A AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR: IMPASSES SOBRE A ESCOLA PÚBLICA DE TEMPO INTEGRAL

Resumo: O trabalho tem como foco a análise da política de ampliação da jornada escolar no Brasil e o recorte tomado para análise pauta-se pela questão: em que medida a proposta de ampliação da jornada escolar na atualidade tem se consolidado na construção de uma educação integral? O objetivo foi analisar se a política pública de ampliação da jornada escolar é, de fato, estratégia para implantar uma política de educação integral. Foi feita pesquisa bibliográfica e análise documental de fontes que orientam propostas de ampliação da jornada escolar. O estudo expõe as contradições referentes ao tema e possibilita a compreensão de que, embora o alargamento da jornada escolar tenha a ampliação das oportunidades de aprendizagem como foco, o que fica em evidencia é a interface educação-proteção.

Palavras-chave: Ampliação da Jornada Escolar; Educação Integral; Escola de Tempo Integral.


INTRODUÇÃO

Este trabalho Trata-se de pesquisa concluída, a qual teve como objetivo geral analisar políticas públicas de ampliação da jornada escolar em curso no Brasil na esfera federal, estadual do Paraná e municipal de Londrina, no período de 2007 a 2013. aborda políticas públicas De acordo com Pereira (2008), entende-se as ações elaboradas e formuladas para concretizar direitos sociais conquistados e atender a demandas sociais legítimas. Como não são o resultado apenas da atividade política do Estado ou governo, as políticas públicas envolvem a ação ativa da sociedade e, portanto, estão sujeitas a uma correlação de forças e conflitos de interesses e referem-se a “[...] um conjunto de decisões e ações que resulta ao mesmo tempo de ingerências do Estado e da sociedade [...]” (p. 95). de ampliação da jornada escolar no Brasil. Toma-se como pressuposto que a partir da reforma do Estado brasileiro, o direcionamento dado às políticas públicas e educacionais colocaram esse tema em evidencia e o mesmo tem se constituído como desafio para a escola pública. Embora os anos de 1990 sejam considerados o ponto de partida para este estudo, o intervalo de tempo compreendido entre 2007-2013 consiste no foco deste trabalho por entendermos que, neste período, vêm sendo engendradas propostas que visam à ampliação do tempo de permanência dos alunos na escola e têm evidenciado as contradições advindas do processo de implantação dessa proposta, em especial por meio do Programa Mais Educação O programa foi criado em 2007 e integra o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), uma ação intersetorial que envolve além do MEC, outros ministérios. O programa (BRASIL, 2009), deve atender, prioritariamente, às escolas que se encontrarem com baixo Ideb, situadas nas capitais, regiões metropolitanas e territórios marcados por situações de vulnerabilidade social., implantado no ano de 2007.

A ampliação da jornada escolar Sobre a designação da expressão “ampliação da jornada escolar”, destaca-se que publicações oficiais, assim como a literatura acadêmica trazem diferentes denominações acerca da extensão das horas em que o aluno passa a ficar na escola. Há, em alguns casos, o uso indiscriminado do termo, significando uma dada concepção de educação, nesse caso, a integral. Expressões diversas, como: escola de tempo integral, jornada ampliada, escola de dia inteiro, educação integral, escola integral, muitas vezes, são utilizadas como se fossem sinônimos. A opção feita pela terminologia “ampliação da jornada escolar”, abarca as diferentes formas pelas quais a oferta da ampliação do tempo escolar tem sido proposta e distingue a oferta do tempo com a proposição de uma dada concepção de educação. no Brasil começou a se delinear e a ser amparada por uma legislação que normatiza os direitos de proteção integral de crianças e adolescentes. Em sua base legal, destaca-se a Constituição Federal (CF/88), promulgada em 05 de outubro de 1988 (BRASIL, 1988); o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (BRASIL, 1990); e, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/96), Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), esta última, esteira para a ampliação do debate e da consolidação de propostas oficiais.

A análise de Silva e Silva (2014), sobre a concepção de educação integral composta no governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014) a ser concretizada por meio do Programa Mais Educação, destaca que em relação à função de proteger e educar, o governo federal apresenta esta dupla função como necessidade de uma realidade recente As funções de educar e proteger não se constituem como “novidade”, porque ao longo da história da educação brasileira, uma progressiva ampliação das tarefas da escola pública vem se dando, conforme análise de Pinheiro (2009) e Algebaile (2004)., a qual visa atender a um público em situação de vulnerabilidade social por meio de ações integradas como saúde, assistência social, esporte e lazer. Afirma Rosa (2012), que o Programa Mais Educação é um dos programas criados como política de ação contra pobreza, exclusão social e marginalização cultural e que prevê ações socioeducativas no contraturno escolar para alunos do Ensino Fundamental, além de defender a ideia de que a ampliação do tempo e de espaços educativos seja solução para a problemática da qualidade de ensino, o que aponta para uma perspectiva de construção de uma concepção contemporânea de educação integral, a qual tem se distanciando daquilo que as propostas de ampliação de jornada escolar vêm indicando por educação integral e se aproximando de ações desenvolvidas no âmbito da socioeducação.

O recorte ora apresentado orientou-se pelo seguinte questionamento: em que medida a proposta de ampliação da jornada escolar na atualidade tem se consolidado na construção de uma educação integral? E teve como objetivo analisar se a política pública de ampliação da jornada escolar é, de fato, estratégia para implantar uma política de educação integral. A investigação foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica e análise documental das principais fontes que orientam propostas de ampliação da jornada escolar. As iniciativas das políticas públicas para a educação, em específico as de ampliação da jornada escolar, estipulam formas e meios de institucionalizar a ampliação das funções da escola e dos profissionais que nela trabalham, os quais passam a incorporar um conjunto de responsabilidades que podem induzir ao estabelecimento de uma vinculação com um conceito ampliado de educação como se remetesse à ideia de educação integral.

A ESCOLA PÚBLICA E SUAS FUNÇÕES

Nas discussões sobre a ampliação da jornada escolar, várias questões emergem, entre essas, aquelas relacionadas à concepção, ou seja, trata-se de educação integral ou escola de tempo integral? Ou aquelas relacionadas a objetivos mais práticos: trata-se de ampliar o tempo e pensar a formação dos sujeitos ou ampliar o tempo tendo como amparo do discurso, a proteção? Outra questão pertinente referente a este assunto diz respeito ao papel do Estado, visto que é preciso considerar a necessidade de refletir sobre a visão do Estado presente nas propostas sobre o tema, a qual tem contribuído, num primeiro plano, para consolidação de uma proposta de escola de tempo integral. Tais propostas, em especial o Programa Mais Educação, têm chegado à escola pública e, especialmente naquelas localizadas em periferias, com objetivos pouco claros no que se refere a aspectos pedagógicos. Arroyo (1988), em discussão sobre a escola de tempo integral, observa que tais propostas se alimentam, ao longo da história, de uma concepção da infância e sua fraqueza frente a uma sociedade abstrata e perversa. Essa representação do real justifica a presença do Estado e de seus serviços sociais e educativos “[...] como protetores da infância e dos pobres: a escola, instrumento privilegiado do Estado para a proteção e cuidado integral da criança. É possível perceber uma imagem de Estado protetor e educador dos pobres e dos fracos” (ARROYO, 1988, p. 6) e as políticas sociais são manifestações da opção do Estado pelos pobres.

Nas propostas de educação em tempo integral, o Estado aparece corrigindo distorções do próprio desenvolvimento capitalista ou, mais frequentemente, aquelas herdadas do passado e se constituindo como protetor do povo e não foi a necessidade de formar integralmente os homens que impulsionou a expansão da escola e a ampliação do tempo de escolarização “[...] não teve as motivações defendidas por educadores, políticos ou militantes compadecidos com a infância desvalida, embrutecida ou violenta” (ARROYO, 1988, p. 7) e que a história da educação escolar no Brasil não tem seguido essa lógica humanitária, protetora e formadora, mas, sim, a lógica brutal da sociedade mercantil. Destaca-se um aspecto caro a esta discussão, qual seja à luta de classes, sendo a escola um espaço de contradição por excelência, esta é vista, em momentos históricos distintos, servindo aos interesses do capital, em detrimento de interesses ou necessidades dos trabalhadores. A expansão da escola pública, num primeiro momento e num segundo (pós-expansão), no discurso referente à diminuição das desigualdades educacionais e maior qualidade do ensino, via ampliação da jornada escolar, tem se dado em relação ao atendimento de tarefas que extrapolam sua função. Para Paro et al. (1988), negar a necessidade de assunção de tais tarefas (como alimentação e saúde) diante do quadro de pobreza e exclusão do país é adotar uma postura, no mínimo, pouco humanizada, no entanto, não se deve deixar de lado sua função primordial. Enfatiza Arroyo (1988) que é preciso considerar o direito dos trabalhadores à cultura, ao saber, ao pensar, visto que a educação não se esgota na escola, nem na de tempo integral, mas, quando a escola deixa de realizar sua função principal e desempenha mal as outras tarefas adotadas, há que ter seu papel e suas funções repensadas e questionadas, de preferência de forma a romper com as permanências arraigadas, as quais não têm contribuído para o cumprimento de seu papel em termos da aprendizagem dos conteúdos da escolarização, em especial para as camadas menos privilegiadas da população.

As discussões sobre a escola de tempo integral têm sido colocadas em pauta em função das diferentes finalidades que embalam as propostas de ampliação da jornada escolar. Afora os programas que têm fomentado esta iniciativa, destaca-se que propostas de educação em tempo integral a ser ofertada pelas escolas públicas brasileiras deveriam se pautar, sobretudo, em um caráter formador, como na perspectiva apresentada por Arroyo (1988, p. 4) que destaca outros traços de uma proposta de educação em tempo integral, afirmando que estas devem “[...] proporcionar ao educando uma experiência educativa total, que não se limite a ilustrar a mente, mas que organize seu tempo, seu espaço, que discipline seu corpo, que transforme e conforme sua personalidade por inteiro” e também apresentam como traço marcante seu caráter preventivo e uma ligação com o traço anterior: o caráter formador. Enfatiza o autor que, se é necessário à criação de instituições, tempos e espaços isolados para a formação de determinados tipos de homens, é porque, nas relações sociais do cotidiano, tal formação não acontece. Arroyo (1988) afirma que as propostas de instituições de educação em tempo integral se alimentam de “[...] uma visão negativa do social, enfatizam o caráter deformador do convívio normal do trabalho e da vida cotidiana, da organização e das relações sociais” (p. 5), sendo que essa forma de perceber a realidade social parte de uma desconfiança do mundo “[...] e se visualiza um ideal de homem, de hábitos, valores e conhecimentos diferentes, em oposição à maneira de ser, saber e se comportar do vulgo ignorante, incivilizado, pervertido” (p. 5).

A perspectiva de classe também pode ser percebida na dimensão moral da pobreza e da riqueza, sendo que a perspectiva que se tem dos pobres, nas palavras do autor, é a de que “[...] os pobres são encarados como classes perigosas” (ARROYO, 1988, p. 5). Paro et al. (1988) compartilham da perspectiva da escola apresentada por Arroyo (1988) sobre as crianças pobres e privilegiam, em sua análise, a forma como os professores olham para essas crianças. Nos discursos adotados pelos professores, a escola seria a instituição encarregada de promover a melhoria desses alunos, não necessariamente fazendo referência primordial ao desenvolvimento intelectual dos alunos e suas aquisições de caráter cognitivo, e sim ao seu desenvolvimento social e afetivo, perspectiva corroborada por Barreto (1981), ou seja, se a pobreza é a expressão de degradação moral, de valores e hábitos, a educação integral será seu remédio.

Também discutindo a função da escola, Libâneo (2012, p. 15) argumenta que, “[...] contradições mal resolvidas entre quantidade e qualidade em relação ao direito à escola, entre os aspectos pedagógicos e aspectos socioculturais, e entre uma visão assentada no conhecimento e outra, em suas missões sociais”, continuam a povoar o universo educacional. Com isso busca-se outro tipo de escola, abrindo-se espaços e tempos, os quais possam atender às necessidades básicas de aprendizagem, herança da Conferência Mundial de Educação para Todos De acordo com Shiroma, Moraes e Evangelista (2000), a Conferência foi financiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Programa das Nações Unidas para ao Desenvolvimento (PNUD) e Banco Mundial, marcou o lançamento, no Brasil, da Década de Educação para Todos e culminou com a elaboração da Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990) e do Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1990), nos quais foram delineadas novas possibilidades de trabalho no que diz respeito à educação básica, visando a sua valorização e a busca pela equidade. realizada em Jomtien (Tailândia) em 1990 (UNESCO, 1990). Assim, a “[...] escola se caracterizará como lugar de ações socioeducativas mais amplas, visando ao atendimento das diferenças individuais e sociais e à integração social” (LIBÂNEO, 2012, p. 17). O autor sintetiza seu pensamento afirmando que a aprendizagem transforma-se numa mera necessidade natural, numa visão instrumental desprovida de seu caráter cognitivo A escola, para Libâneo (2012, p. 26), é uma das mais importantes instâncias de democratização social e da promoção da inclusão social desde que atenda, como “[...] tarefa básica: a atividade de aprendizagem dos alunos”.. Libâneo (2012, p. 26), não desconsidera a necessidade de a escola, por um imperativo social e ético, cumprir algumas missões sociais e assistenciais, “[...] mas isso não pode ser visto como sua tarefa e função primordiais”. O autor teme que o dualismo poderá ocorrer devido à forma como vem sendo pensada a escola no momento atual.

A INTERFACE EDUCAÇÃO INTEGRAL E PROTEÇÃO INTEGRAL: QUAL O PAPEL DA ESCOLA?

Destaca-se a preocupação de Libâneo (2012) quando se discute o papel da escola pública e pontua-se que, há um entendimento de que já possa estar ocorrendo, ainda que, nesse momento, de forma silenciosa, o dualismo na escola pública brasileira. É possível que sua existência venha se dando entre a escola de tempo parcial, destinada a uma população que não necessita das benesses da escola de tempo integral e que pode frequentar uma escola voltada para o conhecimento, e a escola de tempo integral, direcionada para uma grande parcela da população, cujo objetivo de seus proponentes não seja a preocupação com a formação acadêmica do alunado, mas seu acolhimento social.

O estudo de Guará (2009), sobre a interface da educação integral com a proteção integral, destaca que os diversos campos de aprendizagem se complementam e se mesclam e que, portanto, a educação informal, bem como a formal e a não formal favorecem a formação dos sujeitos. A autora observa o esforço científico que vem sendo empregado e que tem contribuído para o avanço das reflexões “[...] sobre um tipo de educação a que chamamos socioeducativa e que [...] recebe diversos nomes no Brasil, como educação extra-escolar, educação pós-escolar, educação complementar ou educação não-formal” (p. 76) e sugere a complementaridade dos campos de aprendizagem. O destaque que se dá é para quando a escola parece estar assumindo perspectivas e características especificamente do campo da educação não formal Este campo, tradicionalmente, tem se ocupado de ações socioeducativas e, em alguma medida, atendido ao princípio de proteção e colaborado, também em certa medida, com questões do campo educativo, mas não, necessariamente, tendo como foco a melhoria do processo de aprendizagem formal/escolar de crianças e jovens.. Entendemos ainda que a escola deva se preocupar em atender ao princípio da proteção integral e acredita-se que tal princípio será plenamente cumprido quando esta tomar para si o princípio que rege sua existência que é dar conta de suprir a demanda por uma educação formal de qualidade Toma-se como referência Dourado, Oliveira e Santos (2007, apud DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 205), os quais indicam que a qualidade da educação “[...] é um fenômeno complexo, abrangente, que envolve múltiplas dimensões, não podendo ser apreendido apenas por um reconhecimento da variedade e das quantidades mínimas de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem [...]envolve dimensões extra e intraescolares [...] devem se considerar os diferentes atores, a dinâmica pedagógica, ou seja, os processos de ensino-aprendizagem, os currículos, as expectativas de aprendizagem, bem como os diferentes fatores extraescolares que interferem direta ou indiretamente nos resultados educativos”..

Ressalta-se a preocupação de que a escola com ampliação de jornada e, em especial, a escola de tempo integral se transforme num grande projeto de educação não formal e percam as suas principais referências se dá em função de que o não entendimento acerca da interface entre educação e proteção se perca, podendo prevalecer apenas o sentido da escola como lugar de proteção e não lugar de aprendizagem e formação de sujeitos, aprofundando ainda mais o abismo das desigualdades educacionais, fazendo cristalizar o dualismo apontado acima por Libâneo (2012). Quando a educação escolar é pensada sob uma perspectiva socioeducativa, desconsidera-se que questões cruciais como currículo e projeto político-pedagógico – documentos nos quais devem ser expressas as concepções que deveriam nortear o cotidiano escolar – não sejam levadas em consideração, da mesma forma, a formação dos profissionais também não será foco de preocupação e, portanto, de uma política educacional comprometida com as classes populares.

Conforme análise de Arroyo (2010) as políticas educacionais têm sido instigadas pelas tentativas de corrigir as desigualdades; no entanto, ao centrarem-se nas desigualdades intraescolares Para Arroyo (2010, p. 1384) “[...] a repolitização conservadora na sociedade, na política e na formulação e avaliação de políticas fechou o foco no escolar, ignorando os determinantes sociais, econômicos, ou as desigualdades tão abismais nesses campos como determinantes das desigualdades educacionais”., as políticas e suas análises se empobrecem, enriquecem-se, todavia, à medida que avançam no sentido da compreensão de como tem se dado o desenvolvimento de processos históricos de produção-reprodução das desigualdades sociais. A necessidade de correção das desigualdades educacionais deve perpassar as justificativas de todas as políticas sociais, sendo preciso mostrar o pouco que se avançou, se houve retrocesso e, particularmente, indicar a necessidade de planejamento, de estratégias e de quais intervenções devem ser feitas no sistema escolar, na formação de professores, a fim de que seja possível corrigir as desigualdades. No que se refere às desigualdades, quanto mais estas ficam expostas no sistema escolar, crescem também as tentativas das políticas socioeducativas em ocultá-las, sendo que, na área social, mais do que na educacional, as desigualdades são reconhecidas como questão social, produzidas por padrões de concentração de renda e de terra, questão de moradias precárias, trabalho informal, sobrevivência nos limites e o que preocupa como questão social no Estado e suas políticas educativas, são as reações das vítimas, inclusive crianças, adolescentes e jovens, a essa massificação da pobreza e das desigualdades, tanto nos campos, como nas periferias urbanas, preocupa a questão social como ameaça a ordem social e política e, analisa Arroyo (2010), que as políticas e os projetos socioeducativos visam à oferta de “formas precárias de reinserção social” de crianças, adolescentes e jovens.

Conforme explicitado, a escola pública brasileira parece distanciar-se desse foco, ainda que, ao ampliar o tempo, tenha-se a impressão de estar ampliando as oportunidades de aprendizagem. A ampliação de oportunidades não significa a oferta de uma formação efetiva, em uma escola com condições física e estrutural, e, minimamente adequada, com professores bem formados e bem remunerados, com uma proposta pedagógica consistente e elaborada coletivamente, enfim, uma escola que ofereça mais do que proteção. O exposto nos leva ao entendimento de que a forma como vem se dando a ampliação da jornada escolar na atualidade tem se aproximado muito mais de uma proposta de cunho compensatório. O alinhamento com as políticas sociais parece estar descaracterizando, em alguns momentos, o papel da política educacional, percebidas na escola quando da implementação dessas políticas, de forma que a construção de uma política de ampliação da jornada, pautada em pressupostos teóricos consistentes e amparada com estrutura e financiamento adequados, parece distanciar-se cada vez mais. Como consequência, também se distancia o frágil enlace entre educação integral e proteção integral, ficando em evidencia a segunda e questionar o papel da escola em propostas de ampliação de jornada, torna-se necessário.

A AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR NA ATUALIDADE: DILEMAS E CONTRADIÇÕES

Quando se trata da implementação de proposta de ampliação da jornada escolar, uma das preocupações se centra nas condições objetivas do próprio espaço escolar em termos de estrutura e organização curricular para a implementação desta proposta. Outra preocupação situa-se na dimensão assistencial da proposta em detrimento da dimensão educacional. Considerando a discussão de Cavaliere (2009), as justificativas correntes para a ampliação da jornada escolar estão baseadas tanto em concepções autoritárias ou assistencialistas quanto em concepções democráticas ou que se pretendem emancipatórias. Estes direcionamentos são compostos por um conjunto de estratégias, algumas de caráter educativo, outras assistenciais, propostas como formas de auxiliar as ações escolares. Na atualidade, as propostas que visam à ampliação da jornada escolar vêm sendo amparadas nos debates que fomentam a construção de uma educação integral e a ampliação do tempo de permanência das crianças na escola tem sido utilizada como estratégia para garantia de seus direitos fundamentais. Esta perspectiva visa à proteção integral de crianças e adolescentes, o que faz com que a escola se distancie cada vez mais daquilo que lhe é próprio no que respeita ao campo educacional. Conforme afirma Cavaliere (2010, s/p), a bibliografia produzida a partir dos anos de 1980 e 1990 tem feito uso da expressão “educação integral” e, nesse período, a expressão aparece associada à “[...] jornada escolar em tempo integral, objetivando o enfrentamento da desigualdade educacional associada à desigualdade social”. Há ainda a Portaria Interministerial que cria o Programa Mais Educação, no qual “[...] a educação integral é entendida como ampliação de tempos e espaços educacionais, bem como dos compromissos sociais da escola, que se associa às demais políticas sociais e às comunidades locais para a melhoria da qualidade da educação” (CAVALIERE, 2010, s/p). A concepção de educação integral, na perspectiva atual, não tem como norte a formação do sujeito em sua integralidade, conforme sinaliza Paro (2010). Freitas e Galter (2007) trabalham com um conceito de educação integral cuja concepção aparece vinculada a uma formação mais abrangente, abarcando todos os aspectos humanos e não se referindo especificamente a tempo integral, porém observam que seria impossível essa formação nos moldes da escola que foi universalizada no século XX e indicam que uma formação integral “[...] implica em o aluno permanecer mais tempo envolvido com a sua educação, ainda que não seja o tempo todo na escola, pois existem outros espaços em que a sua formação pode ser completada (ginásios, espaços culturais, locais de lazer, etc.)” (FREITAS; GALTER, 2007, p. 26). Concorda-se com a perspectiva de que seja necessário o aluno permanecer mais tempo envolvido com sua formação e, ainda, que não seja todo o tempo na escola (se pensarmos em uma jornada de nove horas diárias), parece coerente a ampliação da jornada escolar relacionada à possibilidade de uma formação mais completa. 

As ações que vêm sendo desenvolvidas no tempo ampliado, por meio das atividades complementares e das oficinas, muito têm se aproximado das ações desenvolvidas no campo da educação não formal e da socioeducação. Esta aproximação entre o formal e o não formal poderá vir a se constituir em um importante espaço de interlocução e troca de conhecimento entre esses dois campos, no entanto, não pode significar, em hipótese alguma, a descaracterização de um ou de outro, visto que a escola poderá desformalizar um pouco sua forma de condução do trabalho, podendo ser enriquecedor do ponto de vista do enfrentamento das questões pungentes relativas à jornada integral. A desformalização significa o desenvolvimento de ações que, embora conservem seus objetivos pedagógico-formativos, possam ser realizadas de forma menos rígida, considerando o tempo dos sujeitos. Nesta direção, considera-se que a educação não formal poderá seguir alguns passos rumo a uma sistematização no que se refere à organização de suas ações e ao estabelecimento de certa sistematização de seu fazer pedagógico, sem, contudo, seguir rumo a um formato rígido, como requer a organização escolar no que se refere a seus conteúdos escolarizantes. Entende-se que a escola com jornada escolar ampliada poderá ganhar em se aproximando do âmbito da educação não formal desde que se proponha fazer uso daquilo que tem se configurado como diferencial na educação não formal que é o respeito ao espaço e tempo de crianças e adolescentes e desenvolvendo seu trabalho por meio de metodologias diferenciadas. O enfrentamento de tais questões, seja pela via da escola de tempo parcial ou pela via da escola de tempo integral, é de suma importância para se pensar a qualidade da educação. A melhoria das oportunidades de aprendizagem é apregoada em inúmeros documentos. Entende-se que isso poderá se dar apenas quando houver um redirecionamento por parte das políticas educacionais que vislumbrem como prioridade a qualidade da educação e não apenas a melhoria das oportunidades de aprendizagens.

RESULTADOS/CONCLUSÃO

Conforme o exposto a política de ampliação da jornada escolar tem se apresentado como um emaranhado de contradições e dilemas. Quanto ao questionamento inicial, propósito do recorte de pesquisa ora apresentado, com base no exposto, entendemos que a proposta de ampliação da jornada escolar na atualidade, não tem se consolidado rumo a construção de uma proposta de educação integral. Isto pode ser observado, tanto pela concepção contemporânea de educação integral expressa em propostas de ampliação da jornada escolar, quanto por meio das ações que vem sendo implementadas. Embora a ampliação da jornada escolar venha sendo embalada pelo discurso da educação integral, esta parece estar longe de se materializar. Analisar se a política pública de ampliação da jornada escolar é, de fato, estratégia para implantar uma política de educação integral, envolve muitas variáveis e, portanto, acredita-se que a resposta não seja tão simples, uma vez que a relação tempo-aprendizagem não se dá de forma direta ou linear. É possível afirmar que a ampliação da jornada tem trazido – e reforçado – a ampliação das funções da escola, visto que alguns projetos aliam ações da assistência social com as do campo da educação. Embora se considere fundamental a ampliação da jornada escolar, é preciso situar que a distância existente, entre a educação integral expressa como concepção e o que vem sendo proposto no tempo ampliado, ainda é abissal. Em âmbito federal, a ampliação da jornada escolar vem sendo pensada e sustentada pelo aparato legal, bem como pelas diferentes formas com que a ampliação da jornada escolar vem sendo colocada em prática, trazendo a tona as diferentes terminologias, conceitos e concepções que envolvem este tema. O estudo evidenciou um aspecto importante, qual seja a concepção de educação proposta na perspectiva da ampliação da jornada escolar tem se pautado pelo princípio de “proteger” e “educar”, reafirmando impasses e contradições presentes, historicamente, nas discussões acerca da escola de tempo integral.

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