispõe de escassas ou nulas condições para manifestar ou conquistar soberania.

Portanto, torna-se imprescindível uma trajetória histórica da constituição do Projovem Urbano, já que o programa é voltado para um público específico de 18 a 29 anos que por diferentes fatores, “foram excluídos do processo educacional, de modo a reduzir a exposição desses jovens a situações de risco, desigualdade, discriminação e outras vulnerabilidades sociais”. (BRASIL, 2005, grifos meus). Importante ressaltar conforme as leituras aqui analisadas que as designações como:“exclusão”, “situações de risco”, “desigualdade”, “discriminação” e “vulnerabilidades sociais”, fazem parte da linguagem regulamentadora das agendas organizadas pelas agências internacionais, que ditam as regras das políticas públicas nos países pobres e emergentes e no nosso caso o Brasil.

Outra categoria importante para poder entender o processo das políticas públicas educacionais da juventude é as designações em documentos de “exclusão” e “inclusão”. Embora sejam muito utilizadas, as expressões exclusão e inclusão social estão longe de uma compreensão consensual. São várias as definições existentes e, consequentemente, distintas as propostas de ação contra a “exclusão” e a favor da “inclusão”. No Brasil, os “excluídos” segundo o documento são, “os destinatários são grupos sociais designados de diferentes maneiras, tais como: pobres, “novos pobres”, vulneráveis, segregados, apartados, “desafiliados”, etc.” (BRASIL, 2014, p. 33).

É preciso sublinhar, a categoria “exclusão” evoca a implantação de políticas públicas. De acordo com o documento (BRASIL, 2014), foi nesta conjugação de fatores que o conceito de “exclusão” foi disseminado e alimentou um debate polarizado entre políticas estruturais e políticas compensatórias, focalizadas e urgentes.

No que diz respeito à juventude brasileira, parece ser menos útil considerar a exclusão da sociedade (caracterizada por processos de desvinculação social que evocam políticas compensatórias e emergenciais) e mais útil considerar situações de exclusão na sociedade (caracterizadas pela precariedade dos bens públicos e das redes sociais existentes, que evocam direitos conquistados ou a conquistar). (BRASIL, 2014, p. 47).

Neste contexto, de exclusão e inclusão, ganharam visibilidade os jovens “em situação de risco”, nas ações das políticas públicas. Caracterizados como aqueles que estão “fora da escola e fora do mercado de trabalho”, para eles “foram reservados projetos específicos, voltados para a inserção produtiva e a contenção/prevenção da violência” (BRASIL, 2014, p. 47). Ou seja, os jovens “em situação de risco” mostravam com nitidez a face da exclusão na juventude brasileira.

Para poder entender a implantação do Projovem Urbano Estudos temos que entender que tipo de público este programa atende. Estudos realizados em 2005 por Blanco (2010) indicam que havia aproximadamente 34 milhões de jovens na faixa etária de 15 a 24 anos que se encontrava atingida pelos piores índices de “desemprego, evasão escolar, falta de formação profissional, mortes por homicídio, envolvimento com drogas e com criminalidade”. (BLANCO, 2010, p. 10).

Dados do Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (SOARES, 2006), demonstram que em 2006, os jovens entre 15 e 29 anos de idade somavam 51,1 milhões de pessoas, que correspondia a 27,4% da população nacional total. O tema desemprego apresenta como um problema cada vez mais grave para os jovens entre 15 anos e 29 anos, que já respondem por 46% do total de indivíduos nesta situação no país. De acordo com Castro e Aquino (2009), a ocupação é outro problema sério, “50% dos ocupados entre 18 anos e 24 anos são assalariados sem carteira assinada, ficando em 30% para os que têm de 25 anos a 29 anos de idade”. (CASTRO; AQUINO, 2009, p. 31). Por fim, a insuficiência de rendimentos é um risco para boa parcela da juventude brasileira, “31% dos indivíduos entre 15 anos e 29 anos podem ser considerados pobres, pois tem renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo” (Ibid., p. 31). Com relação à educação, 2,8% são analfabetos, 68,3% não frequentam atividades regulares de ensino e 19,9% não concluíram o ensino fundamental (Ibid., p. 32).

Portanto, os registros de estatísticas sobre a juventude no Brasil, realizadas neste período por pesquisadores aqui citados, em que diagnosticaram que milhões de jovens não frequentavam a escola e nem uma espécie de trabalho formal. Conforme os dados oficiais aqui referenciados, os jovens no Brasil são uma das maiores vítimas dessa situação de desigualdade, vivenciando suas mazelas no desemprego, violência, pobreza e na falta de projetos futuros. Segundo o documento (BRASIL, 2014) existem por parte do governo federal desde 2004, políticas públicas para a juventude, principalmente políticas de proteção social.

A juventude, especialmente nos últimos dez anos, tem sido destinatária de diversas políticas públicas, especialmente no que diz respeito à proteção social, à inserção profissional, ao combate à violência e à participação cidadã. Essas políticas, antes fragmentadas e sem continuidade, hoje vêm sendo costuradas e consolidadas de maneira firme, à medida que o segmento jovem ocupa cada vez mais lugar na agenda pública do Brasil (BRASIL, 2014, p. 08).

Apesar do peso numérico e da gravidade das questões que envolvem este segmento populacional, a emergência das políticas públicas de juventude e da problematização dos direitos dos jovens é recente no Brasil, segundo Castro (2009), durante muito tempo, o termo juventude, manteve-se associado ao período da adolescência ou foi tomado como algo indistinto da infância, sendo as questões referentes aos jovens com mais de 18 anos desconsideradas, tanto do ponto de vista da ação pública estatal como do das entidades da sociedade civil.

A juventude conquistou uma posição de destaque na agenda nacional. No campo das políticas públicas específicas para este segmento social, considera-se que o país avançou a passos largos. Dentre os avanços, cabe destacar o arranjo institucional criado a partir de 2005 no âmbito do governo federal, que inclui a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude (CNJ) e os programas específicos para os jovens, notadamente o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) (CASTRO, 2009, p. 21).

A trajetória da constituição do Projovem Urbano é importante, já que o mesmo programa foi alterado e realizado algumas mudanças ocorridas em sua instituição (Projovem Original, Projovem Integrado e Projovem Urbano) e a transferência organizacional da Secretaria‐Geral da Presidência da República ligada a Secretaria Nacional de Juventude para o Ministério da Educação (MEC) por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI-MEC), a partir de 2012.

As mudanças ocorridas entre os projetos (Projovem Original, Projovem Integrado e Projovem Urbano) e a transferência organizacional para o Ministério da Educação por meio da SECADI-MEC, não afetou a estrutura central do Projovem Urbano que permaneceu com a existência do tripé de formação (escolarização, iniciação ao mundo do trabalho e desenvolvimento de ações comunitárias - cidadania), a manutenção de uma estrutura própria (incluindo a contratação de professores, material didático, dentre outros) e a bolsa auxílio ao estudante, mesmo que o Projovem foi implantado e efetivado por meio de ministérios diferentes é importante frisar que as concepções neoliberais estão presentes em todas as instâncias do desenvolvimento do Projovem.

Portanto, as leituras relacionadas ao Projovem Urbano, o pesquisador tem que estar atento, principalmente com as linguagens do “politicamente correto” e analisar não em termos “assistencialistas”, mas em termos de fundos “econômicos e políticos”, com finalidade para o “mercado”. Tudo indica que em muitos documentos do Projovem Urbano efetivados, há em seu programa as referências pedidas pelas agências internacionais: inclusão, vulnerabilidades sociais, situação de risco, pobreza, trabalho. Além de linguagens utilizadas na Administração de Empresas: gestor, planejamento, execução, controle e avaliação. Ou seja, a ideologia neoliberal está inserida no programa do Projovem como um todo.

REFERÊNCIAS

BLANCO, Diego Monte. O Projovem Urbano na trajetória das políticas para juventude - desafios do programa e perspectivas de análise. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Volume 2. Número 03. Julho de 2010.

BOURDIEU, Pierre. A juventude é apenas uma palavra. In:______. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. p. 112-121.

BRANDÃO, Marcílio Dantas. "Da “moratória” à “condição juvenil”: estudos recentes acerca dos jovens." Acesso dia 02 de fevereiro, 2016. Disponível em, http://www.entrelugares.ufc.br/phocadownload/artigo-marcilio41.pdf.

BRASIL, Lei n.º 8.069 de 13 de junho de 1990. Cria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

BRASIL, Ministério da Educação. Resolução CD/FNDE n.º 60, de 09 de novembro de 2011. Estabelece os critérios e as normas de transferência automática de recursos financeiros ao Distrito Federal, aos estados e a municípios com cem mil ou mais habitantes, para o desenvolvimento de ações do Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem Urbano, para entrada de estudantes a partir de 2012.

BRASIL. Cartilha de Políticas Públicas da Juventude. 2013. 35p.

BRASIL. Estação juventude: conceitos fundamentais – ponto de partida para uma reflexão sobre políticas públicas de juventude. Secretaria Nacional de Juventude – Brasília: SNJ, 2014. 128p.

BRASIL. Lei n.º 12.852 de 05 de agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude (SINAJUVE).

BRASIL. Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 28 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de 2002; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 jul. 2005.

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