DESAFIOS DA GESTÃO ESCOLAR SOB A ÓTICA DE GESTORES

Resumo: Este artigo identifica e analisa desafios presentes nas escolas sob a ótica de seus gestores. Objetiva subsidiar a formação continuada desses profissionais. Tem como pressuposto as concepções desenvolvidas por Lück (2009) e Vieira (2008), na perspectiva das dimensões da gestão. Foi elaborado através de pesquisa documental e análise de conteúdo. Analisou-se 71 banners produzidos por gestores escolares de município brasileiro, onde se respondia qual o principal desafio que a gestão de sua escola enfrenta.  Os desafios mais presentes se referem a elevação da aprendizagem dos educandos e no envolvimento, participação e responsabilização de todos os sujeitos pelos rumos da instituição.

Palavras-Chave: Política Educacional. Gestão Escolar. Desafios da Gestão Escolar.


INTRODUÇÃO

As mudanças mais recentes surgiram por consequência de um mundo globalizado, onde as tecnologias da informação e comunicação evidenciam as novas exigências de qualificação no mercado de trabalho. Nesse contexto, a escola tem papel de educar preocupando-se com o ensino interdisciplinar, buscando atender às demandas da sociedade atual e formar pessoas dotadas de ética para enfrentar essa nova estruturação.

Nas últimas décadas o tema gestão escolar vem sendo discutido com maior frequência no âmbito educacional, dada a sua importância para a formulação e implementação de uma educação pública de qualidade e, também, na perspectiva de subsidiar aos sistemas de ensino e as unidades escolares. Nesse sentido torna-se necessária uma busca por profissionais com competência para desenvolver com excelência essa função.

A gestão democrática da escola consiste em um dos princípios norteadores da oferta de ensino público, conforme expresso na Constituição Federal (Art. 205, VI) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Art. 3°, VIII). Esse mister vem recebendo avanços consideráveis a partir do Decreto Federal n° 6.094/2007, que instituiu o Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação. Nesse documento orientador foram estabelecidas 28 (vinte e oito) diretrizes a serem implementadas por cada ente federativo. Dentre essas, merece destaque a Diretriz de n° XVIII, que estabelece a cada sistema de ensino o dever de “fixar regras claras, considerados mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de Diretor de escola” (BRASIL, 2007).

Naquele momento, o Ministério de Educação instituiu o Pacto Compromisso Todos Pela Educação, a ser firmado com prefeitos e governadores, para o cumprimento daquelas diretrizes, sob pena de exclusão do ente do recebimento de transferências constitucionais voluntárias.

A efetivação de uma gestão educacional democrática e participativa está relacionada à divisão de responsabilidades no processo de tomada de decisão entre os diversos níveis e segmentos do sistema de ensino e das escolas. Nessa perspectiva, espera-se que o gestor educacional precise, prioritariamente, ser um líder e, na tomada de decisão, acreditar que as ações educativas têm o poder de transformar, de gerar conhecimentos e estruturar as relações, fortalecendo a confiança na potencialidade humana.

Todavia, vivemos na sociedade da informação e do conhecimento, na era digital, onde as interações se dão em tempo real com sujeitos nos espaços mais longínquos. Nesse mesmo contexto, a escola, o principal equipamento solidificado ao longo da história da humanidade para transmitir a cultura e o conhecimento acumulado às novas gerações, ainda se apresenta, em sua estrutura e funcionamento, muito próximo ao modelo para o qual foi concebida, há séculos.

Assim, apesar das mudanças vividas pela sociedade no que diz respeito à cultura, valores, modos de produção circulação e acumulação do conhecimento nesses tempos, no que se refere à escola como instituição, apenas duas modificações merecem destaque, para efeito deste trabalho.

A primeira modificação é que a escola, antes destinada à elite, agora é de todos, independente da condição socioeconômica. Aí se incluem meninos e meninas, homens e mulheres. Mas também, dentre esses, os de orientação sexual homo afetiva. Não apenas brancos, mas, também, negros, índios, e toda a miscigenação que é própria do povo brasileiro. Pessoas com deficiência têm de ser acolhidas, com atenção para as especificidades de sua limitação. Ainda, na mesma sala de aula estudantes com condições materiais de existência consideradas satisfatórias convivem com outros em situação bastante desfavorável.  Essa diversificação do público atendido introduz demandas para as quais provavelmente a escola ainda não tem respostas elaboradas.

A segunda modificação está relacionada à gestão escolar. O diretor, administrador da instituição, figura que detinha o poder de decisão em todas as circunstâncias, agora é substituído pela gestão democrática, onde, em tese, um núcleo gestor, assessorado por um conselho escolar, composto por representantes dos diversos segmentos que compõem aquela comunidade educativa, precisa discutir os problemas e gerenciar os conflitos até construir o consenso e chegar à tomada de decisão onde todos se sintam envolvidos e responsabilizados.

Embora apenas duas modificações, as mesmas trazem profundas transformações no cotidiano escolar, nas relações aluno-aluno, professor-aluno, escola-comunidade, na perspectiva da inclusão e do respeito aos direitos humanos.

Todavia, estarão os membros dos núcleos gestores escolares sendo preparados para o desempenho eficiente de sua função? Que problemas eles enfrentam? Quais são, na sua ótica, os principais desafios presentes no seu fazer cotidiano?

O presente trabalho mapeia os principais desafios da gestão escolar, sob a ótica de gestores de escolas públicas, relacionando os desafios às dimensões da gestão escolar. Com base no perfil das escolas objetiva subsidiar aos debates e servir de instrumento de consulta para interessados na temática, seja na formulação de políticas para a área ou a formação continuada desses profissionais.

Foram analisados 71 banners apresentados por gestores dessas escolas, por ocasião da culminância de formação continuada promovida por um sistema de ensino. A metodologia utilizada é de abordagem qualitativa, fazendo uso da pesquisa documental como técnica de coleta de dados, e da análise de conteúdos para a apreciação dos elementos coletados.
O texto está organizado em mais quatro seções, além desta introdução. A primeira situa o pano de fundo do trabalho, trazendo à tona as concepções de gestão escolar e suas dimensões, presentes em Lück (2009), Vieira (2008), além de Moreira, Souza e Oliveira (2013). A segunda se refere à metodologia de trabalho. Na terceira é realizada a análise dos dados coletados e na quarta são tecidas as considerações finais.

O trabalho se justifica por coletar, sistematizar e refletir problemas vivenciados por profissionais que atuam à frente dessa importante instituição social, a escola, podendo contribuir tanto para ampliar o debate quanto para subsidiar a formulação e implementação de políticas educacionais, bem como auxiliar aos envolvidos mais diretamente com a gestão da escola.

Anunciados os elementos preliminares do trabalho, na próxima seção traz-se à tona a gestão escolar e suas especificidades no contexto contemporâneo, na visão de estudiosos da área, o que serviu de embasamento teórico para a realização desta tarefa.

GESTÃO DA ESCOLA DE TODOS NA ERA DIGITAL: ESPECIFICIDADES E DESAFIOS

Esta seção situa especificidades da gestão escolar no contexto contemporâneo, percorrendo suas dimensões à luz dos autores estudados, bem como anuncia a importância de estudos relativos aos desafios presentes nessa atuação.

Com o propósito de ampliar a visão acerca da gestão da educação pública, focalizando a gestão escolar, buscou-se apoio na compreensão de Vieira (2008), quando afirma que a materialização da gestão é resultado das intenções do Poder Público que se traduzem em políticas a partir de sua transformação em práticas. Nesse sentido, a autora considera que três dimensões integram a gestão pública: “o valor público, as condições de implementação e as condições políticas” (VIEIRA, 2008 p.24).

Destas três dimensões, uma delas engendra a base legal, o valor público é definido na Constituição quando afirma em seu Art. 205 a educação como um “direito de todos e dever do Estado e da Família”. O contexto da gestão escolar, não difere das demais, mantendo as características comuns de necessidade de tomada de decisão, ou seja, fazer mudanças, a interação que exige a capacidade dialógica, a habilidade de negociação como um fator decisivo da atuação de um líder que saiba administrar conflitos inerentes ao exercício da função de forma satisfatória ao desenvolvimento da instituição.

Vieira (2008) salienta que existem duas esferas de gestão no contexto da educação. A gestão educacional situa-se na esfera macro, enquanto a dimensão micro está relacionada com a gestão escolar e que ambas articulam-se mutuamente, com vistas à garantia do direito à educação de qualidade, ao passo que a primeira existe em função da escola e de sua dinâmica.

Assim, a gestão escolar orienta-se para assegurar aquilo que é próprio de sua finalidade – promover o ensino e a aprendizagem, viabilizando a educação como um direito de todos, conforme determinam a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases. (p. 26). Dessa forma, a qualidade da articulação entre essas duas esferas, no sentido de alinhamento da finalidade última que é a oferta de uma educação que promova a pessoa, contribui para propiciar o seu desenvolvimento pleno.

Ainda com base em Vieira (2008), tratando mais especificamente das competências da gestão em um nível micro, conforme o objeto deste estudo faz-se necessário contemplar que o fazer do gestor escolar demanda o exercício de ações voltadas para o “fazer o que tem que ser feito”, ou seja, implementar as mudanças necessárias ao funcionamento das instituições. Para dar viabilidade ao trabalho é imprescindível a capacidade de dialogar, interagindo com a qualidade necessária com a equipe. Em caso de conflitos, que são inerentes ao ambiente de interesses nem sempre consensuais, a autora traz a importância da liderança do gestor, que dentre outras habilidades, deve ter humildade, administrar a escassez e tomar decisões em situações complexas.

Em consonância com Lück (2000), a mudança de paradigmas pela qual passa a educação é marcada por uma forte tendência a concepções e práticas interativas e participativas que necessitam, para configurar-se de forma qualitativa, de redes e parcerias com vista à solução de problemas e alargamento de horizontes. Nesse contexto a autora ressalta que:

São demandadas mudanças urgentes na escola, a fim de que garanta formação competente de seus alunos, de modo que sejam capazes de enfrentar criativamente, com empreendedorismo e espírito crítico, os problemas cada vez mais complexos da sociedade (LÜCK, 2000, p. 12).

Lück (2000) sustenta que, na sociedade atual, o modelo estático de gestão escolar vem sendo superado pelo paradigma dinâmico. Isso revela uma mudança de concepção de sociedade e ambiente educativo, com a ampliação de seu raio de atuação, sendo um desafio para os gestores identificar e captar grupos sociais potencialmente favoráveis ao campo da educação, assim:

Observa-se, também, o interesse de grupos e organizações, no sentido de colaborarem com a escola, constituindo-se essa área, um campo fértil para a realização de parcerias em prol da educação, para o desenvolvimento da sociedade, e por conseguinte, um grande desafio para os gestores escolares, por exigirem deles novas atenções, conhecimentos e habilidades (LÜCK, 2000, p. 12).

Nessa perspectiva, o movimento de transição de modelo de educação e de escola revela a necessidade de uma alteração significativa da gestão escolar, pois se anteriormente o perfil do bom diretor era aquele que cumpria determinadas obrigações em relação à hierarquia superior, atualmente esse perfil ganha novas demandas que envolvem competências diversas. Lück (2000) afirma que

Segundo este novo paradigma, entende-se que os problemas são globais e complexos, em vista do que ações locais e tópicas, em desconsideração ao conjunto de que fazem parte, são ações inconseqüentes, no sentido de transformar a escola e mover sua prática social voltada para o desenvolvimento (LÜCK, 2000, p. 12).

Nesse sentido, numa tentativa de caracterização da atuação do gestor escolar, Lück (2000) sustenta também que

(...) um diretor de escola é um gestor da dinâmica social, um mobilizador e orquestrador de atores, um articulador da diversidade para dar-lhe unidade e consistência, na construção do ambiente educacional e promoção segura da formação de seus alunos (LÜCK, 2000, p. 16).

Adiante, num esforço por maior aproximação e reflexão sobre a gestão da escola, Lück (2009) categoriza a atuação cotidiana do gestor escolar “em 10 dimensões, agrupadas em duas áreas, de acordo com sua natureza: organização e implementação” (LÜCK, 2009, p 26). As primeiras têm por objetivo preparar, ordenar, provisionar recursos, sistematizar e retroalimentar o trabalho a ser realizado. As últimas promovem transformações no contexto escolar e nas práticas educacionais, contribuindo para a ampliação e melhoria do seu alcance educacional.

Nessa perspectiva, para Lück (2009) as dimensões da gestão escolar envolvem: 1) a fundamentação conceitual e legal da educação e da gestão educacional; 2) o planejamento; 3) o monitoramento e avaliação das ações promovidas na escola; 4) a gestão de seus resultados; 5) a gestão democrática e participativa; 6) a gestão de pessoas; 7) a gestão pedagógica; 8) gestão administrativa; 9) a gestão da cultura escolar; e 10) a gestão do cotidiano escolar. Lembra a autora que esta consiste em uma proposição básica, sem pretender ser exaustiva.

Num esforço de formação continuada para gestores escolares já em exercício de sua função, Moreira, Souza e Oliveira (2013) optam por atuar mais especificamente com sete dimensões da gestão escolar. São estas: 1) função social da escola; 2) gestão democrática; 3) gestão pedagógica; 4) gestão de resultados; 5) gestão de pessoas; 6) gestão de materiais e patrimônio; e 7) gestão financeira.

Para estes autores, situa-se no campo da função social da escola aspectos relativos às expectativas sociais para com essa instituição, aí incluindo a educação em direitos humanos, a expectativa de aprendizagem dos educandos, a inclusão social, dentre outros. Em torno gestão democrática situam-se aspectos relativos aos mecanismos de participação e de responsabilização dos sujeitos ali presentes pelas decisões que tomam.

Na dimensão gestão pedagógica estão presentes aspectos relacionados ao ensino propriamente dito: planejamentos didáticos, formação continuada do professor, avaliação de aprendizagem do aluno, tempo escolar, dentre outros. Na gestão de resultados encontram-se reflexões sobre os diversos indicadores da escola e, em especial nos últimos tempos, os resultados das avaliações em larga escala.

Na dimensão da gestão de pessoas alguns pontos bastante frequentes no cotidiano escolar merecem destaque: a comunicação, a liderança, a gestão de conflitos, e o conhecimento acerca da legislação local que disciplina a relação de trabalho com os servidores. Na dimensão seguinte contempla-se gerenciamento do patrimônio imaterial (cultura da escola, valores etc.) e do patrimônio material e, neste, das especificidades do imóvel, de suas instalações, e dos demais materiais escolares, sejam de consumo ou equipamentos.

Na gestão financeira, verificou-se a sua abrangência, o que envolve atos de prever, arrecadar, executar e prestar contas de recursos necessários às demandas levantadas. Também se registra a importância do conhecimento sobre a legislação que disciplina a matéria, além das especificidades de cada um dos programas que transferem recursos para as escolas.

Para além das especificidades de cada uma dessas dimensões, alguns estudos têm avançado na busca por refletir sobre os desafios presentes na atuação desses profissionais (VIEIRA, 2002; COLARES; PACÍFICO; ESTRELA, 2009; MARTINS; BROCANELLI, 2010; FIALHO; TSUKAMOTO, 2014).

Assim, na perspectiva de ampliar e aprofundar o debate, o presente trabalho realizou um esforço de sistematizar os desafios presentes na gestão da escola, afirmados pelos próprios gestores. As estratégias adotadas para identificação e análise dos dados estão apresentadas a seguir.

CAMINHOS METODOLÓGICOS: ANALISANDO O CONTEÚDO EM DOCUMENTOS

Este trabalho consiste em pesquisa de abordagem de natureza qualitativa. Isto se deve ao seu interesse em interpretar as ações e relações dos grupos humanos e de indivíduos, elementos pouco traduzíveis pela quantificação. Assim, aqui a atenção está centrada sobre aspectos subjetivos de opiniões ou de atitudes em populações pequenas (BASTOS, 2004).
A ação predominante consiste em mapear os desafios da gestão escolar, sob a ótica de gestores de 71 escolas de um município cearense. Para tanto, optou-se pela realização de uma pesquisa documental, descritiva quanto ao objetivo.

A pesquisa documental se justifica pelo fato dos gestores escolares do município pesquisado terem participado de formação continuada e, ao término deste, terem apresentado, em formato de banner, um desafio ainda presente na sua atuação cotidiana.

Das 87 escolas que compõem o parque escolar do referido município, 71 escolas apresentaram o banner, documento em formato convencional (90cm x 120cm), contendo elementos que explicitam o principal desafio vivenciado, estratégias já tentadas para superação e resultados já encontrados.

Conforme Bardin (2011, p. 51), a análise documental consiste em “uma operação ou um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma diferente da original, a fim de facilitar, num estado ulterior, a sua consulta e referenciação”. O autor acrescenta ainda que essa apreciação permite passar de um documento primário (bruto) para um documento secundário (representação do primeiro).

Nesse sentido, como técnica de coleta de dados, realizou-se a análise de conteúdo, como procedimento de categorização do desafio apresentado. Essa estratégia “é uma dentre as diferentes formas de interpretar o conteúdo de um texto que se desenvolveu, adotando normas sistemáticas de extrair os significados temáticos ou significantes lexicais por meio dos elementos mais simples do texto” (CHIZZOTTI, 2006, p. 114). Nesse momento da análise, algumas categorias foram construídas para facilitar a compreensão.

A atividade consistiu em agrupar os desafios por dimensão da gestão. Em seguida, os mesmos foram sendo categorizados pelos problemas que evocam. Por fim, os dados qualitativos foram quantificados e, neste formato, para a sua representação utilizou-se a técnica de estatística descritiva, demonstrando a distribuição por gráficos e porcentagens.

Cabe ressaltar que o município cujas escolas foram objeto deste estudo situa-se em estado da Região Nordeste. Constitui sistema próprio de ensino, possui cerca de 210.000 habitantes (IBGE, 2010), e de 45.000 alunos em sua rede em 88 escolas municipais e 19 anexos. Oferta desde a educação infantil em creches até o ensino médio profissionalizante. O núcleo gestor de cada escola é composto por direção geral, coordenações pedagógicas (a quantidade pode variar, dependendo do número de turmas e das etapas ofertadas), coordenação administrativo-financeira e secretário escolar, designados a partir de critérios técnicos e as escolas possuem sistemática de autonomia financeira.

Informado o caminho percorrido para apropriação e análise dos dados, os mesmos serão apresentados e analisados na próxima seção.

DESAFIOS DA GESTÃO ESCOLAR E POSSÍVEIS FATORES EXPLICATIVOS

Em 2013 foi realizada mais uma seleção de gestores do município cujas escolas são sujeitos desta investigação, mas a primeira regulamentada por legislação específica para este fim. Referida iniciativa percorreu várias etapas, ações e procedimentos.  O certame foi realizado em duas fases, sendo a primeira uma prova escrita e de títulos, individual, e a segunda composta por apresentação de plano de trabalho e de entrevista, agora em grupos.

Após o início do exercício, algumas ações foram desenvolvidas pelo órgão municipal de educação para o fortalecimento dos núcleos gestores. Dentre estas, merece destaque a iniciativa de formação continuada: um curso, com carga horária de 120 horas, abordando as dimensões da gestão escolar e seus desafios.

A conclusão do curso culminou em um momento avaliativo, no qual os gestores escolares apresentaram um desafio presente em suas escolas, algumas estratégias previstas ou já utilizadas para superação e, neste caso, resultados já encontrados. Vale ressaltar que algumas escolas apresentaram mais de um desafio.

Situados os desafios em cada umas das sete dimensões da gestão escolar  - função social da escola, gestão democrática, gestão pedagógica, gestão de pessoas, gestão de resultados, gestão de materiais e patrimônio, e gestão financeira - (MOREIRA; SOUZA; OLIVEIRA, 2013), é na gestão pedagógica onde se apresenta  a maior parte dos desafios.

Gráfico 1 – Os desafios categorizados pelas dimensões na perspectiva dos gestores.
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

As 71 escolas apresentaram 82 desafios, dos quais 47 remetem à gestão pedagógica, o que representou 57% de todos os problemas. Em seguida, a gestão democrática, com um total de 20 desafios, o que representa 25% do total. A gestão de pessoas, com 6 desafios, correspondentes a 7% do conjunto. As dimensões gestão de resultados, de materiais e patrimônio e financeira foram as menos citadas pelos gestores como desafiadoras da gestão, com 5, 3, e 1 desafios, equivalentes respectivamente a 6%, 4% e 1% da soma. Não tiveram desafios relacionados a dimensão função social da escola. Esses dados estão ilustrados no Gráfico 1.

Quando analisada individualmente, a dimensão gestão pedagógica apresenta seu maior desafio nos assuntos relacionados ao planejamento didático-pedagógico. Problemas voltados para a potencialização do planejamento docente e avaliação de aprendizagem do aluno foram temas recorrentes, totalizando 55% dos desafios dessa dimensão.

Ainda na gestão pedagógica, tem-se em 26% de seus desafios estão relacionados aos discentes, o que inclui a sua motivação, participação, elevação da autoestima e disciplina. Desafios relacionados aos docentes, tais como a superação do mal estar e a formação continuada vêm em seguida, com 10%. Na sequência, representando 6%, estão os desafios relacionados à qualidade da educação. Por fim, com 3%, foi apresentado como desafio a estruturação do currículo. O gráfico 2, adiante, ilustra esse resultado.

Gráfico 2 – Os desafios da gestão pedagógica na perspectiva dos gestores
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

A dimensão de gestão democrática teve desafios apresentados por 25 escolas. Estes foram posicionados em dois grupos. O primeiro, referente à participação efetiva da comunidade e melhoria das relações escola-comunidade, com 96% do total, o segundo, voltado para o fortalecimento do conselho escolar e da corresponsabilização de todos pela tomada de decisões na escola, este com apenas 4%, conforme ilustrados no Gráfico 3.

Gráfico 3 – Os desafios da gestão democrática na perspectiva dos gestores
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

Um total de 5 escolas apresentaram desafios relacionados à gestão de resultados, todos voltados para a elevação de seus indicadores de sucesso.

Na dimensão gestão de pessoas foram apresentados 6 desafios. Destes, 3 referem-se à comunicação e outros 3 situam-se no campo da gestão de conflitos e de melhoria do clima escolar, representando 50% cada um, conforme apresentado no Gráfico 4.

Gráfico 4 – Os desafios da gestão de pessoas na perspectiva dos gestores
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

Os desafios relativos à gestão de materiais e patrimônio foram apresentados por 3 escolas, todos apontando para a necessidade de conscientização da comunidade no que concerne à conservação dos materiais, do patrimônio e da melhoria das condições físicas.

Na dimensão gestão financeira foi apresentado apenas um desafio, o qual aponta para a preocupação com a otimização dos recursos financeiros da escola.

Num esforço por maior agrupamento, classificando os desafios pela frequência em que aparecem independente das dimensões em que podem ser situados, nessas escolas situa-se em primeiro lugar a preocupação com a gestão democrática. Dentro desta encontraram-se demandas por uma maior aproximação entre escola e família, a participação mais efetiva da comunidade e do conselho escolar e a responsabilização dos sujeitos envolvidos pelas decisões tomadas. Esteve presente em 25 escolas, totalizando 35% do total.

O segundo desafio mais presente situa-se no âmbito da gestão pedagógica. Representa a preocupação dos gestores bem como suas dificuldades vivenciadas junto aos docentes, no que se refere aos processos de planejamento didático, de ensino e de formação continuada, dentre outros. Foi citado por 18 escolas, representando 26% do conjunto.

O terceiro desafio que essas escolas enfrentam também se situa no campo da gestão pedagógica. Agora a preocupação é com os discentes e as dificuldades encontradas no que se refere à sua motivação, participação, autoestima, disciplina, dentre outros. Aqui se percebe uma intenção e dificuldade em conscientizá-los de suas potencialidades. 8 escolas apresentaram essa demanda, correspondendo a 11%.

O próximo desafio mais citado pode ser enquadrado no campo da gestão de resultados, mais especificamente no que se refere a uma preocupação dessas escolas com as estratégias a serem adotadas para a elevação de seus indicadores de sucesso escolar, através dos diversos mecanismos de avaliação externa, em larga escala, a que são submetidas pelas esferas municipal, estadual e federal. Esteve presente em 7 escolas, correspondendo a 10% do total.

Outros 8 desafios ainda foram citados, mas em menor frequência: são estes: elevação da autoestima dos docentes (4%); comunicação (4%); clima escolar (4%); manutenção do patrimônio (4%); e otimização do uso dos recursos financeiros da escola (1%). Esses dados estão ilustrados no Gráfico 5.

Gráfico 5 – Os desafios da gestão de pessoas na perspectiva dos gestores
Fonte: Dados de pesquisa (2016).

Os dados apresentados demonstram que a preocupação da maioria dos gestores concentra-se na elevação da aprendizagem dos alunos mas, também, os remete a inquietações no que diz respeito ao envolvimento, participação e responsabilização de todos os sujeitos pelos rumos da instituição. Esse resultado é animador, tendo em vista que o foco da educação é o sucesso do aluno, e para tanto, a participação de toda a comunidade escolar é um dos instrumentos que reforça esse objetivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade atual promove uma série de mudanças no cotidiano escolar, nas relações aluno-aluno, professor-aluno, escola-comunidade, na perspectiva da inclusão e do respeito aos direitos humanos. Tais transformações trazem inúmeros desafios que são impetrados ao próprio exercício da gestão escolar. O desempenho eficiente da função requer uma preparação diferenciada aos membros do núcleo gestor.

Reconhecer a existência de uma “escola de todos e para todos”, atender a um público diversificado, trabalhar coletiva e democraticamente são demandas para as quais a escola ainda não está completamente preparada. 

A gestão escolar, como esfera micro do contexto educacional (VIEIRA, 2008) objetiva garantir o direito à educação de qualidade, assegurando a promoção do ensino e aprendizagem e contribuindo para o pleno desenvolvimento da pessoa. Essa garantia se traduz no maior desafio enfrentado pelos gestores. 

Pôde-se depreender a partir dos resultados desta pesquisa que os aspectos relacionados ao ensino propriamente dito, como os planejamentos didáticos, a formação continuada do professor, a avaliação de aprendizagem do aluno, o tempo escolar, dentre outros, são as dificuldades mais recorrentes nas escolas. São problemas voltados para a potencialização do planejamento docente e avaliação de aprendizagem do aluno. 57% dos desafios registraram essa preocupação pedagógica dos gestores.

Todavia, além disso, apresenta-se também como um fator preocupante, a nova configuração de administração, a gestão democrática, com um total de 25% dos desafios mencionados. Nesta nova formatação, o diretor não detém o poder de decisão, mas é assessorado por um núcleo gestor, e o mesmo por um conselho escolar representativo de diversos segmentos que compõem a comunidade escolar. Esse novo formato pressupõe o gerenciamento de conflitos através do consenso, de modo que todos os participantes são envolvidos e responsabilizados na tomada de decisões. 

Percebeu-se que na visão dos gestores, esses temas (gestão pedagógica e democrática) se traduzem em qualidade educacional. O resultado desse esforço é manifestado com o sucesso do aluno. Esse fator é nítido, sobretudo quando apenas 6% dos desafios se associam a esse quesito da pesquisa (qualidade da educação).

Assim, recomenda-se aos institutos responsáveis pela formação inicial e continuada desses profissionais, em especial aos sistemas de ensino, uma atenção às problemáticas por eles demandadas, aqui na forma de desafios da gestão, de modo a proporcionar processos formativos que venham a amenizar a problemática vivenciada e clarificar a prática cotidiana, podendo contribuir para a elevação da qualidade do ensino.

REFERÊNCIAS

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