O PROEMI/JF E A GESTÃO PARA RESULTADOS: UMA PROPOSTA DO TERCEIRO SETOR PARA A EDUCAÇÃO PÚBLICA

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a proposta de Gestão Escolar para Resultados (GEpR) expressa no Programa Ensino Médio Inovador/Jovem de Futuro (ProEMI/JF) e suas implicações para a democratização da gestão da educação, no contexto da parceria público/privada, materializada entre o MEC e o Instituto Unibanco. Para análise, trabalhou-se com pesquisa bibliográfica e documental. A parceria público/privada na execução do Projeto Jovens do Futuro tem como finalidade instituir nas escolas de ensino médio a GEpR, proposta que consolida a minimização das funções do Estado para com as políticas sociais e econômicas. A instituição de mecanismos para minimizar as ações do Estado soma-se à crença de que o setor privado possui o modelo ideal de gestão.

Palavras-chave: Política educacional; Parceria Público/privada; Gestão para Resultados (GEpR)


INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo constitui-se em analisar a proposta de Gestão Escolar para Resultados (GEpR) expressa no Projeto Jovem de Futuro (PJF) do Instituto Unibanco (IU) e suas implicações para a democratização da gestão da educação, no contexto da parceria público/privada. A proposta está situada historicamente no contexto de reconfiguração do papel do Estado na década de 1990, que dispõe sobre a necessidade do Estado firmar parcerias com a esfera privada para a consecução das políticas sociais.

A redefinição do Estado ocorrida no contexto de reestruturação do modo de produção capitalista teve como imperativo um novo padrão de acumulação do capital, em busca de restauração do poder de classe (HARVEY, 2008). A crise do capital foi identificada como sendo crise do Estado (PERONI, 2003), o que ensejou sua reforma, objetivando um Estado forte, porém mínimo (FERNANDES, 2008).

Nesse cenário, acentuaram-se as relações entre o público e o privado na educação, com vistas a garantir, por um lado, a participação da sociedade no financiamento da educação pública e, por outro, imprimir no público processos competitivos, tendo como referência a lógica do mercado (FERNANDES, 2008).

É nesse contexto que pode ser compreendida a parceria entre o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Unibanco na execução do Projeto Jovem do Futuro, que insere na política educacional ações, métodos e tecnologias que proporcionam às escolas de Ensino Médio um modelo de gestão participativo, focado em resultados. Dessa forma, o IU pretende influenciar a proposta pedagógica, incorporando uma concepção de trabalho e educação empresarial à educação pública.

O Instituto Unibanco, instituição do terceiro setor, tem como objetivo promover ações e investimentos sociais do Unibanco. A partir de 2002, passou a direcionar suas ações para a educação pública e, em 2008, lançou o Projeto Jovem de Futuro, que tem como missão contribuir para o desenvolvimento de jovens em situação de vulnerabilidade, concebendo, validando e disseminando tecnologias e metodologias sociais que contribuam para aumentar a efetividade das políticas e práticas vigentes nas escolas públicas de Ensino Médio. Em 2012, o PJF teve sua tecnologia validada e ampliada para a aplicação em larga escala, em parceria com o MEC, no Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI). A parceria passou a se chamar ProEMI/JF.

No entanto, ao compor a educação dentro desse contexto da sociedade capitalista e de suas condições e determinações estruturais, percebe-se que a educação está determinada pelos movimentos do capital. A partir desses pressupostos, questiona-se a efetivação da democratização da educação por meio das práticas materializadas pelo Instituto Unibanco, uma vez que o mesmo se apoia em metodologias padronizadas, desconsiderando as particularidades e autonomia das comunidades escolares. Para tanto, trabalhou-se com a legislação educacional de âmbito federal, documentos que nortearam a parceria entre o MEC e o IU, bem como a literatura pertinente à temática.

A RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADA NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA

O contexto no qual esse estudo está inserido refere-se à redefinição entre o público e privado e as implicações para a democratização da educação. Ressalta-se que a intensificação da crise do capital que ocorreu no mundo capitalista, a partir dos anos de 1970, causou alteração no Estado e suas funções. Essa mudança trouxe, especialmente para a educação, novos debates e modelos, a partir da reconfiguração do papel do Estado sob a influência neoliberal.

A partir dos movimentos nacionais e internacionais, pode-se notar a presença das práticas neoliberais nas reformas ocorridas no Brasil nos anos de 1990. Mesmo com as conquistas que marcaram a década de 1980, referentes à participação popular e à organização da sociedade na luta pelos seus direitos, a sociedade brasileira encontrou obstáculos diante das estratégias do capital para a superação de sua crise.

Essa ideia foi reforçada no Brasil pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com as mudanças expressas no plano elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE). Em sintonia com o neoliberalismo, o PDRAE buscava a modernização e superação da gestão burocrática pela gerencial, com base na descentralização, na privatização e na focalização das ações do Estado, assumindo que o Estado, não é, exclusivamente, o responsável direto pelas políticas educacionais e pelo desenvolvimento econômico e social, estabelecendo-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. Para fortalecer-se nessa função, as estratégias de reforma do Estado utilizadas no Brasil foram a privatização, a publicização e a terceirização (BRASIL, 1995).

O plano apontava que o Estado gerou distorções e ineficiências ao tentar assumir as funções diretas na promoção de políticas sociais, desse modo, “[...] reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, 1995, p. 11). Contudo, é necessário observar que o Estado continua sendo o responsável por financiar as políticas sociais, mesmo que o controle político e ideológico esteja a cargo das organizações públicas não-estatais.

Com a efetivação do neoliberalismo no Brasil, ocorreu um processo de deterioração social, mediante a condução de políticas excludentes. Nessa conjuntura, com a atual fase do capitalismo, caracterizado pela precariedade do trabalho, a classe trabalhadora foi a que mais sofreu com as consequências geradas pelo projeto neoliberal.

Com a proposta de reforma, observaram-se mudanças a respeito do papel do Estado como promotor de políticas sociais, em virtude das novas denominações dos conceitos de público e privado assumidas pelas propostas de gestão estatal. 

A reforma na área de educação, com a pretensão de adequá-la às novas exigências da sociedade globalizada, alterou as funções econômicas, políticas e sociais da escola brasileira, a fim de formar intelectuais urbanos de novo tipo (NEVES, 2005), isto é, especialistas e dirigentes que, do ponto de vista técnico, pudessem aumentar a competitividade e a produtividade do capital.

A consequência desse movimento foi a transferência da execução das políticas sociais para a sociedade civil, uma vez que deixam de ser responsabilidade exclusiva do Estado. Para tal, as reformas empreendidas nesse período seguiram as orientações emanadas do pensamento neoliberal, que defendiam que o Estado em crise deveria repassar a responsabilidade das políticas sociais para a esfera privada.

Sobre isso Ellen Wood (2003, p. 217) argumenta:

[...] a separação entre Estado e sociedade civil no Ocidente certamente gerou as novas formas de liberdade e igualdade, mas também criou novos modos de dominação e coerção. [...] trata-se da privatização do poder público que criou o mundo historicamente novo da ‘sociedade civil’.

Com a redefinição do papel do Estado, a partir dos anos de 1990, constatam-se as implicações da relação público/privada na consecução das políticas educacionais. Segundo Peroni (2013, p.26), a ideia de um Estado mínimo para a execução das políticas não se afirmou, pois, ao analisar o movimento do real, “[...] ao mesmo tempo em que descentralizava, tanto entre os entes federados como do Estado para a sociedade”, o que encontramos é um Estado atuante e a “[...] concretização de um determinado tipo de Estado e de políticas públicas para o país, que tinha como base teórica e política a Terceira Via”.

Com a reestruturação do Estado era necessário fortalecer seu núcleo estratégico e modificar o modelo de administração pública, substituindo, com isso, a administração pública burocrática pela administração pública gerencial. Considera-se que

No modelo gerencial, [...], a sociedade civil é representada pelo público não-estatal, pelo chamado terceiro setor (organizações não-governamentais [ONGs], instituições filantrópicas e comunitárias e outras associações similares). Estes organismos, criados com o objetivo de prover serviços sociais na área de saúde, educação, proteção contra o crime, transporte público, enfim, de alívio à pobreza, têm em comum o fato de serem não-lucrativos e fazerem parte da sociedade civil. (PERONI; OLIVEIRA; FERNANDES, 2009, p. 773).

Nessa perspectiva, as políticas governamentais brasileiras impulsionaram o aumento das parceiras entre o setor privado e a esfera pública, solidificando o terceiro setor “O conceito de ‘terceiro setor’ foi cunhado por intelectuais orgânicos do capital, e isso sinaliza clara ligação com os interesses de classe, nas transformações necessárias a alta burguesia. Assim, o termo é constituído a partir de um recorte do social em esferas: o Estado (‘primeiro setor’), o mercado (‘segundo setor’) e a sociedade civil (‘terceiro setor’)” (MONTAÑO, 2010, p. 53, grifo do autor). por meio da descentralização, setorialização e focalização dessas políticas. A partir dos anos de 1990, estabeleceu-se para a gestão dos sistemas e das escolas um novo modelo, orientado pelos princípios da gestão gerencial e com vistas à maior eficiência e eficácia do sistema.

Assim, os princípios de eficiência e eficácia, conforme os pressupostos que embasam a gestão gerencial da educação, passaram a orientar as políticas públicas educacionais e os debates sobre a qualidade na educação foram assumindo as características do campo empresarial.

De acordo com Robertson e Verger (2012), a expansão das parcerias envolve atores privados que assumem funções no setor público, como a definição de políticas, oferta da educação, fiscalização e atuação tanto na gestão escolar como na dos sistemas de ensino. A compreensão dessa relação e de sua articulação à introdução das regras do mercado no setor envolve, portanto, o debate acerca do significado, propósito e status das parcerias público/privadas na educação.

A inserção de critérios privados na gestão do público apresenta-se como “[...] um meio inovador de financiamento da educação que se baseia no melhor do público e do privado como potencial para resolver os profundos problemas sistêmicos dos sistemas de ensino, tais como acesso, qualidade e equidade” (ROBERTSON; VERGER, 2012, p. 1135).

Destarte, governar os processos que permeiam a educação mediante critérios privados é mais do que coordenar os serviços de educação envolvendo agentes públicos e privados, pois a opção governamental está imbuída, também, do caráter de constituição de tipos particulares de cidadãos.

A gestão democrática, como princípio constitucional, foi garantida no artigo 206 da Carta Magna de 1988, que estabelece, entre os fatores que promoveriam a elevação do padrão de qualidade do ensino público, que esse seja ministrado com base no princípio de gestão democrática (BRASIL, 1988). Seguindo essa concepção, o inciso VIII do artigo 3º da Lei n. 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), reafirma que o ensino público será ministrado com base com princípio da “gestão democrática do ensino público, na forma da Lei e da legislação dos sistemas de ensino”. (BRASIL, 1996, n.p).

Dessa forma, em decorrência desses dispositivos legais, que consolidam a gestão democrática como a concepção que deve vigorar na educação brasileira, os governantes devem se atentar a esses princípios ao estabelecer a legislação educacional nos estados e municípios. De fato, segundo Freitas (2007, p. 501),

A democratização da gestão educacional no Brasil não se constitui hoje opção de governantes e administradores porque é, antes, compromisso do Estado e da sociedade constitucionalmente estabelecido. Todavia, o entendimento e a materialização desse compromisso dependem de múltiplos e inter-relacionados fatores.

Esse período foi marcado por contradições, pois ao mesmo tempo em que ocorreram avanços dos direitos, materializados em políticas, também houve um avanço do processo de privatização do público, com consequências para a democratização da educação. Ao passo que se retira da execução das políticas, o Estado repassa para a instituição privada essa responsabilidade.

As transformações jurídico-legais que se instalaram no Brasil, a partir da década de 1990, têm como pressupostos o projeto neoliberal de reformas em vários setores da sociedade. Na educação, especificamente, a reforma efetivou-se com a LDBEN e objetivou adequá-la às exigências da sociedade globalizada. Essas transformações distanciam-se da materialização da gestão democrática, instituindo no setor público escolar a gestão gerencial.

Dessa forma, a educação básica no Brasil ganhou contornos bastante complexos a partir do período supracitado, pois, ao mesmo tempo em que a possibilidade histórica da construção de um Estado de direito democrático perdeu espaço para a materialização do Estado neoliberal, a implantação de reformas educativas trouxe, também, aumento da equidade no acesso à educação, melhoria da qualidade e dos resultados dos serviços educacionais, criação de formas de apresentação dos resultados da avaliação do próprio sistema, reformulação de currículos, livros, descentralização dos serviços educacionais e maior autonomia às escolas para sua autogestão (RODRIGUEZ, 2008).

Neves (2005) chama atenção quanto aos processos de mudanças que objetivaram a conformação de um novo homem para uma sociedade em transformação que, do ponto de vista técnico, significou a formação de um homem empreendedor e, do ponto de vista ético-político, a formação de um homem colaborador, atributos essenciais ao intelectual urbano nos marcos da hegemonia burguesa.

De fato, o contexto de reforma acentuou tal percurso e engendrou novas relações para que a concepção de educação como mercadoria se concretizasse de forma mais orgânica, resultando na crise do sistema público de ensino, pressionado pelas demandas do capital, bem como pelos cortes dos orçamentos públicos destinados à área educacional.

Para Ball (2010), a participação do setor privado na educação pública é atrativa para os governos e agências multilaterais, sendo apresentada como soluções para o problema da reforma no setor público. Torna-se, ainda, oportunidade de lucro para o capital.

Diante disso, o direito à educação é restringido e se transforma em um serviço, pois toma como imperativo novas orientações conferidas pelo projeto hegemônico, que não contemplam práticas democráticas de participação política, econômica e social. Nesse cenário de nova sociabilidade do ideário hegemônico, configuraram-se as práticas sociais ditadas pela classe dominante, expressas, por exemplo, nas políticas educacionais.

Segundo Neves (2008), a educação está inserida nesse movimento de inclusão social e realiza reformas que viabilizam a ampliação das oportunidades educacionais, sob os requisitos de inclusão social do novo padrão de sociabilidade e conformação técnica e ético-política determinada pelo projeto neoliberal da Terceira Via.

O contexto histórico e social brevemente apresentado possibilitou observar o processo de estruturação do projeto neoliberal frente à configuração do Estado brasileiro, o que representa a porta de entrada do Instituto Unibanco às escolas públicas, materializada por meio da parceria entre setor público e privado.

PROEMI/JF: UMA PROPOSTA DO TERCEIRO SETOR PARA A EDUCAÇÃO

O Projeto Jovem do Futuro está inserido nas ações do IU, entre estas as relações entre o público e o privado, em que se planejam os conteúdos e a forma do projeto a ser executado pela comunidade escolar. Assim, faz-se necessário a sua contextualização com a finalidade de conhecer os sujeitos envolvidos nessas relações, a concepção de educação e as propostas educativas que fundamentam o PJF.

O IU foi criado em 1982 com a finalidade de realizar ações e investimentos sociais do Unibanco, que integra o conglomerado Itaú Unibanco. Embora apresente como foco de sua atuação a melhoria da qualidade da educação pública brasileira, somente a partir de 2007 direcionou suas atividades para o Ensino Médio.

Segundo Peroni (2013, p. 250, grifos do autor), o Instituto Unibanco tem uma característica diferente e preocupante, pois

[...] financia a escola e assim, muitas escolas públicas acabam aderindo para receber recursos, e submetem-se às metas do Instituto, que interferem em toda a escola, desde o conselho escolar, até o conteúdo de ensino, já que aplicam provas e as escolas que não atingirem as metas propostas não recebem as parcelas do financiamento. Questionamos se não é uma ‘compra da escola pública’, precarizada após o ‘apagão das políticas educacionais’ que ocorreu no Brasil, principalmente na década de 1990.

Assim, o Instituto Unibanco (2013a) indica que escolheu direcionar suas ações ao ensino médio para que os jovens tenham acesso, permaneçam e concluam os estudos e também por entender a relevância da última etapa da educação básica para o desenvolvimento do país.

Diante disso, foi efetivado nas escolas públicas o Projeto Jovem do Futuro que, em sua fase piloto, foi implantado em escolas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O PJF, segundo o Instituto Unibanco (2013a), busca atuar na qualidade do aprendizado de estudantes do Ensino Médio público, por meio de uma proposta de gestão escolar participativa, técnica e transformadora, orientada para resultados.

Em 2012, as unidades participantes da fase piloto tornaram-se as primeiras a cumprir todo o ciclo do Ensino Médio sob a ação do PJF e deram subsídio para a validação do projeto e para sua aplicação em larga escala, em parceria com o Programa Ensino Médio Inovador, do MEC, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência (SAE) e cinco Secretarias Estaduais de Educação. A parceria, denominada ProEMI/JF foi implantada como política pública estadual de ensino no Ceará, em Goiás, no Mato Grosso do Sul, no Pará e no Piauí (PERONI, 2015a).

Esse projeto, que apresenta três linhas de ação – capacitação, apoio técnico e avaliação – reflete o desenho de uma parceria público/privada que, segundo Monteiro (2013), materializa-se em acordos de cooperação técnica para o desenvolvimento de estudos, projetos, pesquisas e avaliações no campo educacional entre o IU e a SAE. O IU, como a parte privada da parceria, tem como função disponibilizar dados necessários à execução dos trabalhos e indicar um técnico para acompanhar as atividades a serem realizadas. Já a SAE, a parte pública dessa relação, tem a responsabilidade de dar apoio técnico e metodológico à elaboração de pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho de Gestão de Conhecimento do IU e colaborar nas avaliações de impacto das experiências (projetos) conduzidas pelo IU, entre outras funções.

Os projetos do Instituto Unibanco fazem parte do Guia de Tecnologias do Ministério da Educação e estão inseridos junto ao Programa de Ações Articuladas (PAR). O PAR compõe mais de 40 ações criadas juntamente com municípios, estados ou Distrito Federal e estão no bojo do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O Guia de Tecnologias do MEC está dividido em seis blocos, sendo que o IU compõe dois deles: Gestão da Educação, com o Projeto Jovem do Futuro; e Ensino-aprendizagem, com o Projeto Entre Jovens.

O PJF está pré-qualificado, conforme o Guia de Tecnologias Educacionais do MEC, como um dos programas que integram a política educacional para a melhoria da qualidade da educação no Brasil e objetivam:

Disseminar padrões de qualidade de tecnologias educacionais que orientem a organização do trabalho dos profissionais da Educação Básica; Estimular especialistas, pesquisadores, instituições de ensino e pesquisa e organizações sociais para a criação de tecnologias educacionais que contribuam para elevar a qualidade da Educação Básica; Fortalecer uma cultura de produção teórica voltada à qualidade na área da educação básica e seus referenciais concretos (BRASIL, 2011, p. 15).

Peroni et al. (2012) analisam que ao pré-qualificar as tecnologias educacionais, utilizando a proposta do setor privado em detrimento da criação de políticas públicas que atendam a educação brasileira, o MEC indica, por um lado, a falta de políticas públicas e, por outro, que o Estado, por meio do MEC, está em sintonia com o que é produzido e pensado pelo empresariado, o que resulta na inserção da lógica do mercado à educação.

O PJF é um projeto de Gestão Escolar que tem como foco os resultados. Sua missão é disseminar tecnologias capazes de contribuir para a melhoria da qualidade das políticas e práticas vigentes em escolas públicas de Ensino Médio. Assim, ao invés da construção democrática e coletiva na escola, a proposta curricular deveria ser feita por meio de um padronizado sistema de gestão e avaliação que, na concepção do IU, seria o caminho para qualificar a aprendizagem dos alunos (PERONI, 2015b).

Essa proposta de Gestão Escolar para resultados é organizada e desenvolvida a partir da própria escola. Com base na ideia de GEpR, o Programa disponibiliza nas redes de ensino dos estados propostas de intervenção para ajudar a solucionar problemas tidos como causas ou responsáveis pelo insuficiente desempenho e pela baixa frequência dos alunos do Ensino Médio (INSTITUTO UNIBANCO, 2013a). A GEpR, segundo o IU, parte do pressuposto de que 

[...]não existe organização, sobretudo uma instituição voltada para o interesse público, sem uma qualificação técnica e social da gestão. Nesse sentido, busca apresentar para os gestores escolares estratégias e instrumentos que tornam seu trabalho mais eficiente, criativo e produtivo. Seus princípios orientam para um trabalho com foco nos resultados positivos de ensino e de aprendizagem (INSTITUTO UNIBANCO, 2013b, n.p).

Na concepção defendida pelo PJF o problema está na gestão da escola, considerada ineficiente, e a solução seria a Gestão Escolar para Resultados, que adota sistemas de informação voltados para o monitoramento, controle e avaliação e a utilização de programas de comunicação para garantir ampla adesão da comunidade às ações da escola, com objetivos orientados para os resultados na aprendizagem.

Tal empreendedorismo caracteriza o que Ball (2010) chama de inserção contínua da gestão gerencial para dentro da educação do setor público, centrada na liderança como uma forma de promover mudanças das ações dos sujeitos envolvidos e atribuir responsabilidades.  Em termos gerais, portanto, o que vem ocorrendo na educação brasileira, quando são seguidos esses modelos gerenciais, é a introdução de práticas calcadas na liderança e empreendedorismo.

Nessa perspectiva, esse movimento na educação é o que o autor citado chama de mercantilização do conhecimento, pois “[...] o conhecimento não é mais legitimado por ‘narrativas grandiosas de especulação e emancipação’, mas pelo pragmatismo da ‘otimização’ – a criação de habilidades ou lucros ao invés de ideias” (BALL, 2010, p. 488).

Quanto ao investimento no Ensino Médio, o IU argumenta que o acesso, permanência e conclusão do Ensino Médio podem aumentar a inserção dos jovens no mercado de trabalho, funcionando como elemento de quebra do ciclo intergeracional de pobreza e, ainda, que o jovem que abandona o Ensino Médio deixa de ser cliente das políticas de educação e tende a ser alvo das políticas de assistência social e de segurança pública (MONTEIRO, 2013).

Essa concepção evidencia que a educação está sujeita aos processos de mercantilização e privatização (BALL, 2010); que o setor privado vem redefinindo o setor público, inclusive a escola; e que as políticas sociais não são consideradas como direito social do cidadão.
Com esse entendimento, observa-se que as políticas educacionais materializadas na parceria entre o MEC e o IU ajustam a gestão ao modelo gerencial e objetivam profissionalizar a gestão escolar em todos os níveis – a coordenação pedagógica da escola, a gestão financeira e a gestão de recursos – por meio de ferramentas de controle, focalizando, com a Gestão Gerencial para Resultados, a aplicação de princípios da administração empresarial.

Krawczyk (2014) argumenta, nesse sentido, que a atuação de programas como PJF no Ensino Médio, em função das deficiências sofridas por essa etapa, expressam a presença tardia de um projeto de democratização da educação pública, ainda inacabado. Essa etapa da educação básica, com isso, e sofre os abalos das mudanças que transformaram significativamente a ordem social, econômica e cultural, a partir da segunda metade do século XX.

Para compreender a situação do Ensino Médio no Brasil, deve-se acompanhar o que têm feito as Secretarias Estaduais de Educação, órgãos que operam esse nível de ensino. Nelas, o que se observa é que um setor do empresariado assumiu lugar privilegiado na definição de políticas educativas (KRAWCZYK, 2014).

A parceria entre o MEC e o IU, com a execução do Projeto Jovem do Futuro, exemplifica a presença de ações do setor privado em diferentes âmbitos de ação pública – executivos federais e estadual, legislativo, municípios – e, sobretudo, o apoio do Estado, que compartilha suas propostas e procura implantá-las. Tal tendência afasta a implantação de uma educação voltada para a formação de cidadãos e imprime na política educacional brasileira a propalada gestão gerencial.

Nesse sentido, objetivou-se analisar as relações entre o terceiro setor e a administração pública brasileira, materializada na parceria entre o Instituto Unibanco e o Ministério da Educação na execução do Projeto Jovem do Futuro, em suas múltiplas relações e determinações com a manutenção e reprodução da hegemonia capitalista.

Paralelamente a esse processo, observa-se o abandono do ideário da igualdade de acesso ao conhecimento que permita ao estudante desenvolver-se plenamente como cidadão. Questionam-se, ainda, as orientações emanadas tanto do sistema de ensino quanto da iniciativa privada, e as consequentes alterações à promoção do direito a educação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou analisar quais alterações programas como ProEMI/JF, que refletem o desenho estruturado da parceria público/privado, vêm produzindo no âmbito da democratização da gestão da educação, quando o setor público permite a interferência do setor privado na educação.

Observou-se que as proposições apresentadas pelo IU trazem em suas ações: planos, metas, prazos e o uso de suas metodologias replicáveis. Com isso, pode-se constatar que programas como ProEMI/JF seguem uma lógica gerencialista de educação, controlando os resultados a partir de instrumentos de avaliação de desempenho dos alunos e professores e desconsideram a subjetividade social e econômica de cada comunidade escolar.

Desse modo, a política educacional propaga o direito à educação em uma dimensão que não é a republicana, e sim “[...] aquela que coloca para o conjunto da sociedade que sua regulação é mais competente quando realizada sob os critérios do particularismo, do individualismo, da competição e da concorrência, quais sejam, os critérios do mercado tão caros ao liberalismo” (FERNANDES; OLIVEIRA, 2010, p. 12).

Para tanto, as reformas implementadas no período que compreende esse estudo reduziram os gastos públicos destinados às políticas sociais, entre elas, a educação. Essas mudanças, imbuídas por conceitos como produtividade, eficácia, excelência e eficiência, foram conduzidas não a partir de teorias educacionais, mas a partir das teorias administrativas.  Tal processo induz a construção de políticas focalizadas e distantes de seu princípio universalista, bem como a isenção do Estado na promoção da política educacional, que passa de executor para mero fiscalizador (ALVES, 2014).

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