O COMITÊ LOCAL DO COMPROMISSO NO ÂMBITO DO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR): LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM MUNICÍPIOS SUL-MATO-GROSSENSES

Resumo: O Comitê Local do Compromisso foi instituído pelo Decreto 6.094 de 2007, no governo Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010) como responsável pela mobilização da sociedade para acompanhar as ações previstas no Plano de Ações Articuladas (PAR) e a evolução do Índice de Desenvolvimento da Educação (IDEB). O objetivo, aqui, é apresentar um recorte da pesquisa que visa analisar o papel desse Comitê no âmbito do segundo ciclo do PAR (2011-2014) em municípios sul-mato-grossenses. Para tanto, contextualiza sua inserção no âmbito da política educacional do período e discutem-se os principais conceitos que fundamentam a investigação (análise documental e entrevistas) e possibilitam evidenciar os limites e as possibilidades da atuação desse Comitê para a democratização da gestão da educação básica.

Palavras-chave: Plano de Ações Articuladas; Comitê Local do Compromisso; Democratização da Gestão da Educação Básica.


INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo apresentar um recorte da pesquisa em andamento que se propõe a analisar o papel do Comitê Local do Compromisso, no âmbito do Plano de Ações Articuladas (PAR) (2011-2014), segundo ciclo do PAR, e suas implicações para a democratização da gestão da educação básica nos municípios de Campo Grande e Corumbá, estado de Mato Grosso do Sul. Período que compreende o primeiro mandato do governo de Dilma Vana Rousseff, quando se tem a continuidade desse Plano e abre-se espaço para que os entes federados possam atualizar seus diagnósticos sobre as necessidades de cada sistema/rede de ensino. 

O foco no nível local se dá em virtude de um “novo papel do poder local [e que] tem delineado outras possibilidades de regulação das localidades, de suas coletividades e, portanto, das políticas sociais: entre elas, as políticas educativas”, desencadeado para o centro das discussões a partir de movimentos como a descentralização, a municipalizaçãoEntende-se por municipalização, conforme Oliveira (2003, p. 174 ), um “[...] processo de transferência de rede de ensino de um nível da Administração pública para outro, geralmente do estadual, para o municipal”. da educação básica, conforme assinala Azevedo (2011, p. 174).

Os municípios eleitos para a pesquisa em âmbito local compõem o projeto no qual este trabalho está inserido: “Planejamento da Educação em Municípios Sul-Mato-Grossenses: implicações para a gestão democrática e o direito à educação”A pesquisa conta com o apoio da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT/MS).. A referida pesquisa definiu como um dos critérios abranger os cinco municípios mais populosos do Estado de Mato Grosso do Sul. 

Conforme consta na “Estimativa de População”, divulgada pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), Quadro 1, os cinco municípios mais populosos do Estado de Mato Grosso do Sul são Campo Grande, Dourados, Três Lagoas, Corumbá e Ponta Porã, respectivamente.

Quadro 1: Estimativa populacional (IBGE, 2015): cinco municípios mais populosos do Estado de Mato Grosso do Sul
Município População Estimada Localização
Campo Grande 853.622 Centro-Norte de MS e Capital do Estado
Dourados >212.870 Centro-sul de MS e interior do Estado
Três Lagoas 113.619 Leste de MS
Corumbá 108.656 Sul de MS - Microrregião do Baixo Pantanal -Fronteira do Brasil com Bolívia
Ponta Porã 86.717 Sudoeste de MS, interior do Estado e fronteira do Brasil com o Paraguai
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015).

De forma a atender ao objetivo da pesquisa foram selecionados, dentre os cinco municípios mais populosos, os municípios que instituíram o Comitê Local do Compromisso no período correspondente ao primeiro ciclo do PAR (2007-2010) e que no segundo ciclo do PAR (2011-2014), atribuíram ao Indicador – “Existência e atuação do Comitê Local do Compromisso”, no âmbito da dimensão Gestão Educacional, Área 1. “Gestão Democrática: articulação e desenvolvimento dos sistemas de ensino”, do PAR, pontuação 3 -  indica que o município desenvolve, parcialmente, ações que favorecem o bom desempenho no indicador e 4 - indica uma situação favorável  a esse indicador - (BRASIL, 2011)O Ministério da Educação elaborou o documento “Instrumento Diagnóstico PAR Municipal 2011-2014” (BRASIL, 2011), com orientações aos municípios para elaboração do 2º ciclo do PAR, formado por quatro dimensões. Cada dimensão é formada por áreas de atuação e cada área apresenta indicadores específicos, correspondentes a quatro critérios de pontuação (1 a 4), que deverão ser atribuídos pelos municípios, no momento da elaboração e definição das ações do PAR., quais sejam Campo Grande – nível 4 e Corumbá – nível 3, destacando-se que tal pontuação evidencia a existência e o funcionamento do Comitê.

Utilizar-se-ão de análise documental e entrevista semiestruturada com os atores locais: técnicos das secretarias municipais de educação e membros do Comitê Local.

Na sequência, apresenta-se o PAR, instituído no âmbito do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e do Plano de Desenvolvimento da Educação, principal política de regulação da educação nesse período.

O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS NO CONTEXTO DO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi lançado no segundo mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), em 15 de março de 2007, e tinha como objetivo tornar a educação um compromisso de todos.  Este Plano apresentava em sua base um conjunto de ações, algumas já existentes e outras novas (SAVIANI, 2009) com vistas à melhoria da qualidade da educação em todo território nacional.

O PDE estava inserido no Plano Plurianual (PPA 2008-2011) instituído pela Lei n. 11.653, de 7 de abril de 2008 que foi apresentado ao Congresso Nacional e à sociedade brasileira com o desafio de acelerar o crescimento econômico, promover a inclusão social e reduzir as desigualdades regionais e estabelecia a agenda do Governo em três eixos “crescimento econômico, agenda social e educação de qualidade” (BRASIL, 2007a, p. 1). Nesse documento o PDE era visto como elemento estratégico essencial (idem, p. 15) para promover a melhoria da qualidade da educação brasileira.

O dispositivo legal que dá concretude ao PDE é o decreto n° 6.094/2007 que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. (BRASIL, 2007b).

No Decreto n. 6.094 “As adesões ao Compromisso nortearão o apoio suplementar e voluntário da União às redes públicas de educação básica dos Municípios, Distrito Federal e Estado” (art. 8º) que se dará mediante a elaboração de um Plano de Ações Articuladas (PAR). Nesse documento o PAR é caracterizado como um “conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, que visa o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes.” (BRASIL, 2007b, s.p).
Assim, para recebimento de assistência técnica ou financeira da União, os entes federados deveriam aderir ao Compromisso e elaborar o PAR com base em quatro grandes dimensões: 1. Gestão Educacional; 2. Formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar; 3. Práticas pedagógicas e avaliação; 4. Infraestrutura física e recursos pedagógicos (BRASIL, 2007b, 2008, 2011).

No planejamento educacional brasileiro, o PAR apresentava-se como um instrumento para auxiliar no planejamento e na gestão dos sistemas de ensino dos municípios o que se daria a partir de um diagnóstico Segundo o Instrumento de Campo (BRASIL, 2008, p. 3), “Para a realização do diagnóstico e a elaboração do PAR, o MEC disponibiliza um ambiente virtual, o Simec (Sistema de Monitoramento do MEC)” para acesso do dirigente municipal de educação (secretário(a) municipal de educação) e da equipe técnica local. da realidade local. Assim, seriam identificadas as medidas mais apropriadas para cada sistema e propostas ações que visam a garantir a qualidade da educação em nível local. Para Fonseca e Ferreira (2011, p. 69) “A proposta do Ministério da Educação [era a de] fortalecer o regime de colaboração, comprometendo-se em ir ao encontro dos entes federados para conhecer a sua realidade e assumir o compromisso de assisti-los técnica e financeiramente”.

Na análise de Sena (2013), a União exerceria por meio do PAR, em matéria educacional, sua função redistributiva e supletiva É importante esclarecer, conforme Sena (2013, p. 135), que “A função supletiva advém da obrigação da instância federativa com maior capacidade de recursos financeiros e técnicos de auxiliar a de menor capacidade.”. Assim, a função supletiva tem como objetivo manter o equilíbrio federativo e buscar a equidade, ou seja, “os governos centrais são agentes estratégicos nos processos de redução das desigualdades interpessoais e regionais”. Enquanto, “A função redistributiva corresponde à função de participar da redistribuição de recursos, com o objetivo [também] de equalização”. São, portanto, “o corolário” do modelo de federalismo que se adotou no Brasil, qual seja o cooperativo., como prevê a Constituição Federal de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade, conforme 1º parágrafo do artigo 211 (BRASIL, 1988). 

Os entes federados, ao aderirem ao Compromisso comprometem-se com as 28 diretrizes constantes no referido Plano e, inclusive, a adesão implica na responsabilidade do município em promover a melhoria da qualidade da educação básica pelo cumprimento de meta de evolução do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Oliveira (2012) destaca, acompanhando as análises de Camini (2009), que algumas diretrizes do Plano de Metas induzem a gestão democrática dos sistemas de ensino que sugerem a necessidade de abertura à participação por meio da garantia da implementação, por exemplo, de Conselhos representativos da comunidade escolar e da sociedade civil, indicando, também, a necessidade de transparência na gestão dos recursos destinados à educação.

Segundo Farenzena e Marchand (2014, p. 809-810) as regras do Plano de Metas/PAR devem ser compreendidas como um modo de regulação, ou seja,

[...] a política estabelece um tipo de contratualização entre os entes; a União e cada estado e município que adere ao Plano comprometem-se com a implementação de ações do PAR e com as demais estratégias da política, como a formação de comitês relacionados à política, o monitoramento, a prestação de informações, as ações necessárias à apuração e ao acompanhamento do IDEB.

A compreensão que se tem, neste trabalho, sobre o conceito de regulação perpassa pela formulação de Barroso (2005, p. 733) de que:

A regulação é um processo constitutivo de qualquer sistema e tem por principal função assegurar o equilíbrio, a coerência, mas também a transformação desse mesmo sistema. O processo de regulação compreende, não só, a produção de regras (normas, injunções, constrangimentos etc.) que orientam o funcionamento do sistema, mas também o (re)ajustamento da diversidade de acções dos actores em função dessas mesmas regras.

 Com base nesse entendimento, ilustra-se a reflexão de Oliveira (2011, p. 328), de que o PDE/Plano de Metas objetivou uma “reorientação de rumo para a educação” e “dar direção à política educacional no país, tendo como grande timoneiro o governo federal”.

O COMITÊ LOCAL DO COMPROMISSO

A organização de um Comitê Local do Compromisso encontrava-se presente na diretriz XXVIII do Decreto Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação n. 6.094 (2007b), a qual dispunha sobre a participação da sociedade civil e da sociedade política na mobilização da sociedade para o acompanhamento das metas desse Plano e a evolução do IDEB. Metas essas que os municípios comprometiam-se a cumprir ao assinarem o Termo de Adesão, de forma a garantir a qualidade da educação em âmbito local. Assim, lê-se no dispositivo:

XXVIII - organizar um comitê local do Compromisso, com representantes das associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da mobilização da sociedade e do acompanhamento das metas de evolução do IDEB. (BRASIL, 2007b)

Destaca-se, que as formas de organização e funcionamento ficariam sobre responsabilidade dos sistemas municipais de educação, enfatizando-se a necessidade da participação de diferentes atores sociais, ou seja, questões acerca da representatividade, modo de escolha de seus membros, funções a serem desempenhadas, bem como continuidade ou encerramento de suas atividades ficariam sob a responsabilidade de cada administração municipal, conforme apresentado no site do Ministério da Educação (MEC):

O funcionamento do comitê é incumbência de estados e municípios, que devem instituir sua composição em portaria, garantir infraestrutura e identificar entidades e cidadãos, no âmbito local, que têm compromisso com a construção de uma educação de qualidade que seja para todos. (BRASIL, s.d, s.p)

O Plano de Metas previu a constituição do “Comitê de Acompanhamento do PAR”, que deveria ser constituído não apenas por representantes do poder executivo, mas também por representantes de professores, diretores de escola, pais de alunos e demais interessados pela educação no município. O Comitê seria então um espaço de colaboração, mobilização e acompanhamento de resultados. Observando-se que, contraditoriamente, o Comitê poderia constituir-se em um espaço para além da legitimação das decisões das Secretarias Municipais de Educação (SME), ou seja, um espaço para o debate e atendimento aos interesses da educação da maioria.

Segundo o MEC, são princípios norteadores do Comitê Local: “[...] participação democrática; respeito à pluralidade; compromisso; inclusão; solidariedade; educação como direito e valor; direito à informação; valorização da diversidade; ética e cidadania.”.

A Resolução n. 29 CD/FNDE, de 20 de junho de 2007, na seção que trata das condições de participação, afirma a importância da garantia de participação da sociedade civil no controle das ações educacionais desencadeadas pelo PAR (2007-2010):

III – garantir a participação representativa da sociedade civil no exercício do controle das ações educacionais ofertadas à sua comunidade, durante a implementação do PAR, o que deverá ser realizado pelo Conselho Municipal de Educação, onde o mesmo existir, ou por um Comitê Local do Compromisso ou pelo Conselho Municipal a ser criado na localidade. (BRASIL, 2007d, s.p)

Tem-se, portanto, a garantia da participação da sociedade civil no momento da implementação das ações desencadeadas a partir do diagnóstico, elaboração das ações promovidos pelo PAR no âmbito do município.

A Resolução n. 47 CD/FNDE, de 20 de setembro de 2007, retoma o texto do decreto 6.094 (BRASIL, 2007b), conforme pode ser observado abaixo em seu art. 4º:

[...]§ 1º Para os fins previstos no caput deste artigo, deverão ser atendidas as seguintes condições pelos seus dirigentes: [...] III – garantir a participação representativa da sociedade civil no exercício do controle das ações educacionais ofertadas à sua comunidade, durante a implementação do PAR, o que deverá ser realizado pelo Comitê Local do Compromisso, conforme diretriz estabelecida no Art. 2º do Decreto 6.094 de 24 de abril de 2007.” (BRASIL, 2007e).

Reforça-se, com base nessa resolução, o papel atribuído ao Comitê Local como forma de garantir a participação representativa da sociedade civil no controle das ações educativas ofertadas nos municípios propostas no PAR elaborado por eles.

De acordo com o PPA (2008-2011) “mobilização social implica um movimento amplo de comunicação e coordenação de ações capaz de criar sinergia e cooperação nacional na construção da educação de qualidade” (BRASIL, 2007a, p. 16) e segundo o MEC “Não se conhece uma boa escola que esteja desvinculada do seu contexto social”, assim, o sistema de ensino, por meio de seus gestores, deve “integrá-la à comunidade da qual faz parte”, ou seja, a sociedade deve se mobilizar em favor de uma educação básica de qualidade, “um dos objetivos primordiais do Comitê Local do Compromisso”.

Ainda segundo o PPA (2008-2011), a participação social significa:

[...] uma das alavancas para o avanço da democracia, pois promove o compartilhamento das decisões sobre os rumos do País. Por meio da participação ativa, as demandas da sociedade podem ser incorporadas na definição do planejamento público, no aperfeiçoamento das políticas públicas e no controle social de sua implementação e resultados [...] [para tanto, deve-se] valorizar os espaços de gestão participativa das políticas públicas. (BRASIL, p. 43).

Com base no exposto, compartilha-se do entendimento de Damasceno e Santos (2009, p. 1) de que o Comitê Local “[...] consolida-se, pelo menos do ponto de vista das orientações normativas, um espaço público de decisões sobre a política educacional do município”.

Para compreender o papel do Comitê Local no processo de democratização, faz-se necessário discutir alguns conceitos apresentados a seguir.

GESTÃO DEMOCRÁTICA E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

O conceito de gestão democrática da educação, princípio constitucional, segundo Cury (2002) exige participação e aponta, portanto, para o sentido de uma “gestão participativa, colegiada e dialógica” (CURY, 2002, p. 163), ou seja, um processo voltado para a “decisão baseado na participação e na deliberação Conforme Cury (2002, p. 48), “Deliberar implica a tomada de uma decisão, precedida de uma análise e de um debate que, por sua vez [...] implica a publicidade dos atos na audiência e na visibilidade dos mesmos”. pública” de forma que “a gestão democrática expressa um anseio de crescimento dos indivíduos como cidadãos e do crescimento da sociedade enquanto sociedade democrática” (CURY, 2007, p. 12). Na mesma direção, Gohn (2001, p. 14) entende que:

[...] a participação da sociedade civil e sua presença nas políticas públicas nos conduz ao entendimento do processo de democratização da sociedade brasileira; o resgate dos processos de participação leva-nos, portanto, às lutas da sociedade por acesso aos direitos sociais e à cidadania.

Afirma-se que gestão democrática implica participação, poder, o que se aproxima do conceito de democracia participativa que segundo Wood (2011, p.7-8) refere-se ao “[...] governo pelo povo ou pelo poder do povo”, admitindo-se como no tempo dos atenienses a participação de todos, pobres, trabalhadores com direito a voz assembleias públicas e de, principalmente, realizar julgamentos políticos. Relacionavam a este posicionamento, segundo a autora, aos conceitos: igualdade e liberdade de expressão.

Participação, portanto, relaciona-se com poder, significa “[...] dar parte e tomar parte. O primeiro movimento visa infomar, dar publicidade, e o segundo é estar presente, ser considerado parceiro nas grandes definições de uma deliberação ou ordenamento” (CURY, 2001, p. 51). Dessa forma, quem participa objetiva afirmar-se diante de alguém, “projetar-se como sujeito que porta valores, interesses, aspirações e direitos” (NOGUEIRA, 2011, p. 133).

Processo pelo qual se torna possível a “(re)entrada da sociedade civil no âmbito dos governos” (CURY, 2001, p. 51), seja para fiscalizá-los, controlá-los, participar da decisões, em suma, educá-los. Na mesma direção, apresentam-se as ideias de Araújo (2012, p. 99), para quem a participação, pluralismo, autonomia e transparência são elementos da formação cidadã que ocorrem no espaço educativo quando se constrói a democracia como prática social, “não apenas como algo a ser praticado fora da educação ou, como promessa futura de uma cidadania abstrata que não se realiza de fato, mas como um exercício constante de construção coletiva”.

Um desafio ao ente federado município, pois antes da sua inserção na organização federativa, status atribuído pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), o municipalismo brasileiro “não serviu aos princípios de autonomia local próprios do self-governement, ao contrário, foi, por reiteradas vezes, um braço político de centralização do poder”, conforme explicita Araujo (2005, p. 20-21). Dessa forma, pode-se afirmar que a autonomia não fez parte do processo histórico no qual o município constitui-se como ente federado o que requer o fortalecimento das instâncias locais.

MUNICÍPIO: O LÓCUS DA PARTICIPAÇÃO

A atribuição do município como ente federado, ocorreu, também, em virtude da ação dos movimentos sociais Torna-se importante acrescentar que ao lado do segmento que representava os movimentos sociais que estavam em busca da democratização do plano local, havia a presença, segundo Abrucio (2005, p. 46), de segmentos que representavam os “grupos regionais tradicionais” que tinham como projeto básico fortalecer os governos subnacionais frente ao poder centralizador do governo federal. ao longo da década de 1980 que lutavam pela democracia e pelo direito a uma cidadania plena. Esses movimentos tinham como bandeira a descentralização, pois se acreditava na possibilidade do aumento da ação do poder local nas políticas governamentais, já que se supunha que o fortalecimento dos governos subnacionais permitiria aos cidadãos influenciar as decisões e exercer controle sobre os governos centrais.

Segundo Almeida (1995), descentralização significou, nesse contexto, a municipalização. Destaca-se que estes movimentos reivindicavam, então, recuperar as bases federativas do Estado brasileiro suprimidas durante a ditadura civil-militar (1964-1985), de marca excessiva na centralização decisória (ARRETCHE, 2002).

Entretanto deve-se pensar, nas formas pelas quais essa participação pode ocorrer. Nesse sentido, discorrem Abrucio e Soares (2001):

Por um lado, a participação e a cobrança da população obrigam os governantes, muito mais próximos, a melhorar seu desempenho administrativo. Por outro, as condições para que os cidadãos atuem [democraticamente] de forma mais eficaz estão ligadas à qualidade da gestão pública, responsável pela informação e pela adequação dos instrumentos de controle (ABRUCIO e SOARES, 2001, p. 28).

E, esse objetivo poderia ser alcançado por meio da descentralização administrativa, acreditava-se, portanto, que ambas, democracia e descentralização, “andariam automaticamente juntas” (ARRETCHE, 2002, p. 26). Assim, a descentralização significava para além de repasse de recursos, o repasse de poder para os governos subnacionais, e acabou por ter “como palavra de ordem” a municipalização (ABRUCIO, 2010, p. 46).

Para Abrucio (2010, p. 45) a Constituição Federal de 1988, principalmente para o plano das políticas públicas, apoia-se em cinco pilares:

[...] [1]universalização das políticas com o intuito de obter a garantia plena dos direitos sociais; [2]democratização da gestão estatal, tanto no que se refere à participação no plano deliberativo, como no controle público; [3] profissionalização da burocracia por meio dos concursos e carreiras públicas, tomada como condição essencial para a qualidade na formulação e implementação das ações governamentais [...] [4] descentralização e [...] [5] interdependência federativa [...]

No plano local, esses pilares poderiam garantir o desenvolvimento de políticas públicas universais tendo em vista as necessidades locais por meio da participação da população na deliberação e controle de tais políticas, nesse âmbito. Haveria, portanto, a democratização em tal instância.

Entretanto, conforme analisa Araujo (2013), constitui-se em um erro a associação imediata entre federalismo e democracia ou descentralização. E, segundo Arretche (1996, p. 45), “A concretização dos ideais democráticos depende menos da escala ou nível de governo encarregado da gestão das políticas [via descentralização] e mais da natureza das instituições que, em cada nível de governo, devem processar as decisões”.

Na mesma direção, adverte Abrucio (2002, p. 14), que a relação entre descentralização e democracia “não é linear”, pois depende das “condições sociais, econômicas e políticas existentes em determinado país e tempo histórico”, ou seja, trata-se de uma “construção político-institucional”.

Portanto, para que descentralização relacione-se mais intimamente a processos democráticos, Paro (2001, p. 84) identifica que “a descentralização de poder [deve se dar] na medida em que possibilita cada vez mais aos destinatários do serviço público sua participação efetiva, por si ou por seus representantes, nas tomadas de decisões”, ou nas palavras de Arretche (1996, p. 45) sobre a “natureza das instituições que, em cada nível de governo, devem processar as decisões”, quanto à qualidade da gestão pública que se processa em nível local (ABRUCIO e SOARES, 2001).

Dessa forma, o processo de democratização via descentralização esbarra na sobrevivência de resquícios culturais e políticos anti-republicanos no plano local que segundo Abrucio (2005, p. 49) ainda persistem em  algumas municipalidades governadas sob regimes oligárquicos, porém, adverte o autor, “a única maneira de democratizar e republicanizar o poder local é continuar na trilha da descentralização”.

Nogueira (2004, p. 15-16) afirma que o Brasil viveu quase quarenta anos de oligarquias civis quase antirrepublicanas, após 1889, “hostis à nação, ao Estado e à cidadania” e, na sequência, a vida política não conseguiu livre curso, ou seja, não conseguiu impor-se sobre a vontade militar. Assim, a sociedade não conseguiu estabelecer vínculos fortes, bem como não conseguiu fixar práticas e procedimentos políticos universalmente respeitados. O que fez imergir uma vida política “porosa, frágil e instável”, deixando para a experiência nacional das décadas seguintes “alto poder de determinação”.

Portanto, busca-se analisar o papel do Comitê Local do Compromisso e suas decorrências para a democratização da gestão da educação básica, sem perder de vista que historicamente a experiência democrática brasileira, “bem como o exercício da cidadania, ainda que acentuadamente regulada, são experiências recentes”, prevalecendo “uma estrutura patrimonialista e clientelista”, no sentido de que “o que é público tem sido determinado pela esfera do privado” (JESUS, 2014, p. 179).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de se observar a presença de elementos que poderão auxiliar no fortalecimento de um espaço para participação via Comitê Local do Compromisso, torna-se importante a compreensão das relações estabelecidas entre o Comitê com as Secretarias Municipais de Educação e com a sociedade como um todo, para que seja qualificada essa participação e quais implicações traz para a democratização da gestão da educação básica. Assim, deve-se observar se esse espaço constitui-se apenas como “uma concretização marcada por muita gestão (técnico-instrumental) para pouca democracia substantiva” marcada por definições essencialistas e legalistas, conforme reflete Lima (2014, p.1070).

Nesse sentido, não se pode afirmar que a partir da garantia constitucional para que se estabeleça a gestão democrática tenha-se uma relação direta com a efetiva participação, uma vez que pensar em participação e em gestão democrática no âmbito dos sistemas de ensino implica analisar os limites para o estabelecimento da democracia participativa, pois o modelo de gestão praticado na administração pública apresenta, ainda, de modo geral, fortes resquícios do modelo patrimonialista, marcado pelo clientelismo, centralização de poder, falta de transparência e pelo distanciamento entre governo e sociedade, posições que se chocam com os princípios democráticos e dificultam o fortalecimento da democracia.

Abrucio (2005) defende a necessidade de uma mudança nas instituições locais além do que uma mudança na postura da sociedade em relação aos governantes, reiterando-se o que foi dito anteriormente de que a descentralização não leva automaticamente à democracia. Dessa forma, a organização e o funcionamento do Comitê Local do Compromisso além de se constituírem em uma forma de regulação do Governo Federal podem, a depender das condições administrativas, políticas e da ação dos atores locais, apresentarem-se como experiências de democratização da gestão da educação básica no âmbito dos municípios.

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