POLÍTICA EDUCACIONAL E GESTÃO DO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO BÁSICA: DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR BRASILEIRA

Resumo: A pesquisa mostra que a discussão sobre a condução da política nacional curricular no Brasil, assim como a elaboração do documento preliminar da Base Nacional Comum Curricular, além de seguir o que obriga a legislação educacional, toma direções sócio-políticas a partir de negociação intensa e permanente do Ministério da Educação com o CONSED e a UNDIME, no processo de sua composição. A análise das contribuições da sociedade à consulta pública exige que se retome a discussão nacional sobre o conceito ampliado de currículo em suas relações com as disputas de projetos de sociedade e educação atuais, e também em sua articulação com a gestão da educação básica. O texto também apresenta uma análise do processo de discussão atual da BNCC e alguns resultados da discussão.

Palavras-chave: Política Nacional Curricular; educação básica; gestão do currículo.


A discussão sobre a construção de uma política curricular nacional esteve presente na história da educação brasileira do século XX, associada às diversas vertentes da teoria do currículo, ora de forma latente, ora resultando na construção de marcos legais, ora simplesmente seguindo historicamente as mudanças políticas educacionais para todos os níveis e modalidades da educação brasileira.

Associadas mais recentemente às políticas educacionais que promoveram e realizaram no Brasil as três vertentes principais do Programa de Educação para Todos capitaneado pelo Banco Mundial e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura na América Latina e Caribe (MELO, 2004), as questões relativas à necessidade ou não da construção de um currículo nacional acompanharam as políticas que resultaram numa ampliação do processo de universalização da educação, na implantação de diversas faces da gestão democrática realizada pelos entes federados brasileiros assim como acompanharam as discussões e ações relativas a uma melhor formação e valorização dos docentes em nossa região.

Podemos citar como marcos legais essenciais para a condução contemporânea da política curricular nacional para a educação básica o artigo 210 da Constituição Federal de 1988, que reza que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”; bem como nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/96, em diversos artigos, especialmente em seu artigo nono - que estabelece que a União é responsável, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e Municípios, pelo estabelecimento de competências e diretrizes para a educação básica que servirão para nortear os currículos e seus conteúdos mínimos - e também em seus artigos 26 e 26-A, que tratam de temas específicos a serem trabalhados na educação nacional.

Entre os séculos XX e XXI, o Brasil elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como as Diretrizes Curriculares Nacionais, abrangendo todos os níveis e modalidades da educação. A discussão sobre a necessidade da elaboração de um currículo nacional também esteve presente nas Conferências Nacionais da Educação (que abrangem não somente as Conferências Nacionais de Educação – CONAE – mas também as Conferências Nacionais da Educação Básica, de Educação Profissional e Tecnológica e diversos outros seminários nacionais específicos), com suas etapas municipais, regionais, estatais e distritais, bem como nas discussões que resultaram nos Planos Nacionais de Educação de 2001 e 2014, refletindo intensas e acirradas batalhas por interesses diversos e por vezes contraditórios de uma multiplicidade cada vez mais ampla de sujeitos políticos coletivos agindo no campo educacional. Somados a tais processos também estão os esforços dos 26 Estados, do Distrito Federal e também dos 5.570 municípios brasileiros no sentido da construção de suas próprias propostas curriculares para a educação básica.

Entre tais sujeitos podemos ainda enfatizar o fortalecimento das discussões e processos locais, que tomaram novos rumos históricos desde a promulgação da LDB de 1996, especialmente com relação à implantação dos seus artigos 12 e 13, que colocam em relevância as obrigações, responsabilidades e autonomia dos estabelecimentos de ensino e também dos docentes, trazendo para o centro da discussão sobre a gestão democrática os processos culturais e organizacionais que se realizam no cotidiano escolar.

A pesquisa cujos resultados apresentamos a seguir tem como objetivo principal a análise da nova proposta encabeçada pelo Ministério da Educação (MEC), em articulação muito próxima com o Conselho Nacional dos Secretários da Educação (CONSED) e a União dos Dirigentes Municipais da Educação (UNDIME), do documento preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que tem como objetivo principal a reescrita e recomposição de uma proposta nacional curricular para todos os níveis da educação básica.

Trazemos a discussão para a área de Política e Gestão da Educação Básica, por entendermos que a elaboração de proposta curricular nacional está no cerne das grandes mudanças político-educacionais da área, gerando consequências que se realizarão tanto nos diversos níveis institucionais quanto se constituirão como palco de amplas discussões sociais e acadêmicas nacionais.

Encerada em 15 de março de 2016, a consulta pública sobre a BNCC já aponta desafios nacionais e locais tanto quanto à sua representatividade frente ao quadro complexo dos sujeitos políticos coletivos da área, quanto ao seu conteúdo e também quanto ao planejamento de sua implementação; ou seja, antes mesmo de sua consolidação, já se discute em diversas instâncias o futuro da BNCC. Propomos na presente comunicação, uma breve discussão sobre o conceito de currículo em sua articulação com a gestão da educação básica, uma análise do processo de discussão atual da BNCC e, a seguir, alguns resultados que podem apontar desafios atuais e futuros.

POLÍTICA CURRICULAR NACIONAL: PRINCÍPIOS PARA A DISCUSSÃO DA GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Nos campos teóricos que envolvem as discussões sobre currículo, são múltiplas as interfaces com diversas áreas do conhecimento, cada uma com suas próprias genealogias, projetos de sociedade e conceitos próprios do que é ser humano, suas formas históricas de construir o conhecimento, suas formas próprias de produzir ciência e tecnologia, e suas preocupações sobre como tais conhecimentos serão transmitidos para as novas gerações.

Debruçar-se sobre a história do currículo no Brasil, especialmente com relação a uma nova proposta de BNCC que ainda está em seus primórdios, significa tanto recuperar os movimentos de sua construção quanto assumir um projeto de currículo futuro que abranja as noções de direito à educação para todos, de qualidade, de gestão democrática da educação, de projeto de nação e desenvolvimento, entre outros conceitos que vão se tornando cada vez mais visíveis e expressos tanto nas propostas de condução das políticas educacionais brasileiras, quanto na própria legislação educacional.

No caso específico da BNCC, cumprindo tanto as determinações legais citadas, quanto as pressões sociais dos mais diversos matizes institucionais e ideológicos, o Ministério da Educação, em conjunto com o CONSED e a UNDIME, assim como em conjunto com seus assessores nacionais e internacionais, constituíram em 2015 uma equipe de especialistas, reunindo também nomes de pesquisadores acadêmicos com atuação nas diversas áreas do conhecimento e sociedades científicas nacionais, que tiveram como tarefa principal elaborar o documento preliminar para a consulta pública nacional, que foi aberta ainda em setembro de 2016, como mostraremos a seguir. No entanto, um dos elementos principais das críticas que já se estruturam com relação à BNCC, é a de que o documento, tomando como  objetivo principal os objetos de aprendizagem e conhecimento, não apresentou uma clara proposta conceitual do seu significado, nem deixou claros os caminhos para a sua gestão futura, para a sua implantação, passando tanto pela sociedade quanto pelos órgãos nacionais, estaduais, distrital e municipais responsáveis legalmente, até se tornarem visíveis e colaborativos com os estabelecimentos de ensino, docentes e educadores em geral.

Como campo de disputa social sempre em evidência na condução das políticas educacionais nacionais, o currículo da educação básica soma-se às discussões relativas às políticas de avaliação de aprendizagem e avaliação institucional, no sentido da necessidade de se construir direções hegemônicas e homogêneas que possam ser a base do cumprimento dos preceitos constitucionais sobre as responsabilidades da União.

A elaboração da BNCC, conduzida com o protagonismo da Secretaria da Educação Básica do MEC, toma posição nas discussões como expressão de um currículo básico e comum prescrito, de forma a garantir uma homogeneidade nacional, principalmente em se tratando de direitos básicos de aprendizagem. Embora cumpra as determinações de flexibilidade e esteja aberta para as negociações que se darão junto às instâncias locais, a perspectiva é a de que, em sua fase seguinte, de envio e discussão junto ao Conselho Nacional da Educação (CNE), sejam colocadas publicamente as necessidades de se esclarecer melhor suas bases teórico-epistemológicas.

As discussões sobre currículo envolveram diversas matizes e abordagens teóricas ao longo dos séculos, desde as primeiras tentativas das nações modernas de estabelecer parâmetros para a escolarização de sua população, até as discussões mais atuais sobre a relação indissociável entre o currículo prescrito, a teoria do currículo e a sua prática efetiva (GOODSON, 2013). São questões que envolvem o peso da teoria e da prática na realização do currículo.

Segundo as pesquisadoras Marcia Ferreira e Lisete Jaehn (2012), tal autor, que tem raízes epistemológicas na nova sociologia da educação, apresenta uma visão de currículo que integra diversos dos problemas sócio-históricos contruídos sobre o tema, desde as grandes enquetes realizadas nos anos de 1970 e início de 1980, até as discussões sobre as práticas dos sujeitos em seu cotidiano escolar. Ivor Goodson também nos chama a atenção para a história do processo de elaboração do currículo:

Por conseguinte, se não analisarmos a elaboração do currículo, a tentação será a de aceitá-lo como um pressuposto e buscar variáveis dentro da sala de aula, ou, pelo menos, no ambiente de cada escola em particular. Estaríamos aceitando como “tradicionais” e “pressupostas” versões de currículo que num exame mais aprofundado podem ser consideradas o clímax de um longo e contínuo conflito”. (GOODSON, 2013, p. 24)

São questões que se coadunam com a investigação em curso sobre a elaboração da BNCC e suas interfaces com as questões de gestão democrática da educação, seguindo também as argumentações do historiador Eric Hobsbawn sobre o processo histórico de criação, ou mesmo de “invenção das tradições”, objeto de algumas de suas investigações (HOBSBAWN, 1997). Ao acentuar as questões relativas à construção social do currículo, Goodson chama nossa atenção para a necessidade de considerarmos a dinamicidade histórica dos currículos, colocando-os em seu contexto histórico, tanto quanto confrontando-o com a sua prática efetiva nos mais diversos estabelecimentos de ensino.

As políticas curriculares têm uma materialidade histórica que se associa às práticas de planejamento, gestão, financiamento e avaliação da educação em seus diversos níveis e modalidades, no entanto, quando desponta como política de Estado, como política nacional, pode correr o risco de se desvincular da ligação direta que deveria ter, desde seu processo de elaboração, de sua prática histórica real nos estabelecimentos de ensino e demais espaços educativos; corre também o risco de se desvincular da ação dos sujeitos que fazem o cotidiano escolar.

O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

Um dos maiores desafios na gestão da educação básica brasileira é a necessidade e obrigação legal da construção nacional do currículo da educação básica. Tendo uma população de 203 milhões de pessoas, entre elas 50 milhões entre 4 e 17 anos de idade matriculados na educação básica obrigatória, em 2015 o Brasil entrou em processo de compactuar a construção de um currículo nacional que tanto permitisse o desenvolvimento de funções administrativas e de controle social, mas também de resultados de aprendizagem, quanto respeitasse os direitos de aprendizagem, bem como a diversidade cultural e étnica de sua população. Além de tais desafios, como já citado, essa população vive em 26 estados, um distrito federal e 5.570 municípios que têm suas histórias e dinâmicas de práticas de gestão e currículo próprias.

Como um primeiro passo para iniciar uma nova construção do currículo nacional, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB), negociou com o CONSED e a UNDIME a composição de uma comissão de 116 especialistas que tiveram como tarefa principal a articulação em áreas de conhecimento e elaboração de textos introdutórios de cada área, bem como a elaboração de objetivos de aprendizagem para cada um dos componentes curriculares. Tal equipe se reuniu durante alguns meses e entregou à SEB o documento preliminar que se constituiu na proposta inicial para a consulta pública.

A seguir faremos uma pequena descrição da estrutura principal da BNCC para em seguida apresentarmos algumas contradições que lhes são intrínsecas.

A consulta pública se configurou no acesso ao documento preliminar, com seus vários tipos de texto e cada tipo teve uma entrada específica, para todos os usuários que desejassem deixar suas contribuições. Os usuários poderiam se cadastrar como indivíduos, organizações ou escolas, e sua identificação obrigatória nos permite hoje visualizar de forma transparente cada uma das contribuições realizadas, que totalizaram, em 15 de março de 2016, 12.226.510 contribuições que foram todas analisadas. O portal ainda pode ser acessado pelo endereço basenacionalcomum.mec.gov.br, mesmo que a consulta pública tenha já se encerrado.

Os usuários poderiam dar suas contribuições concordando, discordando e acrescentando diversos tipos de sugestões para cinco tipos de textos: o texto inicial intitulado “dê sua contribuição para a BNCC”, os textos introdutórios de cada área, os documentos de áreas que também foram disponibilizados, os objetivos de aprendizagem e também puderam contribuir com novos objetivos de aprendizagem.

No total, como está disposto no Portal na seção “números da consulta”, 305.207 usuários se cadastraram e fizeram suas contribuições para as cinco áreas propostas: educação infantil, linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza, divididas, por sua vez, em componentes curriculares, abrangendo toda a educação básica: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. O site traz também os números de contribuições por área, por componente curricular, por Unidades da Federação, assim como também disponibiliza uma série de documentos de apreciação de conteúdo dos especialistas e dos novos consultores que foram, durante o processo da consulta pública, se alimentando dos dados preliminares para repensar as mudanças necessárias, assim como rever os próprios textos do documento preliminar.

Os dados finais não estão ainda publicados no site, mas posso expor o processo em linhas gerais, por ter feito parte da equipe multidisciplinar da Universidade de Brasília que, junto com grupo de pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, realizou o projeto de pesquisa junto ao MEC de análise dos dados totais da consulta pública apresentada.

Com mais de 95% de aprovação sobre o texto preliminar, indicado pela quantificação de respostas concordantes com os diversos tipos de texto, a pesquisa não teve como objetivo a justificação ou a demonstração do apoio da sociedade ao projeto, mas analisar todas e cada uma das 12.2 milhões de contribuições apontando, de volta, para a equipe de especialistas, tudo o que poderia ser considerado para a mudança dos textos.

Com a geração de análises preliminares, a análise dos dados, embora de base quantitativa, procurou enfatizar e respeitar todas as contribuições realizadas. Avaliados quanto à clareza, relevância e pertinência, os textos dos objetivos de aprendizagem também foram organizados em diversas categorias, de acordo com as respostas da consulta pública: todos os 1.714 objetivos de aprendizagem foram avaliados, a quantificação das respostas para cada um deles variou de 2.500 a 16.000 contribuições, num total aproximado de 3.7 milhões de contribuições (aproximado, pois os números finais ainda serão divulgados no próprio Portal da BNCC), sendo diferente a porcentagem para cada área e cada componente curricular. De forma simples, foram analisadas todas as sugestões de modificação de objetivos de aprendizagem, classificadas em categorias gerais de: alteração substancial, troca de ano/etapa, comentários (sem trocas), acréscimos de poucas palavras, sem edição do objetivo e não válidos (ou em branco).

Tais dados foram sintetizados em tabelas quantitativas, no entanto, todas as contribuições estão expostas, por usuário, no Portal da BNCC.

Além da consulta pública, seminários em todo o país foram sendo conduzidos nos estados e municípios, sempre em parceria entre o MEC, CONSED e UNDIME, a fim de qualificar melhor as contribuições que foram sendo articuladas em cada um desses locais; ampliando a participação dos entes federativos e também das escolas e professores, no sentido de refletir a partir de um espectro mais amplo, as necessidades e posicionamentos das redes de ensino públicas do país. Tais seminários também contribuíram para estimular a expressão da diversidade de experiências e vivências em todo o território nacional.

A partir das análises e sínteses produzidas a partir da consulta pública e o trabalho permanente dos especialistas e consultores sobre seus textos específicos, seguir-se-á à consolidação do texto da BNCC o posterior envio às considerações do Conselho Nacional da Educação, que já este está, por sua vez, trabalhando em comissão bicameral (a Câmara da Educação Básica em conjunto com a Câmara da Educação Superior) para pensar a metodologia da nova fase de discussão.

No entanto, a envergadura e amplitude de tal consulta pública, bem como o sucesso do alcance das contribuições realizadas, não significa que o documento tem uma aceitação nacional homogênea, considerando, além do exposto acima, que a grande maioria das 12.2 milhões de contribuições se originou nas redes públicas de ensino.

O processo de construção da consulta pública como uma das bases de construção da BNCC, não somente contribui para redesenhar o currículo nacional, como renova a discussão sobre a política curricular nacional, trazendo a necessidade de investigarmos não só o processo preliminarmente descrito acima, como revelando questões que merecem ser permanentemente discutidas.

A política curricular nacional não se restringe ao currículo, tampouco o currículo se restringe à BNCC, sendo esta o primeiro passo para uma reforma curricular mais ampla e mais profunda, que vai exigir mais respostas e mais parcerias e um leque mais amplo de participações sociais.

PREOCUPAÇÕES FINAIS

Para além da proposição de um currículo oficial, ou de formulação de objetivos e direitos de aprendizagem, para além da composição de roteiros ou listas de conteúdos, a composição de um currículo nacional também tem uma profunda relação com um projeto de sociedade e de educação, ou, de forma mais realista, da composição de projetos de sociedade e educação muitas vezes em conflito.

Se, por um lado, a composição da BNCC teve uma intensa participação social, conduzida pelos parceiros principais citados, tal participação esteve fundada na mobilização das redes públicas, deixando para outros momentos e fóruns sociais distintos a participação de outros sujeitos políticos coletivos igualmente interessados em participar das decisões públicas quanto ao planejamento e execução da política nacional curricular.

Todas as empresas representadas no Movimento pela Base, movimento que agrega diversas instituições privadas de base empresarial de consultoria, editoras, produtoras de material didático em geral, bem como empresas especializadas na formação continuada dos trabalhadores em educação, também acompanharam o processo inicial de construção da BNCC, embora de outra forma, em contato direto com seus parceiros históricos tradicionais, o CONSED e a UNDIME.

Além dos interesses explícitos na condução das políticas de currículo como aprendizagem de conhecimentos e novos conhecimentos, do que é consensual politicamente como base do conhecimento escolar; tais questões se relacionam também com a própria produção de conhecimento, com a capacidade dos países de produzir novos conhecimentos.

A forma com a BNCC está escrita, com a intenção de ser um dos elementos componentes da política nacional curricular – embora seus realizadores a reconheçam como um elemento definidor; ainda traz grandes riscos, tanto quanto à relação entre educação pública e privada, quanto com relação à disputa relacionada ao uso do dinheiro público para a educação pública, à relação com a política nacional de ciência, tecnologia e inovação, assim como com a educação profissional e tecnológica, e outras modalidades da educação nacional.

Temos ainda as questões que envolvem o risco do retorno da racionalidade técnica e da nova teoria do capital humano, como indicado por trabalhos recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (MELO, 2015) e ainda todas as questões que envolvem a execução e realização da nova BNCC.

No Brasil, reconheçamos legalmente a educação como direito público subjetivo, tais interesses privados tentam também de forma permanente, trazer para a política curricular nacional, assim como para as políticas de formação inicial e continuada de professores, os valores empresariais e gerenciais, de forma a legitimar seus próprios interesses coorporativos e ético-políticos, tentando transformar a educação em mercadoria compatível com o gerenciamento de seus negócios.

Entre disputas por projetos de sociedade e educação contraditórios, confrontos e resistências, estamos nos debruçando sobre um campo de investigação complexo, que tem interfaces com diversas áreas de conhecimento e envolvem também especificamente a composição de sistemas de ensino, história das disciplinas escolares, relações internas e externas de mudanças nos estabelecimentos voltados à educação escolar (GOODSON, 1995).

Procurando ir além de todas as discussões da área que nos dizem tudo o que o currículo não pode ou não deve ser, creio que o processo que envolve a BNCC, além das suas formas propositivas próprias, também traz o mérito de provocar novas discussões também propositivas em diversas áreas de pesquisa, especialmente no que diz respeito às políticas educacionais para a educação básica no Brasil, na América Latina e no mundo.

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