ACCOUNTABILITY NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA: ALGUNS DELINEAMENTOS

Resumo: O conceito de accountabillity tem se tornado largamente discutido nas ciências sociais, mas fundamentado no gerencialismo e incorporado nas políticas públicas, com recorte na educação. Este trabalho analisa formas particulares de accountability e sua interlocução com as políticas educacionais brasileiras. Os resultados dessa análise evidenciam modelos de accountability em expansão e convergindo para implantar um processo de interação entre os principais pilares: avaliação, prestação de contas e responsabilização. Conclui-se que desses três pilares, a responsabilização encontra mais dificuldade para ser implementada, assim como, alvo de críticas dos pesquisadores em educação, por promover mais “culpabilização”, demonstrando um impeditivo para avançar na construção de modelos e sistemas mais democráticos e emancipatórios.

Palavras-chave: Avaliação; Prestação de Contas; Responsabilização em educação


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os discursos sobre accountability pelos governos neoliberais estão arraigados em projetos e programas político-ideológicos produzindo consequências ou sanções negativas a instituições, organizações e indivíduos. Nesse sentido, para Afonso (2009), os mecanismos de accountability têm sido introduzidos tanto por orientações neoliberais e neoconservadoras quanto por orientações de matizes ideológicas distintas (da social-democracia, do trabalhismo, da terceira via, entre outras).

Por isso, este trabalho pretende refletir sobre o seguinte problema: O que diz o conceito de accountability e sua interlocução com as politicas educacionais brasileiras? Esta é uma pergunta que possui implicações políticas, e por isso, não deve se restringir a uma conotação gerencial, de cunho neoliberal, baseada em princípios de mercados.

Portanto, objetiva-se analisar a concepção de accountability e sua interlocução com a base jurídica das políticas educacionais brasileiras, sem dispensar um diálogo com as experiências internacionais. A metodologia utilizada foi o aprofundamento bibliográfico na literatura especializada, a partir de autores como, Afonso (2009; 2012; 2014), Mulgan (2000), Schneider e Nardi (2013), reconhecidos nacional e internacionalmente.

A estrutura do texto é composta de duas seções em que na primeira é abordado o conceito de accountability, partindo do geral para o particular. A segunda seção tem como objetivo descrever aspectos das experiências internacionais com modelos de accountability e os seus reflexos e particularidades na política educacional brasileira. Além disso, finaliza com algumas conclusões que se colocam como novos pontos de partida para ampliar a discussão.

O CONCEITO DE ACCOUNTABILITY: DOGERAL PARA AS PARTICULARIDADES

O termo accountability tem origem na realidade inglesa, com a emergência de empresas capitalistas, que buscaram reforçar a competição nos setores públicos e privados para alcançar altos padrões de eficiência e eficácia, assim como modernizar a administração pública e romper em certa medida com os referenciais tradicionais, patrimonialistas.

A expressão accountability adquire centralidade social e política no contexto das reformas encetadas em vários países a partir do final das últimas décadas do século passado e se expande ao longo do século XXI, passando a ser vinculada a processos de democratização, contraditoriamente, em países que adotam políticas de quase-mercados nas áreas sociais. Superar concepções reducionistas quanto a esse termo e propor uma revolução do pensamento e da prática, consistem em um grande desafio, na medida em que Estado e Sociedade são responsáveis e responsabilizados pela garantia da qualidade de vida aos cidadãos ou por deixar de oferecer qualidade de vida para a população (SCHNEIDER; NARDI, 2013).

A palavra accountability vem se “expandindo” nas demais áreas da vida social. Por se tratar de um termo complexo, possui dimensões multifacetadas. Há algumas décadas, essa palavra era usada raramente, e com significado relativamente restrito, embora sob diversas formas de “governança democrática”. Esse conceito perdeu relativamente a frontalidade, mesmo considerando que há um processo de expansão candente, cada vez mais complexo e que novas categorizações surgem (MULGAN, 2000).

Na literatura, o termo bastante aceito de accountability é aquele em que o indivíduo é “chamado para responder” a alguma autoridade sobre suas ações. Isso se assemelha a responsabilização, que tem seu núcleo original na palavra “responsabilidade”. Essa possui uma série de características, a saber: é externa, quando, em consideração, é atribuída a alguma outra pessoa ou organismo externo que está sendo responsabilizado; envolve interação social e mudança, em que um dos lados é chamado para responder, buscar respostas e retificação, enquanto o outro lado é responsabilizado, responde e aceita sanções; implica direitos de autoridade sobre aqueles que são responsáveis, incluindo os direitos de exigir respostas e sanções (MULGAN, 2000).

Com esta classificação, percebe-se que a responsabilidade objetiva é exigida de fora (externa) e torna necessário o diálogo entre os responsáveis e os responsivos, pois se trata da responsabilidade de uma pessoa ou organização perante outra fora de si mesma. As consequências demandam prêmios ou castigos. Já a responsabilidade subjetiva implica uma visão moderna, em que a sanção e a premiação devem ser substituídas pelo sentimento de que cada um faz parte da solução e do problema. Assim, a pessoa exerce a cobrança sobre si mesma quanto à necessidade de prestar contas a alguém (PINHO; SACRAMENTO, 2009).

Porém, Afonso (2012), alerta para os riscos sobre a inclusão de sanções na accountability, porque em certa medida se aproxima da noção de culpa, um sentido negativo, como conteúdo utilizado para premiar ou punir os responsáveis pelos bons e maus resultados.

No contexto do Estado democrático, as principais relações de accountability acontecem entre os cidadãos e os funcionários públicos, e os titulares de cargos públicos e entre políticos eleitos e burocratas. Essa realidade leva a diferentes perguntas sobre os canais de prestação de contas, relativas aos seus méritos, ao equilíbrio entre a responsabilidade e a eficiência e a distinções entre responsabilidade política e gerencial (MULGAN, 2000).

No contexto acadêmico, a palavra accountability tem sido cada vez mais utilizada. E problematizada no sentido da responsabilidade individual de servidores públicos preocupados com o interesse público (“profissional” e “pessoal”, de prestação de contas), um sentido “interno”, que vai além do foco externo. Em segundo lugar, accountability é considerada também uma característica dos vários pesos e contrapesos institucionais, através dos quais as democracias procuram controlar as ações dos governos (usada como “controle”), mesmo quando não há nenhuma interação ou mudança entre os governos e as instituições que os controlam. Em terceiro lugar, accountability está relacionada com a prestação de contas, na medida em que os governos possibilitam a realização dos desejos ou necessidades dos seus cidadãos (prestação de contas como “resposta”), independentemente de eles serem induzidos a fazê-lo por meio de processos de troca e controle autoritário. Em quarto lugar, accountability é aplicada para a discussão pública entre os cidadãos sobre de que as democracias dependem (usadacomo “diálogo”), mesmo quando não há nenhuma sugestão de qualquer autoridade ou subordinação entre as partes envolvidas na relação de responsabilização (MULGAN, 2000).

Tanto Rocha (2011) como Mulgan (2000) entendem que a palavra accountability tem sido tratada na literatura, de forma abrangente e variada. A tradução para a língua portuguesa ainda não é consensual, embora esteja em processo de construção de consensos teóricos, nos contextos de políticas de financiamento, gestão, avaliação e controle social Trata-se de um problema teórico para pesquisadores iniciantes que não estão familiarizados com o termo. Com isso, aumentam-se a responsabilidade e o compromisso do pesquisador para se filiar a um conceito que na sua realidade ainda se encontra sob andaimes de construção e que precisa ser consolidado. Por isso, o uso da palavra tem a ver com as escolhas teóricas realizadas pelos pesquisadores..

As ideias de Mulgan (2000), Rocha (2011), Pinho e Sacramento (2009), se aproximam em muitos aspectos. A visão propiciada por esses últimos é mais compreensiva tendo em vista que a “Accountability encerra a responsabilidade, a obrigação e a responsabilização de quem ocupa um cargo em prestar contas segundo os parâmetros da lei, estando envolvida a possibilidade de ônus, o que seria a pena para o não cumprimento dessa diretiva” (p. 1348).

Para esses autores, “accountability nasce com a assunção por uma pessoa da responsabilidade delegada por outra, da qual se exige a prestação de contas, e a análise dessas contas pode levar à responsabilização” (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1350). Essa visão revela que de algum modo o processo converge para a interação entre avaliação, prestação de contas e responsabilização.

Nesse sentido, accountability traz em seu conteúdo a responsabilização pessoal pelos atos praticados e a exigente prontidão para a prestação de contas nas esferas pública ou privada. Na sociedade contemporânea esta perspectiva tem sido bastante consensual entre governos de esquerda e de direita. O problema está no uso que se faz dessa perspectiva, entre um sistema formal e um sistema democrático que busca aproximar o Estado e os cidadãos de suas responsabilidades, para se viver bem em sociedade.

O sistema de accountability formal é diferente de um sistema democraticamente avançado, pois o primeiro consiste em mensurar, codificar padrões de resultados e prever determinadas consequências quando se atinge ou não esses resultados. Essa maior formalização tem relações evidentes com a emergência do Estado-avaliador e com a disseminação de uma nova gestão pública (AFONSO, 2009). A expressão “Estado-avaliador” é utilizada para inserir processos de reforma que tem na avaliação o seu ponto principal, em que essa se constituiu como um dos eixos estruturantes de formas de governo reinventadas que em grande medida depende da autonomia relativa dos Estados nacionais ou de uma Federação, como no caso brasileiro (AFONSO, 2013).

No caso de um sistema de accountability, corrobora-se com Afonso (2009), para quem a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização,funcionando de forma articulada, autônoma, com suas formas congruentes referenciadas e sustentadas em valores essenciais, como a justiça, a transparência, o direito à informação, a participação, a cidadania, são os pilares para avançar na construção de modelos democráticos. Todavia, um sistema de accountability não pode ser reduzido a uma prestação de contas ritualística ou simbólica, ou de mero controle, para as quais parecem remeter, muitas vezes, os discursos e práticas vulgares, como acontece em um sistema formalizado.

Diante do exposto, a expansão deste conceito provoca uma série de reflexões que mesmo sendo um conceito relativamente novo, polissêmico e multifacetado, necessita de maiores cuidados quanto a sua tradução e uso, pois não há uma palavra na língua portuguesa que consiga dar conta desses três pilares.

Portanto, o conceito de accountability implica em decisão a respeito de alguns problemas, tais como situá-lo no contexto internacional em relação ao contexto local, mobilizando uma discussão para além do conceito tradicional de responsabilidade dos órgãos estaduais ou internacionais como mecanismo de responsabilização primária (MULGAN, 2000). As interações entre avaliação, prestação de contas e responsabilização são indicadores de uma perspectiva democrática e emancipatória. A próxima seção deste artigo situa a discussão no contexto internacional e, em seguida revela alguns sentidos da possível interação entre os três pilares desse modelo.

ACCOUNTABILITY: DAS AÇÕES INTERNACIONAIS ÀS PARTICULARIDADES NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

O contexto histórico-social revela que o movimento de accountability teve uma forte manifestação nos EUA no início dos anos 1970, podendo a sua história ser contada a partir mesmo de outras manifestações anteriores, nas quais a accountability se tornara uma obrigação moral e uma cruzada. A reforma neoconservadora no período da administração de Georg. W. Bush, nos Estados Unidos, impôs uma maior intervenção federal num sistema descentralizado e de extensão de regimes de sanções às escolas públicas, por meio da aprovação da Lei No child left behind, e continuou no governo Barack Obama que manteve vivo o debate sobre o pagamento diferenciado por mérito aos professores que conseguem um bom desempenho diante da realização de testes estandardizados, mantendo a lei NCLB (AFONSO, 2012).

A principal finalidade dos testes em larga escala é a accountability, assim como se observa no caso da Inglaterra, sobretudo na viragem protagonizada pelo partido conservador, liderado por Margaret Thatcher, nos anos de 1980. As políticas recolocaram no sistema educativo a centralidade dos exames nacionais, trazendo objetivos e interfaces explícitos de prestação de contas e responsabilização. O debate sobre o pagamento de professores com base no resultado dos alunos tem ressurgido com precedentes históricos e de forma controversa, fundamentado no merit pay Um tipo de bônus por mérito. ou performance pay sistem. Por isso, já no século XIX, a política de pagamento diferenciado aos professores por resultados foi um revelador das distorções provocadas pelo uso de avaliações centradas na accountability.

No âmbito da União Europeia (UE), o termo accountability passou a ser usado recentemente nos textos oficiais orientadores e nos discursos políticos, em associação com novos conceitos, como bom governo, boa governação e governança democrática (democratic governance). O “Livro Branco” sobre Governança Europeia é sem dúvida o documento mais importante da EU (União Europeia), porque nele são assumidos os princípios de uma boa governança, tais como: “abertura, participação, accountability, eficácia e coerência, concluindo-se ainda que cada um destes princípios é fundamental para a instauração de uma governança mais democrática” (AFONSO, 2012, p. 474).

Além disso, a UE tem experimentado novas formas de relação, colaboração e avaliação constitutivas de uma aprendizagem mútua, por meio do método aberto de coordenação, que incorpora o princípio da nova gestão pública, ao definir normas e indicadores para o estabelecimento de comparações, avaliações e monitoramentos.

A obsessão pela comparação é visível tanto no contexto europeu como no mundial, porém, é visto que a realização de exames nacionais não perde importância. Um exemplo claro é o Programme of International Student Assessment (PISA), que tem se mostrado uma forma de regulação bastante consolidada, na qual se evidencia a comparação em escala mundial dos países que se encontram nas pontas do ranking em termos de educação (AFONSO, 2012).

Esse programa de avaliação comparada foi criado em 1997 com o objetivo de realizar avaliações a cada triênio. O PISA foi desenvolvido e é coordenado internacionalmente pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, havendo em cada país participante uma coordenação nacional. De acordo com os resultados obtidos nesse exame, os países se organizam para construir um currículo competitivo a fim de se inserir na economia globalizada. Entretanto, é preciso observar esses resultados com cautela, pois ao mesmo tempo que esse exame produz um resultado através de índices para contribuir com o planejamento das políticas educacionais, também considera somente o desempenho cognitivo dos alunos. Os alunos se tornam o centro do processo avaliativo, como parte de um processo de mudança na nova gestão pública, que passou da visão do atendimento ao cliente para o cidadão.

Essa lógica foi impulsionada pelos organismos internacionais que estabeleceram relações contratuais com governos de países subdesenvolvidos, tendo em vista mudanças na gestão dos processos educativos. Em uma perspectiva comprometida não apenas com o resultado, mas também com os processos em que ocorrem a educação escolarizada, impõe alguns riscos para a sua implementação, dentre eles a homogeneização dos processos escolares.

A experiência de intervenção de organismos, como a OCDE, tem revelado que o conjunto de fatores culturais, ambientais, formação de professores, gestão democrática, promoção da justiça social e construção de valores éticos e morais nas organizações escolares não são levados em consideração.

A valorização do PISA não tem retirado a importância dos exames nacionais. De acordo com Afonso (2012, p. 475), alguns dos objetivos dessas avaliações “decorrem da realização de provas estandardizadas, cujos resultados permitem a comparação e emulação entre escolas, ou fundamentam medidas para a sua responsabilização, servindo ainda como critério para a avaliação do próprio sistema educativo”.

Esse autor afirma que há uma clara tendência na maior parte dos países europeus a um maior controle sobre a ação didático-pedagógica dos professores. Os professores e as escolas estão submetidos a uma prestação de contas múltipla, em relação aos ministérios de educação, às secretarias e diretorias educacionais, mas também aos pais e outros responsáveis pela educação. Essa nova realidade, do ponto de vista da procura familiar pelas escolas, implica em muitos pais a selecionar as escolas para matricular seus filhos, e isso resulta no mínimo dois efeitos: o “inchamento” de algumas unidades, mediante a grande procura por vagas, bem como a condução da organização do trabalho escolar para um sistema de reserva de vagas e maior seleção dos alunos. Ou, possibilitar o esvaziamento das escolas decorrente da baixa procura, deixando de funcionar por falta de alunos, e com isso ficar sem receber mais recursos financeiros.

De acordo com Afonso (2009), o pensamento neoliberal e neoconservador se traduziu na criação de “quase-mercados” em educação e na valorização da liberdade de escolha educacional das famílias. Em decorrência disso, cresceram as demandas pela publicitação de resultados educacionais mensuráveis e, portanto, também por processos de avaliação e de accountability.

Ao relatar a experiência de Portugal, Afonso (2012) afirma que a tendência “avaliocrática” tem sido a de sobrevalorizar os resultados mensuráveis, corroborada pelo saudosismo da seletividade classista vivida noutros tempos pela escola portuguesa, em que a problemática da accountability tem se dado de forma inconsistente e parcelar, sobretudo no pilar da avaliação, obscurecendo o pilar da prestação de contas condicionada pela lógica de quase-mercados educacionais e adiando a questão das consequências dos resultados, inerente ao pilar da responsabilização.

No contexto da América Latina, o emprego do termo accountability tem se modificado, pois pretende se referir tanto ao dever de a administração pública prestar contas à sociedade “como o direito dos cidadãos [de] controlar a ação dos seus governos” (SCHNEIDER; NARDI, 2013, p. 32).

Nesse cenário, a problemática da accountability não é muito diferente no Brasil, em relação à realidade portuguesa, visto que há historicamente uma supervalorização das avaliações em larga escala e um tipo de descentralização que tem se transformado mais em um processo de transferência de responsabilidades da União para o Distrito Federal, estados e municípios, em vez da descentralização de poderes. A lógica que predomina é a de “culpabilizar” as escolas, professores e alunos pela distância que o país ocupa nos rankings internacionais e pelo lento avanço diante da realização de exames nacionais. Em face desse quadro, a avaliação na educação brasileira ainda não conseguiu alcançar um padrão de qualidade igual para todos (SOUZA; OLIVEIRA, 2003).

As primeiras iniciativas de políticas de avaliação implementadas no Brasil são das diferentes ordens: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Exame Nacional de Cursos (ENC), implementados pelo poder executivo federal, que se apresentam como avaliações de escolas, de egressos do ensino médio e de concluintes do ensino superior, as quais se orientam por indicadores para averiguar o desempenho dos alunos e das instituições de ensino, além da construção de rankings, indutores de competitividade.

Na educação brasileira, os resultados das avaliações são utilizados como forma de controle e planejamento. Os órgãos centrais planejam as políticas educacionais para tentar alcançar a qualidade educacional. Quem decide os resultados a serem alcançados, no caso do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), são os estudos realizados pelo INEP, com base nos resultados das avaliações de anos anteriores. Com isso, averigua-se que resultados precisam ser melhorados nos sistemas e nas escolas, em especial naquelas que apresentam resultado abaixo do esperado, ou se decide pela manutenção do resultado quando este se encontra de acordo com o tempo previsto para ser alcançado, na perspectiva de pensar em maiores avanços. Esse indicador é a ferramenta que serve para acompanhamento das metas de qualidade do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) para Educação Básica e que tem como meta para 2022 alcançar a média 6,0. Essa média corresponde a um sistema de educação de qualidade como padrão próximo dos países desenvolvidos.

Os resultados alcançados pelas escolas e pelos sistemas de ensino precisam ser  utilizados para orientar o planejamento e a elaboração de políticas dos governos. Aos poucos, as políticas nacionais de avaliação vão influenciando estados e municípios para construírem as políticas locais de avaliação. Alguns estados já possuem um sistema de avaliação próprio, como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Pernambuco. No entanto, ainda se faz necessário realizar um mapeamento mais preciso dos estados e municípios brasileiros que possuem uma política de avaliação da educação estadual e/ou municipal e saber se realmente essas avaliações foram influenciadas pelo desenvolvimento da política nacional.

Segundo Fernandes (2007), os indicadores de desempenho educacional utilizados para monitorar o sistema de ensino no país são de duas ordens: a) indicadores de fluxo (promoção, repetência e evasão); e b) pontuações em exames padronizados obtidas por estudantes ao final de determinada etapa do sistema de ensino (5º ano e 9º ano do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio).

Tomando como experiência o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado em 2005 pelo INEP e implementado nesse mesmo ano, objetivando ser um indicador sintético da educação, levam-se em consideração os resultados acadêmicos nas provas de Língua Portuguesa e Matemática e o fluxo escolar, obtidos por meio da Prova Brasil, do SAEB e do Censo Escolar. Esse índice persiste nos fins da educação e não os seus processos, tampouco observa as especificidades da realidade escolar e dos sistemas municipais e estaduais de ensino, frente à diversidade existente entre eles.

Por essa razão, entende-se que há outros indicadores que contribuem para o sucesso escolar e para a qualidade do ensino-aprendizagem nas escolas que são negligenciados por essa avaliação,

[...] o tipo de gestão, o ambiente educativo, a formação e as condições de trabalho dos profissionais da escola, sua estrutura física e a prática didático-pedagógica, elementos que não são considerados no momento da aferição do IDEB, mas que se constituem fatores determinantes para a qualidade, na medida em que se articulam em favor de um bom desempenho escolar (SOUZA; SILVA, 2014, p. 4).

Esse conjunto de indicadores tem como objetivo contribuir para qualificar a política educacional brasileira, considerando problemas da diversidade desses. Araújo (2010, p. 178) afirma que “o mais importante é que o uso sistemático desses elementos deve produzir não apenas mudanças na ação governamental, mas também um debate político bem informado sobre as políticas, e consequentemente, gerar accountability”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de accountability possui classificações e qualificações que estão em expansão, o que mostra o seu caráter progressivo e inesgotável. Nos contextos apresentados esse conceito se expande tanto do ponto de vista de quem faz uma crítica às práticas desencadeadas por uma accountability gerencial, firmada no princípio nuclear de prestação de contas, premiação ou punição, quanto numa perspectiva de ampliação da democracia e da emancipação.

Espera-se que o fechamento de um ciclo da accountability se transforme em um ponto de partida para a melhoria dos processos e dos resultados, com o intuito de iniciar outros ciclos de mais qualidade e bem-estar social. Além disso, que se busque alcançar a desejada qualidade nos processos escolares, não somente no resultado dos alunos, mas também na ação pedagógica dos professores e, consequentemente, nos demais rumos da educação escolar.

As escolas e os sistemas de ensino já são punidos, na medida em que os maus resultados se refletem na não escolha dos pais pela instituição que obteve um baixo desempenho nas avaliações, tendo em vista que não realizam as matrículas dos seus filhos. Outrossim, principalmente quando os governos não utilizam os maus resultados para transformar as realidades e contribuir com a melhoria da ação dos docentes e das instalações físicas acabam negando o direito à educação à parte da sociedade que não possui capital suficiente para conseguir uma vaga em escola pública portadora do título de qualidade.

A avaliação é o pilar que tem sido mais evidenciado nos cenários internacional e nacional, mediante a realização de avaliações comparativas e testes padronizados. Entretanto, o pilar da responsabilização não tem encontrado um rumo definido, em que os governos optam pela lógica da “culpabilização”, a fim de mostrar os culpados pelos fracassos apresentados, em vez de aplicar punições aos responsáveis (educadores, gestores e demais funcionários da escola) e pelos maus resultados. Portanto não deve se tornar apenas um instrumento de controle do Estado, mas uma possibilidade de ampliação dos espaços de participação e inclusão da sociedade civil no debate e nas decisões deliberativas, permitindo uma interação entre avaliação, prestação de contas e responsabilização para completar o ciclo da accountability.

Para que isso ocorra, a escola precisa de condições objetivas reais para o seu bom funcionamento, tais como: autonomia administrativa, financeira e pedagógica, professores respaldados por políticas de valorização, salários e formação profissional, gestão democrática, instalações físicas em condições de uso, projeto político pedagógico articulado com a realidade nacional e local, entre outras. Com isso, a escola ficará mais perto de alcançar patamares de justiça, igualdade e liberdade, aumentando o seu nível de democratização.

O tratamento parcelado dado à accountability tem dificultado a construção de modelos mais democráticos e emancipatórios que precisam ser considerados na congruência e interação entre os seus pilares: avaliação, prestação de contas e responsabilização.

REFERÊNCIAS

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